Lula enterrou política antiambiental de Bolsonaro, mas precisa fazer
mais para zerar desmatamento
O governo Lula (PT) pôs fim a um verdadeiro pesadelo ambiental no
Brasil. A gestão anterior, de Jair Bolsonaro (PL), sabotou ativamente as políticas de proteção dos biomas e
transformou o país em um pária mundial da diplomacia climática.
Marina Silva (Rede) reassumiu o ministério 15 anos
após ter deixado o cargo. Logo de cara, ela desfez as "boiadas" de Ricardo Salles, como
ficaram conhecidas as medidas tomadas pelo ex-ministro do Meio Ambiente que
ajudaram a abrir a Amazônia para o crime ambiental.
O resultado veio mais rápido do que o esperado e
surpreendeu os especialistas. O desmatamento na Amazônia caiu pela metade em
2023 e, embora ainda esteja alto, já retornou aos patamares pré-Bolsonaro.
"Temos números expressivos no controle do
desmatamento da Amazônia. Expressivos e realmente impressionantes. Porque
as equipe de fiscalização estão muito reduzidas. A curva de desmatamento
da Amazônia claramente já foi invertida", comentou a especialista em
políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo.
Com Lula, o Brasil também destravou e atraiu novas
doações para o Fundo Amazônia, que financia projetos de preservação e economia sustentável e hoje
acumula 4 bilhões de reais. Os recursos ficaram travados na época de Bolsonaro,
depois que a gestão do ex-presidente extinguiu os mecanismos de governança do
Fundo.
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Congresso é empecilho para agenda verde
Mas, para avançar mais, o governo enfrenta
problemas internos e externos. O Congresso, dominado pelo agronegócio,
contrariou Lula e o Supremo Tribunal Federal (STF) ao restabelecer o marco temporal, que restringe radicalmente a demarcação de terras indígenas.
"Há certas questões que são centrais para o
governo, que conseguiu constituir uma maioria no Congresso, como no caso
da reforma tributária, da questão fiscal ou da aprovação do indicado
para o Supremo Tribunal Federal", diz Márcio Santilli, fundador do
Instituto Socioambiental.
"Porém, nessa agenda socioambiental, o governo
não tem conseguido constituir maiorias e tem sido derrotado, inclusive
com vetos derrubados em algumas questões. Isso significa realmente
que teve, desse ponto de vista, uma piora da correlação de forças no
Congresso", prosseguiu Santilli.
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Busca por petróleo contradiz esforço ambiental do governo
Dentro do governo, a ala ambientalista se chocou
com setores que apostam no aumento da exploração de petróleo, um grande vilão do clima mundial.
A Petrobras vem aumentando a produção de petróleo e quer furar novos poços
marítimos na região da Foz do Rio Amazonas, uma área de extrema fragilidade socioambiental.
Durante a COP28 em Dubai, o Brasil entrou para a Opep+, o grupo estendido do maior cartel de
petróleo do mundo. A Agência Nacional do Petróleo anunciou um megaleilão que vai impactar a floresta Amazônia.
"Por isso há uma incoerência clara no meu
ponto de vista. Desde o início do governo, há evidências de que a opção é pela
intensificação de combustíveis fósseis. E acho que isso está sombreando a atuação do país
em termos de meio ambiente", avaliou Suely Araújo, do Observatório do
Clima.
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E o desmatamento zero?
Colocando tudo na balança, os especialistas dizem
que o primeiro ano de Lula na área ambiental foi marcado por avanços significativos e contradições ainda não
superadas.
A somatória das forças ambientais e antiambientais
dentro e fora do governo vai definir se o Brasil conseguirá alcançar o desmatamento zero até 2030, uma das promessas de campanha de Lula
e Marina Silva. Um desafio imenso, que depende da superação da pobreza na
Amazônia e do desmantelamento do crime ambiental.
"Em 2012, que foi a nossa menor taxa de
desmatamento na Amazônia, você chega a 5 mil km2 por ano, um pouco mais que
isso. É difícil abaixar. É difícil chegar no zero. Tem que ser feito esse
trabalho com regularização fundiária, com a correta destinação das áreas
públicas", constatou Suely Araújo.
"Houve, sem dúvida nenhuma, um fortalecimento
muito grande da economia predatória na região da Amazônia durante o mandato do
Bolsonaro e o enfrentamento a essa situação agora é complexo
e difícil", completou Márcio Santilli.
Ø Em 2023,
marco temporal colocou à prova harmonia entre os Poderes
Nas linhas iniciais da Constituição de 1988, o art.
2º estabelece como princípio fundamental da República brasileira a existência
de três Poderes da União “independentes e harmônicos entre si”. Durante o ano
de 2023, o embate sobre a questão do marco temporal para demarcação de terras
indígenas colocou à prova essa cláusula pétrea da Constituição. O tema marco
temporal passou por análises e decisões no Legislativo, no Executivo e no
Judiciário, que debateram publicamente a questão.
O assunto repercutiu e foi debatido em comissões
permanentes e no Plenário do Senado durante todo o ano, com apoios e críticas,
em especial no segundo semestre de 2023. Os opositores ao texto temem que a
proteção aos povos indígenas e ao meio ambiente fique prejudicada, enquanto os
defensores apontam que a matéria pode trazer segurança jurídica e incentivar a
produção agropecuária.
No dia 21 de setembro, o Supremo Tribunal Federal
(STF) concluiu que a tese do marco temporal para demarcações é
inconstitucional. Para a maioria dos ministros (nove votos favoráveis contra
dois contrários), a situação da área na data de promulgação da Constituição não
pode ser usada para definir se uma área tem ou não ocupação tradicional de
comunidades indígenas.
Na avaliação do Plenário do Supremo, mesmo áreas
que não estavam ocupadas por indígenas em 1988 podem ter vinculação com a
tradição e a ancestralidade de determinados povos indígenas.
A reação do Congresso foi imediata. Nos dias
seguintes à decisão, dezenas de parlamentares discursaram nos Plenários do
Senado ou da Câmara criticando o Supremo e acusando ministros de invadir o
campo legislativo.
No dia 27 de setembro, em sentido contrário à
decisão do STF, o Senado aprovou o projeto de lei que fixa o marco temporal em
5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal. O PL
2.903/2023 tramitava na Casa há apenas quatro meses, após passar 17 anos
na Câmara dos Deputados. A proposta, que ficou mais conhecida como PL 490/2007,
havia sido aprovada pela Câmara no final de maio. O autor do texto original foi
o ex-deputado Homero Pereira (1955–2013).
Em 20 de outubro, Lula sancionou o projeto aprovado
pelo Congresso como Lei 14.701, de 2023, mas vetou os pontos principais. O
Congresso derrubou parte dos vetos em 14 de dezembro e promulgou os trechos
restabelecidos pelos parlamentares, incorporando na lei a exigência do 5 de
outubro como parâmetro para a demarcação de terras indígenas. Com a rejeição
dos vetos, os parlamentares também fixaram na lei os pré-requisitos para que se
considere determinada área com terra tradicionalmente ocupada.
Para serem consideradas terras indígenas
tradicionalmente ocupadas, deverá ser comprovado objetivamente que, na data de
promulgação da Constituição, essas áreas eram ao mesmo tempo habitadas em
caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à
preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural do
respectivo povo indígena.
O marco temporal foi apoiado e defendido durante
todo o ano por dezenas de senadores, como Plínio Valério (PSDB-AM), Margareth
Buzetti (PSD-MT), Magno Malta (PL-ES), Zequinha Marinho (Podemos-PA), Weverton
(PDT-MA), Vanderlan Cardoso (PSD-GO), Luís Carlos Heinze (PP-RS), Dr. Hiran
(PP-RR), Jaime Bagattoli (PL-RO), Carlos Viana (Podemos-MG), Sérgio Moro
(União-PR), Jorge Seif (PL-SC), Jayme Campos (União-MT), Tereza Cristina
(PP-MS), Chico Rodrigues (PSB-RR). Para eles, o STF estaria promovendo
“ativismo judicial” e invadindo competências de outro Poder, o Legislativo.
O presidente do Senado e do Congresso, senador
Rodrigo Pacheco, também defendeu a prerrogativa do Legislativo poder definir a
questão do marco temporal. Quando a matéria foi aprovada pelos senadores,
Pacheco disse que o desejo do Congresso é buscar a conciliação do Brasil em
prol dos desenvolvimentos econômico, humano, e social, com respeito a todos os
membros da sociedade.
“Eu tenho visto notícias em relação a esse tema
como se fosse algo de enfrentamento do Senado Federal e do Congresso Nacional
ao Supremo Tribunal Federal e quero afirmar aqui, com absoluta sinceridade, com
toda a franqueza, que absolutamente de nossa parte não há nenhum tipo de
sentimento revanchista em relação à Suprema Corte do nosso país. Eu sempre
defendi a autonomia e a independência dos Poderes e sempre defendi a
importância da autonomia do Poder Judiciário brasileiro e o valor da nossa
Suprema Corte. (…) É simplesmente o fato de que nós não podemos nos omitir
daquilo que é o nosso dever, que é o de legislar”, afirmou Pacheco na ocasião.
No Senado, o projeto passou pelas Comissões de
Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Constituição e Justiça (CCJ). O
relator na CCJ foi o senador Marcos Rogério (PL-RO), que defendeu a aprovação.
Na CRA, o projeto recebeu voto favorável da relatora, senadora Soraya Thronicke
(Podemos-MS). Para eles, o Congresso fez uma escolha política para dar mais
segurança para a população do campo e para a população indígena.
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Regras
De acordo com a tese do marco temporal, para que
uma área seja considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será
preciso comprovar que, na data de promulgação da Constituição, ela vinha sendo
habitada pela comunidade indígena em caráter permanente e utilizada para
atividades produtivas.
Também será preciso demonstrar que essas terras
eram necessárias para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a
preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar.
·
Críticas
Defenderam a rejeição do projeto outros tantos
senadores, como Eliziane Gama (PSD-MA), Randolfe Rodrigues, Jaques Wagner
(PT-BA), Zenaide Maia (PSD-RN), Alessandro Vieira (PSDB-SE), Augusta Brito
(PT-CE), Humberto Campos (PT-PE), Beto Faro (PT-PA).
Na audiência pública que precedeu a votação da
proposta na CRA, lideranças indígenas condenaram o projeto, afirmando que os
riscos vão além da demarcação de terras. Representantes do governo também se
posicionaram contra a aprovação, sustentando que o texto avançou sem consulta
aos povos indígenas e pode causar mais insegurança jurídica.
Em outra audiência, debatedores defenderam que o
marco temporal é inconstitucional.
Na Câmara, deputados contrários ao marco temporal
afirmaram que a aprovação do projeto seria uma ameaça aos direitos dos povos
indígenas e traria prejuízos à preservação ambiental. Indígenas chegaram a
chamar a decisão de genocídio.
O marco temporal foi tema de debate político até na
COP 28, em Dubai.
A discussão vai continuar em 2024, representantes
de povos indígenas já avisaram que entrarão com recurso no Supremo contra o
marco temporal. O Ministério dos Povos Indígenas também já prometeu reação.
Fonte: Brasil de Fato/Agencia Senado
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