quinta-feira, 25 de abril de 2024

Terra, direito fundamental dos povos indígenas: não há marco temporal para o que é originário e inalienável

O Brasil se encontra, mais uma vez, diante de um desafio e de uma oportunidade histórica para avançar decisivamente na garantia da vida, dos territórios e dos direitos dos povos indígenas, primeiros habitantes deste espaço que hoje temos como país.

A capacidade de persistência dos mais de 300 povos indígenas que hoje existem no Brasil, após um processo secular de imposição e de extermínio, e sua perspectiva ética de um horizonte aberto a caminho de uma sociedade plural e do Bem Viver, representam pilares fundamentais sem os quais não conseguiremos construir qualquer perspectiva de futuro como sociedade.

Em 1988, o Brasil constituiu nosso marco fundamental de convivência, com a promulgação da atual Constituição Federal – e os povos indígenas contribuíram de forma decisiva para a configuração deste marco. Aqueles que na época eram considerados pelo Estado como incapazes e necessitados de tutela mostraram mais uma vez sua tenacidade política e sua força de mobilização em todo o país. Arrancaram do Estado o reconhecimento mínimo de seu direito a ser e a viver, de suas formas próprias de organização social, de suas línguas, costumes e tradições e de seu direito originário às terras que tradicionalmente ocupam.

Entretanto, ao longo destes 35 anos, o Estado avançou muito pouco na efetivação destes direitos. Hoje, comunidades inteiras permanecem despojadas de seus territórios, acampadas na beira de estradas, sob a lona preta e à mercê de todo tipo de violências. A maior parte das terras indígenas ainda não está demarcada e muitas daquelas que já foram homologadas continuam sofrendo com a invasão e a exploração ilegal e predatória de seus bens.

Ao longo destas décadas, grupos de grande poder econômico e político nunca deixaram de agir para derrubar, reduzir, limitar e impedir a efetiva garantia dos direitos conquistados pelos povos indígenas, particularmente seus direitos territoriais. E a última tentativa destes grupos para derrubar os direitos dos povos indígenas é o que veio a ser chamado de “marco temporal”.

Segundo esta tese, que se mostra imoral e falaciosa, só teriam direito a seus territórios aqueles povos indígenas que conseguirem demonstrar que se encontravam fisicamente naquele lugar na data de 5 de outubro de 1988 ou que estavam litigando, física ou juridicamente, a posse dessa terra.

Aqueles que defendem essa tese ignoram todo o processo de extermínio e de esbulho dos territórios que se deu antes dessa data. Não só ignoram, mas pretendem, com o marco temporal, legitimar uma declaração de impunidade com relação a todas as atrocidades e violências cometidas historicamente contra os povos indígenas até outubro de 1988.

Eles buscam apagar da memória o fato de que a mobilização dos povos indígenas em todo o país durante o processo constituinte, em defesa de seus direitos, é sinal inequívoco de que os povos estavam, sim, pleiteando naquele momento a devolução de seus territórios roubados e o reconhecimento de seus direitos originários.

Em setembro de 2023, no âmbito do Recurso Extraordinário 1.017.365, dotado de repercussão geral (Tema 1031), o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou por ampla maioria que o marco temporal não existe e é inconstitucional. Neste julgamento, o STF mostrou a determinação devida na fidelidade ao desejo dos constituintes e, também, na compreensão do desafio que estava em jogo. No entanto, o marco temporal voltou recentemente à cena política através de uma lei ordinária aprovada pelo Congresso Nacional.

Com a promulgação da Lei 14.701, em dezembro de 2023, o Congresso Nacional retrocedeu todos os passos que até o momento tínhamos conseguido dar neste tema como sociedade. De forma impositiva, esta Lei pretende fixar o chamado marco temporal como parâmetro para a demarcação de terras indígenas no Brasil, o que significa, na prática, inviabilizar a garantia desses territórios, anistiar as atrocidades do passado e impedir a possibilidade de futuro como país.

Mais do que isso ainda: a lei abre os territórios indígenas a interesses econômicos de terceiros e retoma uma perspectiva colonial que atribui ao Estado o poder de julgar e definir os caminhos de vida que só aos povos pertencem. Na contramão do consenso estabelecido na Constituição Federal de 1988 e em expressa contradição com a decisão do STF, o Congresso Nacional afrontou a vida dos povos indígenas e faz retroceder o Brasil às épocas mais escuras e violentas de sua história.

Que interesses particulares se escondem por trás desta decisão? A serviço de quem se legisla quando as leis são injustas e imorais? A quem interessa apagar a memória da violência e do esbulho, do extermínio e da opressão? Não existe marco temporal algum para direitos que são originários e imprescritíveis, fundamentais e inalienáveis.

A luta dos povos indígenas por seus territórios supera, eticamente, a ideia mesquinha da terra como propriedade e como recurso a ser explorado, parâmetro do modelo capitalista de produção e de consumo. Por isso é uma luta necessária e incontestável, imprescindível para todos nós. Uma luta que nasce e se nutre de uma profunda e densa dimensão espiritual, expressada de formas diversas por cada povo.

A segurança dos territórios indígenas está intrinsecamente relacionada com a preservação da vida, da biodiversidade e das condições de futuro para todos. É o singular e profundo vínculo e sentido de pertença dos povos a seu território, como condição primordial de ser, que se configura como paradigma ético fundamental, alternativo e necessário.

Hoje temos, como sociedade, um único caminho possível para avançar em direção a um horizonte ético e político de justiça e de garantia para a vida de todas e todos. Esse caminho passa, necessariamente, pela demarcação e homologação dos territórios indígenas, conforme o previsto na Constituição Federal; sem atalhos, sem arranjos, mas com determinação política. E isto obriga ao conjunto do Estado, aos Três Poderes, cada um em suas responsabilidades e atribuições. Na garantia dos territórios, livres de qualquer interferência e invasão, reside também o reconhecimento dos projetos de vida dos povos indígenas, na sua diversidade e pluralidade, de seus sistemas culturais próprios e de sua plena autonomia.

Para isso, é fundamental que as instituições do Estado assumam sua responsabilidade e sua missão institucional, garantindo os direitos originários dos povos indígenas e declarando de forma iminente a inconstitucionalidade da Lei 14.701. É este o único caminho para retomar a senda de uma sociedade fundamentada no respeito, no diálogo, na justiça e no direito.

É imprescindível que avancemos, como país, no caminho das políticas de restauração, de Memória, Verdade e Justiça. É urgente reconhecer – e não apagar – os crimes e atrocidades cometidas contra os povos indígenas deste país.

É essencial, enfim, que o Brasil caminhe no reconhecimento da contribuição imensurável que os povos indígenas, como sujeitos coletivos de direitos e detentores de sistemas culturais próprios e de horizontes éticos insubstituíveis, representam para a preservação da vida e para a defesa de uma democracia sempre mais radical, a caminho do Bem Viver para todas e todos.

 

       Funai solicita Força de Segurança Nacional para TI Uru-Eu-Wau-Wau

 

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas voltou a solicitar o apoio da Força Nacional de Segurança Pública para atuar na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, no Estado de Rondônia. Mesmo homologada desde 1991, a reserva, com 1,8 milhão de hectares, enfrenta conflitos e seguidas invasões de terras por não indígenas.

Em janeiro deste ano, os agentes foram autorizados a participar de uma operação em conjunto com a Política Federal e a Funai, que cumpriu dois mandados de busca e apreensão expedidos pela 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Ji-Paraná, para retirada de invasores. As investigações apontaram que os invasores desmataram uma área nos municípios de Governador Jorge Teixeira e Theobroma, para cometer crimes relacionados a contrabando de produtos veterinários.

Segundo a indigenista Ivaneide Bandeira Cardozo, conhecida como Neidinha Surui, que atua em Rondônia há 50 anos, logo após a atuação das forças federais na região, os invasores voltaram a ocupar áreas da TI.

Neidinha explica que a pressão sobre os indígenas da região ficou mais acirrada após a condenação de João Carlos da Silva, em 16 de abril, pelo assassinato do professor e líder indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau. “Eles estão brabos porque os indígenas estão protegendo suas terras e não deixando eles avançarem. Principalmente na região do Burareiro onde eles (os invasores) ficam fazendo campanha pela redução do que já está demarcado e destinado aos indígenas”, diz.

O conflito na região ocorre desde que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) sobrepôs parte da TI homologada com o Projeto de Assentamento Dirigido (PAD), ainda no governo militar, em 1975. A indigenista explica que a Justiça já reconheceu o erro e determinou que os assentados sejam indenizados e retirados. “O maior problema não são os agricultores que serão retirados e sim os grileiros que se aproveitam da situação para invadir e desmatar principalmente pra criar gado”, explica.

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal em março deste ano, sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 709, determinou o cumprimento pelas autoridades federais de segurança pública da desintrusão de sete terras indígenas, entre elas a TI Uru-Eu-Wau-Wau.

A TI Uru-Eu-Wau-Wau fica localizada em uma região que abrange 12 municípios do estado de Rondônia, onde vivem os povos os Jupaú (ou Uru-eu-wau-wau), os Oro Win, os Amondawa e os Cabixi, além de outros quatro povos isolados. Por manter povos ainda sem contato, a Funai atua na TI por meio da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE). De acordo com Neidinha, o órgão enfrenta dificuldades de atuar na região. “Eles não têm estrutura para apoiar os indígenas e enfrentar os invasores”, afirma.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública autorizou o emprego da Força Nacional de Segurança Pública na TI nesta segunda-feira, por meio de uma portaria publicada no Diário Oficial da União. E durante esta tarde, a Funai se reunirá com as lideranças daTI Uru-Eu-Wau-Wau para tratar das reivindicações para a região.

 

       Mais de 75% do garimpo na Amazônia está a menos de 500 metros de corpos d’água

 

Garimpo e água convivem lado a lado na Amazônia. Dados divulgados na última 6ª feira (19/4) pelo MapBiomas indicam que 77% das áreas de garimpo na região amazônica estão a menos de 500 metros de algum corpo d’água. Dos 241 mil hectares garimpados na Amazônia brasileira (que, sozinhos, representam 92% de todo o garimpo no país), 186 mil hectares ficam a menos de meio quilômetro de algum curso d’água.

De acordo com o MapBiomas, 10% da área garimpada na Amazônia (25,1 mil hectares) estão dentro de Terras Indígenas, onde a atividade é ilegal. Os territórios mais afetados são as TI Kayapó, Munduruku e Yanomami. Como em outras áreas garimpadas na Amazônia, a maior parte desses pontos de retirada ilegal de metal também está localizada nas proximidades de corpos d’água, muitos utilizados por comunidades indígenas para pesca e abastecimento.

Na Terra Kayapó, a área garimpada compreende 13,79 mil ha, dos quais 9,6 mil (70%) ficam a menos de 500 metros de corpos d’água. Já na Terra Munduruku, o garimpo ocupa 5,46 mil ha, com 2,16 mil ha (39%) próximos de água. Por fim, a Terra Yanomami, que vive uma grave crise humanitária causada pelo garimpo ilegal, conta com 3,27 mil ha de terreno garimpado, dos quais 2,1 mil estão a, no máximo, meio quilômetro de distância de cursos d’água.

O levantamento do MapBiomas também identificou 201 pistas de pouso em Terras Indígenas amazônicas, o que também indica a forte presença do garimpo nessas áreas. A TI Yanomami concentra a maior parte (75), seguida por Raposa Serra do Sol (58), Kayapó (26), Munduruku (26) e Parque do Xingu (21).

Essas pistas também estão próximas aos pontos de garimpo nas Terras Indígenas. No caso da TI Yanomami, um terço das pistas (28) estão a menos de 5 km de alguma área de garimpo. A proporção é parecida na TI Kayapó, onde 34% (9) das pistas se localizam nas proximidades do garimpo. Já na TI Munduruku, 80% das pistas (17) se encontram na mesma condição.

“As Terras Indígenas são as áreas mais preservadas da Amazônia. Ainda assim, no seu interior, a concentração de garimpos próximos a cursos d’água é extremamente preocupante, uma vez que populações indígenas e ribeirinhas usam quase que exclusivamente dos rios e lagos para sua subsistência alimentar”, observou Cesar Diniz, coordenador técnico do mapeamento de mineração no MapBiomas. “A contaminação dos rios e lagos representa para ribeirinhos e indígenas a fome, a sede e graves riscos à saúde”.

 

Fonte: Cimi/Agencia Brasil/ClimaInfo

 

Nenhum comentário: