terça-feira, 31 de outubro de 2023

Demissões de Lula expõem obstáculos para mulheres e reforçam Centrão

No discurso da vitória, há quase um ano, o então recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou o que dizia em campanha: o novo governo traria mais igualdade e diversidade. A gestão iniciou com recorde ao colocar 11 mulheres à frente de ministérios, mas, ao longo do primeiro ano, a promessa se mostrou mais difícil de ser cumprida.

Em 10 meses, o petista abriu mão de duas ministras — Daniela Carneiro (Turismo) e Ana Moser (Esporte) — para acomodar homens apadrinhados pelo Centrão.

Esta semana, as cobranças ao petista tomaram nova força, após o governo demitir a bancária Rita Serrano da chefia da Caixa Econômica Federal para, mais uma vez, encaixar no quadro um indicado de Lira.

Especialistas ouvidos pelo Metrópoles apontaram duas questões nas movimentações de Lula: a fragilidade estrutural para manter as mulheres na política e a luta por governabilidade, especialmente após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), marcado por desentendimentos entre Executivo e Legislativo.

“Não privilegiar as mulheres vem da própria política. Temos de reconhecer os grandes ganhos, e não é de um dia para o outro, ou com uma lei que obrigue cotas, que vamos garantir uma influência imediatamente mais forte das mulheres”, afirmou Débora Messenberg, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo ela, as ministras trocadas não tinham respaldo dos partidos políticos e, dessa forma, eram interpretadas como mais “descartáveis”. Esse foi o caso de Daniela Carneiro, dispensada do Ministério do Turismo, após desavenças com o União Brasil.

“Na questão de gênero, não é uma cultura que ainda esteja, mesmo para o PT, em perspectiva hegemônica. Temos claramente um avanço frente ao governo anterior, são ganhos importantes, mas a luta por maior diversidade e pluralidade ainda está longe de ser conquistada”, acrescentou Messenberg.

A professora também ressaltou a necessidade do envolvimento popular nas trocas de cargos: “É preciso cobrar a coerência e os compromissos em relação às promessas de campanha de que ampliaria a diversidade”.

·         Pressão popular

Para o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria, Lula criou muita “expectativa” sobre a inclusão feminina. “O caso da Ana Moser foi mais simbólico, porque ela era especialista na área, fazia um trabalho interessante e foi muito deselegante a forma como o governo Lula conduziu”, avaliou. Com a saída dela, entrou o deputado federal André Fufuca (PP-MA), recomendado por Lira.

A escolha gerou questionamentos, já que o deputado abasteceu com recursos de uma emenda parlamentar de sua autoria uma empresa fantasma envolvida em um grande esquema de desvio de verbas federais. Apesar disso, não houve grande pressão popular para cortá-lo da pasta.

Uma situação semelhante atingiu o ministro Juscelino Filho, da Comunicação, investigado pela Polícia Federal (PF) por suposto desvio de emendas parlamentares. Juscelino, como apontou o cientista político, é “muito ligado” ao senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). “Se demitisse o ministro, Lula ia criar um caso. Ele acreditou que a história ia morrer e, realmente, não se fala mais tanto no Juscelino”.

Em contraponto, a pressão popular foi peça-chave na exoneração de pelo menos três pessoas do governo:

>>> Governabilidade

Para a professora Débora, a negociação entre Executivo e Congresso Nacional é necessária para um governo dentro do presidencialismo aos moldes brasileiros.

“Quem não negocia com o Centrão não governa. Tem de se negociar com o parlamento, que, infelizmente, cada vez mais vem sendo ocupado por pessoas muito conservadoras, que o veem como um espaço de negócios”, destacou.

A especialista apontou que gestões como a de Dilma, que tentaram enfrentar o Congresso, “acabaram não tendo sustentabilidade política”. “Se não atende aos aliados você pode sofrer um golpe, é história recente”, relembrou André Pereira César.

Segundo o cientista político, Lula tenta se “blindar para chegar ao fim do governo” e talvez pensar em uma reeleição. Na interpretação dele, o presidente tentará enfrentar uma pequena crise por vez, e “casos similares” aos das ministras demitidas continuarão ocorrendo, principalmente para garantir a boa relação com o Centrão.

·         Vagas em aberto renovam tensão

Também na última semana, senadores da oposição mandaram um recado ao governo ao reprovarem, de forma inédita, o indicado pelo presidente para chefiar a Defensoria Pública da União (DPU). Segundo parlamentares, a dose poderá ser repetida caso o petista recomende o ministro Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública, para as vagas no Supremo Tribunal Federal (STF) ou na Procuradoria-Geral da República (PGR).

A mudança de Dino para outro cargo poderá trazer problema ou solução para a gestão de Lula, caso o presidente decida promover ou não uma mulher à chefia do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

“Quando vagou a cadeira de Rosa Weber, no STF, se falou em indicar uma mulher negra, e nomes foram apresentados, mas Lula falou em ser pragmático, ainda mais depois de indicar o (ministro) Cristiano Zanin. Foi personalista e caiu mal”, apontou o cientista político André Pereira César.

“É um xadrez difícil, e Lula está cozinhando. Na PGR, ele deixou a procuradora interina, vai cozinhando e vendo a evolução dos fatos”, completou.

Enquanto isso, o Centrão está de olho na Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A instituição tem orçamento de quase R$ 3 bilhões, o que requer cuidado do governo Lula para a escolha.

 

Ø  Gilmar Mendes ordena à PF que destrua gravações de telefonemas de assessor de Arthur Lira

 

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes determinou à Polícia Federal que promova a destruição imediata de todos os áudios captados com ordem da Justiça Federal de Alagoas dentro da Operação Hefesto, desencadeada em junho para investigar supostas irregularidades na compra de kits de robótica pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). A investigação, trancada e arquivada por Mendes em setembro, sob o argumento de que houve “usurpação de competência” do STF, girava em torno de Luciano Cavalcante, um assessor próximo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). 

“Considerando que ao Poder Judiciário compete a tutela das liberdades públicas e inviolabilidades pessoais, determino que a Polícia Federal providencie a inutilização das gravações e dos registros produzidos a partir de medidas cautelares probatórias, observado o rito estabelecido no parágrafo único do art. 9º da Lei 9.296/96”, decidiu Mendes no último dia 27.

As gravações realizadas pela PF com ordem judicial na Operação Hefesto nunca foram tornadas públicas e agora, com a decisão de Mendes, deverão ser destruídas na presença de um representante do Ministério Público Federal, sendo “facultada a presença” dos investigados ou de seus representantes legais no ato da inutilização do material. A Agência Pública apurou com diferentes fontes que telefonemas dados ou recebidos por Luciano Cavalcante no primeiro semestre de 2023 foram alvos da intercepção.

A possibilidade de uma destruição dos elementos colhidos ao longo da Operação Hefesto foi antecipada pela Pública ainda em agosto. Na decisão de setembro, Mendes também havia ordenado a restituição “aos proprietários os bens apreendidos no curso das investigações”. Entre os bens apreendidos pela Hefesto estão R$ 4 milhões em notas de real e dólar apreendidos na sede de uma empresa de um dos investigados. Tal devolução, esperada para os próximos dias, foi anunciada por diferentes veículos de comunicação. Agora, na decisão de 27 de outubro, o ministro desautorizou o juiz da 2ª Vara Federal de Maceió (AL) a devolver os valores apreendidos. Com isso, na prática, retardou a devolução dos R$ 4 milhões.

O ministro argumentou agora que a restituição, “embora seja razoável em relação a veículos e bens pessoais”, em relação “aos quais não há a menor dúvida sobre a titularidade”, uma “eventual determinação de grandes somas em dinheiro apreendidas em poder dos investigados pressupõe juízo de valor sobre quem seja seu proprietário”. Mendes não deixou claro, na decisão, como se dará uma eventual apuração sobre quem é o verdadeiro proprietário do dinheiro, já que o inquérito não pode ser mais levado adiante pela Polícia Federal.

Mendes escreveu que “desde a decisão proferida na reclamação constitucional, o Juízo de primeiro grau não detém competência para proferir decisões relacionadas ao inquérito, incluindo a expedição de alvarás de levantamento ou transferência de recursos depositados em contas judiciais”. Mandou ainda que a PF e o juiz procedam “um inventário dos bens que ainda se encontram retidos a qualquer título, informando a descrição e a localização do objeto e, em relação aos valores em espécie, a conta judicial em que se encontram depositados”.

 

Ø  Lira: "Câmara nunca faltou ao Brasil e ao governo federal"

 

Após conquistar a presidência da Caixa Econômica Federal para o Centrão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou apoio ao governo federal ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta segunda-feira (30/10), afirmando que a Casa “nunca faltou ao Brasil e ao governo federal”.

“A Câmara nunca faltou ao Brasil e ao governo federal, especialmente nesses assuntos de geração de emprego, renda, melhoria do ambiente de negócio, crescimento da nossa economia, facilitação da diminuição das desigualdades regionais, sejam econômicas, sejam estruturantes”, disse o deputado no lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em Maceió (AL).

A tônica do deputado é elogiosa, depois de adiar a votação do projeto de lei de taxação das offshores e fundos exclusivos, importante para o Ministério da Fazenda, à espera da troca na presidência da Caixa, que se consolidou na última quarta (25/10), com a demissão de Rita Serrano. Carlos Antônio Vieira Fernandes, indicado pelo deputado, economista e servidor da instituição, será o novo presidente do banco. No mesmo dia, Lira pautou e a proposta foi aprovada no plenário da Câmara.

O deputado também deu trégua às críticas que vinha tecendo às articulações do ministro da Casa Civil, Rui Costa, junto ao Congresso. “Ele sabe das dificuldades que passou no início da gestão e do esforço que fez para arrumar a casa e construir momentos como este de hoje”.

Lira, que dividiu palco com o filho de um velho oponente político em seu estado, o ministro dos Transportes, Renan Filho, destacou que o Alagoas, como um estado pequeno, depende de todo apoio do governo e é “maior do que qualquer divergência política ou administrativa”.

“Eleição acabou no dia 30 de outubro [do ano passado]. Ninguém sai sem pedaço daqui, ninguém sai arranhado. A gente sai com recado claro para a classe política. Eu olho para a frente, eu olho adiante. Olhamos para construir o Estado”, pontuou ele que, em 2022, fez campanha para a reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O ministro e o parlamentar chegaram até a se cumprimentar, mas, em seu discurso, o filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL) destacou os investimentos feitos no governo de Bolsonaro.

“O governo passado estabeleceu o chamado teto de gastos, que transformou o Brasil na economia relevante que menos investiu no mundo. Esse modelo errado foi rejeitado na eleição, exatamente um ano atrás. E hoje estamos aqui para celebrar o investimento”, disse Renan olhando na direção de Lira.

 

Ø  Lira quer aprovar novo ICMS dos combustíveis ainda esta semana

 

Em razão do Dia de Finados, na próxima quinta-feira (2/11), o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), suspendeu as votações virtuais e antecipou as sessões da Câmara desta semana, com o objetivo de votar o PLP 136/23, de autoria do governo federal, que aborda a reposição de perdas dos estados e municípios decorrentes das mudanças do ICMS dos combustíveis (LCPs 192/22 e 194/22) feitas no ano passado, durante o governo de Jair Bolsonaro. Se aprovado, o PLP 136/23 consolidará a reforma do imposto interestadual, que passou a ser uniforme em todo o território nacional e a ter alíquota fixa (ad rem) para a gasolina e o etanol anidro (desde junho de 2023), e o diesel e o GLP (desde maio). O projeto tramita em regime de urgência, na Casa Baixa.

O relator do projeto, deputado Zeca Dirceu (PT-PR), pretende incorporar as cláusulas do acordo firmado no Supremo Tribunal Federal (STF) entre União, estados e municípios, com mediação do ministro Gilmar Mendes na ADPF 984, para repor o caixa das unidades federativas que perderam receitas em decorrência das LCPs 192/22 e 194/22. O montante a ser pago chega a R$ 27 bilhões até 2025. Há grande interesse dos prefeitos e partidos na matéria, porque o projeto prevê repasses mensais aos municípios, nos próximos três anos, que somam 25% (R$

A mudança no comando da Caixa Econômica Federal, que era pleiteada pelo Centrão, azeitou as votações na Câmara, após a volta de Lira da viagem à China e à Índia. Os secretários de Fazenda dos estados, que se reúnem no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), se mobilizam às pressas para evitar a modificação do projeto original, porque os prefeitos querem ampliar a cota dos municípios. Com as eleições municipais em 2024 (leia mais na página 3), muitos deputados, que serão candidatos, têm interesse direto nessa alteração. Lira convocou uma reunião de líderes para hoje, na residencial oficial, para aparar as arestas com o relator Zeca Dirceu e pôr a PLP 136/23 na ordem do dia para votação.

·         Diesel, gás e gasolina

A oposição acusa o governo de colocar um jabuti no projeto, que possibilitaria aos governadores aumentar as alíquotas. Entretanto, não obteve até agora apoio do Centrão para barrar o projeto, tanto que perdeu a votação do regime de urgência por 305 a 89 votos. O acordo com o STF prevê a revogação de dispositivos da lei 192/22, a legitimação do Confaz como órgão responsável por deliberar sobre o ICMS, e a manutenção da essencialidade do diesel (frete e transporte público), do gás natural e do gás de cozinha (GLP) e energia elétrica. A situação da gasolina não foi alterada.

Os empresários do setor temem abrir uma brecha para o retorno do modelo ad valorem (percentual de imposto sobre o preço médio dos combustíveis), porque o acordo não fala claramente na adoção de uma alíquota fixa. Segundo o Instituto Combustível Legal (ICL), os estados voltariam a ter possibilidade legal de escolher por conta própria aquilo que for mais conveniente a cada governo estadual, a depender de variáveis econômicas. Outra polêmica é sobre o risco de fraudes tributárias no mercado de combustíveis, facilitadas pela cobrança no primeiro elo da cadeia e com um valor fixo por quantidade, bases do modelo monofásico ad rem.

·         Drogas

No Senado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) se reúne hoje, em audiência pública, para debater a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza porte e posse de drogas. O texto é de autoria do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A PEC das Drogas deverá ser votada no plenário ainda em novembro, após três audiências na CCJ. A ideia é se antecipar à qualquer decisão do Supremo que possa, na visão dos parlamentares, "legislar" no lugar do Parlamento.

Essa estratégia do Senado vem sendo adotada desde a aprovação do projeto de lei (PL) do marco temporal para demarcação de terras indígenas, em setembro. O texto foi aprovado pelos senadores dias após o STF considerar a tese inconstitucional. Lula vetou trechos da matéria, porém a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) já antecipou que pretende mobilizar 303 deputados e 50 senadores para derrubar o veto de Lula na sessão do Congresso, em 9 de novembro.

 

Fonte: Metrópoles/Agencia Pública/Correio Braziliense

 

Metade de todo crescimento do Brasil fica com os 5% mais ricos, diz autor de livro sobre desigualdade

Que o Brasil é extremamente desigual não é novidade para ninguém. Mas como exatamente essa desigualdade se distribui na sociedade? E o que isso significa para traçar melhores estratégias de distribuição de renda e redução da pobreza?

Essas são algumas das questões centrais do livro “Os ricos e os pobres: O Brasil e a desigualdade” (Companhia das Letras), nova obra do sociólogo Marcelo Medeiros, pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que há décadas estuda o tema e atualmente é professor visitante na Universidade Columbia, em Nova York.

Ao tentar explicar quem, afinal, são os ricos e os pobres brasileiros, Medeiros constata que o Brasil é formada por uma grande massa de pessoas de baixa renda, que compõe cerca de 80% da população.

Dentro desse grupo, descreve o sociólogo, a desigualdade é relativamente pequena. Há, claro, diferenças de renda dentro dessa massa, mas numa proporção muitíssimo menor do que a desigualdade que se vê no topo da pirâmide.

Para se ter uma ideia, analisando a distribuição de renda em valores de 2021, o livro destaca que metade dos adultos brasileiros não ganha mais de R$ 14 mil ao ano (menos de R$ 1.200 na média mensal).

Mesmo entre os “mais ricos” dentro dos 80% mais pobres o ganho anual não supera R$ 31 mil (cerca de R$ 2.600 na média mensal). Isso significa que quatro quintos da população adulta ganham menos que a média de um adulto brasileiro (cerca de R$ 33 mil ao ano).

Isso acontece porque o topo da pirâmide tem renda tão mais alta que puxa a média da renda para muita acima do que a maioria ganha de fato.

No caso do grupo dos 10% mais ricos, a renda não começa tão elevada. Os “mais pobres” desse grupo ganham em torno de R$ 50 mil por ano. Isso equivale ao salário aproximado de R$ 3.800 mensais de um trabalhador formal, que recebe décimo terceiro e adicional de férias, ressalta o autor.

A partir daí, porém, os patamares de renda começam a crescer num ritmo super acelerado, constata o livro. O 1% mais rico, por exemplo, é um grupo de pouco mais de 1,5 milhão de pessoas que ganham, no mínimo, R$ 340 mil por ano – quase sete vezes mais que aqueles que estão no começo dos 10% mais ricos. Mas as rendas do topo desse grupo vão muito além, enfatiza o autor.

“A maior parte da desigualdade do Brasil está nos 10% mais ricos. Eles são um grupo terrivelmente desigual”, resumiu, em entrevista à BBC News Brasil.

E a desigualdade no topo não é apenas de nível de renda, mas de como essa renda é taxada, destaca Medeiros. Trabalhadores assalariados, por exemplo, tendem a pagar um imposto mais alto que profissionais liberais ou investidores.

“Algumas dessas pessoas (no grupo dos 10% mais ricos) estão pagando bastante Imposto de Renda, por exemplo, e outras estão pagando muito menos Imposto de Renda”, afirma.

Aumentar a progressividade da tributação – ou seja, cobrar mais de quem ganha mais – é uma das medidas necessárias para promover a distribuição de renda, defende o sociólogo, mas nem de longe é suficiente. Na sua visão, enfrentar a colossal desigualdade brasileira tem que estar em toda a política de governo.

O próprio crescimento da economia, defende, precisa ser pensado como um crescimento pró-pobre. Ou seja, um crescimento que puxe a renda da base ao invés de beneficiar essencialmente o topo, como vem ocorrendo.

“Mais ou menos metade de todo o crescimento brasileiro está indo para as mãos só de 5% da população”, crítica.

Medeiros reconhece que é uma tarefa para décadas, que provocará muita resistência das elites e depende de “mobilizar um capital político monstruoso”.

“Reduzir dramaticamente a desigualdade e a pobreza no Brasil vai envolver muita mobilização política porque o problema é político antes dele ser enfrentado do ponto de vista econômico”.

>>>>> Confira a seguir os principais trechos da entrevista, feita por telefone e editada por concisão e clareza.

·         É amplamente sabido que o Brasil é muito desigual. O que maioria das pessoas não sabe sobre a desigualdade brasileira?

Marcelo Medeiros - O ponto de partida desse livro é a constatação de que o Brasil é extremamente desigual e há uma grande massa de população de baixa renda que é separada de uma elite que é pequena, mas é bem mais rica do que a maior parte da população.

Algo como 80% da população são muito parecidos. A maior parte da desigualdade brasileira está na diferença entre os 10% mais ricos e o resto da população e as desigualdades internas dentro desse grupo dos 10% mais ricos.

Talvez não falte informação técnica (sobre a desigualdade), talvez falte interpretar o que isso significa. Eu vou lhe dar um exemplo. Estatisticamente a gente tem definições com linhas de pobreza. Quando você diz que uma linha de pobreza de 1,9 dólar ppp (taxa de câmbio que leva em conta o poder de compra do dinheiro local) define pobreza globalmente e essa linha aplicada no Brasil (o equivalente à cerca de R$ 5 por dia por pessoa, em valores de 2020) dá 12% da população, as pessoas sabem disso. O que elas não conseguem muito bem é ver o que isso significa.

Então eu tentei no livro traduzir essa noção estatística para algo concreto, como dar uma dimensão das privações gigantescas que uma mãe vai ter que fazer para comprar o material escolar da sua filha porque ela é pobre. Quantos dias ela vai precisar parar de comer para comprar um livro de matemática, por exemplo.

Então, talvez não seja uma questão de saber (que há muita desigualdade), talvez seja mais uma questão de incorporar isso de forma concreta e de começar a exigir a incorporação dessas coisas na formulação das políticas.

·         Você diz que há uma grande massa de pessoas de baixa renda não muito diferentes entre si, enquanto há muita desigualdade entre os 10% mais ricos. Qual a implicação para o desenho das políticas contra a desigualdade?

Marcelo Medeiros - Isso traz duas implicações iniciais. A primeira é lembrar que uma linha de pobreza (no Brasil) divide uma população muito parecida de forma bastante artificial. E, porque existe pouca diferença entre os pobres e as pessoas de baixa renda, a gente não deve desenhar política ignorando que, ainda que as pessoas não sejam pobres, elas precisam muito das políticas públicas para tudo que elas fazem. Precisam muito da Previdência, dos serviços de saúde, dos serviços educacionais. Em alguma medida, elas também precisam de assistência (social).

Então, a gente não deve separar de maneira artificial demais os pobres das pessoas de baixa renda porque, na verdade, a massa de população brasileira é de baixa renda.

Outra coisa é importante é que as pessoas não são pobres, a maior parte das pessoas está pobre. Existe muita entrada e saída continuamente em torno da pobreza (pessoas cuja renda oscila abaixo e acima da linha de pobreza), e a gente também tem que aprender a lidar melhor com isso.

Isso do lado dos pobres. Do lado dos ricos, é importante parar de achar que existe um ponto a partir do qual se identifica claramente quem são as pessoas ricas. Não é a partir dos 10% (com maior renda), não é a partir dos 5% (com maior renda), não é a partir do 1% (com maior renda), porque todos esses grupos são extremamente heterogêneos.

Uma das implicações disso é que a gente deve focar melhor na progressividade de algumas políticas como, por exemplo, a tributação. Temos que melhorar nosso sistema tributário para lidar com o fato de que você está arrecadando renda de uma população extremamente desigual.

Tratar uma pessoa que está no 1% (de maior renda) da mesma forma que se trata a pessoa que está nos 10% (de maior renda) não é bom, assim como tratar uma pessoa que está no 0,1% (de maior renda) da mesma forma que você trata uma pessoa que tá no 1% (de maior renda), também não é bom. A gente tem que melhorar os nossos mecanismos de progressividade em tudo, inclusive no Imposto de Renda.

·         Como avalia as ações do governo Lula nesses dez primeiros meses para combater desigualdade?

Marcelo Medeiros - Eu não estou fazendo acompanhamento das políticas no detalhe que precisaria para te dar uma resposta minimamente sólida sobre isso, e algumas medidas vão ser de longo prazo também. Eu tenho feito muito pouco avaliação de conjuntura pelo fato de ter saído do Brasil.

·         O que deveria ser priorizado pelo governo para reduzir desigualdade no Brasil?

Marcelo Medeiros - Achar que há uma solução simples para um problema dessa magnitude não ajuda a resolver o problema. É um problema incrivelmente difícil, vai levar muito tempo, vai mobilizar um capital político monstruoso, porque, no fundo, você não produz um país com o nível de desigualdade brasileira só com um conjunto de fatores isolado.

Toda política tem que levar desigualdade em conta. Portanto, não existe uma prioridade. Não é uma questão, por exemplo, de educação, não é uma questão de apenas tributar as pessoas mais ricas, é uma combinação de uma série de políticas que vai tornar o Brasil um país menos desigual.

A ideia de fazer o livro é trazer conhecimentos sobre a desigualdade no Brasil para que esses conhecimentos possam ser incorporados em todas as políticas, e não apenas um conjunto específico de políticas.

·         No livro, você aponta que a redução da pobreza e da desigualdade exige ações em várias frentes, como mais acesso à educação, mais serviços de proteção social, mudanças na tributação, além de crescimento econômico. Como fazer isso com as restrições fiscais que o governo enfrenta?

Marcelo Medeiros - Uma coisa que você mencionou, na verdade, não é importante para combater a desigualdade, que é a necessidade do crescimento econômico. Isso porque não existe o crescimento econômico do país. No Brasil, quem cresce (economicamente) são algumas pessoas e outras não, umas mais e outras menos. Então, é errado falar do Brasil crescendo, o certo é falar de quem no Brasil está crescendo mais e quem está crescendo menos.

Um crescimento pró-pobres é completamente diferente de um crescimento pró-ricos, embora o resultado final possa ser a mesma taxa de crescimento (do PIB). Então, na verdade, o que o Brasil precisa não é de crescimento, o que o Brasil precisa é de um crescimento pró-pobres. No sentido amplo da palavra, pró-pobres significando toda a população de baixa renda.

BBC News Brasil – O que fazer para o crescimento ser mais pró-pobre?

Marcelo Medeiros - Realmente, não existe uma resposta simples para isso. A gente vai ter (que enfrentar) barreiras de natureza política, barreiras no conflito distributivo, vai ter limitações de natureza fiscal, muita coisa para ser administrada aí.

Talvez, parte dos nossos problemas de natureza política é acreditar nesse simplismo. Isso resulta, às vezes, em algum populismo, seja ele populismo de direita, seja ele populismo de esquerda, seja populismo tecnocrático, de adotar essas soluções que aparentemente são simples para problemas que são monstruosos.

Vou fazer uma analogia: como a gente enfrenta o problema da criminalidade no Brasil? Qual a solução simples para um problema dessa magnitude? A resposta de qualquer pessoa vai ser: eu não sei.

·         Ao longo da história, geralmente o crescimento foi pró-rico?

Marcelo Medeiros - Teve momentos de crescimento pró-pobre e crescimento pró-ricos. O que a gente pode dizer é que ao longo das últimas duas décadas, arredondando um pouco, um quarto de todo o crescimento foi apropriado só por 1% da população.

Ou, se quiser outro número que é equivalente a esse, mais ou menos metade de todo o crescimento brasileiro está indo para as mãos só de 5% da população.

Ou seja, temos um crescimento que extremamente concentrado e a implicação disso é que nossa discussão sobre o crescimento, no fundo, é uma discussão que está sendo apropriada por um grupo que não chega a um décimo da população brasileira.

·         Voltando à pergunta anterior: como o governo pode atuar contra a desigualdade em várias frentes em um cenário de restrição fiscal?

Marcelo Medeiros - Sempre vai haver uma restrição fiscal, por isso negociar dentro do orçamento é tão importante. O Brasil precisa liberar recursos por um lado, ou seja, precisa reorganizar alguns gastos, precisa aumentar a eficiência de algumas políticas, mas também precisa aumentar arrecadação. Um problema dessa magnitude vai precisar de algum aumento de arrecadação.

Inclusive, o problema fiscal brasileiro (para além do combate à desigualdade) vai precisar de mais arrecadação. Simplesmente, porque há um ponto onde cortar gastos se torna extremamente difícil, demora tempo demais. Há coisas, por exemplo, que você não pode fazer. Não pode cortar previdências no Brasil, porque isso implicaria violações importantes de contratos e abriria precedentes para outras violações de contratos muito importantes.

Então há limites no que pode e não pode ser feito para qualquer governo, independente da sua matriz ideológica. E um bom governante tem que lidar com esses limites o tempo inteiro. Mas, em termos gerais, há muita coisa que pode ser feita no Brasil. Eu não quero fazer uma lista. Acho que a discussão é mais sofisticada do que um indivíduo pode fazer isoladamente.

·         Então, para reduzir desigualdade precisa aumentar a carga tributária?

Marcelo Medeiros - Na verdade, para resolver o problema fiscal o Brasil precisa ter redução de gastos, realocação de gastos e aumento de arrecadação. Se isso vai ser via aumento de carga ou se vai ser simplesmente aumento de base, que é outra alternativa, cobrar imposto de quem tá pagando pouco, também é uma possibilidade.

Não vamos subestimar. Se fosse fácil, alguém já tinha feito. Isso passa por enfrentar o conflito distributivo gigante. Vai haver reação. Reduzir dramaticamente a desigualdade e a pobreza no Brasil vai envolver muita mobilização política porque o problema é político antes dele ser enfrentado do ponto de vista econômico.

·         O governo está enfrentando dificuldades para aprovar medidas pontuais, como aumentar impostos sobre fundos de super ricos que hoje são pouco tributados. Qual seu otimismo sobre reduzir a desigualdade do Brasil quando isso depende não apenas de algumas ações pontuais, mas de um caminhão de medidas a serem aprovadas no Congresso?

Marcelo Medeiros - Não sou nem otimista, nem pessimista. Acho que ninguém deve ser otimista ou pessimista. As pessoas têm que ser realistas diante da magnitude do problema que está sendo enfrentado. Elas têm que entender que essas coisas são decisões que vão exigir muito mais metas de longo prazo que de curto prazo.

E que essas metas passam por mobilização política, por escolher bem os representantes políticos e assim, sucessivamente, por várias outras coisas. E, inclusive, por criar, literalmente, jogo de força na política.

·         Quando você fala longo prazo quer dizer décadas?

Marcelo Medeiros - Décadas. Na verdade, são décadas, a não ser que você queria tomar medidas muito dramáticas. Mas a pergunta é se a gente está disposto a tomar medida muito dramáticas. Houve casos de quedas radicais de desigualdade no mundo, mas elas são resultados de medidas muito dramáticas, como, por exemplo, as quedas que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial na Europa, ou nos Estados Unidos com uma mobilização gigantesca, uma regulação tremenda da economia, ou o que aconteceu nos países soviéticos. Isso faz a desigualdade cair de maneira rápida.

Mas, obviamente, toda a política tem um preço, todo o benefício tem um custo.

·         Nos Estados Unidos, por exemplo, que tipo de regulação dramática na economia foi adotada?

Marcelo Medeiros - Toda, geral, não foi uma regulação, foi uma montanha de regulações, primeiro no pós-Grande Depressão (após a quebra da Bolsa de Nova York em 1929) e, segundo, no esforço de guerra (durante a Segunda Guerra Mundial). Você controlava salários, controlava lucros, controlava a economia inteira. Então, controlou muita coisa, não foi uma medida isolada, foi uma coisa gigantesca.

Se você não regula (a economia), obviamente quem tem poder vai replicar esse poder com velocidade mais alta.

·         O livro aborda quem são os pobres e quem são os ricos no Brasil. O que seria a classe média?

Marcelo Medeiros - Eu te respondo com outra pergunta: são essas as divisões certas? Ricos, pobres, e classe média? E a pergunta subsequente é: para que a gente quer dividir a população?

A divisão de uma população em grupos é uma ferramenta. Essa ferramenta vai ser usada para quê? Porque dependendo do que a gente fizer, uma ferramenta pode ser melhor do que a outra. A gente pode querer dividir a população em três grupos, como pode querer dividir a população em 300 grupos.

E esse que é o argumento central do livro: não é dado que existe um grupo de pobres, um grupo de ricos, e um grupo de classe média. Isso é só um uma maneira de dividir a sociedade de classes, e a gente tem que pensar para que a gente quer dividir a sociedade em classes, primeiro. E, segundo, (pensar) o que significam essas divisões.

Se a gente não tem uma definição substantiva do que é ser rico, uma definição substantiva do que é ser classe média, uma definição substantiva do que é ser pobre, isso vai ser simplesmente uma classificação de borboletas, onde você atribui arbitrariamente a classe das borboletas por cor, por exemplo.

Não vamos deixar de lado, que, por trás da definição de classe média, existe uma decisão de natureza política do significado daquilo, porque, no fundo, a nossa cultura política, nosso sistema legal, ele é baseado em ideias que não são precisamente definidas. E a gente não deve deixar de lado jamais que essas classificações são classificações políticas.

·         Fiz essa pergunta para introduzir outra questão: uma pessoa com renda individual de R$ 10 mil por mês já está no grupo dos 10% mais ricos do país. Mas essa pessoa provavelmente não se vê como rica. Possivelmente, ela se vê como classe média.

Marcelo Medeiros - Há estudos no mundo sobre isso. No geral, as pessoas não gostam de se autoclassificar como pobres nem como ricas. Elas geralmente se classificam como classe média, nesses esquemas só de três classes, e elas usam qualificadores: classe média baixa para os pobres, classe média alta para os ricos. É isso que você vai ver no mundo inteiro, o Brasil não é uma exceção.

·         Como as políticas de distribuição devem agir sobre esse grupo, que está no topo da pirâmide, mas não são os mais ricos? São pessoas que vivem confortavelmente, mas não estão necessariamente esbanjando dinheiro. Elas deveriam contribuir mais de alguma forma, dada a distribuição de renda do Brasil?

Marcelo Medeiros - Não dá para dizer isso porque esse grupo que você definiu é muito grande e heterogêneo. Algumas dessas pessoas (no grupo dos 10% mais ricos) estão pagando bastante Imposto de Renda, por exemplo, e outras estão pagando muito menos Imposto de Renda. Então, não podemos esquecer que esse grupo é muito heterogêneo. Na verdade, a maior parte da desigualdade do Brasil está nos 10% mais ricos. Eles são um grupo terrivelmente desigual.

·         Um grupo que estaria pagando pouco impostos, na visão de economistas como Armínio Fraga e Samuel Pessoa, seriam profissionais liberais de renda alta que costumam ter empresas em regimes especiais de tributação, caso de médicos e advogados, por exemplo. Isso deveria mudar?

Marcelo Medeiros - Não porque é para esse grupo. Tem que mudar porque um bom sistema tributário tributa da mesma forma a renda, independente da sua fonte, claro, com algumas poucas exceções. Então, seria importante, por exemplo, que as pessoas físicas e as pessoas jurídicas… ou melhor, que os rendimentos do trabalho e os lucros e dividendos (distribuídos pelas empresas aos acionistas) fossem tributados da mesma maneira.

Assim como também seria muito importante, porque não está na pauta, mas deveria estar, que os rendimentos de capital, que no Brasil se chama rendimento de tributação exclusiva, também fossem tributados como o rendimento do trabalho.

No fundo, tudo tem que ser tributado da mesma maneira. Hoje, no Brasil, a gente paga menos tributos nesse caso, bem menos, 15%, quando muito 22%, se você for sacar rápido demais, mas geralmente paga menos.

Isso também não é nenhuma panaceia. Isso não vai aumentar a arrecadação dramaticamente, mas é o que precisa ser feito. É bom para não criar mecanismos artificiais de reorganização da economia. Ou seja, as pessoas começam a se organizar para ser CNPJ, por exemplo, no lugar de ser pessoa física só por causa disso.

·         O livro ressalta que mais educação não é solução mágica pra reduzir desigualdade. Por que essa medida tem impacto limitado?

Marcelo Medeiros - Primeiro, porque educação é um investimento de longo prazo. Leva muito tempo para fazer uma reforma educacional, muito tempo para educar uma criança e, mesmo que isso fosse feito num sistema perfeito, o que a gente vai fazer com todos os trabalhadores que já estão no mercado de trabalho e que vão ficar no mercado de trabalho por 40 anos? Então, só vai ser uma solução para alguma coisa talvez daqui a meio século.

A segunda questão é: educação é um termo genérico de mais. Que educação que a gente está falando? Ensino básico primário, ensino médio, ou ensino superior? A diferença salarial entre trabalhadores de ensino primário e de ensino médio é muito pequena. A educação que realmente afeta desigualdade é o ensino superior.

Se a nossa estratégia for usar a educação para reduzir desigualdade, isso vai requerer uma massificação do ensino superior no Brasil, o que vai custar muito caro e vai levar muito tempo. Então, não é que a educação não seja necessária, educação é insuficiente para resolver esse problema.

·         Os governos do PT promoveram expansão do ensino superior com mais universidades públicas e programas como Fies e Prouni. Esse caminho está correto? Precisa ser ampliado?

Marcelo Medeiros - O Brasil já vem expandindo seu ensino superior desde pelo menos meados da década de 90. E expandiu muito rapidamente a partir dos anos 2000, mas baseado basicamente no ensino à distância, não uma expansão das universidades públicas como algumas pessoas acreditam.

O problema não é o ensino à distância, o problema é que o ensino à distância tal como ele foi implementado é de baixíssima qualidade. Então, a gente tem problemas importantes de qualidade e de quantidade para enfrentar. E não vai ser um conjunto pequeno de medidas que vai resolver isso.

·         O Congresso acaba de aprovar a revisão da Lei de Cotas. A reserva de vagas para negros no ensino superior é uma política importante para reduzir desigualdade?

Marcelo Medeiros - É uma política extremamente importante por uma razão simples: uma alternativa as cotas seria simplesmente investir em educação de base. O problema é o tempo gigantesco que isso vai levar.

Dois, (outro problema é) o conjunto enorme de obstáculos que os negros vão enfrentar à medida que eles sobem. Os negros têm mais dificuldade para avançar na educação porque a vida (dos negros) é cheia de obstáculos, inclusive dentro da escola.

E a educação dos negros é menos valorizada que a educação dos brancos. Um homem branco e um homem negro com exatamente a mesma educação, o homem negro tenderá a ter um salário mais baixo. Portanto, os caminhos têm que ser outros. O sistema de cotas é um complemento a outras medidas que precisam ser tomadas.

·         Além de dar acesso a profissões de maior renda, as cotas também são importantes por aumentar o acesso dessas pessoas a espaços de poder e liderança?

Marcelo Medeiros - Existe um fator de sinalização muito importante que é as pessoas negras poderem se projetar em lideranças negras: nos artistas, nos intelectuais, nos políticos, nos empresários. Porque parte do problema passa pelas barreiras relacionadas a isso.

Existe um outro fator que é o de representatividade. Nem todos vão ser representantes de causas negros, mas alguns serão representantes de causas negras e, ao acontecer isso, obviamente isso favorece pessoas que não estão na mesma posição que eles.

·         Você defende que o combate à desigualdade tem que permear todas as ações do governo. O presidente Lula disse que gênero e raça não são critérios para escolher o próximo ministro do STF, um corte dominada por homens brancos. A representatividade do Supremo tem reflexos pra redução de desigualdade?

Marcelo Medeiros - Eu sou favorável a ter mais representatividade racial e de gênero no Supremo, como de resto em qualquer elite. Agora não sei dizer qual impacto isso vai ter, em qual desigualdade e por qual caminho.

·         Idealmente, Lula deveria levar em conta raça e gênero ao indicar uma pessoa para a Corte?

Marcelo Medeiros - Idealmente, a sociedade inteira, não só o presidente, todo mundo tem que levar em conta. Os partidos têm que fazer isso, as empresas têm que fazer isso, a televisão tem que fazer isso. A desigualdade racial está em todos os lugares.

 

Fonte: BBC News Brasil