segunda-feira, 29 de abril de 2024

Rubens Pinto Lyra: Autoritarismo de esquerda e socialismo

A nossa esquerda endossou, durante muito tempo, com ou sem restrições, regimes supostamente socialistas – boa parte continua a fazê-lo – e copiou algumas de suas práticas autoritárias. Já é tempo de cessar o que resta de incoerência nessa matéria.

Não pretendo, nessas linhas, desenvolver teses sobre a matéria, mas abordá-la em alguns tópicos, apresentando exemplos que respaldam minha argumentação, tendo em vista à inibição da esquerda de por o dedo na ferida.

Este é o país do voto obrigatório, justificado pela maior parte dos progressistas, mesmo se viola a autonomia individual, conditio sine qua non para o livre exercício do sufrágio universal. País em que as decisões de cima para baixo são moeda corrente, mesmo em partidos democráticos e de esquerda, como o PT, onde o candidato (a) à Presidência da República tem sido, de fato, designado pelo seu presidente honorário. Candidatos à Prefeito, ainda que escolhidos por votação interna, em prévias, têm, não raro, seus nomes rejeitados pela direção nacional do partido, assumindo ela própria a escolha.

Sendo um dos fundadores do PT na Paraíba e ex-integrante do seu Diretório Regional, dele desliguei-me após dez anos de filiação, por ter sido frustrada minha expectativa de uma democracia interna que funcionasse com participação regular, efetiva e decisória, das bases.

Promessa ilusória, como às referentes à democracia participativa, que o PT pretendia disseminar mediante os chamados espaços públicos não estatais, lócus por excelência da participação direta e soberana de todos os cidadãos.

Com efeito, essas veleidades foram abandonadas e mesmo a ouvidoria pública, autônoma e democrática, que não dispõe de nenhum poderdecisório, nunca foi adotada. Não existe, no meu conhecimento, nenhuma ouvidoria com essas características na administração pública federal, sendo todas obedientes.

Assim denomino aquelas cujos titulares são escolhidos pelo gestor, quase sempre, com critério político. A eficácia dessas ouvidorias é duvidosa, visto que o usuário, através do ouvidor, não pode reclamar do gestor, ou, se necessário, denunciá-lo, sob pena de provável demissão. Não é por acaso que a Ouvidoria de Polícia de São Paulo, criada pelo governador Mário Covas e estudada em outro capítulo desse livro, é uma das poucas dotadas de plena autonomia, tendo sua atuação reconhecida e divulgada em todo o país (LYRA: 2012).

Confirmam o acerto desses comentários reportagem do dia 29 de marco de 2004, no portal UOL: “a ausência de uma ouvidoria independente da Secretária de Administração Penitenciária de São Paulo acentua a insegurança dos familiares na hora de denunciar”, afirmam advogados que acompanham os casos.“Falta uma ouvidoria nos moldes da polícia de São Paulo”, diz Ariel de Castro Alves, Secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente” (PEREZ: 2024).

Outro exemplo. Em artigo veiculado, em 2012, na revista Política e Trabalho “A conferência de segurança pública e a participação tutelada”, também publicado pela ANPOCS, analisei os mecanismos de participação da sociedade civil e de órgãos governamentais na IX Conferência Nacional de Segurança Pública, convocada, no ano 2010, pelo governo petista.

Os resultados desse trabalho evidenciaram a existência de critérios de representação e metodologia de discussão e votação, que restringiram o potencial democrático dessa conferência, configurando participação tutelada da sociedade pelo governo (LYRA:2012, 317-334).

No campo político-partidário, os posicionamentos de petistas e do presidente Lula em relação a países que transitam entre o autoritarismo e a ditadura, a exemplo de Coreia do Norte, Cuba, Nicarágua e Venezuela, sempre se revelaram complacentes. Nunca denunciam o verdadeiro caráter desses regimes, limitando-se, regra geral, a apontar a existência de “erros”, “desvios” e de aspectos negativos.

Como o fez Lula, qualificando de “grave” o impedimento da candidata de oposição à Presidência da Venezuela para inscrever sua candidatura, mas poupando o regime venezuelano. Tudo indica que suas críticas a Nicolas Maduro se explicam mais por pressões externas e internas de que por vontade própria.

Em janeiro de 2021, em live no Instagram, o atual Presidente da República afirmou que os grandes protestos ocorridos em Havana “foram uma mera passeata”. Nem uma palavra foi dita sobre a repressão aos manifestantes. Já o PT divulgou nota na qual comunicou seu “apoio ao povo e ao governo cubano” (COMUNICADO DE APOIO: 1921).

A complacência – ou mesmo a cumplicidade – da esquerda em relação a países que não respeitam o voto livre e soberano, nem as liberdades democráticas, também se manifestam no âmbito da sociedade civil. Foi o que ocorreu na calorosa recepção dada a Fidel Castro pelos participantes do Conselho Nacional das Associações Docentes (CONAD).

Hospedados no mesmo hotel do líder cubano, este aceitou discursar para uma “platéia atenta e emocionada” – e o fez durante uma hora – “sob o argumento de que a totalidade dos professores apoiava a causa cubana” e a resistência do povo latino-americano ao imperialismo” (FIDEL NO CONAD:1999). O problema é que o apoio acrítico “à causa cubana” significa endossar uma ditadura.

A história mostrou a fragilidade dos regimes ditos socialistas, liquidando-os em poucos dias, como ocorreu na Europa Oriental. O de Cuba claudica: dificilmente realizará os ideais de progresso, igualdade e liberdade, características inerentes ao socialismo concebido por Karl Marx.

Eugênio Bucci, petista, professor da USP e ex-integrante do governo Lula, em recentíssima análise da realidade social e política no A Terra é Redonda conclui que “Quase tudo se esvai. Da Revolução resta pouco, além de repartições burocráticas e gabinetes de vigilância política”. Nas palavras de Mário Sérgio Conti “Cuba está sem futuro à vista. A derrota que se expressa agora é a calcinação de um sonho”. Por sua vez, Frei Beto, entusiasta do regime cubano, declarou: “é desesperador, ninguém em Havana aponta saídas” (2024).

Poucos, no interior da esquerda marxista, negaram o caráter socialista aos regimes existentes no Leste Europeu, até 1989, ao de Cuba e ao da Coréia do Norte. Todavia, muitos o teriam feito se tivessem tomado conhecimento da obra de Karl Kautsky, principal teórico marxista da II Internacional, de igual ou maior envergadura que a do fundador do Estado Soviético. Obra que permaneceu no limbo, nos países “socialistas”, et pour cause, durante todo o período de sua existência.

Karl Kautsky passou a ser considerado “renegado” por Vladímir Lênin, a partir de sua discordância a respeito do caráter da Revolução Russa e da “ditadura do proletariado” que a regia.

O conhecimento das teses de quem, até polemizar com Lênin, era considerado o “Papa do marxismo”, é indispensável para o entendimento da derrocada dos antigos regimes do Leste Europeu e assemelhados, e para a compreensão das características de um regime socialista, do qual a democracia é indissociável.

débâcle da União Soviética, ocorrida em 1989, já havia sido anunciada como inevitável por Karl Kautsky desde 1919, pouco depois da vitória da Revolução Russa, portanto, há setenta anos. Mas em 1930 foi enfático: “Essa louca experiência vai terminar em estrondoso fracasso. Nem mesmo o maior dos gênios poderá evitá-lo. Ela resulta naturalmente do caráter irrealizável da empreitada, nas condições dadas, com os meios utilizados” (1931, p. 21).

Na esteira do pensamento de Marx, Karl Kautsky acreditava que somente seria possível efetuar a transição para o socialismo onde o modo de produção capitalista já fosse dominante. Portanto, onde o nível de desenvolvimento das forças produtivas pudesse garantir riquezas a serem repartidas com a população, e este não era o caso da Rússia Soviética.

O “socialismo de penúria”, intentado na Rússia, expressa uma contradição em termos, um contra-senso para quem defende a concepção marxiana de socialismo. Para Karl Kautsky, o modo de produção construído pelos bolcheviques (comunistas), não era socialista, e sim “capitalismo de Estado”, o qual “se limita a substituir os patrões privados – expropriados da propriedade do seu capital – por funcionários que, no essencial, conservam as antigas relações de produção, fundadas sobre o poder absoluto da empresa e da classe dominante do Estado”. Entenda-se, a nomenclatura, dominada pelo Partido Comunista da União Soviética (1931: p.74).

A nossa esquerda endossou, durante muito tempo, com ou sem restrições, regimes supostamente socialistas – boa parte continua a fazê-lo – e copiou algumas de suas práticas autoritárias. Já é tempo de cessar o que resta de incoerência nessa matéria. Tomo emprestado análise de Quiniou: “A democracia deve, pois, aparecer, ao mesmo tempo, como o ponto de partida, forma constante e objetivo último do socialismo. Longe de poder definir a democracia como uma simples exigência deste, devemos considerá-la a essência do socialismo. É o socialismo que deve ser considerado, no sentido inverso, uma exigência da democracia” (1992: p. 135).

Minha geração, na sua juventude, acreditou que a revolução estivesse batendo à porta, ao alcance da mão. O advento da ditadura militar de 1964, implantada sem nenhuma resistência, fez com que esse sonho desmoronasse. Passou então a crer que seria possível alcançar, ainda que por etapas, o socialismo, sendo o PT o principal instrumento dessa transição.

Mas a “correlação de forças” não evoluiu linearmente – longe disso – como durante muito tempo se acreditou – em favor das “forças progressistas”. Poder-se-ia até dizer que se deu o contrário. Primeiramente, com a derrocada dos países supostamente socialistas, gerando desmobilização e desilusão em relação ao futuro, por parte dos adversários do capitalismo. Em seguida, com o crescimento exponencial da direita, tanto no Brasil quanto nas democracias mais avançadas, sendo o resultado das eleições legislativas de março de 2023 em Portugal a última amostra.

O entendimento hoje dominante dos que apostam nas possibilidades de avanço social e democrático é de que se impõe, antes de tudo, a busca da consolidação e o aperfeiçoamento da democracia representativa, paradoxalmente desqualificada por parte significativa das esquerdas.

Com efeito, no Brasil a valorizam, quando mostram a necessidade de preservá-la, face ao crescimento do bolsonarismo e de outras variantes neofascistas. Mas a depreciam alhures, como nos Estados Unidos e nas demais democracias ocidentais. Não apontam suas importantes limitações, intrínsecas à democracia no capitalismo, mas praticamente a desconsideram, a ponto de não verem diferenças significativas em relação entre ela e regimes como o russo, que transitam entre o autoritarismo e a ditadura tout court.

Entendo que a democracia no capitalismo, mesmo com deformações, é qualitativamente distinta de um regime como o da Rússia, e isto tem consequências práticas de monta. Vladimir Putin ameaça com uma guerra nuclear as potências ocidentais, caso contrariem suas políticas – e ninguém pode garantir que não seja uma bravata.

Nas democracias ocidentais o risco de um indivíduo comprometer a paz mundial em razão de suas posturas voluntaristas é certamente muito menor. O peso da opinião pública, a possibilidade de expressá-la em protestos e manifestações de massa, o pluralismo da mídia (mesmo longe do ideal), a força da sociedade civil independente e – last not but least – o exercício soberano do sufrágio universal – são fatores inibidores de aventuras.

Muitos esquerdistas não entendem tão significativa diferença por acreditarem que a democracia somente se edifica a partir da implantação do socialismo, quando, na realidade, sua construção, difícil e paulatina, se dá ainda sob a égide do capital.

Mesmo diante de tantas dificuldades, avançar é possível, tendo o socialismo como inspiração, na medida em que a democracia seja valorizada na teoria e na prática política. E sempre que estratégias anticapitalistas possam ter em conta as limitações atualmente existentes, sem abrir mão de um projeto que, a médio e longo prazo, aponte para uma alternativa socialista.

Possam a atual e as novas gerações, assim procedendo, palmilharem o caminho em direção a uma nova sociedade “em que a vida não carecerá de nenhuma justificativa, dada pelo sucesso ou por qualquer outra coisa, em que o indivíduo não será manipulado por nenhuma força alheia, que seja o Estado, o sistema econômico ou interesses materiais espúrios. Uma sociedade em que os interesses materiais do homem não se limitem à interiorização de exigências externas, mas que provenham realmente deles e exprimam objetivos oriundos do seu próprio ego” (FROMM: 1970, p, 130).

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

A misteriosa origem da palavra 'abracadabra' e seus vários usos ao longo da história

"Abracadabra" é uma palavra curiosa.

Talvez você não se lembre precisamente de quando a terá ouvido pela primeira vez, mas provavelmente foi durante a infância.

Alguém pode tê-la apresentado como uma palavra mágica, quando você começava a aprender o que é a magia.

Logo se entendia que pronunciar essa palavra gera algo inesperado – coisas aparecem ou desaparecem, mudam de forma ou cor ou se movem sozinhas.

Esta não é uma palavra de uso cotidiano. Mas, mesmo assim, ela se fixa na mente de inúmeras crianças em todo o mundo.

"Abracadabra" faz parte do vocabulário de tantos idiomas que já se afirmou que ela é mais antiga do que a Torre de Babel da Bíblia.

Mas o que certamente ninguém contou é o seu significado... Porque ninguém sabe com certeza.

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, por exemplo, registra que "abracadabra" é uma "palavra cabalística a que os antigos atribuíam a virtude de curar moléstias". Mas não informa o seu significado exato.

E esta não é a única questão. O Dicionário Oxford da Língua Inglesa, desde sua primeira edição, em 1884, indica que a palavra "abracadabra" tem origem "desconhecida".

Mas isso não evitou que especialistas tentassem decifrar o mistério, elaborando diversas teorias ao longo dos séculos.

·        Bíblia, divindade, constelação

Diversas conjecturas consideram que a palavra "abracadabra" teve origem no início da tradição judaico-cristã.

Esta palavra esotérica pode ter se derivado da frase hebraico-aramaica avra gavra. Ela se refere às palavras proferidas por Deus no sexto dia da criação, segundo o Antigo Testamento: "Criarei o homem."

Mas esta é apenas uma dentre diversas possibilidades.

Outra teoria defende que a palavra talvez provenha do aramaico avra c'dabrah ("acredito com a palavra") ou do hebraico abra kedobar ("aconteceu conforme anunciado").

Trata-se de "uma máxima talmúdica que expressa a crença de que a pessoa que fala tem o poder de fazer com que o mundo exista", segundo o rabino americano Alan Lew (1943-2009) no seu livro This Is Real and You Are Completely Unprepared ("Isso é real e você está completamente despreparado", em tradução livre).

Ou seja, o mero ato de pronunciar a palavra ou nomear alguma coisa pode instigar a sua criação.

Outros especialistas também acreditam que "abracadabra" venha do aramaico e do hebraico, mas eles consideram que seu significado é totalmente diferente – por exemplo, "desaparece como esta palavra" (abhadda kedkabhra) ou "lança o teu raio até a morte" (abreq ad habra).

Existem outras buscas pelo significado, seguindo a hipótese de que "abracadabra" provenha dessas línguas semíticas. Mas também há teorias que se aventuram por caminhos diferentes.

Entre as muitas hipóteses mencionadas pelo professor americano Craig Conley no seu livro Magic Words: A Dictionary ("Palavras mágicas: um dicionário", em tradução livre), uma delas defende que "abracadabra" era a divindade suprema dos assírios.

Outra afirma que seria uma corruptela do nome do pai da álgebra, o matemático árabe do século 9º Abu Abdullah abu Jafar Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi.

Já o astrônomo britânico Samson Arnold Mackey (1765-1843) garantiu em 1822 que "abracadabra" é uma frase formulada pelos antigos astrônomos para descrever a constelação de Touro.

Existem ainda outras hipóteses, mas o debate não chega a um consenso. Afinal, como explica o Dicionário Oxford, "não foram encontrados documentos que respaldem nenhuma das diversas conjecturas".

Mas o fato de que "abracadabra" tenha passado a ser "ininteligível para os herdeiros da tradição, frequentemente desconhecedores do seu sentido e idioma original" – como destacou o acadêmico Joshua Trachtenberg (1904-1959) – acabou se tornando uma virtude.

"Existe tão pouca necessidade de que a palavra mágica tenha algum sentido inteligível que, na maioria das vezes, ela é considerada eficaz por ser estranha e sem significado, sendo particularmente preferidas palavras incompreensíveis em idiomas estrangeiros", escreveu o acadêmico Benno Jacob (1862-1945) no livro Im Namen Gottes ("Em nome de Deus", em tradução livre).

Por isso, exótica e sem significado, mas talvez mais poderosa justamente por este motivo, "abracadabra" marca sua presença na história há séculos. E sempre se esperou muito desta palavra.

·        Poder transcendental

Muito antes de fazer coelhos saírem de cartolas, "abracadabra" era usada com fins muito diferentes, como espantar os demônios e a morte, além de enfrentar doenças.

Seu primeiro uso conhecido aparece nos fragmentos que chegaram até nós do Liber medicinalis, do século 3º d.C., também conhecido como De Medicina Praecepta Saluberrima.

Seu autor é Sereno Samônico. Não se sabe muito a seu respeito, mas ele foi médico do imperador romano Caracala (188-217) e era considerado sábio.

Entre diversos outros tratamentos, remédios e antídotos, seu livro menciona um para "a febre mortal que os gregos chamavam de hemitritaion".

"A palavra nunca foi traduzida para o latim, seja porque a natureza do idioma não o permite ou porque os pais, acreditando que traduzi-la seria prejudicial para seus filhos, não quiseram dar a ela um nome", escreveu Samônico.

O médico se referia à doença conhecida hoje como malária, que devastou a Roma Antiga. Para curá-la, ele recomendava o seguinte:

"Escreva em uma folha [de papiro] a palavra ABRACADABRA, repita-a omitindo a última letra, de forma que faltem cada vez mais letras individuais em cada linha [...] até que fique uma única letra como o vértice de um cone. Lembre-se de fixá-la ao pescoço com um fio de linho."

A ideia era que a doença iria desaparecer aos poucos, como a palavra "abracadabra".

Samônico também receitava untar o corpo com gordura de leão ou usar a pele de um gato doméstico adornada com joias para se proteger contra essa febre.

Mas o que permaneceu foi o uso da curiosa palavra, que deixou seus rastros por diversos lugares e culturas.

Ela aparece, por exemplo, gravada em algumas das pedras de Abraxas, que os basilidianos – membros da seita gnóstica do século 2º fundada por Basílides de Alexandria – usavam como talismãs.

"Abracadabra" era parte de uma fórmula mágica para invocar a ajuda de espíritos benevolentes para combater doenças e ter boa sorte.

A palavra também aparece na "Árvore do Conhecimento" (Etz ha-Da'at), um pequeno códice escrito por Eliseu ben Gad de Ancona, na Itália, no século 16.

O primeiro encantamento incluído no livro é uma "cura celestial" para "todos os tipos de febre". Ele começa dizendo:

"Av avr avra avrak avraka avrakal avrakala avrakal avraka avrak avra avr av"

Como destaca Zsofi Buda no blog da Biblioteca Britânica, é fácil descobrir neste feitiço a palavra mágica "abracadabra".

Na Inglaterra, como em muitos outros lugares, "abracadabra" continuava oferecendo esperanças de cura ainda no século 18.

A palavra é destacada no livro Um Diário do Ano da Peste (Ed. Artes e Ofícios, 2002), escrito em 1722 pelo autor de Robinson Crusoé, Daniel Defoe (1660-1731).

O autor lamenta que as pessoas acreditassem em fraudes "como se a peste [bubônica] não fosse mais do que uma espécie de possessão de um espírito maligno", recorrendo a superstições para afastá-lo.

Entre essas superstições, estavam "papéis amarrados com tantos nós; e certas palavras ou figuras neles escritas, particularmente a palavra 'abracadabra', em forma de triângulo ou pirâmide".

As pessoas que confiavam nos talismãs continuavam seguindo as instruções fornecidas séculos antes por Sereno Samônico. Elas os usavam por nove dias e depois os descartavam, atirando-os sobre o ombro esquerdo antes do amanhecer em um riacho que fluísse de oeste para leste. Tudo em vão.

"Quantos pobres foram depois levados em carros funerários e atirados em fossas comuns com esses pingentes infernais pendurados no pescoço", escreveu Defoe.

Havia também quem carregasse amuletos com a pirâmide voltada para cima, para atrair boa sorte.

No início do século 19, com o surgimento da obsessão britânica pelo espiritismo, o famoso ocultista inglês Aleister Crowley (1875-1947) decidiu se apropriar da palavra mágica.

Ele reconstruiu "abracadabra" por meio de uma reformulação cabalística que a transformou em "abrahadabra", na sua obra O Livro da Lei, que define os princípios básicos da sua nova religião, chamada Thelema.

Para ele, "abracadabra" é "a Palavra do Éon, que significa a Grande Obra cumprida".

Naquela época, a palavra já estava perdendo seu suposto poder de cura. Mas, ao mesmo tempo, já adquiria outro significado, quando foi incorporada pelos mágicos aos seus repertórios.

Foi assim que, a partir das primeiras décadas do século 19, "abracadabra" se transformou, como num passe de mágica, no encantamento que conhecemos hoje, desde a infância.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

Microbiota intestinal influencia no bem-estar cardiovascular, aponta estudo

As bactérias que habitam o intestino têm se tornado um ponto crucial na investigação científica, se destacando por suas funções no metabolismo, na nutrição e na saúde geral. Novos trabalhos mostram que, além do explorado papel em doenças neurodegenerativas, a microbiota intestinal influencia em muitas outras questões, como sistema imunológico e bem-estar cardiovascular.

Uma recente pesquisa do Instituto de Tecnologia Technion, em Israel, trouxe à tona uma descoberta promissora que pode melhorar a abordagem às doenças inflamatórias intestinais (DII), como colite e doença de Crohn.

Ao longo dos milênios, a microbiota se tornou indispensável para o sistema imunológico. O intestino passa por diversas transformações estruturais, mecânicas e químicas, exigindo das bactérias uma adaptação dinâmica a esse ambiente em fluxo constante. Uma equipe liderada pela professora Naama Geva-Zatorsky, da Faculdade de Medicina Ruth e Bruce Rappaport, tem se dedicado a investigar essa questão, em trabalho de equipe.

"A pesquisa oferece uma visão crítica sobre as intrincadas interações entre as bactérias intestinais e o sistema imunológico na doença inflamatória intestinal. Nossa explicação é que a mesma flexibilidade genômica desenvolvida ao longo da evolução proporciona às bactérias plasticidade funcional, ajudando a se adaptarem às doenças intestinais", frisou Geva-Zatorsky. "Isso abre portas para intervenções direcionadas destinadas a restaurar o equilíbrio da microbiota intestinal em pacientes com DII."

O estudo, que foi uma colaboração entre cientistas dos Estados Unidos, Espanha e Israel, se concentrou nas bactérias Bacteroidales, algumas das mais abundantes no microbioma intestinal humano. Ao examinar mais de 2 mil pessoas saudáveis e doentes e conduzir ensaios pré-clínicos, os cientistas identificaram padrões distintos de inversões de DNA associados à saúde e à doença.

Essas inversões reversíveis do DNA conseguem ligar e desligar a produção de moléculas essenciais. Por exemplo, em Bacteroides fragilis, o mecanismo desativa a produção do polissacarídeo A (PSA), uma molécula crucial na coordenação de células T reguladoras, especializadas em suprimir a inflamação excessiva e manter o equilíbrio intestinal.

O trabalho revelou ainda um padrão nas amostras fecais de pacientes com doenças inflamatórias intestinais: o regulador de PSA estava predominantemente desativado, o que se relacionava aos níveis elevados de vírus bacteriófagos associados B. fragilis. Experimentos adicionais com ratos colonizados com B. fragilis na presença de bacteriófagos demonstraram uma redução nas células T reguladoras. Para os autores, as descobertas evidenciam uma estratégia de adaptação complexa empregada pelos micróbios intestinais, o que os permite reprogramar dinamicamente a expressão genética em resposta a condições locais, como inflamação ou infecção viral.

·        Dificuldades

No entanto, Bruno Paes Barreto, coordenador do Departamento Científico de Alergia na Infância e Adolescência da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), observa que, usar esse mecanismo como biomarcador ou em alguma terapêutica, não será fácil. "O principal obstáculo seria tornar os exames de identificação da microbiota acessíveis e reprodutíveis. O que atualmente é questionável."

Para Barreto, reconhecer o padrão microbiano de cada indivíduo e avaliar suas influências na saúde ainda é uma estratégia difícil de padronizar. "É possível que a curto e médio prazo exames continuem sendo importantes para diagnóstico e manejo das doenças alérgicas e gastrointestinais funcionais."

Os micróbios que habitam o intestino de mamíferos, como o ser humano, também são considerados influentes no metabolismo de aminoácidos e da glicose. Essa microbiota se comporta de maneira semelhante a um fígado adicional. É o que aponta um novo estudo pré-clínico conduzido por pesquisadores da Weill Cornell Medicine, nos Estados Unidos.

·        Funcionamento

Os agentes que compõem o microbioma influenciam na extração de nutrientes dos alimentos ingeridos, competindo com o organismo por esses recursos, observou Chun-Jun Guo, professor assistente de microbiologia e imunologia e autor sênior do estudo. "Eles 'comem' antes de nós, assumindo primeiro os nutrientes dos alimentos que consumimos e deixando-nos com o que resta após satisfazerem suas próprias necessidades nutricionais."

Para entender melhor esse fenômeno, os pesquisadores exploraram a eficiência de várias bactérias intestinais na metabolização de aminoácidos, que compõem as proteínas. Por meio de uma análise extensa que envolveu mais de 100 micróbios intestinais humanos distintos, a equipe identificou bactérias capazes de esgotar esses aminoácidos.

Ao colonizarem o intestino de ratos com essas bactérias, a equipe observou uma redução nos níveis de aminoácidos tanto no intestino, quanto na corrente sanguínea do animal.

Identificando os genes bacterianos responsáveis por essa questão, os cientistas manipularam geneticamente bactérias para esgotar aminoácidos no intestino dos animais, o que regulou a glicose sanguínea. Para eles, o resultado sugere que a microbiota não só afeta o metabolismo dos aminoácidos, mas exerce influência sobre a gestão do açúcar no sangue.

O estudo destaca que muitos genes microbianos estão associados a condições digestivas e metabólicas, o que sugere que medicamentos direcionados a eles ou a cepas bacterianas modificadas poderiam ser uma nova abordagem para condições como diabetes tipo 2 e doença inflamatória intestinal.

Adriano Moraes, hepatologista do Centro de Excelência em Transplante Hepático do Hospital Santa Lúcia de Brasília, frisa que é importante considerar a genética do indivíduo. "Essas alterações metabólicas modificam o sistema neuroendócrino. Então, têm várias vias de ativação que podem levar, inclusive, a alterações cerebrais, motoras e sensoriais. E esse desequilíbrio leva uma maior ou menor condição pró-inflamatória." Ele explica que as condições pró-inflamatórias são absorvidas pelos vasos que drenam o intestino. "Quando essas substâncias inflamatórias são drenadas para o fígado, há o desenvolvimento de doenças relacionadas diretamente ao órgão."

·        Avanços

"A sensibilidade de um biomarcador pode permitir a monitorização precisa da progressão de doenças gastrointestinais. Ao detectar padrões distintos de inversões de DNA nas espécies bacterianas do microbioma intestinal, os pesquisadores podem correlacionar esses padrões com a gravidade da doença e sua resposta ao tratamento. O biomarcador pode ter ainda desdobramentos em pesquisas futuras sobre a microbiota intestinal e sua influência em doenças sistêmicas. Poderia ser explorado para avaliar o papel do microbioma na regulação do sistema imunológico em outras doenças inflamatórias. O avanço na identificação de biomarcadores abre novas perspectivas para abordagens personalizadas e eficazes, que visam não apenas os sintomas, mas modular a microbiota e a resposta imunológica do paciente. É um emocionante progresso da medicina personalizada e da biologia de sistemas."

Alexandre Nishimura, coloproctologista nos hospitais do Servidor Público Estadual de São Paulo e Israelita Albert Einstein, especialista em doenças inflamatórias intestinais.

·        Esferas para a saúde

Cientistas da University College London, no Reino Unido, desenvolveram esferas de carbono capazes de reduzir bactérias nocivas e inflamações associadas à cirrose hepática e outras doenças graves em modelos animais. Publicado na revista Gut, o estudo revelou que o Carbalive, restaurou a saúde intestinal e melhorou a função hepática, renal e cerebral em ratos e camundongos. Agora, a equipe pretende confirmar a eficácia e segurança em humanos.

·        Interferência no corpo todo

Um estudo recente lançou luz sobre a possível conexão entre as bactérias que habitam o intestino humano e o desenvolvimento de aneurismas na aorta, uma condição séria que afeta a saúde cardiovascular. Os pesquisadores, liderados pela Universidade de Zhengzhou, na China, mergulharam em dados genéticos de milhares de indivíduos, buscando entender melhor essa relação complexa.

Os resultados, publicados na revista Cardiovascular Innovations and Applications, revelaram que certas famílias e classes de bactérias intestinais estão intimamente ligadas ao risco de aneurismas aórticos. Além disso, níveis mais baixos de alguns desses microrganismos estavam associados a menores chances do problema, enquanto maiores quantidades de outras bactérias se relacionavam a um risco aumentado.

O estudo identificou ainda padrões específicos de bactérias associados a diferentes subtipos de aneurismas aórticos, como os que ocorrem na região abdominal e torácica. Para os autores, essas descobertas têm implicações significativas para o diagnóstico e tratamento desses problemas.

Para essa análise, os pesquisadores utilizaram dados do FinnGen, um projeto médico que verifica informações genômicas e de saúde de participantes do biobanco finlandês. A abordagem multidisciplinar promete fornecer insights valiosos para o desenvolvimento de novos biomarcadores, essenciais para o diagnóstico precoce e para potenciais alvos terapêuticos contra aneurismas aórticos.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

"Lula luta pelo Brasil forte na cena global", diz embaixadora do Reino Unido no Brasil

Para a embaixadora do Reino Unido no Brasil, Stephanie Al-Qaq, a nação brasileira é uma voz muito importante no cenário internacional, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o grande líder do sul global. Em entrevista ao Podcast do Correio, ela é suficientemente cautelosa para não se envolver na polarização entre o atual governo e o anterior, mas entende que a presidência de Jair Bolsonaro tinha uma visão menos mundial e mais doméstica.

Stephanie adianta que o Reino Unido apoia os planos ambientais brasileiros. Segundo ela, o Brasil é um ambiente de negócios atraente e o Reino Unido pode ocupar o espaço deixado pela dificuldade de Mercosul e União Europeia fecharem o acordo de livre comércio que há anos se arrasta.

·        Esta não é a sua primeira missão no Brasil. Entre a primeira estada e a atual, que diferenças percebe, sobretudo com a atual polarização?

Essa radicalização se vive em todos os países. Democracias como as do Reino Unido, do Brasil, da África do Sul, da Índia, estão enfrentando ameaças que vêm de dentro e precisamos fazer um esforço muito maior para protegê-las. Vemos a proliferação da desinformação e de fake news nas eleições e precisamos enfrentar isso. Não é só a democracia. São os valores democráticos que brasileiros e britânicos estão acostumados. Não queremos enfrentar esse tipo de risco para os direitos humanos.

·        O Reino Unido tem uma nova lei para regular as redes, certo?

É a Online Safety Act para proteger as pessoas on-line. Foi aprovada no ano passado e enfrenta as ameaças dos extremistas que ameaçam nossos cidadãos e a democracia. Estamos trabalhando com o Brasil nesse assunto. Estive com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, e temos um projeto junto com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sobre o desenvolvimento da política de segurança on-line. Temos que trabalhar duro para enfrentar esses desafios.

·        Que experiências dessa nova lei podem servir ao Brasil?

A discordância, a crítica, é algo normal na democracia, mas usar as redes sociais para incitar a violência, o ódio, a discriminação, não é. O que passar essa linha e colocar nossos cidadãos e crianças em risco, vamos fechar. Estamos trabalhando com empresas e com o setor social para enfrentar esse desafio. Também estamos trabalhando com o governo brasileiro para compartilhar nossos conhecimentos. Na inteligência artificial (IA), acredito que Brasil e Reino Unido podem ter um papel positivo na discussão.

·        No Reino Unido, a liberdade de expressão tem limites?

Tem. Se você está usando esse espaço de fala livre, não pode usá-lo para incitar a violência, a discriminação, o ódio. Sofremos vários ataques terroristas no passado e não podemos dar espaço para as pessoas incitarem a violência contra nossos cidadãos, dentro ou fora do Reino Unido. Então, tem limites, sim.

·        Alguns por aqui diriam que isso é censura...

Extremistas estão dizendo que é censura, mas não estamos falando de críticas, de desafios — essas coisas são normais. No Reino Unido, pessoas jogam ovos e gritam contra os ministros. Estamos abertos, mas não se pode usar para incitar a violência ou outro tipo de crime.

·        E o ambiente de negócios no Brasil? Mudou?

No ano passado, quando estive na reunião do primeiro-ministro Rishi Sunak com o presidente Lula, eles disseram que temos que aumentar o comércio entre nossos países. Em 2023 crescemos em 30% entre nós — chegamos a 10,4 bilhões de libras, mais do que com a Rússia e diversos outros países. Estive em uma reunião na Casa Civil e, para nós, o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o de transição energética têm um interesse enorme. Trabalhamos todos os dias para melhorar o ambiente de negócios, mas precisamos melhorar muita coisa. O Brasil não é para iniciantes, mas na cúpula de líderes (do G20, em novembro, no Rio de Janeiro), espero que o primeiro-ministro venha.

·        Os últimos grandes investimentos do Reino Unido no Brasil fazem muito tempo. Que oportunidades os britânicos veem aqui hoje?

Não faz tanto tempo assim. Estamos muito presentes nas áreas de mineração, de energia, na saúde. Sem nossa parceria com o Brasil na área de covid-19, jamais conseguiríamos desenvolver a vacina da AstraZeneca com a Fundação Oswaldo Cruz. A farmacêutica GSK fornece medicamentos para várias áreas e temos universidades fazendo pesquisa para o tratamento de câncer. Nossos cientistas desenvolveram uma vacina contra a malária. Muitas vezes, olham só para os grandes projetos de infraestrutura, mas meu trabalho aqui é trabalhar nas áreas onde temos interesses comuns — como saúde, clima e transição energética.

·        Falta divulgar mais essas parcerias?

Sim. Estava com os ministros da Fazenda (Fernando Haddad) e da Casa Civil (Rui Costa) exatamente falando sobre o PAC, compartilhando a experiência do Modelo 5 (modelo de desenvolvimento de plano de negócios) do Reino Unido — e como que, ao desenvolver projetos para o Brasil, se pode captar recursos na iniciativa privada. Estamos trabalhando longe dos holofotes, mas vamos divulgar mais.

·        O principal interesse do Reino Unido é um acordo de livre comércio com o Brasil?

Não começamos ainda em um novo acordo porque o Brasil estava no meio da negociação com a União Europeia (UE) sobre o Mercosul. No último ano, direcionei meu time para que pudéssemos enfrentar esses obstáculos (do acordo com o Mercosul e a União Europeia) e chegarmos na negociação com menos entraves. No acordo com a UE, há muito esforço sobre a agricultura. Estamos construindo uma parceria muito colaborativa junto com o Ministério da Agricultura e Pecuária e junto com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Não sou uma pessoa muito paciente, não vou trabalhar um acordo para daqui há 20 anos (tempo de negociação do acordo do Mercosul com a UE). Vamos correr para diminuir o número de obstáculos e facilitar a negociação.

·        É bom para o Reino Unido que o Mercosul e a UE não tenham chegado a um ajuste?

Quando vi a dificuldade nesse acordo, pensei: 'Não vou ficar aqui sem fazer nada'. Falava com o presidente do CNA (João Martins) e disse que queremos mais acesso para os queijos britânicos.

·        O grupo integrado por Noruega, Islândia, Suíça e Liechtenstein está na frente...

O Reino Unido fazia parte desse grupo (EFTA — Associação Europeia de Livre Comércio), mas, com o Brexit, teve de sair. Quando nosso governo e o brasileiro estiverem prontos, com os obstáculos reduzidos, vai ser mais fácil. Vou sair daqui a três anos e deixarei a casa em ordem.

·        Para o Reino Unido, está mais fácil negociar neste governo ou no anterior?

Como eu disse, o Brasil não é para iniciantes. Estive aqui no segundo mandato do presidente Lula e no início do mandato da presidente Dilma Rousseff. Mas não temos preferência. Acho que às vezes (está mais fácil negociar). Mas, o mais importante, é a confiança nas instituições. Aqui, ou no Reino Unido, há eleições livres e não se pode questionar o resultado. Muitas pessoas dizem que vai ser mais fácil com um presidente republicano ou democrata, mas não faz nenhuma diferença. Não importa quem vence.

·        Mas nada mudou com Lula?

Ele luta por um Brasil muito forte no palco internacional. Ele é, como dizemos em inglês, the grandfather of the Global South (o avô do Sul Global) e, para nós, a voz do Brasil é superimportante. Bolsonaro estava focado mais dentro do Brasil, acho que essa é a diferença. Para nós, essa voz do Brasil de agora, mesmo com todos os conflitos, é bem-vinda. O Brasil tem a presidência do G20, a presidência da COP no ano que vem — acho que tem uma janela para influenciar os debates no palco internacional. A pressão nas costas do Brasil é grande. Não chamamos a COP30 como uma simples COP, e sim como "COPão". Para países como o Reino Unido, que têm compromisso com o meio ambiente, com a transição, com a democracia representativa, com a resolução dos conflitos, temos que trabalhar com vozes como a do Brasil.

·        Então, hoje há mais convergência entre Brasil e Reino Unido...

No governo Bolsonaro assinamos, por exemplo, um acordo de dupla tributação, que já foi ratificado no Reino Unido e ainda não foi ratificado aqui — mas é importantíssimo. Na área de saúde, trabalhamos muito com o governo Bolsonaro. Governos têm interesses diferentes. O governo Bolsonaro tinha interesses específicos, o do presidente Lula tem outros.

·        E a participação do Reino Unido no Fundo Amazônia?

Quando cheguei, o presidente Lula e a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) me perguntaram se o Reino Unido entraria para o fundo. Poucos meses depois entramos, porque estamos apoiando a visão do Brasil na área. Entramos com 115 milhões e estamos apoiando com meio bilhão de libras. Somos o segundo maior parceiro do Brasil na área de ciência e tecnologia e o terceiro na área de clima. A ambição do Brasil em relação à COP é grande e estamos prontos para ajudar. Lançamos dois novos hubs com o governo brasileiro, um para hidrogênio outro para a descarbonização da indústria, e com centros de excelência para ajudar nessa transição. Estamos ajudando o ministério (do Meio Ambiente) a escrever uma nova estratégia de bioeconomia.

·        A senhora atuou no Oriente Médio e, hoje, está no Brasil. Qual é o peso do Brasil na diplomacia?

O nível de trabalho aqui, no Brasil, é o mesmo da China, da Rússia, da França, da Alemanha. Isso indica o valor desta posição. O Reino Unido vê este posto no mesmo patamar da China — mostra o valor do Brasil no cenário internacional.

 

Fonte: Correio Braziliense