Juiz usa Estatuto da Criança e Adolescente para defender quebra de
sigilo médico em aborto
Um juiz usou o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) para justificar a quebra de sigilo médico em um caso de aborto. Na
decisão, o magistrado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo compara o
feto a uma criança já nascida ao invocar o “dever de comunicar maus-tratos à
criança ou adolescente” para isentar a equipe médica de uma Santa Casa de
Misericórdia, no noroeste paulista, por ter denunciado uma paciente que
procurou a emergência, depois de ter abortado. A polícia chegou a prender a
mulher dentro do hospital.
A Agência Pública teve acesso com exclusividade à
decisão, que faz parte de uma ação indenizatória, movida contra a Santa Casa
pela jovem, que na época tinha 26 anos. Ela afirma que foi forçada a confessar
o aborto e que os funcionários do hospital deram informações à Polícia Militar,
sem sua autorização. A jovem foi liberada depois de pagar fiança, mas disse que
foi obrigada a mudar de cidade por ter recebido ameaças de morte após o caso
ter sido divulgado na imprensa.
Trecho da sentença do juiz
A indenização por danos morais, no valor de R$ 10
mil, tinha sido concedida na decisão em primeiro grau, entendendo que houve
quebra de sigilo profissional por parte dos funcionários da Santa Casa. Mas, em
abril deste ano — seis anos após o aborto e a prisão da jovem — , o juiz
relator do caso julgou o pedido improcedente e usou o ECA, que é o marco legal
regulatório dos direitos humanos das crianças e adolescentes, para justificar
sua posição. Um recurso foi apresentado ao Superior Tribunal Federal (STF) e
está em tramitação.
O Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos
Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de São Paulo, que apresentou o
recurso, classificou o uso do ECA na decisão como um “equívoco conceitual e
jurídico”. Um dos trechos afirma que o “embrião não é criança, não sendo,
portanto, aplicável o Estatuto da Criança e do Adolescente ao caso”.
Entre outros argumentos, a Defensoria Pública
também contestou a decisão do juiz alegando que “o direito à saúde requer o
fornecimento de informações precisas sobre cuidados médicos, incluindo
informações sobre aborto, sem que haja receio de sanções criminais contra
mulheres e meninas ou contra prestadores de serviços médicos que as ajudem a
interromper a gestação, de modo a evitar que essas mulheres e meninas recorram
ao aborto clandestino e inseguro”.
O nome do juiz e da mulher que foi criminalizada
não foram revelados a pedido da Defensoria Pública, por segurança da jovem,
considerando que o processo contra ela ainda está em aberto. Por nota, o TJSP
respondeu que não se pronuncia sobre questões jurisdicionais. “Os magistrados
têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos
e seu livre convencimento. Essa independência é garantia do próprio Estado de
Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos
recursos previstos na legislação vigente”.
• Com
dores e convulsionando, jovem foi detida em hospital e liberada com hemorragia
Mesmo com dores, sangrando e convulsionando, a
jovem foi mantida sob custódia no hospital, pela polícia, por quase um dia. Ela
foi liberada depois que seus familiares pagaram fiança e recebeu alta enquanto
ainda estava com hemorragia.
“Fui deixada convulsionando sozinha. Me colocaram
numa cadeira. Não tinha médicos ao meu lado, só enfermeiros. Enquanto estava
passando mal, uma enfermeira chefe ficava me acusando. Ela dizia: ‘é melhor
você confessar à polícia que usou medicação’”, lembra. A mulher responde ao
processo em liberdade.
Quando o abortamento aconteceu, ela ganhava um
salário mínimo e já tinha dois filhos. Mulher parda, com baixa escolaridade e
sem antecedentes criminais, a jovem representa um perfil predominante entre as
mulheres criminalizadas por aborto no estado de São Paulo.
Um levantamento inédito ao qual a Pública teve
acesso, feito com base em 37 habeas corpus (HC) apresentados pelo Núcleo de
Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Estado de
São Paulo (Nudem/SP), mostra que, na sua maioria, essas mulheres são pardas e
pretas, têm menos de 29 anos, são pouco educadas, pobres e sem antecedentes
criminais. Muitas também já eram mães e principais responsáveis pelo sustento
da família quando o aborto aconteceu.
Todos os hapeas corpus foram apresentados pela
Defensoria com o objetivo de trancar as ações penais em andamento contra
mulheres pela suposta prática de aborto, que ainda é criminalizada no Brasil. O
aborto legal é garantido apenas nos casos de gravidez decorrente de estupro,
anencefalia do feto e riscos à vida da gestante. Em dois casos identificados
pela Defensoria, as mulheres eram vítimas de violência sexual e os abortamentos
tinham sido realizados em equipamentos de saúde especializados. Ainda assim,
elas foram criminalizadas.
“Com esses HCs, a gente quer dizer que existe uma
ilicitude tão grande que não há justa causa para existência de uma ação. A
gente considerou uma ausência de materialidade flagrante. Em nenhum dos casos,
por exemplo, houve perícia de medicamentos usados pelas acusadas para comprovar
que seriam válidos pra provocar o aborto. Outra questão é que, em quase nenhum
dos casos, o exame necroscópico foi capaz de identificar se o aborto aconteceu
por medicação ou não”, explica a defensora pública e coordenadora do Nudem/SP,
Nalida Coelho Monte.
Em 54% dos casos levantados pelo Nudem/SP, as
pacientes foram denunciadas por profissionais de saúde, que as atenderam em
equipamentos do SUS. As prisões ocorridas nos hospitais se davam com escolta
policial e manutenção de algumas mulheres algemadas no leito – ainda que essa
prática seja vedada por súmula do Supremo Tribunal Federal –, até a concessão
de alta médica ou recolhimento da fiança.
“Há situações onde a equipe de saúde não fez a
denúncia para a polícia, mas a quebra do sigilo médico aconteceu quando esses
profissionais foram chamados a depor”, diz a coordenadora. “A conduta do médico
é atender. Ele é um confidente necessário. A Constituição assegura o direito à
intimidade e à saúde e o Código de Processo Penal garante ao médico a
possibilidade de não ser testemunha nesses casos. O Código Penal também
criminaliza a violação sigilo”, acrescenta.
A análise dos casos feita pelo Nudem/SP também
mostra que os homens que se relacionaram com essas mulheres acusadas foram
citados em 23 processos, mas apenas sete foram denunciados criminalmente.
Em seis casos em que as mulheres foram presas em
flagrante, o Nudem/SP também identificou que as fianças variaram entre R$ 724 e
3 mil. “Há uma desproporcionalidade entre o valor da fiança e a renda mensal
declarada pelas mulheres”, diz o documento.
O levantamento concluiu que “as mulheres acusadas
de prática de aborto são “vítimas de violações de seus direitos à intimidade,
privacidade, devido processo legal e efetivo acesso à justiça”. Também que “a
pobreza aumenta os riscos de uma mulher ser criminalizada também quando se fala
do crime de aborto”.
Polícia
investiga médico por agressão a ex-namoradas e funcionários de prédio em SP
A Polícia Civil investiga o médico Bruno D’Ângelo
Cozzolino por denúncias de perseguição, ameaça e agressão contra ex-namoradas.
Ele também é acusado de agredir funcionários dos prédios onde mora e onde
trabalha nos Jardins, região central de São Paulo.
As informações foram divulgadas inicialmente pelo
Fantástico, da TV Globo, e confirmadas pelo Estadão. No último dia 7 de agosto,
imagens das câmeras de segurança do condomínio em que mora mostram o médico
discutindo e agredindo o zelador. O motivo teria sido um pedido para que ele
que estacionasse corretamente seu carro na garagem.
“Pedi para o
porteiro comunicar a ele. Mas ele não desceu para arrumar o carro dele; desceu
para me agredir”, contou o homem ao programa. Mesmo com as imagens, ele foi à
delegacia e afirmou ter sido vítima do zelador.
Bruno D’Ângelo tentou explicar sua versão ao
síndico, mas também o agrediu ao ser questionado. “Ele arrebentou o meu lábio”,
contou o síndico à TV. Por causa das agressões, o condomínio contratou
seguranças e registrou queixa na delegacia.
Nas redes sociais, Bruno fala sobre cuidados com a
saúde e o bem-estar e suas especialidades médicas, como Medicina do Esporte,
Nutrologia e Dermatologia. O médico também exibe vídeos e fotos de viagens
internacionais.
• Médico
também é acusado de agressão de mulheres
Provavelmente no mesmo dia em que brigou com o
síndico, Bruno aparece em imagens do edifício em que uma ex-namorada trabalha.
As câmeras da empresa da vítima mostram o médico com a mesma camiseta que
vestia no condomínio. Ela já havia denunciado agressões do médico.
Depois de se negar a desbloquear o celular, como
ele exigia, a moça teria sido agredida com chutes e tapas, de acordo com o
programa da TV Globo.
Polícia confirma investigações por violência
doméstica e injúria
A Secretaria de Segurança Pública confirma que
existem dois inquéritos policiais em andamento contra Bruno. O primeiro deles,
registrado como violência doméstica, perseguição, ameaça e lesão corporal, está
em apuração pela 2ª Delegacia de Defesa da Mulher Sul. A vítima conseguiu
medida protetiva e o depoimento do suspeito já foi agendado.
O segundo caso foi registrado como injúria, calúnia
e ameaça por três vítimas (duas mulheres e um homem). O investigado foi
intimado a comparecer para depoimento na investigação do Grupo Especial de
Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância (GEGRADI).
Uma terceira ocorrência ainda na fase inicial de
investigação no 15° Distrito Policial (Itaim Bibi). Policiais do 78° Distrito
Policial esperam a representação formal da vítima para o prosseguimento da
investigação. A Secretaria de Segurança Pública não informou se o médico já foi
preso em alguma oportunidade.
• O que
dizem os advogados do médico
Procurada pelo Estadão, a defesa do médico Bruno
D’Ângelo Cozzolino informou que ele prefere não se manifestar neste momento.
Em 2021, a defesa de Bruno apresentou à Justiça
laudo psiquiátrico atestando transtorno de humor bipolar, ansiedade e
transtorno obsessivo compulsivo grave. Os advogados também afirmam que ele
havia abandonado o tratamento. A prisão foi revogada para uma perícia médica,
mas o caso acabou arquivado.
Fonte: Por Mariama Correia, da Agencia
Pública/Agencia Estado
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