Aliado de Kassab,
Tarcísio larga na frente na disputa por votos bolsonaristas
O
julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode
barrar a participação de Jair Bolsonaro (PL) na próxima eleição presidencial
antecipa as disputas na direita para suceder o ex-presidente como principal
líder da oposição em 2026.
Segundo
pesquisas com eleitores do ex-presidente, o nome que tem despontado com mais
força para herdar seus votos é o do governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos).
Para
analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, Tarcísio tem três pontos
fortes que o tornam competitivo para representar a direita na disputa pelo
Palácio do Planalto:
- projeção
nacional por comandar o Estado mais poderoso do país;
- forte
identificação com o bolsonarismo, já que foi ministro da Infraestrutura
durante todo o governo Bolsonaro e disputou o governo paulista com apoio
do ex-presidente;
- e, ao mesmo
tempo, uma postura vista como mais moderada, que dialoga bem com o campo
conservador mais tradicional — característica que fica clara pela aliança
com o presidente do PSD, Gilberto Kassab, seu Secretário de Governo e
ex-ministro dos governos do PT.
A
conjunção desses fatores, dizem analistas, permitiria ao governador de São
Paulo atrair tanto o apoio do eleitorado bolsonarista, como de setores mais
moderados da centro-direita.
“Ele tem o que o Bolsonaro tem de melhor, que
é o apoio da direita, sem os problemas que o Bolsonaro tem, como a rejeição
acumulada durante a pandemia de covid e pelas declarações, infelizes para muita
gente, sobre democracia”, nota o cientista político Felipe Nunes, diretor do
instituto de pesquisa Quaest.
O
governador de São Paulo, em declaração semanas antes de sua posse, disse que
"nunca foi bolsonarista raiz".
"Comungo
das ideias econômicas principalmente desse governo Bolsonaro. A valorização da
livre iniciativa, os estímulos ao empreendedorismo, a busca do capital privado,
a visão liberal. Sou cristão, contra aborto, contra liberação de drogas, mas
não vou entrar em guerra ideológica e cultural”, se autodefiniu, em entrevista
à emissora CNN Brasil.
Para
Camila Rocha, doutora em Ciência Política e pesquisadora do Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento (Cebrap) , “Tarcísio tem um pé no bolsonarismo, mas
também tem um pé no campo das direitas mais tradicionais”.
Ela
ilustra a importância dessa articulação política mais ampla citando o andamento
da disputa pela prefeitura de São Paulo em 2024.
De
perfil mais extremo, outro ex-ministro de Bolsonaro, o atual deputado federal
Ricardo Salles (PL-SP) acabou não conseguindo viabilizar sua pré-candidatura,
porque seu partido preferiu apoiar a reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Ele
anunciou sua desistência após o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, afirmar
ao canal CNN Brasil: “O que eu penso para São Paulo é que não podemos ter um
candidato de extrema-direita, porque (o deputado Guilherme) Boulos (do PSOL)
vem forte. São Paulo é uma cidade com votos de esquerda. Temos que ter um
candidato de centro-direita em São Paulo”.
·
'Todos respondem: Tarcísio'
A
percepção dos analistas sobre a força do governador de São Paulo para liderar a
direita tem base em pesquisas.
Levantamento
realizado pela Quaest em junho questionou eleitores em todo o país sobre quem o
ex-presidente deveria apoiar em 2026.
Tarcísio
foi o nome mais citado entre aqueles que disseram ter votado em Bolsonaro em
2022, com 33% das menções espontâneas.
A
ex-primeira dama Michelle Bolsonaro (PL) foi a segunda mais citada (24%),
seguida do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), com 11%. O senador
Flávio Bolsonaro (PL), filho mais velho do ex-presidente, ficou em quarto,
citado por 5% dos entrevistados.
Outra
pesquisa da Quaest, desta vez com 92 gestores de fundos, economistas, analistas
e outros atores do mercado em São Paulo, também apontou Tarcísio como o
preferido da Faria Lima, como é conhecido o polo financeiro da capital
paulista.
Para
48% dos entrevistados, Tarcísio será o principal líder da oposição ao governo
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos próximos quatro anos.
O
governador, que faz questão de usar jargões dos operadores do mercado em suas
falas e discursos, ficou à frente mesmo de Bolsonaro (34%) e ganhou com folga
de Zema (7%) e de Flávio (2%). A opção “nenhum desses” foi escolhida por 10%.
Enquanto
o governo federal sob Lula deu uma guinada pró-Estado e não prevê
privatizações, um dos principais projetos de Tarcísio é ceder o controle da
Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp, à iniciativa
privada e defende fazer o mesmo com o Porto de Santos, embora essa decisão não
caiba apenas ao governo paulista.
Pesquisas
qualitativas com eleitores de Bolsonaro também revelam uma preferência por
Tarcísio, aponta Camila Rocha.
Ela
estuda o bolsonarismo junto com a pesquisadora Esther Solano e tem se reunido
com eleitores do ex-presidente em grupos focais semanais.
“Quando
a gente pergunta para as pessoas em quem gostariam de votar para presidente na
próxima eleição, todo mundo que votou no Bolsonaro responde: Tarcísio”, diz
Rocha.
A
pesquisadora lembra que Tarcísio construiu, com apoio de Bolsonaro, uma imagem
de ministro “técnico”, com “capacidade executora”, enquanto comandou o
Ministério da Infraestrutura, o que contribuiu para sua eleição em São Paulo.
“Ele
já era popular entre os eleitores do Bolsonaro quando era ministro. Mas ele é
alguém que transita muito melhor (com outros setores). Tem uma forma de
comunicação que é muito mais suave em comparação com a agressividade do
Bolsonaro, dos filhos dele”, avalia Rocha.
Um
exemplo desse maior “jogo de cintura” foi o recuo de Tarcísio no tema das
câmeras corporais adotadas pela polícia de São Paulo no governo anterior, de
João Doria, que resultaram em redução da violência policial.
Durante
a campanha, ele adotou um discurso bolsonarista contra um controle maior das
polícias e disse que acabaria com o uso desse instrumento, mas acabou mantendo
as câmeras, diante da repercussão ruim.
Ele
também tem mantido uma relação institucional respeitosa com Lula.
“Para
o Brasil ir bem, São Paulo tem que ir bem, agora eu e o presidente Lula somos
sócios, temos que torcer para que o Brasil vá bem”, afirmou em fevereiro em
evento do agronegócio realizado pela consultoria XP.
Ao
analisar outros nomes do campo bolsonarista, Camilla Rocha avalia que Zema tem
menos condições de ocupar o espaço do ex-presidente, por ser de um partido
pequeno (Novo) e não ter alianças políticas fortes, como a parceria entre
Tarcísio e Kassab em São Paulo.
A
pesquisadora também não considera os filhos mais velhos do ex-presidente
—Flávio, Eduardo (deputado federal por São Paulo pelo PL) e Carlos (vereador no
Rio de Janeiro pelo Republicanos) — fortes o suficiente para uma disputa
nacional. Sua percepção é que há uma visão negativa sobre eles mesmo entre os
eleitores de Bolsonaro.
“As
pessoas associam os filhos do Bolsonaro a esquemas de corrupção, como o caso da
(acusação de suposta) rachadinha do Flávio Bolsonaro. Ou então associam com um
perfil de pessoas com pouca autonomia, pouca luz própria, muito ligados ao pai.
As pessoas falam até que seriam meio mimados”, nota Rocha.
Por
outro lado, Rocha enxerga potencial de Michelle Bolsonaro na política nacional.
Mas avalia que a ex-primeira-dama, que nunca exerceu um cargo público antes,
seria mais vista como candidata a vice-presidente.
“Ainda
que ela defenda pautas bolsonaristas, faz isso de uma forma muito menos
belicosa, mais agregadora”, avalia. “E, da família Bolsonaro, com exceção do
Jair, ela é a pessoa com melhor desempenho nas redes sociais. Tem carisma.”
·
Governador desconversa sobre 2026 — por enquanto
Com
mais de três anos para a eleição presidencial, o cenário político pode mudar,
claro, e Tarcísio deixar de ser o nome mais forte do campo da direita. Ele
próprio tem evitado se colocar como um presidenciável com tanta antecedência.
O
governador foi questionado em fevereiro sobre seus planos para 2026 durante um
evento do banco Credit Suisse, mas desconversou, dizendo que não estava
preocupado com isso.
"Estou
torcendo para o Brasil dar certo, mas se governo Lula não for bem, vejo
possibilidade grande de centro-direita voltar", avaliou, sem se
comprometer como possível candidato.
Kassab
também já afirmou que o “natural” seria ele tentar um segundo mandato em São
Paulo. E lembrou, em entrevista à revista Veja, que políticos apressados não
tiveram bom resultado nacional, citando como exemplo os ex-governadores tucanos
de São Paulo João Doria e José Serra.
Ambos
deixaram a prefeitura de São Paulo no meio do mandato para disputar o governo
estadual — e foram eleitos. Mas, depois, não conseguiram viabilizar o sonho
presidencial.
Felipe
Nunes, da Quaest, acha improvável que Tarcísio não seja lançado a presidente
caso se firme como o candidato mais forte na direita. Na sua leitura, é mais
estratégico não se lançar cedo e tentar evitar desgastes.
O
senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do PP e ex-ministro da Casa Civil de
Bolsonaro, é dos que cravam Tarcísio como o favorito para suceder Bolsonaro na
direita. Na sua avaliação, Michelle seria uma candidata forte ao Senado.
“Política
é fila. O número um é o governador Tarcísio”, afirmou em entrevista ao portal
UOL.
·
Moderado… e sem carisma?
Se,
por um lado, Tarcísio parece ter potencial para uma articulação política mais
ampla, ele não tem a mesma força carismática de Bolsonaro, avalia Fabio
Baldaia, professor de Sociologia do Instituto Federal da Bahia e Pesquisador do
Laboratório de Estudos Brasil Profundo.
“Bolsonaro
não é exatamente um estadista, um líder político brilhante, não é o Tancredo
(Neves), não é o Lula, um Getúlio (Vargas) ou o FHC (Fernando Henrique
Cardoso), mas ele consegue estabelecer uma relação de conexão carismática com a
população”, ressalta.
“É
como se ele representasse aquele brasileiro comum. Não estou dizendo que seja
verdadeiro, mas ele faz parecer que ele está representando o brasileiro comum.”
Baldaia,
porém, também avalia que há uma tendência de redução da polarização no país, à
medida que Bolsonaro vem perdendo força política. Isso, diz, deve favorecer um
candidato à direita com perfil mais moderado como Tarcísio.
Ele
acredita que valores conservadores mobilizados por Bolsonaro, como a
preocupação com segurança pública, costumes e a defesa de um Estado que
interfira menos na sociedade, seguem presentes em parte relevante da população
e garantem espaço eleitoral para o candidato que conseguir articular essas
agendas.
“Em
um primeiro momento, não vejo um bolsonarismo pós-Bolsonaro viável. Será viável
uma direita, mas essa direita vai se organizar sobre outras bases, não mais uma
base do modo de conduta bolsonarista”, diz.
Para
Felipe Nunes, da Quaest, a força carismática de Bolsonaro o manterá como um
importante cabo eleitoral.
O
levantamento do instituto realizado neste mês mediu também qual o peso do seu
apoio. Para 64% dos eleitores que votaram nele em 2022, o apoio do
ex-presidente aumenta as chances de voto em determinado candidato.
“Qual
é a importância de Bolsonaro? É que ele, de fato, tem identidade com uma
parcela importante da sociedade e ele mobiliza essas pessoas. É difícil achar
um substituto para o Lula (com essa força carismática no campo da esquerda),
assim como é difícil achar um substituto pro Bolsonaro”, analisa.
Fonte:
BBC News Brasil
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