sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Lula enterrou política antiambiental de Bolsonaro, mas precisa fazer mais para zerar desmatamento

governo Lula (PT) pôs fim a um verdadeiro pesadelo ambiental no Brasil. A gestão anterior, de Jair Bolsonaro (PL), sabotou ativamente as políticas de proteção dos biomas e transformou o país em um pária mundial da diplomacia climática.

Marina Silva (Rede) reassumiu o ministério 15 anos após ter deixado o cargo. Logo de cara, ela desfez as "boiadas" de Ricardo Salles, como ficaram conhecidas as medidas tomadas pelo ex-ministro do Meio Ambiente que ajudaram a abrir a Amazônia para o crime ambiental.

O resultado veio mais rápido do que o esperado e surpreendeu os especialistas. O desmatamento na Amazônia caiu pela metade em 2023 e, embora ainda esteja alto, já retornou aos patamares pré-Bolsonaro.

"Temos números expressivos no controle do desmatamento da Amazônia. Expressivos e realmente impressionantes. Porque as equipe de fiscalização estão muito reduzidas. A curva de desmatamento da Amazônia claramente já foi invertida", comentou a especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo.

Com Lula, o Brasil também destravou e atraiu novas doações para o Fundo Amazônia, que financia projetos de preservação e economia sustentável e hoje acumula 4 bilhões de reais. Os recursos ficaram travados na época de Bolsonaro, depois que a gestão do ex-presidente extinguiu os mecanismos de governança do Fundo.

·        Congresso é empecilho para agenda verde

Mas, para avançar mais, o governo enfrenta problemas internos e externos. O Congresso, dominado pelo agronegócio, contrariou Lula e o Supremo Tribunal Federal (STF) ao restabelecer o marco temporal, que restringe radicalmente a demarcação de terras indígenas.

"Há certas questões que são centrais para o governo, que conseguiu constituir uma maioria no Congresso, como no caso da reforma tributária, da questão fiscal ou da aprovação do indicado para o Supremo Tribunal Federal", diz Márcio Santilli, fundador do Instituto Socioambiental.

"Porém, nessa agenda socioambiental, o governo não tem conseguido constituir maiorias e tem sido derrotado, inclusive com vetos derrubados em algumas questões. Isso significa realmente que teve, desse ponto de vista, uma piora da correlação de forças no Congresso", prosseguiu Santilli. 

·        Busca por petróleo contradiz esforço ambiental do governo 

Dentro do governo, a ala ambientalista se chocou com setores que apostam no aumento da exploração de petróleo, um grande vilão do clima mundial.

Petrobras vem aumentando a produção de petróleo e quer furar novos poços marítimos na região da Foz do Rio Amazonas, uma área de extrema fragilidade socioambiental.

Durante a COP28 em Dubai, o Brasil entrou para a Opep+, o grupo estendido do maior cartel de petróleo do mundo. A Agência Nacional do Petróleo anunciou um megaleilão que vai impactar a floresta Amazônia.

"Por isso há uma incoerência clara no meu ponto de vista. Desde o início do governo, há evidências de que a opção é pela intensificação de combustíveis fósseis. E acho que isso está sombreando a atuação do país em termos de meio ambiente", avaliou Suely Araújo, do Observatório do Clima.

·        E o desmatamento zero?

Colocando tudo na balança, os especialistas dizem que o primeiro ano de Lula na área ambiental foi marcado por avanços significativos e contradições ainda não superadas.

A somatória das forças ambientais e antiambientais dentro e fora do governo vai definir se o Brasil conseguirá alcançar o desmatamento zero até 2030, uma das promessas de campanha de Lula e Marina Silva. Um desafio imenso, que depende da superação da pobreza na Amazônia e do desmantelamento do crime ambiental.

"Em 2012, que foi a nossa menor taxa de desmatamento na Amazônia, você chega a 5 mil km2 por ano, um pouco mais que isso. É difícil abaixar. É difícil chegar no zero. Tem que ser feito esse trabalho com regularização fundiária, com a correta destinação das áreas públicas", constatou Suely Araújo.

"Houve, sem dúvida nenhuma, um fortalecimento muito grande da economia predatória na região da Amazônia durante o mandato do Bolsonaro e o enfrentamento a essa situação agora é complexo e difícil", completou Márcio Santilli.

 

Ø  Em 2023, marco temporal colocou à prova harmonia entre os Poderes

 

Nas linhas iniciais da Constituição de 1988, o art. 2º estabelece como princípio fundamental da República brasileira a existência de três Poderes da União “independentes e harmônicos entre si”. Durante o ano de 2023, o embate sobre a questão do marco temporal para demarcação de terras indígenas colocou à prova essa cláusula pétrea da Constituição. O tema marco temporal passou por análises e decisões no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, que debateram publicamente a questão.

O assunto repercutiu e foi debatido em comissões permanentes e no Plenário do Senado durante todo o ano, com apoios e críticas, em especial no segundo semestre de 2023. Os opositores ao texto temem que a proteção aos povos indígenas e ao meio ambiente fique prejudicada, enquanto os defensores apontam que a matéria pode trazer segurança jurídica e incentivar a produção agropecuária.

No dia 21 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que a tese do marco temporal para demarcações é inconstitucional. Para a maioria dos ministros (nove votos favoráveis contra dois contrários), a situação da área na data de promulgação da Constituição não pode ser usada para definir se uma área tem ou não ocupação tradicional de comunidades indígenas.

Na avaliação do Plenário do Supremo, mesmo áreas que não estavam ocupadas por indígenas em 1988 podem ter vinculação com a tradição e a ancestralidade de determinados povos indígenas.

A reação do Congresso foi imediata. Nos dias seguintes à decisão, dezenas de parlamentares discursaram nos Plenários do Senado ou da Câmara criticando o Supremo e acusando ministros de invadir o campo legislativo.

No dia 27 de setembro, em sentido contrário à decisão do STF, o Senado aprovou o projeto de lei que fixa o marco temporal em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal. O PL 2.903/2023 tramitava na Casa há apenas quatro meses, após passar 17 anos na Câmara dos Deputados. A proposta, que ficou mais conhecida como PL 490/2007, havia sido aprovada pela Câmara no final de maio. O autor do texto original foi o ex-deputado Homero Pereira (1955–2013).

Em 20 de outubro, Lula sancionou o projeto aprovado pelo Congresso como Lei 14.701, de 2023, mas vetou os pontos principais. O Congresso derrubou parte dos vetos em 14 de dezembro e promulgou os trechos restabelecidos pelos parlamentares, incorporando na lei a exigência do 5 de outubro como parâmetro para a demarcação de terras indígenas. Com a rejeição dos vetos, os parlamentares também fixaram na lei os pré-requisitos para que se considere determinada área com terra tradicionalmente ocupada.

Para serem consideradas terras indígenas tradicionalmente ocupadas, deverá ser comprovado objetivamente que, na data de promulgação da Constituição, essas áreas eram ao mesmo tempo habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural do respectivo povo indígena.

O marco temporal foi apoiado e defendido durante todo o ano por dezenas de senadores, como Plínio Valério (PSDB-AM), Margareth Buzetti (PSD-MT), Magno Malta (PL-ES), Zequinha Marinho (Podemos-PA), Weverton (PDT-MA), Vanderlan Cardoso (PSD-GO), Luís Carlos Heinze (PP-RS), Dr. Hiran (PP-RR), Jaime Bagattoli (PL-RO), Carlos Viana (Podemos-MG), Sérgio Moro (União-PR), Jorge Seif (PL-SC), Jayme Campos (União-MT), Tereza Cristina (PP-MS), Chico Rodrigues (PSB-RR). Para eles, o STF estaria promovendo “ativismo judicial” e invadindo competências de outro Poder, o Legislativo.

O presidente do Senado e do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, também defendeu a prerrogativa do Legislativo poder definir a questão do marco temporal. Quando a matéria foi aprovada pelos senadores, Pacheco disse que o desejo do Congresso é buscar a conciliação do Brasil em prol dos desenvolvimentos econômico, humano, e social, com respeito a todos os membros da sociedade.

“Eu tenho visto notícias em relação a esse tema como se fosse algo de enfrentamento do Senado Federal e do Congresso Nacional ao Supremo Tribunal Federal e quero afirmar aqui, com absoluta sinceridade, com toda a franqueza, que absolutamente de nossa parte não há nenhum tipo de sentimento revanchista em relação à Suprema Corte do nosso país. Eu sempre defendi a autonomia e a independência dos Poderes e sempre defendi a importância da autonomia do Poder Judiciário brasileiro e o valor da nossa Suprema Corte. (…) É simplesmente o fato de que nós não podemos nos omitir daquilo que é o nosso dever, que é o de legislar”, afirmou Pacheco na ocasião.

No Senado, o projeto passou pelas Comissões de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Constituição e Justiça (CCJ). O relator na CCJ foi o senador Marcos Rogério (PL-RO), que defendeu a aprovação. Na CRA, o projeto recebeu voto favorável da relatora, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). Para eles, o Congresso fez uma escolha política para dar mais segurança para a população do campo e para a população indígena.

·        Regras

De acordo com a tese do marco temporal, para que uma área seja considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será preciso comprovar que, na data de promulgação da Constituição, ela vinha sendo habitada pela comunidade indígena em caráter permanente e utilizada para atividades produtivas.

Também será preciso demonstrar que essas terras eram necessárias para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar.

·        Críticas

Defenderam a rejeição do projeto outros tantos senadores, como Eliziane Gama (PSD-MA), Randolfe Rodrigues, Jaques Wagner (PT-BA), Zenaide Maia (PSD-RN), Alessandro Vieira (PSDB-SE), Augusta Brito (PT-CE), Humberto Campos (PT-PE), Beto Faro (PT-PA).

Na audiência pública que precedeu a votação da proposta na CRA, lideranças indígenas condenaram o projeto, afirmando que os riscos vão além da demarcação de terras. Representantes do governo também se posicionaram contra a aprovação, sustentando que o texto avançou sem consulta aos povos indígenas e pode causar mais insegurança jurídica.

Em outra audiência, debatedores defenderam que o marco temporal é inconstitucional.

Na Câmara, deputados contrários ao marco temporal afirmaram que a aprovação do projeto seria uma ameaça aos direitos dos povos indígenas e traria prejuízos à preservação ambiental. Indígenas chegaram a chamar a decisão de genocídio.

O marco temporal foi tema de debate político até na COP 28, em Dubai.

A discussão vai continuar em 2024, representantes de povos indígenas já avisaram que entrarão com recurso no Supremo contra o marco temporal. O Ministério dos Povos Indígenas também já prometeu reação.

 

Fonte: Brasil de Fato/Agencia Senado

 

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