sexta-feira, 26 de abril de 2024
Ruptura política no Mercosul pode aproximar Brasil e Colômbia
Em
meio a um contexto de divisão política crescente no Mercosul, o Brasil
encontra-se cada vez mais isolado no Cone Sul, buscando novas alianças entre os
vizinhos da região.
A
Argentina, sob a presidência de Javier Milei, se distancia. Paraguai e Uruguai
também demonstram alinhamentos políticos discrepantes, ainda que de forma mais
discreta.
Dessa
forma, para pesquisadores consultados pela Sputnik Brasil, o governo
brasileiro, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, tem direcionado sua atenção
para a Colômbia.
A
recente proximidade comercial e política entre os países foi evidenciada no
encontro entre empresários dos dois países no Fórum Empresarial
Colômbia-Brasil, acompanhado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento
Industrial (ABDI).
Para
o professor de economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) Sillas de
Souza Cezar, a mudança não é tanto uma tentativa do Brasil de se afastar do
Mercosul, mas sim uma resposta à reticência dos presidentes dos países-membros
do bloco em relação a Lula.
De
acordo com ele, os líderes Milei, Lacalle Pou (Uruguai) e Santiago Peña
(Paraguai) mostram desinteresse em alinhamentos ideológicos, seja de forma
explícita ou discreta. Assim, o Brasil vê na Colômbia de Gustavo Petro uma
oportunidade de estabelecer parcerias políticas e econômicas mutuamente
benéficas.
A
aproximação sugere também uma possível entrada do país no Mercosul, paralela às
adesões anteriores da Venezuela (atualmente suspensa) e da Bolívia. "Por
seu tamanho, certamente a Colômbia traria ganhos ao Mercosul. Entretanto há
diversos fatores que podem desencorajar essa entrada."
"Devemos
considerar acordos bilaterais do país com outros parceiros, inclusive Estados
Unidos, que em algum grau compensariam sua ausência no bloco do sul. Há também
problemas internos que impediriam a integração, como a persistente influência
de guerrilheiros e traficantes armados na Amazônia colombiana."
Historicamente,
no entanto, Cezar questiona a ideia de que este é o principal período de
aproximação entre os países, lembrando de episódios nos anos 1950 e 1990,
quando Brasil e Colômbia buscaram interesses comuns na agricultura, na cultura
e no combate ao narcotráfico.
"Talvez
a aproximação mais lembrada seja a dos anos 1990, quando os governos dos dois
países uniram forças para combater seus problemas internos com o narcotráfico.
A Colômbia, inclusive, foi mais bem-sucedida nesse esforço."
O
cientista político e pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) Jefferson Nascimento observa que há uma fragmentação e uma polarização
crescentes dentro dos países e entre eles. "A integração latino-americana
como um todo passa por um momento bastante difícil se compararmos [o período de
hoje] ao momento em que Lula teve seus primeiros mandatos."
A
tensão reflete-se no impasse atual do Mercosul, com as posições divergentes de
Montevidéu e Assunção, além de uma priorização de Buenos Aires das relações com
Washington. "Milei já deixou claro que priorizará relações com os EUA em
detrimento dos vizinhos do sul. O Paraguai, mesmo na presidência temporária do
Mercosul, também não parece um grande entusiasta [da integração]."
Entre
os pontos de convergência de Brasil e Colômbia, segundo ele, há questões
ambientais e de segurança nas fronteiras. Ambos os países têm interesse em
promover uma transição energética para fontes mais limpas, ainda que existam
divergências sobre o ritmo dessa transição.
"Petro,
por exemplo, é contrário a que se aprovem novas licenças para a exploração de
petróleo e gás. Já Lula tem uma posição dúbia, às vezes se mostrando favorável,
por exemplo, à exploração de petróleo na Margem Equatorial", detalha.
Nascimento
ressalta que, em um contexto de inserção periférica e dependência de
commodities, a América do Sul só poderá alcançar o desenvolvimento e ter voz
nas disputas internacionais por meio da coordenação e integração entre os
países. "São questões que não podem ser resolvidas de forma
individualizada pelos países. É preciso uma coordenação."
Em
meio a tal conjuntura, o pesquisador avalia que o Brasil emerge como um país
que tenta manter a coesão do bloco, para além de questões comerciais. "O
estreitamento das relações entre Colômbia e Brasil é importante no sentido de
tentar mediar os conflitos políticos internos na Venezuela", exemplifica.
·
Quais são os países que fazem parte do
Mercosul?
O
Mercosul é formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. A Venezuela
também compõe o bloco, mas está suspensa dos seus direitos e deveres. Além
disso, há os "Estados associados" — como a Bolívia, que está em
processo de adesão ao Mercosul, previsto para ser consolidado em julho.
Chile,
Equador, Guiana, Peru, Suriname e Colômbia também são Estados associados.
Nascimento
entende que a entrada da Colômbia no Mercosul é improvável no momento, devido à
necessidade de consenso entre os membros.
Para
Cezar, devido a uma aproximação na história recente de Bogotá com a direita,
uma eventual adesão sempre foi questionada, ainda que tal ideia possa sofrer
alterações. "Os governos da Colômbia foram mais inclinados à direita, algo
historicamente malvisto na tradicional e predominante visão ideológica do
Mercosul. Mas isso tem mudado", observa.
Nascimento
destaca um acordo de complementação econômica, o de número 58 (ACE 58),
assinado em 2005 como uma oportunidade para ampliar as relações econômicas
entre o Mercosul e outros países da região, incluindo a Colômbia, que é o
terceiro maior país em população do continente.
¨
Encontro bilateral
entre Brasil e Argentina vai ocorrer quando for conveniente para Lula
O presidente
brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu ter recebido uma carta do seu
homólogo argentino Javier Milei, mas afirmou não ter lido o documento.
A carta foi entregue
pela chanceler argentina Diana Mondino ao seu homólogo Mauro Vieira na semana
passada, durante reunião em Brasília.
A visita de Mondino ao
país foi sua primeira oficial desde a posse do governo de Javier Milei, em
dezembro de 2023. A chanceler garantiu que Buenos Aires está "muito
interessada" em manter a relação bilateral com o gigante sul-americano.
"O gesto de Milei
é importante visto que as relações entre essas duas nações devem ser de
interesse comum, além das atuais diferenças ideológicas", disse o
cientista político brasileiro Guilherme Simões Reis, professor da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro, à Sputnik.
Enquanto isso, Lula e
Milei mantêm uma distância política quase absoluta. O atual chefe de Estado
argentino expressou repetidamente a sua afinidade com o ex-presidente
brasileiro Jair Bolsonaro, antecessor de Lula no cargo e forte rival político.
"Tanto Bolsonaro
quanto Milei se apresentaram como líderes de ruptura, e de forma agressiva,
diante da aproximação histórica dos países sul-americanos", afirmou o
especialista.
Para ilustrar as
semelhanças entre os dois líderes políticos de direita, o especialista lembra
que Milei realizou um encontro presencial nos EUA em abril com Elon Musk, dono
da rede social X que desafia o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, que o
acusou de "manipulação criminosa e intencional" da plataforma X
(anteriormente Twitter) e de "obstrução" da Justiça.
No último fim de
semana, Bolsonaro participou de uma grande mobilização no Rio de Janeiro, onde
expressou seu apoio a Musk enquanto criticava o sistema de justiça nacional.
De acordo com Simões
Reis, os contínuos ataques de Milei à figura de Lula, principalmente durante a
campanha política na Argentina em 2023, não conseguem se sustentar por muito
tempo e que a recente carta enviada a Lula é um sinal disso.
Para o cientista
político, no entanto, um encontro bilateral entre os líderes é viável no curto
prazo, mas será em um momento "mais interessante" em termos de
conveniência para Lula do que para Milei.
¨ Cooperação com o BRICS pode ajudar Bolívia a acelerar processo
de industrialização, diz Arce
Em entrevista
exclusiva à Sputnik, o presidente da Bolívia, Luis Arce, falou sobre a intenção
boliviana em fazer parte do BRICS, as reservas minerais do país e a integração
social com a Palestina através da ALBA.
A Bolívia alimenta o
interesse em compor o BRICS, tendo inclusive formalizado o pedido para integrar
o bloco no ano passado, durante a 15ª Cúpula do BRICS, na África do Sul. À
Sputnik, o presidente Luis Arce afirmou que o país vai passar pelo processo necessário
para realizar o ingresso.
"Temos muito a
compartilhar", disse, trazendo como exemplo, em seguida, o fato de o país
ser dono de importantes reservas de lítio, além da riqueza em minerais raros.
"Queremos fazer
parte do grupo para realizar o intercâmbio entre a tecnologia com nossos
recursos naturais", ressaltou Arce.
Atualmente, duas
empresas chinesas trabalham nas reservas de lítio boliviana, além de uma
empresa russa acertando detalhes de contrato para trabalhar no Salar de Uyuni,
podendo "explorar e produzir carbonato de lítio e seus derivados",
afirmou o presidente, que disse que uma cooperação com o BRICS poderá trazer os
países do bloco "para realizar a industrialização" na Bolívia.
Arce reconhece o valor
que o lítio tem para a Bolívia, enfatizando que o país é dono das principais
reservas do mineral e que isso atrai o olhar de vários países. Por isso, ele
conta que "abriu para que vários países entrem numa espécie de competição
para virem, de forma saudável, investir na extração direta de lítio, um método
para acelerar a exploração e a industrialização do lítio boliviano".
Entretanto, o
presidente afirma estar ciente de que há países que acreditam que as reservas
de um país [no caso a Bolívia] são suas. Em uma oportunidade, a chefe do
Comando Sul dos EUA, Laura Richardson, praticamente disse que precisa que o
país exerça a tutela sobre o lítio presente na Bolívia, na Argentina e no
Chile.
"Na ocasião, a
senhora do Comando Sul afirmou que há três coisas que lhe interessam: terras
raras, água doce e lítio. Esses três recursos naturais são o que temos na
Bolívia, por isso estamos muito atentos para poder responder porque temos que
defender a nossa soberania e os nossos recursos naturais na Bolívia",
frisou Arce.
·
Que mensagem a Bolívia passa ao mundo ao
convidar a Palestina para compor a ALBA-TCP?
Para o presidente
boliviano, a Palestina enfrenta uma situação de injustiça ao sofrer o veto por
parte dos EUA quando o Conselho de Segurança da ONU tratava do possível
ingresso palestino como membro permanente da Organização das Nações Unidas.
Arce tratou ainda de
descrever como genocídio o que acontece na Faixa de Gaza, afirmando que "o
mundo pôde observar os bombardeios, onde crianças e idosos são vítimas das
agressões de Israel".
Sobre o convite, o
presidente disse que se a ONU não quis reconhecer a Palestina através do veto,
"na ALBA-TCP, que é um grupo de países que pensa diferente, que sabe
respeitar a soberania dos países, que respeita a autodeterminação dos povos,
que a tenhamos entre nós de uma forma, mesmo que nominal, mas que os irmãos
palestinos sintam que há países que os reconhecem e, claro, que gostaríamos de
ter todos os tipos de relações econômicas e internacionais com esse país".
Segundo Arce, a
iniciativa mostra ao mundo "que há países dispostos a estabelecer relações
e a considerar a Palestina como mais um entre tantos países com os quais nossos
países da região mantêm relações".
Arce rechaça postura
do governo equatoriano contra embaixada do México em Quito
"Nem mesmo nos
tempos de ditaduras militares que sofremos nas décadas de 1960, 1970 e até 1980
em vários países da região [...] nunca tivemos esse tipo de agressão e violação
de tratados internacionais", comparou Arce sobre a invasão da embaixada
mexicana em Quito a mando do governo equatoriano.
No dia 5 de abril
deste ano, a polícia entrou à força na embaixada mexicana na capital
equatoriana, onde estava o ex-vice-presidente do Equador, Jorge Glas, acusado
de corrupção no caso Odebrecht.
A ação do governo do
Equador, conforme Arce, abre um precedente desastroso, uma vez que viola e
coloca em risco o direito de asilo reconhecido pelas leis internacionais.
O presidente
argumentou que se não houver sanções contra a ação do governo equatoriano,
"o direito ao asilo pode se tornar um tema variável, vulnerável", em
"qualquer parte do mundo".
Arce afirmou que
sempre tratará do assunto em total desacordo com o que aconteceu, concordando
com os protestos do povo mexicano. Ele disse ainda que a Bolívia "apoiará
as ações que o México tomará para restabelecer o direito de asilo do
beneficiário".
Bullrich faz
comentários sobre a Bolívia para tirar 'a atenção da crise' econômica da
Argentina
Recentemente, a
ministra da Segurança argentina, Patricia Bullrich, declarou que a fronteira
com a Bolívia foi reforçada por ser considerada perigosa para a região, porque,
segundo ela, identificaram combatentes iranianos no local.
A declaração foi
totalmente rechaçada por Arce, que chamou a acusação de falsa e disse que
Bullrich não tem provas.
"Ela apenas
tentou desviar a atenção da crise que a Argentina atravessa. Eles têm inflação
de 53% em três meses e não sabem como esconder essa inflação."
O presidente afirmou
ainda que a fala da ministra argentina recebeu resposta da chancelaria
boliviana.
Arce acrescentou que o
desejo da Argentina em se tornar sócia global da OTAN coloca em risco a paz da
região. "Sabemos o que a OTAN faz em diferentes países, vejam o que está
ocorrendo no conflito entre Rússia e Ucrânia. A OTAN tem papel fundamental
sobre o que acontece naquela parte do planeta", argumentou.
Ao fim da entrevista,
o presidente boliviano destacou também a importância da Sputnik na América
Latina, ressaltando a transparência do trabalho do veículo de comunicação.
A Sputnik "tem se
mostrado um importante meio de comunicação que fala a verdade, ao contrário de
outras redes de televisão que têm certa tendência a desinformar ou a dizer
coisas de tal forma que a população não é alcançada com a verdade", finalizou.
Fonte: Sputnik Brasil
Quem
cortou a luz no dia do golpe?
Oito
de janeiro de 2023.
Eram
21h30 quando uma torre de energia tombou em Cujubim, Rondônia.
O
segundo ataque veio logo depois.
Brasília
ainda ardia sob a fúria dos atos golpistas que atacaram Palácio do Planalto,
Congresso e Supremo Tribunal Federal quando, 0h13 em ponto, exatas duas horas e
quarenta e três minutos depois da primeira, desabou a segunda torre em
Medianeira, Paraná. 0h40, num espaço de três horas e dez minutos entre as três,
foi ao chão a terceira. Em Rolim de Moura, também Rondônia, a cerca de 380
quilômetros de Cujubim.
O
documento da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) que relata os
acontecimentos dos ataques as linhas de transmissão de energia do Brasil em
janeiro de 2023, obtido pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação,
é definitivo:
·
Sabotagem e ação
criminosa
“Sabotagem.
Atuação ou tentativa criminosa”. Define como “ações criminosas”. E completa:
“não foram registradas condições climáticas adversas que possam ter causado
queda das torres”.
No
total, entre os primeiros ataques, no dia 8 de janeiro e o dia 31, foram 24
torres avariadas em 14 diferentes locais, espalhados por seis estados: Rondônia
(4 locais), Paraná (4), São Paulo (3), Mato Grosso (1), Piaui (1) e Pará (1).
Quatro foram ao chão, sendo que 3 em Rondônia e uma no Paraná. As três atacadas
em 8 de janeiro ao longo da noite e madrugada, (duas em Rondônia e uma no
Paraná) foram ao chão. O laudo de todas define como sabotagem.
Em
todos os casos, ocorreu a repetição sistemática de um conjunto de ações: todos
os parafusos da base das torres foram retirados, “ficando a torre sem
sustentação, possibilitando a queda”. Além dos parafusos, foram cortados também
os cabos de sustentação.
Em
resumo: existiu um modus operandi. Um método repetido que uniu todas as ações.
Mais
do que isso: uma organização, planejamento e pessoas com treinamento para tal
operação realizada de forma sistematizada.
·
Atos golpistas em
Brasília e torres de energia atacadas: um só plano
“É
preciso não perder de vista jamais que o caso das torres derrubadas começam no
mesmo dia, quase simultaneamente, exatamente horas depois do início dos eventos
golpistas de Brasília, ao anoitecer. O que pode ser entendido como parte de um
mesmo plano. Dentro desse plano, Brasília já estaria tomada pelos golpistas no
executivo, judiciário e legislativo, e problemas em série com a rede de energia
trariam de vez o caos ao país. Restaria a decretação da Garantia da Lei e da
Ordem (GLO) e o poder transferido para o exército. E o governo estaria
entregue. Hoje sabemos que esse era o plano”, resume um servidor envolvido na
apuração dos episódios do 8 de janeiro e que pediu para não se identificar.
O
histórico anual de ocorrências em torres de energia também afasta a hipótese do
acaso. De acordo com a ANEEL, o ano de 2023 representa um recorde. Mais
especificamente janeiro de 2023, mês em que as ações se concentraram. Para se
ter uma ideia através de termos comparativos, 2019 inteiro fechou com dois
registros de vandalismo em torres. Menos do que o 8 de janeiro de 2023.
Esquecido
no noticiário sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro, jamais citado como
objeto da investigação em curso sobre , sem nenhuma prisão ou operação
específica, o episódio dos ataques às torres de energia foram e requerem, no
entanto, tanta complexidade ou mais, logística, verbas e expertise do que os
próprios eventos de 8 de janeiro ocorridos em Brasília.
Coisa
de especialista.
Em
relação aos episódios de Brasília, as investigações caminham para uma direção.
Em relação aos ataques contra as torres, os caminhos e os relatórios da ANEEL
mostram também alto grau de profissionalismo.
·
Os Kids Pretos em ação
Em
junho de 2022, o repórter Allan de Abreu publicou a reportagem “Os Kids Pretos
– O papel da elite de combate do Exército nas maquinações golpistas”, na
revista Piaui, onde, pela primeira vez, era citada a participação efetiva de
militares da forças especiais, os chamados “kids pretos”, na tentativa de golpe
de 8 de janeiro.
Na
ocasião, a reportagem mostrou que o nível de organização das ações na capital
demandava profissionais capacitados.
E
os profissionais no exército capacitados para tal, treinados em operações
especiais, eram os kids pretos, círculo de oficiais que formavam o ciclo mais
próximo a Jair Bolsonaro.
Os
kids pretos são treinados emações de sabotagem e incentivo à insurgência
popular, as chamadas “operações de guerra irregular”.
·
Modus operandi: parafusos da base retirados e cabos cortados
As
fotos abaixo, todas constantes do relatório da ANEEL sobre os ataques, mostram
as distintas sabotagens, como retiradas de parafusos estratégicos na base,
corte de cabos também da base e retirada de hastes de sustentação:
Desde
o início das investigações sobre os atos golpistas, duas operações
especificamente voltadas para a participação e organização dos kids pretos já
foram realizadas pela Polícia Federal.
Em
29 de setembro de 2023, a PF realizou mais uma etapa, a 18ª, da “Operação Lesa
Pátria”, nome da investigação que apura financiadores, participantes e
organizadores dos atos golpistas. A operação foi voltada especificamente para
cumprir um mandado de busca e apreensão contra o general da reserva Ridauto
Lucio Fernandes, um “kids preto”, que chegou a gravar vídeo da própria
participação nos atos golpistas de 8 de janeiro.
“A
nova fase da Lesa Pátria faz parte de uma frente da investigação que busca
identificar supostos integrantes das Forças Especiais do Exército, os chamados
“kid pretos”, que teriam dado início às invasões às sedes dos Três Poderes”,
comunicou então a Polícia Federal.
Já
em 8 de fevereiro de 2024, foi deflagrada a “Operação Tempus Veritatis” da
Polícia Federal, para apurar os crimes de golpe de Estado e abolição do Estado
Democrático de Direito por membros do governo de Jair Bolsonaro, apontou que
integrantes das Forças Especiais do Exército, os chamados “kids pretos”,
estiveram envolvidos em um “planejamento minucioso” para impedir a posse de
Lula na presidência da República.
De
acordo com a PF, “houve planejamento minucioso de kids pretos do exército para
a consumação do golpe de estado”. O plano envolveu uma reunião em novembro de
2022 com oficiais especializados em ações contra terrorismo, insurgência e
guerrilha. Os “kids pretos” seriam os responsáveis por realizar as prisões de
autoridades após a edição de um decreto de intervenção militar. Entre os alvos
estaria o ministro do STF, Alexandre de Moraes, que chegou a ser monitorado
pelos investigados.
Os
detalhes do plano foram relatados em mensagens encontradas no celular do
tenente-coronel Mauro Cid, que fechou colaboração premiada com a Polícia
Federal.
·
Outro lado
A
reportagem enviou para a Polícia Federal um pedido oficial de resposta sobre as
investigações específicas sobre o ataque às torres, mas não recebeu resposta.
Fonte:
Por Lúcio de Castro, na Agência Sportlight
Ejacular
com frequência ajuda a evitar câncer de próstata?
Quando
o assunto é saúde masculina, o câncer de próstata ocupa
um lugar de destaque. É o segundo tipo de câncer mais diagnosticado entre os homens a
nível mundial — seguido de perto pelo câncer
de pulmão. No Brasil, a cada hora, oito homens
recebem o diagnóstico da doença.
Como
a próstata é um órgão reprodutivo cuja principal função é ajudar a produzir
o sêmen — o fluido que transporta os espermatozoides na ejaculação —, os pesquisadores se perguntam há muito
tempo sobre o efeito de fatores sexuais no risco de câncer de próstata.
Mais
especificamente, será que a ejaculação protege contra o risco de câncer de
próstata?
Curiosamente,
existem algumas evidências que respaldam esta ideia. Uma revisão recente que
analisou todas as pesquisas médicas relevantes realizadas nos últimos 33 anos
mostrou que sete dos 11 estudos revelaram algum efeito benéfico da frequência
da ejaculação no risco de câncer de próstata.
Embora
os mecanismos por trás não sejam completamente compreendidos, estes estudos se
encaixam na ideia de que a ejaculação pode reduzir o risco de câncer de
próstata, ao diminuir a concentração de toxinas e estruturas semelhantes a
cristais que podem se acumular na próstata e potencialmente causar tumores.
Da
mesma forma, a ejaculação pode alterar a resposta
imunológica na próstata, reduzindo a inflamação —
fator de risco conhecido para o desenvolvimento de câncer — ou aumentando a
defesa imunológica contra células tumorais.
Alternativamente,
ao reduzir a tensão psicológica, a ejaculação pode diminuir a atividade do sistema
nervoso, o que impede que certas células da próstata se dividam muito
rapidamente, aumentando a chance de se tornarem cancerígenas.
Apesar
destes mecanismos sugeridos, nas pesquisas que indicam que a ejaculação é
protetora, parece que os detalhes são importantes.
A
idade desempenha um papel nisso. Muitas vezes, a frequência da ejaculação só
era protetora nas idades de 20 a 29 anos, ou de 30 a 39 anos — e, às vezes,
somente mais tarde (50 anos ou mais). E, na verdade, aumentava o risco entre os
mais jovens (20 anos).
Outras
vezes, a ejaculação na adolescência (quando a próstata ainda está se
desenvolvendo e amadurecendo) apresentou o maior impacto no risco de câncer de
próstata décadas mais tarde.
Mas
quão frequente é frequente? Podemos dizer muito frequente em alguns casos.
Um
estudo da Universidade de Harvard, nos EUA, mostrou que homens que ejaculavam
21 vezes ou mais por mês apresentavam um risco 31% menor de câncer de próstata
em comparação com homens que relataram ejacular de quatro a sete vezes por mês
ao longo da vida.
Descobertas
semelhantes foram feitas na Austrália, onde o câncer de próstata apresentou 36%
menos chance de ser diagnosticado antes dos 70 anos em homens que ejaculavam,
em média, de cinco a sete vezes por semana, em comparação com homens que
ejaculavam menos de duas a três vezes por semana.
Outras
pesquisas têm uma visão muito mais modesta, sendo mais de quatro ejaculações
por mês a frequência que proporciona efeitos protetores em algumas faixas
etárias e pacientes.
·
Sem conclusão
definitiva
É
difícil tirar conclusões globais a partir desta pesquisa, especialmente quando
os estudos diferem tanto na forma como foram conduzidos.
Fatores
como as populações variadas de homens que participaram das pesquisas, o número
de homens incluídos nas análises e as diferenças na forma como a frequência da
ejaculação é medida (se isso inclui relações sexuais, masturbação e polução
noturna), podem obscurecer o cenário.
Na
verdade, a medição da frequência da ejaculação depende de autorrelatos — e,
muitas vezes, de muitos anos e décadas atrás. Portanto, esta é, na melhor das
hipóteses, uma estimativa, e pode ser enviesada por atitudes, tanto pessoais
quanto sociais, em relação à atividade sexual e à masturbação, podendo levar
tanto a autorrelatos exagerados quanto à subnotificação.
Também
pode haver um viés na detecção de tumores na próstata, com homens que são
altamente sexualmente ativos postergando ou não indo ao hospital por medo de
que o tratamento do câncer possa interromper sua atividade sexual. Esses homens
com alta frequência de ejaculação podem, portanto, ter câncer de próstata, que
acaba não sendo registrado nesses estudos.
Também
é possível que a ejaculação não proteja contra o câncer de próstata, e as
relações encontradas podem ser devido a outros fatores. Por exemplo, homens que
ejaculam com mais frequência podem ter estilos de vida mais
saudáveis, o que diminui as chances de serem diagnosticados com câncer.
A
frequência reduzida da ejaculação está relacionada com o aumento do índice de
massa corporal (IMC), a redução da atividade física e o divórcio — todos
fatores associados a uma condição de saúde pior de uma maneira geral, o que,
por sua vez, pode contribuir para o desenvolvimento do câncer.
·
A testosterona pode
ser importante
A testosterona, o principal hormônio sexual masculino, também é uma parte
crucial desta equação.
É
bem conhecido que ela aumenta o desejo sexual, por isso um homem com baixos
níveis de testosterona pode não ter o mesmo desejo pela atividade sexual que
leva à ejaculação que um homem com níveis mais elevados.
Diferentemente
dos primeiros pareceres que sugeriam que níveis elevados de testosterona nos
homens aumentam o risco de câncer de próstata, a visão atual sugere que não só
não eleva este risco, como na verdade são as baixas concentrações de
testosterona que aumentam o risco. Isso é particularmente verdade para homens
com câncer de próstata existente que apresentam um desenvolvimento pior da
doença quando a testosterona está baixa.
Portanto,
pode ser que a testosterona reduza o risco de câncer de próstata entre os
homens e, além disso, aumente sua motivação para a atividade sexual.
Apesar
disso, a maioria dos estudos não mede os níveis de testosterona e, na melhor
das hipóteses, apenas a reconhece como um possível fator influenciador. Um
estudo que mediu o hormônio sexual masculino mostrou que homens que ejaculavam
com frequência apresentavam níveis mais elevados de testosterona. E foram esses
homens que também apresentavam um risco reduzido de câncer de próstata.
Há
benefícios da atividade sexual e da ejaculação além da próstata, incluindo
efeitos positivos no coração, no cérebro, no sistema imunológico, no sono e no
humor. Assim, embora a relação entre a frequência da ejaculação e o câncer de
próstata não seja totalmente compreendida — e haja uma necessidade real de mais
estudos —, a ejaculação frequente (dentro dos limites razoáveis) certamente não
vai fazer mal, provavelmente vai fazer bem e deve, portanto, fazer parte do
estilo de vida saudável de um homem.
Ø Masturbação tem papel-chave na evolução humana, mostra estudo
Foi
graças à masturbação que a espécie humana chegou até aqui. É o que indica um
estudo científico publicado neste mês na revista internacional Proceedings of
the Royal Society B: Biological Sciences. Segundo os autores, é possível que a
autoestimulação seja um traço adaptativo e tenha cumprido papel chave na
evolução da nossa espécie.
Trabalhos
anteriores também apontam a prática como benéfica para o bem-estar e a saúde
sexual, além de melhora do desempenho no sexo.
"Toda
questão que envolve sexo interessa para o estudo do nosso processo
evolutivo", afirma o professor Tiago Falótico, da USP (Universidade de São
Paulo).
A
masturbação, porém, é um comportamento que à primeira vista parece deletério,
um desperdício de tempo, energia e recursos que não traz vantagens adaptativas.
Desta forma, o hábito foi visto por anos como uma consequência natural da
sensibilidade na região genital. Alguns especialistas chegaram até a tratá-lo
como patologia. Mas as novas descobertas jogam luz sobre a prática.
Para
chegar aos resultados, os autores do estudo reuniram informações de 400 fontes,
das quais 60% eram publicações científicas e 40% contribuições fornecidas por
primatologistas e tratadores de zoológico. Depois, cruzaram os dados com as
árvores filogenéticas desses animais e sua coevolução com outras
características.
Com
os resultados em mãos, os pesquisadores levantaram duas hipóteses para explicar
o papel da autoestimulação no jogo de sobrevivência das espécies. A primeira
apontava que a prática aumenta as chances de fertilização, fenômeno
principalmente associado a ambientes nos quais muitos machos competem com uma
fêmea.
A
segunda como uma forma de prevenção de infecções. Ao ejacular, segundo os
especialistas, animais machos limpam a uretra, eliminando ao menos uma parte de
possíveis agentes infecciosos da região.
A
masturbação feminina, entretanto, não foi explorada. Suas motivações ainda
permanecem pouco claras para os pesquisadores. Uma das razões, de acordo com
eles, é a falta de dados científicos, visto que existem menos relatos desse
comportamento no mundo animal.
A
masturbação ocorre naturalmente entre várias espécies do reino animal. Apesar
de não ser exclusividade humana, sua popularidade entre nós, primatas, é
inegável. Segundo o novo estudo, a autoestimulação acompanha nosso tronco
evolutivo há cerca de 40 milhões de anos. No período, humanos aprenderam a ser
criativos na hora de ter prazer sozinho. Foi assim que começou o uso de
brinquedos sexuais para alcançar o orgasmo.
Ano
passado, pesquisadores relataram na revista científica Ethology como macacos
usavam pedras para manipular os órgãos sexuais. Mais do que uma atividade
ocasional, a utilização desses recursos era um hábito recorrente do grupo
observado, principalmente entre os machos jovens. Por outro lado, as fêmeas se
revelaram mais criteriosas na escolha do brinquedo, dando preferência para
pedregulhos com bordas afiadas ou texturas.
Urologista
e professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), Rodrigo Barros diz que a
masturbação pode trazer vários benefícios para o bem-estar e saúde sexual.
Segundo ele, além de ser uma maneira de atingir a satisfação sem correr o risco
de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), é também uma forma de conhecer
melhor as zonas erógenas do próprio corpo.
Como
bônus, a ejaculação acompanha a liberação neurotransmissores que promovem
bem-estar. Em alguns casos, também podem estar associada a melhora do sono, da
auto-estima e até do desempenho sexual benesses bem relatadas em estudos científicos. Uma pesquisa feita entre homens e
mulheres noruegueses de diversas idades, por exemplo, revela uma associação entre masturbação e satisfação sexual.
O
urologista Rodrigo Barros adverte que a prática compulsiva pode ser prejudicial
aos adeptos. "Existem pessoas com tendência maior à hipersexualidade que
podem criar dependência", afirma.
Outro
fator de risco é a prática associada ao consumo excessivo de pornografia, que
pode gerar expectativas irreais sobre o sexo e levar ao chamado estilo
masturbatório idiossincrático, isto é, o costume a um certo tipo de estímulo
que não pode ser reproduzido durante a relação.
Além
disso, a compulsão pode trazer problemas para o cotidiano, seja na vida
conjugal ou na laboral. Nesses casos, o urologista recomenda a busca de ajuda
de profissional especialista em sexualidade humana. Para os demais, a
recomendação é seguir o exemplo dos nossos antepassados, e continuar buscando o
prazer com as próprias mãos.
Fonte: Por Daniel Kelly, The
Conversation/FolhaPress
Fissuras
do campo político bolsonarista
O campo político bolsonarista é socialmente heterogêneo,
policlassista, e por isso repleto de contradições. A sua unidade não é tão
sólida quanto pode parecer
·
O movimento e o campo
político neofascista
A
política brasileira entrou numa fase nova a partir de 2015, quando se iniciaram
as grandes manifestações de rua pela deposição de Dilma Rousseff. Tendo a
classe média, e principalmente a sua camada superior como a principal força
motriz desse movimento, ele foi, contudo, dirigido pela grande burguesia
associada cujo propósito era restaurar a hegemonia política que perdera com os
governos do PT.
O
referencial dessa fração da burguesia brasileira era a política do Estado
mínimo dos governos FHC, que os governos de Lula e de Dilma Rousseff haviam
abandonado para implantar uma política de intervenção do Estado na economia
para estimular o crescimento econômico e reduzir a pobreza, política que
podemos denominar “neodesenvolvimentista”.
O
movimento pelo impeachment, após depurações e também com adesões, inclusive a
adesão do Partido militar, resultou na formação de um movimento de massa de
tipo neofascista, agregando, além da fração superior da classe média, a pequena
burguesia e os proprietários de terra capitalistas principalmente das regiões
Sul e Oeste do país. Heterogêneo desde o seu nascedouro, o movimento
neofascista funcionou como um agente catalizador para a formação de um novo
campo político, o campo neofascista, que, por sua vez, é mais amplo e mais
heterogêneo ainda que o movimento que lhe deu origem.
E a
política foi ingrata com o movimento inicial. Os pioneiros do movimento
neofascista foram empurrados, como veremos, para a periferia do campo político
cuja formação haviam propiciado. Embora permaneçam como forças motrizes
principais desse campo, e a origem social dos financiadores e dos participantes
da Intentona golpista de 08 de janeiro de 2023 é prova disso, não são eles que
o dirigem, isto é, não são eles que dão a última palavra sobre o programa do
campo político que deve a sua existência à militância dos pioneiros do
neofascismo.
A
grande burguesia associada, que já controlara politicamente o movimento pelo
impeachment, logrando restaurar neoliberalismo ortodoxo com o governo de Michel
Temer, atraiu o movimento neofascista e, no início da campanha para a eleição
presidencial de 2018, assumiu a sua direção, ao obter, em novembro de 2017, o
compromisso do candidato neofascista de nomear Paulo Guedes para o Ministério
da Fazenda. Nessa nova fase, destacou-se o setor financeiro dessa fração
burguesa, conhecido na linguagem jornalística pela metonímia “Faria Lima”.
A
política brasileira que se encontrava dividida, até 2015, entre, de um lado, o
campo político neoliberal e democrático e, de outro, o campo político
neodesenvolvimentista, passou a contar com um terceiro campo que, também ele,
assumiu o neoliberalismo, trajando-o, no entanto, com uma vestimenta
autoritária. O campo político neofascista expandiu-se também para baixo,
atraindo setores das classes populares arregimentados pelas igrejas
pentecostais e neopentecostais. Esse novo campo político é, tal qual os campos
neoliberal democrático e neodesenvolvimentista, socialmente muito heterogêneo
e, por isso, repleto de contradições no seu interior.
É
certo que esse campo possui um denominador comum que é partilhado por todos os
seus integrantes e que os unifica. Esse denominador é composto pelo
anticomunismo e pelo autoritarismo político. Porém, cada um dos seus
integrantes possui também interesses e valores particulares que podem gerar
conflitos mais ou menos graves e ameaçar a sua unidade.
Isso
significa que elementos como a defesa do da família patriarcal, que são muito
vistosos e que um observador mais apresado poderia atribuir ao conjunto do
campo bolsonarista, não são, na verdade, consensuais entre as classes sociais
as frações de classe que integram esse campo político, ou, pelo menos, não têm
a mesma importância para todos os seus integrantes. Essas distinções todas,
frequentemente desconsideradas pelos analistas do fenômeno, ajudam, contudo, a
ter uma visão mais clara do bolsonarismo, percebendo a heterogeneidade desse
campo político e indicando suas possíveis fissuras, de modo a permitir que os
trabalhadores e os democratas definam táticas mais precisas de combate a esse
inimigo.
·
Os interesses e
valores específicos de cada fração burguesa integrante do campo político
neofascista
A
grande burguesia associada, que abandonou o campo neoliberal democrático e é a
força social hegemônica do campo neofascista, tem de administrar interesses os
mais variados dos seus aliados e dos seus subalternos. Essa fração burguesa
está focada na defesa da irrestrita expansão do capital financeiro
internacional na economia brasileira e na defesa da política fiscal e monetária
que garanta alta remuneração para esse capital e seus associados internos, ou
seja, a política fiscal dita restritiva ou de austeridade – restrição e
austeridade para os outros, não para o capital financeiro. Veremos que parte do
capital financeiro integra a grande burguesia interna, não apoia parte
importante das reivindicações da Faria Lima e abandonou publicamente Jair
Bolsonaro na campanha eleitoral de 2022.
Voltando
à Faria Lima. Os companheiros de classe desse setor e de seu campo político, os
fazendeiros capitalistas, têm sérios problemas com as restrições fiscais. Eles
aspiram ao crédito público farto e subsidiado, ao financiamento governamental
para o seguro rural, para a construção de silos em suas propriedades, clamam
por obras públicas como estradas de ferro, de rodagem e portos e por outras
políticas e iniciativas que aumentam o gasto público e dificultam a obtenção de
superávit primário. São defensores convictos da empresa estatal Embrapa.
Essas
demandas dos fazendeiros geram um dos conflitos que ameaçam a unidade do campo
fascista. Convém mencionar que os proprietários de terra capitalistas fizeram
parte da frente política neodesenvolvimentista durante o ciclo de governos do
PT. Vindos de um período de vacas magras em decorrência da política econômica
fiscalista dos governos FHC, melhoraram, e muito, os seus negócios a partir de
2003. Começaram a mudar de posição política somente a partir de 2013, momento
em que passaram a priorizar a luta por outra política social, ambiental e de
ordem, que calasse os movimentos indígenas, camponês, quilombola e
ambientalista. A história política desses fazendeiros mostra que eles podem
oscilar entre um campo político e outro.
O
médio capital é outra fração da classe dominante que se aliou à grande
burguesia associada e passou a integrar o campo político neofascista. Na
preparação do golpe de Estado entre outubro de 2022 e janeiro de 2023, tanto a
participação dos proprietários de terra e de suas associações, quanto a das
médias empresas espalhadas por todo o Brasil, participação que se deu
fundamentalmente como financiadores dos acampamentos defronte aos quartéis e
também da “Marcha sobre Brasília”, essa participação está suficientemente
documentada nos processos judiciais.
O
médio capital se encontra excluído da disputa pela hegemonia no interior do
bloco no poder – o próprio desenvolvimento econômico do capitalismo
marginalizou-o e ele não considera a iniciativa de propor uma aliança com o
movimento operário e popular, cuja força política poderia compensar sua
fraqueza econômica. Como não tem, portanto, a ambição de fazer com que a
política econômica do Estado priorize os seus interesses específicos de fração,
a média burguesia passou a valorizar, mais que todas as outras frações
burguesas, a dimensão antioperária e antipopular do neoliberalismo.
O
que ela não ganha como fração, quer ganhar como classe. Integrou-se, então, ao
campo neofascista pelo fato de ser esse campo que garante, na nova situação, a
aplicação da versão mais radical da política social do neoliberalismo, política
que representa, para o médio capital, uma compensação frente ao que ele perde
ou deixa de ganhar com política econômica, seja a dos governos
neodesenvolvimentistas, seja a dos governos neoliberais, neofascistas ou
democráticos. Trocando em miúdos: procura tirar dos trabalhadores, por
intermédio de medidas de política social, aquilo que não consegue tirar da
grande burguesia, por intermédio de medidas de política econômica.
Mas,
o médio capital entretém relação complexa com a política econômica do grande
capital e, por isso, nem sempre é um aliado seguro para a grande burguesia,
seja ela a grande burguesia interna ou a associada. Basta lembrar que o médio
capital já esteve no campo neodesenvolvimentista. Ressentiu-se,
particularmente, com a política do BNDES focada no financiamento do grande
capital interno – os então chamados “campeões nacionais” – e iniciou, então, a
sua marcha para a direita. No movimento do impeachment, a média burguesia
industrial paulista foi mobilizada pela Fiesp de Paulo Skaf para fazer o
corpo-a-corpo junto aos deputados na votação do impeachment.
·
Os trabalhadores são o
calcanhar de aquiles do campo político neofascista
Diversos
segmentos das classes trabalhadoras, a começar pela classe média, representam,
hoje, a grande força desse campo político – estão mobilizados nas ruas, dão os
votos que os candidatos fascistas necessitam e podem dar a impressão de que sua
posição é inamovível e permanente. Examinando as coisas mais de perto, podemos
afirmar que não é bem assim.
Os
caminhoneiros autônomos, importante setor da pequena burguesia, bolsonaristas
militantes e pioneiros do movimento neofascista, aspiram a uma remuneração
maior para o frete rodoviário e ao barateamento do combustível. Aspiram também
a financiamentos públicos para a renovação da frota. Num caso, se chocam com os
interesses dos fazendeiros, que são, no entanto, seus aliados políticos, porque
os fazendeiros pretendem reduzir o custo do escoamento da produção, e, noutro
caso, se chocam com os interesses do capital financeiro, que dirige o campo
político no qual os caminhoneiros estão inseridos, e que almeja manter o
chamado preço de paridade internacional para os combustíveis de modo a aumentar
a lucratividade da Petrobrás e, assim, engordar os dividendos que a petroleira
lhe paga.
Os
caminhoneiros, que já foram base de apoio dos dois primeiros governos Lula, mas
que, hoje, ainda se mantêm na frente política neofascista, foram os primeiros
prejudicados pelo governo de Jair Bolsonaro, que os traiu para atender os
interesses dos acionistas da Petrobrás, e ao longo desse período governamental
o fascismo dos caminhoneiros alimentou-se de ideologia.
A
alta classe média, revoltada com a pequena melhoria nas condições de vida das
famílias de mais baixa renda, luta pela manutenção de sua distinção social.
Essa preocupação da classe média com a distinção social não comove nem um pouco
o coração dos “faria limers” – esses estão no topo da hierarquia social, têm
consciência da solidez dessa posição privilegiada e pouco se importam com a
redução da desigualdade que separa a classe média, socialmente insegura, dos
trabalhadores de baixa renda – desde que, é claro, a conta dessa redução não
recaia sobre o capital financeiro.
Uma
política real de reindustrialização pode, com a criação de grande número de
empregos mais qualificados, atrair grande parte da classe média, e até a alta
classe média, para uma posição mais progressista e, isso, a despeito dessa
mesma política elevar as condições de vida dos trabalhadores de menor renda e
qualificação. Lula da Silva venceu a eleição presidencial nos Estados do Sul e
do Sudeste em 2002.
Os
pentecostais, setor mais popular da frente neofascista, estão focados na defesa
da família patriarcal – daí o machismo e a homofobia que os caracteriza. Porém,
os populares que aderiram ao pentecostalismo, dadas suas condições de vida, não
se opõem – na verdade aspiram – a medidas de proteção social que destoam da
política neoliberal. A família patriarcal, tão cara aos pentecostais, não entra
em linha de consideração para qualquer uma das frações burguesas definir a sua
relação com o governo. O que as move nesse caso é a questão de saber se as
medidas de política econômica e social do governo atendem ou não os seus
interesses específicos de fração.
Uma
fração burguesa qualquer pode, eventualmente, tomar posição a favor ou tomar
posição contra a luta dos pentecostais se isso lhe fornecer um aliado na sua
luta no interior do bloco no poder. Ou seja, a unidade nesse caso não se
basearia em interesse e valores comuns, mas em circunstâncias da luta política.
·
A unidade do campo
político fascista pode ser rompida
É
verdade que essa frente ou campo político neofascista, embora amplo e
heterogêneo, continua unido. Já vimos que o anticomunismo e o autoritarismo
político formam uma base comum para essa unidade – embora o anticomunismo para
os fazendeiros, para os pentecostais e para a classe média não signifique a
mesma coisa. Mas, as bancadas da bíblia, da bala e do boi estão votando junto
no Congresso Nacional e são conscientes da força que cada uma das partes obtém
com essa unidade.
A
burguesia associada já aprendeu que sem manobras golpistas, como foi a manobra
do impeachment de Dilma Rousseff, ou sem o movimento neofascista, que
representou a sua salvação eleitoral em 2018, é muito difícil para ela assumir
e manter o poder governamental. Sabe que não pode avançar sozinha.
O
campo neofascista ainda está unido, mas poderão surgir defecções, algo
semelhante ao que ocorreu com o campo neoliberal no final da década de 1990,
quando a grande burguesia interna e a classe média iniciaram a sua caminhada em
direção ao neodesenvolvimentismo proposto pelo PT, e que, posteriormente,
ocorreu em meados de 2010 com o campo neodesenvolvimentista, quando a burguesia
interna começou a se afastar do governo de Dilma Rousseff.
Um
caso preocupante para o bolsonarismo: grande parte dos fazendeiros, base
pioneira e engajada do bolsonarismo, começa a se aproximar do governo Lula 3.
Os mais recentes episódios dessa aproximação foram a reação favorável dos
fazendeiros diante do primeiro Plano Safra do Governo Lula 3, plano que destina
para o financiamento público e subsidiado da safra um montante 30% maior que o
do último ano do governo Guedes-Bolsonaro, e o apoio dos fazendeiros ao projeto
dos biocombustíveis do mesmo governo. Para não entrar em choque com a sua
própria base social, o Partido Liberal (PL) viu-se obrigado a apoiar essa
política governamental.
A
unidade do campo político neofascista depende da evolução da economia, da
política e da ação governamental. Mas depende, também, da ação do movimento
antifascista. O movimento democrático e popular tem de levar em consideração a
heterogeneidade do campo político neofascista ao definir a sua tática de luta
contra o fascismo. São necessárias propostas políticas específicas, em primeiro
lugar e acima de tudo, para o setor popular reunido pelas igrejas pentecostais,
mas também, para a classe média e inclusive para o médio capital. É preciso
minar e dividir a frente política fascista.
Fonte:
Por Armando Boito Jr., em A Terra é Redonda