Ângela
Carrato: A extrema-direita e as crises fabricadas por ela
O comércio varejista
teve, em fevereiro, o melhor resultado desde 2014, investimentos externos não
param de chegar e a previsão é de que o PIB brasileiro crescerá além do
previsto esse ano, importantes indicadores de que a economia está no caminho
certo.
Também no plano
político o país avança. Os processos abertos para apurar responsabilidades pela
tentativa de golpe contra a democracia em 8 de janeiro de 2023 seguem curso
normal.
Pessoas pegas em
flagrante destruindo as sedes dos Três Poderes, em Brasília, estão sendo
julgadas e recebendo as devidas penas. Investigações prosseguem com o objetivo
de apontar financiadores e mentores.
O ex-presidente Jair
Bolsonaro, que passou todo o mandato incentivando golpes contra as instituições
e a democracia, está inelegível por oito anos, de acordo com decisão do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Ele é investigado em
mais processos, que dificilmente não o levarão a novas condenações e à cadeia.
Foi temendo ser preso
preventivamente, que Bolsonaro, durante o carnaval, refugiou-se na Embaixada da
Hungria, em Brasília, permanecendo lá por dois dias.
Quando descoberto,
tentou negar, mas não há explicação razoável. Quem deve, teme. Para tentar
fugir de responsabilidades, tem feito de tudo para desestabilizar a ainda
frágil democracia brasileira.
Nesta cruzada,
Bolsonaro conta com o apoio da extrema-direita internacional, da qual faz parte
e sempre pretendeu ser um dos expoentes.
Para esta
extrema-direita, 2024 é um ano crucial, com importantes eleições no Brasil, na
Europa e nos Estados Unidos.
Na Europa e nos
Estados Unidos estão sendo duramente combatidos, motivo pelo qual tentam
transferir para cá a sede de suas operações. Daí a quantidade de crises que
estão sendo fomentadas aqui e amplificadas pela mídia corporativa e pelas redes
sociais bolsonaristas.
É o caso da suposta
crise dos dividendos da Petrobras e da igualmente suposta ingerência do governo
na empresa.
É o caso dos ataques
do bilionário estadunidense Elon Musk aos ministros do STF Alexandre de Moraes,
Cristiano Zanin e Flávio Dino, ao presidente Lula e à própria soberania
brasileira.
É o caso do ataque do
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ao ministro das Relações
Institucionais, Alexandre Padilha, e até mesmo de recentes episódios
acontecidos em países da América Latina, com óbvias repercussões no Brasil.
A mídia vai, com suas
crises artificiais, fazendo campanha pela anistia aos civis e aos militares
golpistas, entre eles, claro, o próprio Bolsonaro. O objetivo é corroer a
popularidade do terceiro governo Lula e estabelecer junto à população um
ambiente de pessimismo e de temor.
O filme não é novo.
Foi assim que o governo Dilma Rousseff que, mesmo contando com elevados índices
de aprovação, foi desestabilizado.
Essas crises poderiam
ainda servir, na ótica dos golpistas, para turbinar atos que Bolsonaro vem
convocando, com o objetivo de pressionar pela própria anistia.
O primeiro aconteceu
em 25 de fevereiro, na capital paulista. O segundo está previsto para 21 de
abril, dia de Tiradentes, no Rio de Janeiro. Ícone da Inconfidência Mineira,
cuja memória é homenageada na data, Tiradentes deve estar se revirando no
túmulo.
Mesmo com
dificuldades, a novidade é que o governo mostra-se atento ao que acontece e o
STF, que em épocas anteriores, cedeu às pressões golpistas, está firme na
defesa da democracia e da soberania nacional.
Durante várias
semanas, a Petrobras foi manchete, depois que seu conselho de administração
aprovou o não pagamento de dividendo extra aos acionistas. Ação que integra o
rol de competências da empresa e do governo federal, seu maior acionista, a
decisão foi transformada em ingerência de Lula na empresa.
O ministro das Minas e
Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates,
foram arrastados para um conflito tal, que exigiu a mediação do próprio Lula.
Por ser empresa
pública com ações na bolsa de valores, a suposta crise influiu no seu valor,
que enfrentou oscilações, com a extrema-direita se aproveitando da situação.
Por ser a maior
empresa pública brasileira e a maior da América Latina, essas oscilações
repercutem dento e fora do país e, para os menos avisados, podem sinalizar
negativamente em relação ao governo Lula.
Quando a crise já
tinha sido debelada, eis que o Novo, partido de direita, aliado dos
bolsonaristas, entra na Justiça para questionar nomeações na empresa, tentando
coloca-la outra vez no centro do noticiário.
A ação do Novo na
última quinta-feira, em meio à crise que o bilionário Elon Musk tentou criar,
deixa claro que tais ações são planejadas e calculadas para não darem trégua às
instituições brasileiras.
Do nada ao acusar o
ministro Alexandre de Moraes de querer implantar censura no Brasil, o
bilionário, extremista de direita e dono da rede social X (ex-Twitter),
pretendia favorecer Bolsonaro, transformando-o em perseguido político pela
“ditadura brasileira”.
Musk atacou Moraes por
não aceitar a retirada em sua rede, de perfis de extremistas de direita, como é
o caso de Allan dos Santos, condenado por atos terroristas, por discursos de
ódio e disseminação de fake news.
Foram vários e
sucessivos os ataques de Musk a Moraes. Ataques que contaram com a presença e
participação de parlamentares brasileiros como Eduardo Bolsonaro e Nikolas
Ferreira.
Ao contrário do que
Musk imaginava, Moraes agiu de forma rápida e certeira. Determinou o pagamento
de multa diária pelo descumprimento de suas determinações e ainda anunciou que
a direção da empresa X no Brasil poderá ser presa se insistir em ilegalidades.
O Palácio do Planalto,
por sua vez, determinou o fim da publicidade oficial na plataforma de Musk e
ele deve perder importantes contratos que mantem com o governo, todos assinados
na gestão de Bolsonaro.
Mesmo o Brasil não
possuindo legislação específica sobre fake news, o recado foi claro: temos leis
e elas serão cumpridas.
Os ataques de Musk
foram antecedidos por viagem a Washington de alguns parlamentares de
extrema-direita, que lá buscavam visibilidade para ações contra o governo Lula.
Na maior cara de pau,
Eduardo Bolsonaro posou de vítima e disse que seu pai vem sendo “perseguido”
pela ditadura em vigor no Brasil.
À exceção de fotos e
imagens feitas para que esses extremistas de direita utilizem em suas redes
sociais, a viagem foi um fracasso. Dinheiro público indo para o ralo, pois as
despesas foram pagas pela Câmara dos Deputados.
Na semana passada, a
mesma turma esteve em Bruxelas, na Bélgica, para em uma das reuniões do
Parlamento Europeu, tentar desmoralizar o governo e a democracia brasileira.
Fora os representantes
de partidos de extrema-direita da Espanha, da Holanda e da Hungria, a viagem
foi igualmente um fracasso e sem qualquer efeito prático.
Tais viagens são
relevantes, no entanto, para se verificar como a extrema-direita está
organizada. Como dizia o historiador e cientista político René Armand Dreiffus,
a direita que sempre acusou a esquerda de atuar além das fronteiras nacionais,
foi quem criou a Internacional Capitalista.
Outra prova desse tipo
de atuação é a ida do presidente extremista de direita argentino, Javier Milei,
aos Estados Unidos, na última sexta-feira, com o objetivo de se encontrar, com
Musk no Texas.
Musk é um dos
principais responsáveis pela vitória de Milei nas eleições do ano passado e é a
terceira vez que viaja aos Estados Unidos depois que assumiu a Casa Rosada.
Milei teve a
petulância de se oferecer para “ajudar” Musk no embate com o STF. Como se isso
não bastasse, foi anunciada uma live entre Musk e Bolsonaro
para a noite de sexta-feira. Sem explicações, ela não aconteceu.
É provável que
Bolsonaro tenha caído na real. Se Musk, que é cidadão estadunidense, não está
ao alcance da Justiça brasileira, ele está. E sua presença, ao lado de alguém
atacando o STF poderia lhe valer prisão imediata.
Durante a campanha
eleitoral na Argentina, não faltaram denúncias sobre a avalanche de fake news
circulando no X. O assunto está longe de encerrado e novas informações
certamente virão a público.
Enquanto isso não
acontece, Milei recebeu, dias antes de viajar, a inesperada visita da generala
estadunidense que comanda as tropas do Comando Sul, responsável pela unilateral
patrulha das águas do Atlântico.
Na realidade, o
próprio Milei foi surpreendido com a presença desta senhora em Ushuaia, na
Patagônia, e saiu às pressas de Buenos Aires para recebê-la, tendo
protagonizado uma das peças de maior submissão de que se tem notícia da parte
de um governante: a declaração de que a Argentina se alinha completamente aos
interesses dos Estados Unidos.
Declaração tão
subserviente ao imperialismo quanto a que fez Bolsonaro, anos atrás, diante de
Donald Trump.
Essa internacional
capitalista pretende, com tais atuações, mostrar força e coagir setores
progressistas.
Nos Estados Unidos, a
luta entre Biden e Trump já está nas ruas e promete se intensificar na medida
em que as eleições presidenciais, em novembro, se aproximem.
Antes disso, haverá em
junho eleições para o Parlamento Europeu e, em outubro, para câmaras municipais
e prefeituras no Brasil. Para os extremistas de direita, todas são importantes,
pois podem significar avanços para eles.
Nos Estados Unidos, no
entanto, Biden, pela primeira vez supera Trump na corrida para a Casa Branca e,
na Europa, o combate às fake news, um dos principais instrumentos da
extrema-direita, vem ganhando corpo.
No Brasil, onde a
extrema-direita acreditava que poderia montar seu quartel-general, o quadro
para ela não será nada fácil.
É importante destacar
que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, um bolsonarista de
primeira hora, responsável pelo engavetamento de mais de 100 pedidos de impeachment contra
o ex-capitão, retirou da pauta, na semana passada, o PL 2630, que visava
regular a atuação das plataformas digitais no país.
Sob o argumento que
vai montar um grupo de trabalho para em 45 dias apresentar nova proposta, tenta
garantir campo livre para atuação dessas plataformas e das fake news nas
eleições municipais.
Lira joga com os
extremistas de direita neste caso e também no que se refere ao STF modificar o
funcionamento do foro privilegiado.
A Suprema Corte já
formou maioria para manter o foro privilegiado para políticos investigados por
supostos crimes cometidos durante o mandato e relacionado ao exercício do
cargo. É o caso de Bolsonaro e ele tem dito que a Câmara poderá rever a medida.
Outro episódio
lamentável protagonizado por Lira, na semana passada, foi ter articulado a
tentativa de soltar o deputado Chiquinho Brazão, acusado de ser o mandante das
mortes da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes.
Uma vez derrotado,
dirigiu seus ataques ao ministro Alexandre Padilha, chamando-o de
“incompetente” e de “desafeto pessoal”. Lira não disse, mas atribui a Padilha
as articulações que levaram a maioria dos deputados a manter a prisão do
parlamentar.
Agindo assim, o
presidente da Câmara deixa claro suas ligações com o bolsonarismo e com as
milícias. Ligação que, possivelmente tente minimizar comandando a derrubada do
veto parcial do presidente Lula à chamada proibição das “saidinhas” para
presos.
A extrema-direita,
cujas ligações com o crime organizado e com as milícias são notórias, tenta
vender para opinião pública a imagem de que são “duros” com os bandidos.
Já o presidente Lula,
acertadamente, vetou apenas parte do projeto aprovado, permitindo saída de
detentos em datas e feriados nacionais, desde que não tenham cometidos crimes
hediondos.
A nova queda de braços
entre o Legislativo e Planalto terá lugar nos próximos dias.
O mandato de Lira
termina no início do próximo ano. Se antes era certo que faria o sucessor, a
certeza não mais existe.
Pouco antes, no final
de 2024, termina o mandato do presidente do Banco Central, o também
bolsonarista Roberto Campos Neto.
O ganho para o governo
Lula será enorme, pois essas figuras estão entre as que mais entravam os
avanços democráticos, sociais e econômicos.
O presidente Lula
também está atento ao que acontece na América Latina, região onde os Estados
Unidos, independente de ser governado por democratas ou republicanos, sempre
considerou seu quintal.
Ao colocar como a
principal prioridade de seu governo, em termos de política externa, a
integração do subcontinente, Lula não poderia ficar alheio e nem tem ficado ao
que se passa, pois há fragrante disputa entre extrema-direita e governos
progressistas em vários países.
O caso mais recente
foi o da invasão da Embaixada Mexicana em Quito pelo governo do extremista de
direita Daniel Noboa, com o objetivo de prender um adversário político. Além de
afronta a toda a legislação internacional, Noboa provocou o rompimento das relações
do México com seu país e acabou ficando isolado.
A OEA e a CELAC
condenaram sua posição. A exceção foi El Salvador, governador pelo extremista
de direita, Nayib Bukele.
Como em 2024 haverá
eleições na Venezuela, que no momento disputa com a Guiana francesa a região de
Essequibo, e outras disputas entre países da região estão em processo, Lula se
antecipa e viaja, na terça-feira (16), para Bogotá, na Colômbia, onde se reunirá
com o presidente Gustavo Petro.
Como Lula, Petro tem
sido alvo de ataques da extrema-direita por suas posições a favor do fim do
genocídio de palestinos por parte do governo de Israel. Razão pela qual o
primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, é outro que tem se colocado
como fora da lei internacional e está por trás de vários ataques à democracia
brasileira e à colombiana.
Se esse quadro for
projetado para o cenário mais amplo, o dos grandes blocos de poder no mundo,
não há como deixar de constatar o declínio dos Estados Unidos e a ascensão dos
países asiáticos, a exemplo da China. Para muitos estudiosos, inclusive, a China
já é a maior economia mundial.
Como todo império
desde Roma jamais aceitou o declínio pacificamente, é de se esperar que os
conflitos se aprofundem e desafiem, cada vez mais, a compreensão e capacidade
de ação dos governos progressistas.
Considerado a
principal liderança do Sul Global, Lula precisa ter cuidado redobrado com suas
ações internas e externas, uma vez que elas não se separaram. Tanto aqui quanto
fora, ele e seu governo vem sendo combatidos por extremistas de direita pela
defesa da democracia, da paz e do multilateralismo.
Atitudes e palavras
que esses extremistas odeiam.
Ainda bem que Lula tem
experiência, capacidade para antecipar cenários e paciência quase sem limites.
Vamos precisar.
Fonte: Viomundo