Moisés Mendes: A falsa confusão entre
Forças Armadas legalistas e militares golpistas
O ministro Luís
Roberto Barroso repetiu o que seu colega Alexandre de Moraes já havia dito. Que
as Forças Armadas não tiveram envolvimento direto na tentativa de golpe de 8 de
janeiro.
Moraes tem certeza de
que em nenhum momento as Forças Armadas, “enquanto instituição, flertaram com
essa possibilidade”. Barroso disse que “na hora H, as Forças Armadas ficaram do
lado da legalidade”.
Há aparentes sutilezas
nas duas declarações, a de Moraes em entrevista à CNN, no início de janeiro, e
a de Barroso agora, em palestra no Fórum Econômico Mundial.
Moraes enfatiza que a
instituição não se envolveu com o golpe. É uma tentativa, já sugerida por Lula
e por seu ministro da Defesa, José Múcio, de preservar as Forças Armadas e
separar os golpistas dos legalistas. Que salvem a instituição e sigam em frente.
Já Barroso fala no que
teria sido a hora H, o 8 de janeiro. Fica da sua declaração a dúvida sobre um
possível vacilo da instituição, até que, na hora H, teria prevalecido a opção
pela legalidade.
As duas declarações
são, pelo que não dizem, iluminadoras de algumas penumbras que talvez nunca
venham a ser totalmente iluminadas. Alguns militares não tinham poder
institucional, mas achavam que teriam voz de comando.
Braga Netto, que foi
ministro da Defesa e exerceu funções políticas de porte (intervenção no Rio e
chefia da Casa Civil), pediu fé aos golpistas depois da eleição.
Mas Braga Netto já era
ali, em 18 de novembro de 2022, apenas um homem de fé derrotado na sua ambição
de ser o vice de Bolsonaro, que tentaria corrigir na função o desprezo que
Hamilton Mourão nutria pelo sujeito.
Braga Netto esperava
que, na hora H, a instituição reagisse, por alguns dos seus comandantes? Quais
deles? Com quem o general contava para que os militares dessem suporte aos
manés de muita ou pouca fé?
Dos chefes das três
armas, que teriam sido consultados por Bolsonaro depois da eleição, para uma
avaliação das suas aptidões golpistas, só um, o então líder da Marinha,
almirante Almir Garnier, teria manifestado adesão ao plano, conforme versão de
Mauro Cid.
O pavio do projeto era
a esculhambação, o caos que levaria à intervenção militar, se Bolsonaro fosse
derrotado na eleição. Começaram tentando com os bloqueios de estradas.
Dedicaram-se aos
acampamentos nos quartéis. Investiram nos atentados contra torres de
transmissão de energia. Exacerbaram as provocações ao Supremo e, finalmente,
incitaram a invasão do 8 de janeiro.
Como separar apoios e
omissões ditas avulsas, de um lado, e a instituição, de outro? Pergunta-se de
novo: as instituições militares não conspiraram contra a eleição, ao levarem
até o fim o questionamento do sistema eleitoral e principalmente da segurança
das urnas?
Por que gente
importante das instituições militares, que ficaram com Bolsonaro até sua fuga
para os Estados Unidos, saltaram fora, na hora H? Desistiram porque os
comandantes já estavam de saída?
Em abril de 2022, em
palestra, o mesmo Barroso havia dito que as Forças Armadas estavam sendo
"orientadas para atacar o processo eleitoral e tentar
desacreditá-lo".
E atacaram até a hora
H, a hora do desatino, que pode ter servido muito mais para denunciar algumas
covardias do que para pôr à prova a racionalidade e o respeito militar à
Constituição, ao Supremo e ao presidente eleito.
Militares que poderiam
ter contribuído com algo mais para a efetividade do golpe se retiraram, quando
perceberam que a invasão de Brasília seria mais uma trapalhada do que uma hora
H.
E há um aspecto
relevante, que não pode ser subestimado, sob pena de comprometer o conjunto das
tentativas de compreensão do que aconteceu muito antes, durante e depois do 8
de janeiro.
Essa é a questão que
não pode ser escamoteada: os generais não confiavam na liderança de Bolsonaro.
E estavam inseguros diante da mediocridade estratégica dos envolvidos com o
plano ou inspiradores do golpe.
Os generais não
confiavam em Bolsonaro, em minutas, em fés e neles mesmos. Como poderiam aderir
a um golpe liderado pela Marinha?
Os manés ficaram
sozinhos por medo e por covardia dos que, em algum momento, ocuparam as
instituições e representaram essas instituições fardadas.
Dizer que as Forças
Armadas não estiveram envolvidas no golpe não é, nem por leitura enviesada, o
mesmo que afirmar que não existiram militares golpistas.
Existiram muitos
golpistas das Forças Armadas, pelo menos 22 de alta patente, segundo a CPI do
Golpe. Se continuarem impunes, continuarão existindo, prontos para voltar a
golpear.
Ø
Enquanto Justiça não anda, Mauro Cid entra
no topo da lista de promoções do EB. Por Denise Assis
O Comando do Exército
Brasileiro – leia-se, general Tomás Paiva -, está compelido a promover até o
dia 30 de abril, deste ano, ao cargo de “coronel”, o tenente-coronel Mauro Cid,
ex-ajudante-de-ordem do então presidente Jair Bolsonaro. O uso do termo “compelido”,
tem sua razão, graças ao alheamento com que a Força tem tratado o problema do
oficial, como se não lhe dissesse respeito que um dos graduados de suas
fileiras, estivesse sob forte suspeição de ter cometido o crime de falsidade
ideológica. Sim, é disto que se trata. Nesses casos, independente do andamento
na Justiça comum, a que está submetido, Mauro Cid já deveria estar sob o foco
de um Inquérito Policial Militar, que em paralelo estaria averiguando o seu
caso.
Mauro Cid ganhou
notoriedade desde que veio à tona o seu possível envolvimento com a preparação
de atos golpistas para a perpetuação do seu chefe no poder, e com a
falsificação do atestado de vacinação dele e o seu entorno, para empreender
fuga para os Estados Unidos (antes do final do mandato, em 30 de dezembro de
2022). Como todos assistimos, o antecessor recusou-se a passar a faixa para o
presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, pois precisava utilizar-se do
jato presidencial - ainda usando a prerrogativa do cargo-, a fim de vender as
joias que lhe foram presenteadas pelos governos da Arábia Saudita e dos
Emirados Árabes. O plano, ao que parece, visava a que o montante arrecadado
custeasse novas rotas de fuga.
Na operação, Mauro Cid
envolveu a mulher, Gabriela Cid e o pai, o general Mauro Cid, ex-integrante do
Alto Comando do Exército, que chegou a ser flagrado em foto, na tentativa de
venda das peças presenteadas a Bolsonaro, na condição de chefe do Estado Brasileiro.
Para livrá-los do problema, Mauro Cid topou conceder uma delação premiada, cuja
íntegra até agora encontra-se sob sigilo. Porém, o teor do que já veio a
público é bastante comprometedor. No diálogo abaixo, com um grupo
descaradamente golpista, o grupo de watzsApp que se autointitulava “Dosssss”,
conversa sobre a necessidade urgente de desfechar o avanço de tropas militares
do batalhão das Forças Especiais – para a qual Cid fora designado pelo Comando
-, antes de deixar o posto de ajudante-de-ordem. Ou seja, voaria com suavidade
do posto junto ao antigo presidente, para um batalhão de operações de terra, do
tipo que puxa ações de guerrilha. Tudo perfeito.
Acontece que, apesar
de cristalina a intenção do grupo, da gravidade de esse conteúdo ter sido
encontrado no celular do ajudante-de-ordem do então presidente da República e
de saltar desse conteúdo a ameaça: “vai ter careca sendo arrastado por blindado
em Brasília?”, o bravo Exército Brasileiro deixou a cargo apenas da Justiça
comum, quando deveria ser de seu interesse, a apuração dos fatos através de um
IPM. Nenhuma providência foi tomada pelo Alto Comando. Por isto, Mauro Cid
segue “promovível”.
Sem sentença, embora
réu confesso - falsificação de documento público, atividades antidemocráticas,
evasão de divisas e contrabando de joias, além da presença em seu telefone de
uma minuta de anulação das eleições presidenciais de 30/10/2022 -, setores militares
alegam "presunção de inocência", para a promoção do ex-ajudante-de
ordem do presidente Bolsonaro. Assim, além de manter seu salário de R$ 26 mil
reais, mesmo com tornozeleira e sendo réu confesso -, com o acordo ainda não
divulgado de delação -, corre-se o risco de premiar a indisciplina, o
estelionato e o golpismo.
Até a data de
30/04/2024 o Comando do Exército define as novas promoções na Força. No alto da
lista de “promovíveis” da patente de Tenente-Coronel para Coronel está Mauro
Cid. Fontes do meio militar estão incomodadas com a possibilidade e, a boca
miúda, expõem suas razões:
“Em não havendo a
denúncia pelo Ministério Público Federal o general Tomás Paiva não pode deixar
de promovê-lo nem que seja por antiguidade. Ele é impedido de fazer isto. As
evidências estão aí, e ainda que haja fortes indícios de que ele agiu
ilegalmente, ainda não houve processo e nem a sentença condenatória. É o caso,
por exemplo, do presidente Lula, que mesmo havendo a sentença condenatória, em
segunda instância, mas não tendo chegado ao STF ele já havia sido eliminado da
disputa. Nós não podemos incorrer no mesmo equívoco, de condenar previamente.
Há vários elementos de indícios de prova, mas são insuficientes”.
O oficial do Exército
ouvido pelo 247, sob anonimato, destacou: “O que chama a atenção é
que com tudo o que corre na Polícia Federal, o Exército não tenha aberto nenhum
procedimento de nenhuma forma com relação ao tenente-coronel Cid, tanto depois
de exercício do seu cargo, quanto antes, quando ele executava isso tudo o que a
gente está vendo. E eu não estou nem falando de comportamento ilegal, mas de
militância política”.
A fonte aponta que
Mauro Cid “como ajudante-de-ordem, parecia se comportar como militante
político. O que eu, Comando do Exército, que designei aquele oficial para
atuação fora da Força, faria, ao notar que o seu comportamento estava indo além
do que está determinado para a função de um ajudante-de-ordem? Chamaria o seu
superior e apontaria o que eu estava vendo de errado naquele seu comportamento
e determinaria que ele corrigisse. E se ele continuasse eu o retrocederia para
dentro da Força e tomaria medidas disciplinares cabíveis”.
De acordo com esse
oficial, “todos nós vimos que ele estava extrapolando. Quem estava dentro do
Exército viu de forma muito mais clara ainda e ninguém fez absolutamente nada
em relação a isso. E eu não estou falando em punição, não. Estou falando em
tirá-lo da função, até para evitar o seu desgaste”, argumenta. “Estava muito
claro o comprometimento dele para com Bolsonaro e é certo que seria um desgaste
para a sua carreira. Só esclarecendo que, por enquanto, o general Tomás Paiva
não pode fazer nada. Poderia ter feito quando estava no Alto Comando. Poderia
ter dito: olha o Cid não está se comportando”, esclarece.
Essa fonte arrisca um
palpite sobre os desdobramentos desse caso. Em sua opinião, ele vai ser
denunciado antes de março “e aí o Exército está terceirizando ao Ministério
público Federal a não promoção de Mauro Cid. E ainda vão vender a ideia de que
generais consideraram melhor que isto acontecesse porque o Cid, diante disso
tudo, não tem condições de ser promovido”. Ou seja, sairão lavados, ensaboados
e enxaguados dessa contenda. “Mas o fato é que antes do 31 de dezembro de 2022,
ninguém fez nada”, arremata.
·
Regras e
excepcionalidades das Forças Armadas:
Mesmo que um oficial
ou militar de modo geral sofra penalidades na Justiça e seja expulso, a família
e os seus beneficiários legais continuam a receber o soldo. Isso faz parte da
figura do “morto ficto” (morto para as fileiras, expulso)”.
O oficial ouvido
defende a medida, classificando-a de “justa e legítima”, posto que não é dada à
família de um militar a estabilidade suficiente para que a esposa trabalhe. São
inúmeras as transferências de cidade ao longo da carreira. “Tendo o militar já
tendo o direito adquirido, a família não pode pagar pelo erro pessoal dele”,
argumenta. Ao contrário do que acontece na iniciativa privada. Quando um
funcionário é demitido a empresa não leva em conta se os seus dependentes terão
ou não como se manter. No caso de Mauro Cid o seu salário bruto é de R$ 26 mil
e o líquido deve estar em torno de R$ 17 mil, com descontos e benefícios.
Como o processo ainda
está em andamento, é possível que, como previu a fonte, a denúncia seja feita
até março. Porém, se no frigir dos ovos ele for dado como “inocente”, em caso
de ter perdido a promoção, Mauro Cid ainda pode requerê-la com atraso, percebendo,
assim, todas as diferenças salariais que deixou de receber pela “não promoção”.
E, o que é mais grave: sua carreira continua ilesa. A leitura será de que ele
agiu com dignidade e isso o fará apto a prosseguir e concorrer ao generalato. É
aguardar para ver de que tamanho fica esse imbróglio.
Fonte: Brasil 247
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