Analista: barragens em alerta dobraram no
Brasil em 2 anos e país não está imune a novo rompimento
Centenas de mortes,
bairros inteiros destruídos e rios que eram sinônimo de prosperidade tomados
pelos rejeitos da mineração. Só depois de dois grandes desastres que os
parlamentares brasileiros resolveram endurecer a legislação para o setor, sob o
lema "Mariana e Brumadinho nunca mais".
Era setembro de 2014,
uma quarta-feira de manhã, quando o rompimento de uma barragem da Herculano
Mineração em Itabirito, a 55 quilômetros de Belo Horizonte, despejava mais de
300 mil metros cúbicos de rejeitos na região. Para além dos impactos ambientais,
três funcionários que faziam o reparo da estrutura morreram após o colapso e,
conforme o Ministério Público de Minas Gerais, os diretores da empresa sabiam
muito antes das condições ruins de segurança no local.
Tudo isso parecia o
prenúncio de um desastre ainda mais grave, que aconteceria cerca de um ano
depois, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais: no dia 5 de novembro de
2015, a barragem de Fundão, da Samarco (controlada na época pelas gigantes Vale
e BHP), rompia com mais de 62 milhões de metros cúbicos de lama da mineração,
que praticamente cimentaram um dos maiores cursos d'água de Minas Gerais,
varreram do mapa dois distritos históricos e ainda ceifaram a vida de 19
pessoas. O volume de rejeitos foi tanto que o material atravessou mais de 230
municípios ao longo do rio Doce, em Minas e no Espírito Santo, e chegou ao mar.
Após pouco mais de
três anos, o 'inimaginável' voltaria a acontecer: em Brumadinho, na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, a barragem da Vale na mina Córrego do Feijão,
considerada segura pelas análises técnicas, colapsava em pleno horário de
almoço do dia 25 de janeiro de 2019. Bastaram alguns segundos para os 12
milhões de metros cúbicos de rejeitos varrerem todo o centro administrativo do
complexo minerário, além de pousadas, áreas rurais e bairros, até chegar ao
leito do rio Paraopeba. Ao todo, 272 pessoas morreram, e três ainda não foram
localizadas.
Só depois de três
desastres em um curto período de tempo que os parlamentares, tanto do Congresso
Nacional quanto da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, resolveram se
debruçar sobre uma nova legislação para a extração de minério de ferro. Além da
criação da Agência Nacional de Mineração (ANM), que, entre outras funções,
passou a ficar responsável pela fiscalização do setor, foi definido um
cronograma para a descaracterização das barragens a montante, método usado na
construção das três estruturas que se romperam.
De acordo com dados da
agência, nos últimos dois anos o número de barragens em alerta ou emergência de
rompimento mais que dobrou no Brasil. Ao todo, o país conta com 927 estruturas
que recebem os rejeitos da mineração e, conforme balanço divulgado em dezembro,
o último disponível, 92 estão em situação mais crítica — inclusive três podem
colapsar a qualquer momento, todas em Minas Gerais (duas da Vale, em Ouro Preto
e Barão de Cocais, na Região Central, e uma da ArcelorMittal, em Itatiaiuçu, na
Grande Belo Horizonte).
Em dezembro de 2021,
eram 40 barragens em alerta ou emergência de rompimento. A professora de
engenharia e PhD em geotecnia Rafaela Baldi pontuou à Sputnik Brasil que o
aumento foi motivado principalmente pela fiscalização maior e pela legislação
mais rigorosa. "Agora há um corpo técnico um pouco maior [da Agência de
Mineração, quando comparado ao do então Departamento Nacional de Produção
Mineral] e os itens [de análise das estruturas] ficaram mais criteriosos. Então
não é que tenhamos mais barragens em risco, mas foi necessário esse aperto e
vimos um número maior de barragens entrando nesse cuidado especial",
pontua.
Apesar disso, a
especialista lembra que o país não está imune a um novo rompimento — pelo
contrário. "Quando se fala em barragem, é uma estrutura que tem vida,
porque está inserida em um meio ambiente; pode chover sobre ela, ter
movimentação do solo, vegetação crescendo. Por isso é necessária uma manutenção
contínua, porque uma hora ou outra pode ser necessária uma atenção maior e
investimento para garantir a segurança."
·
O que é a Política Nacional de Segurança de
Barragens?
Estabelecida em 2010
com o objetivo de garantir padrões de segurança para as estruturas de contenção
brasileiras, além de reduzir possíveis acidentes, a Política Nacional de
Segurança de Barragens só passou a proibir o método de construção a montante em
2020. No fim do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a
Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB),
que define regras para comunidades afetadas pelo licenciamento de obras ou por
rompimentos.
Entre os direitos
instituídos à população atingida estão indenização, reassentamento coletivo,
assessoria técnica e auxílio emergencial em casos de desastres e moradias.
Porém as novas normas não valem para casos "já ocorridos ou considerados
iminentes". O membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB) Joceli Andrioli defendeu à Sputnik Brasil que a legislação
não pensou nas quase 1 milhão de pessoas que vivem em áreas próximas às
barragens potencialmente perigosas no Brasil.
"Um exemplo é
Congonhas [também na Região Central de Minas], onde em caso de rompimento de
uma das barragens, o tempo para atingir o bairro é de seis segundos. Isso
chamamos de terrorismo de barragens, que tem causado muitos problemas às
famílias. Imagina se tem um idoso, uma criança, vivendo em uma área de risco
assim, sem saber se a estrutura está realmente segura ou não", argumenta.
O dirigente lembrou
ainda que as barragens da Samarco e da Vale sequer estavam na lista das mais
perigosas do Brasil. "Não se falava em problemas de segurança, e ocorreu a
morte de quase 300 pessoas. Agora imagina quem vive em uma região considerada
de risco, que vive em situação de pânico. Eu diria que a vida dessas pessoas
parou. Os sistemas de evacuação [criados após o desastre em Brumadinho] têm
violado os direitos humanos, como vimos em Ouro Preto e Barão de Cocais e
vários outros lugares que tiveram evacuação", afirma.
Segundo ele,
comunidades inteiras próximas às barragens foram destruídas, mesmo sem um
rompimento, como em Macacos, distrito de Nova Lima, na Região Metropolitana de
Belo Horizonte. Por alguns meses, boa parte da população foi obrigada a sair de
casa após a revisão da segurança de uma das estruturas da Vale que ficam no
entorno. "Era uma área de muita cultura e lazer, só que tudo isso acabou.
Os comércios, a vida em comunidade, tudo foi afetado. E as empresas puderam
fazer não apenas essas violações, como reestruturar seus projetos de poder
nessas regiões", afirma.
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'Deixei minha casa há cinco anos só com a
roupa do corpo'
Duas semanas após o
rompimento na mina Córrego do Feijão, a barragem da Vale em Barão de Cocais, a
mais de 150 quilômetros de Brumadinho, foi colocada em risco iminente de
rompimento. O distrito de Socorro, que fica próximo à mina Gongo Soco, teve
toda a população retirada à força das suas casas. "Saímos só com a roupa
do corpo, nem os documentos conseguimos pegar", recorda Ana Rita de Souza
Rodrigues, de 38 anos, que é membro da Associação de Desenvolvimento
Comunitário de Socorro.
Passados quase cinco
anos, os mais de 500 moradores já perderam as esperanças de um dia retornarem
para casa — sem alternativa, parte deles inclusive vendeu o imóvel à Vale.
Segundo Rodrigues, o
retorno só seria autorizado em 2029, quando está previsto o fim das obras de
descaracterização da barragem Sul Superior. Enquanto isso, famílias acostumadas
com a vida rural foram obrigadas a irem para a cidade e toda a vida em comunidade
acabou.
"Nós tínhamos
festas tradicionais de mais de 300 anos, porque o nosso distrito é mais antigo
até que Barão de Cocais. Tínhamos também as cavalgadas, vivíamos em um lugar
onde todo mundo era como uma família, por ser pequeno. Agora estamos todos separados,
tem pessoas que estão morrendo por conta da depressão ou outros problemas de
saúde. Muitos faziam suas hortas, cuidavam dos animais no pasto, usavam o fogão
a lenha, e tudo isso acabou", relata.
A importância história
do distrito é tanta que a igreja mais antiga do município de Barão de Cocais
fica em Socorro: a Igreja Nossa Senhora Mãe Augusta do Socorro, construída em
1737 em estilo rococó.
Por que o governo
federal aprovou uma lei para extinguir as barragens a montante?
A partir da iniciativa
popular Mar de Lama Nunca Mais, de 2019, o governo determinou a extinção das 53
barragens a montante existentes no Brasil até fevereiro de 2022, prazo que foi
revisto diversas vezes. Conforme o último balanço da ANM, apenas três tiveram
as obras de descaracterização concluídas e cinco seguem em fase de
monitoramento após as intervenções. A maioria (22) ainda está em fase de
elaboração do projeto executivo para serem "eliminadas".
Para a PhD em
geotecnia Rafaela Baldi, esse processo deveria ter se tornado lei há muito
tempo. "Agora, se tem acontecido em um prazo certo ou não, posso dizer que
a maioria dessas estruturas já deveria ter sumido do mapa e ainda não ocorreu
também por conta das obras serem muito grandes. Então há um certo atraso, mas
está indo em um bom caminho. As mineradoras só passaram a descaracterizar as
estruturas por questões de custos e multas associadas, mas, enfim, está indo.
Só que poderia ser um pouco melhor", avalia.
·
Investimento de R$ 7 bilhões em retirada de
barragens
Na mineração, a
empresa que possui o maior número de barragens a montante é justamente a Vale,
que informou que já foram descaracterizadas 13 barragens (ou 40% do total
listado pela empresa). Ao todo, são investidos R$ 7 bilhões no programa, que
deve ser finalizado até 2035.
"A Vale tem
atuado para reduzir a dependência das barragens em suas operações. Um exemplo é
a filtragem do rejeito, que reduz a quantidade destinada a barragens em até
80%. O método já foi adotado em quatro plantas: Brucutu, Conceição, Cauê e Vargem
Grande, todas em Minas Gerais", acrescentou a empresa em nota.
Fonte: Sputnik Brasil
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