sábado, 19 de julho de 2025

A reprodução das desigualdades no Brasil

A desigualdade no Brasil não é um acidente, mas um projeto: o sistema tributário regressivo e a exploração do trabalho revelam que a riqueza dos poucos se alimenta do tempo e do sangue dos muitos. Enquanto o capital disfarça sua origem, a luta de classes persiste

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<><> Produção, exploração e a forma social da desigualdade

A apropriação e a distribuição da riqueza social entre os indivíduos e as classes sociais no capitalismo pressupõe, antes de tudo, sua produção social. Para explicar sua distribuição, é necessário compreender de que forma essa riqueza é produzida, em quais condições históricas e sociais, e por meio de que relações.

A divisão do trabalho, a circulação de mercadorias e a forma como se organiza a propriedade dos meios de produção são elementos essenciais para essa compreensão. A produção da riqueza, nas sociedades capitalistas, ocorre por meio de uma relação específica entre o capital e o trabalho. Esta relação carrega em si a potência de produzir valor e mais-valor, e tem como pressupostos a divisão do trabalho e a propriedade privada, diferenciando os que detêm os meios de produção daqueles cuja única propriedade é sua força de trabalho (Marx, 2011; 2013).

Essa dinâmica está na base das profundas desigualdades estruturais que persistem no Brasil, onde o sistema tributário, ao incidir principalmente sobre o consumo mais do que a renda e o patrimônio, não apenas reproduz, mas também aprofunda a exploração dos mais pobres (Gobetti; Medeiros; Souza, 2018).

Se a produção determina a riqueza social, a “distribuição determina a proporção (o quantum) dos produtos que cabe aos indivíduos” (Marx, 2011: 44). Assim, “entre o produtor e os produtos se interpõe a distribuição, que determina, por meio de leis locais, sua cota no mundo dos produtos” (Ibid., p. 49). A distribuição, portanto, não constitui uma esfera autônoma em relação à produção, mas é por ela determinada: é a forma como o produto social é apropriado segundo as dinâmicas das relações de classes.

No contexto brasileiro, essa apropriação desigual se manifesta sobretudo por meio de um sistema fiscal regressivo, que penaliza proporcionalmente mais os trabalhadores e os mais pobres, que pagam mais impostos, enquanto os detentores de capital se beneficiam de isenções e de uma carga tributária significativamente mais branda (Souza, 2018; Gobetti; Odair, 2022).

O conflito distributivo, nesse sentido, não é apenas uma disputa de resultados econômicos; trata-se de uma expressão da contradição interna entre capital e trabalho, envolvendo tanto a produção do valor quanto a produção de desigualdades sociais.

<><> A crítica à redistribuição

Essa perspectiva, no entanto, é contrastada por abordagens como a de Thomas Piketty. Em O Capital no Século XXI (2014), Thomas Piketty apresenta uma análise densa e empírica sobre a concentração da riqueza mundial na atualidade, partindo da crítica à “curva do U invertido” de Kuznets. Para o autor, a desigualdade não necessariamente diminui com o avanço da industrialização; ao contrário, os dados históricos indicam que a concentração tende a aumentar.

Sua explicação central repousa na “lei fundamental do capitalismo”, uma fórmula contábil que expressa a disparidade entre a taxa de retorno do capital (r) e a taxa de crescimento da renda (g). Quando r > g, o capital se acumula mais rapidamente do que a renda do trabalho, gerando um capitalismo patrimonial baseado na reprodução da riqueza herdada.

Embora importante no plano descritivo, a crítica marxista aponta que Thomas Piketty permanece restrito ao campo da concentração e da contabilidade patrimonial. Sua concepção de capital – entendida como a soma dos ativos imobiliários e financeiros subtraídos dos passivos – rompe com a tradição da economia política crítica.[i]

Para Karl Marx (2011; 2013), o capital não é um conjunto de coisas, mas uma relação social baseada na exploração da força de trabalho. Ao tratar o capital como um agregado patrimonial dissociado do processo produtivo, Thomas Piketty ignora sua origem social, naturaliza sua existência e desloca o conflito distributivo para o terreno das desigualdades de rendas, sem questionar as formas sociais que a tornaram possível. Ao desconsiderar as medidas concretas da luta de classes e os mecanismos institucionais que reforçam a apropriação desigual do produto social – como ocorre na estrutura tributária brasileira –, sua análise limita-se à redistribuição no âmbito da circulação.

Esse deslocamento tem implicações teóricas profundas. Ao não tematizar a contradição entre capital e trabalho como fonte de valor, Thomas Piketty acaba por mistificar a própria natureza da desigualdade, tratando-a como disfunção ou excesso corrigível. Em vez de situar as desigualdades no centro do modo de produção capitalista, ele a interpreta como um problema de má distribuição, cuja gravidade está no comprometimento com a democracia meritocrática.

Contudo, como argumenta François Chesnais (2013), essa abordagem naturaliza o capitalismo como horizonte histórico e político, fechando a porta para a luta de classes. É necessário, portanto, delimitar com rigor a categoria de “capital” e compreender, antes de tudo, que é por sua negatividade constitutiva que Marx concebe a dinâmica do capitalismo como um movimento de constante superação e reposição de suas contradições. Reduzir o capital à sua forma patrimonial, como faz Piketty, é dissolver sua mediação histórica com a força de trabalho e obscurecer o fundamento da desigualdade: a apropriação do mais-valor no interior do processo de produção.

A realidade social brasileira, por sua vez, evidencia como as desigualdades não são apenas estatísticas – uma disparidade de renda -, mas expressam historicamente um processo de acumulação fundado na articulação entre estruturas arcaicas e modernas de extração de mais-valia (Oliveira, 2003).

Entre 1926 e 2013, por exemplo, a fração do centésimo mais rico da população brasileira permaneceu com algo entre 20% e 25% da renda nacional, mesmo em períodos de crescimento ou estabilidade econômica (Souza, 2018). Isso revela que a desigualdade no Brasil é, também, uma escolha política, sustentada por um padrão de reprodução capitalista que combina a modernização tecnológica com formas de exploração herdadas do complexo escravista-colonial e da informalidade estrutural.

Essa reprodução desigual e combinada é reforçada por um sistema tributário regressivo, no qual a carga tributária sobre o consumo consome até 30% da renda dos 40% mais pobres, enquanto incide com muito menor peso sobre os mais ricos, que usufruem de isenções sobre lucros, dividendos e grandes patrimônios (Soares; Zockun; Mendonça, 2022).

A articulação entre desigualdade e modo de produção ganha relevo com a crítica à “igualdade formal” da circulação. Como demonstrado por Marx (2011), a relação entre capitalista e trabalhador se apresenta, no momento do mercado, como uma troca de equivalentes – dinheiro por força de trabalho. Essa aparência formal encobre o fato de que, na produção, o capital se apropria de um excedente gerado pelo trabalho vivo.

A “troca justa” que ocorre na circulação é, na verdade, o ponto de partida de uma relação desigual de exploração, na qual o trabalhador, mesmo recebendo um salário equivalente ao valor de sua força de trabalho, produz valor superior ao que recebe – o mais-valor, apropriado pelo capitalista.

Esse é um dos principais limites da leitura de Thomas Piketty. Ao se manter na aparência da desigualdade como disparidade de renda, ele ignora o que Marx chamou de “forma mistificada” das trocas mercantis: a igualdade na circulação que oculta a desigualdade na produção. A desigualdade, nesse sentido, não constitui uma disparidade do sistema, mas expressa o próprio modo de ser do capital.

O capital só existe na medida em que há exploração do trabalho. Logo, a liberdade de vender sua própria força de trabalho é, ao mesmo tempo, a liberdade de ser explorado – o que constitui a contradição imanente da sociabilidade capitalista. Quando o sistema tributário preserva essa aparência, ao isentar lucros e dividendos e ao se abster de tributar grandes fortunas, contribui para naturalizar a apropriação privada de um produto socialmente gerado, deslocando o foco da produção para o consumo.

Como consequência, qualquer análise da desigualdade que desconsidere a centralidade da exploração tende a confundir causa e efeito. A crítica marxista à “lei fundamental do capitalismo” de Thomas Piketty é precisamente essa: ao propor uma regularidade estatística (r > g) como explicação universal para a desigualdade, o autor substitui a luta de classes por uma mecânica contábil da acumulação. Isso ignora que essa desigualdade decorre da forma como a riqueza é produzida e apropriada sob relações sociais historicamente determinadas.

Ao reduzir o conflito distributivo à disparidade entre rentistas e trabalhadores, Thomas Piketty retira seu conteúdo político, ocultando os antagonismos de classe que moldam as estruturas de exploração e dominação no capitalismo. A desigualdade patrimonial, embora real, é a expressão de uma estrutura mais profunda: a relação entre capital e trabalho, fundada na produção de mais-valia.

No Brasil, essa estrutura se manifesta não apenas nas relações de trabalho, mas também na maneira como o Estado arrecada e distribui os recursos públicos, penalizando os que vivem do trabalho e beneficiando os que vivem da renda.

<><> O Brasil entre regressividade fiscal e expropriação do tempo

No Brasil, esse modelo se reproduz por meio de um sistema tributário regressivo, que tributa pesadamente o consumo e a renda do trabalho, enquanto isenta lucros e dividendos e protege grandes patrimônios. Simultaneamente, os trabalhadores, sobretudo os mais precarizados, são submetidos a jornadas exaustivas, como a escala 6×1, o que intensifica a expropriação do tempo de vida.

Trata-se, portanto, de uma dupla exploração: pela tributação e pelo trabalho. Enquanto os mais ricos acumulam patrimônio e pagam pouco imposto, os trabalhadores e os mais pobres arcam com o financiamento do Estado e têm grande parte do seu tempo apropriado pelo capital. Esse arranjo regressivo tem sido sustentado por uma coalizão conservadora no Congresso, frequentemente apoiada por segmentos das classes médias que se alinham, ideológica e materialmente, aos interesses do capital.

Essa realidade revela que a desigualdade no Brasil não pode ser reduzida a uma disfunção contábil ou a um descompasso entre capital e renda. Trata-se, antes de tudo, de uma forma social historicamente determinada, que expressa o sentido das relações de produção. A riqueza social é gerada pela exploração da força de trabalho e, por isso, qualquer tentativa de compreender o conflito distributivo deve partir da produção – e não apenas da distribuição.

O capital, ao se autonomizar na forma dinheiro (D-D’), oculta sua origem no trabalho, mas essa origem permanece ativa na reprodução das desigualdades. Como destaca Jorge Grespan (1999; 2019), a substância do valor continua sendo o trabalho vivo, mesmo quando o capital se apresenta como entidade autônoma na circulação.

A desigualdade, portanto, não é apenas econômica, mas também histórica e política, enraizada nas formas sociais que estruturam a reprodução do capital. O modo como o tempo de vida é apropriado pelo capital revela outra dimensão do conflito distributivo. Enquanto as elites econômicas desfrutam de tempo livre e capital acumulado, os trabalhadores vivem sob a pressão do relógio, do salário e da sobrevivência. Essa assimetria temporal, intensificada por um sistema tributário regressivo, reforça o caráter político da desigualdade.

A luta por reformas no sistema tributário ou na taxação da herança como medidas de correção é fundamental para que os trabalhadores e os mais pobres obtenham melhorias concretas em sua qualidade de vida. Essas reformas podem ampliar a capacidade da classe trabalhadora de disputar o tempo e as condições de reprodução da vida, simultaneamente em que fortalecem seu poder de barganha frente às determinações do capital.

A crítica marxista, no entanto, aponta que é necessário ir além da redistribuição enquanto um conjunto de medidas jurídico-políticas que atuam sobre as “divergências” da apropriação de renda. Em outras palavras, uma “justa distribuição” – tal como proposta por Thomas Piketty – não constitui uma saída efetiva para o conflito distributivo, pois este está enraizado nas relações de produção. Isso implica reconhecer que a reprodução do capital depende da reprodução da desigualdade – e que esta não pode ser resolvida apenas por ajustes institucionais, mas exige uma transformação radical das formas sociais do trabalho e da propriedade.

Em síntese, a desigualdade social no capitalismo não é uma anomalia, mas uma necessidade estrutural e funcional para a reprodução ampliada do capital. A crítica a Thomas Piketty, articulada à análise da realidade brasileira, revela que a concentração da riqueza e a expropriação do tempo são formas complementares de reprodução do capital. Qualquer análise do conflito distributivo que ignore a centralidade do trabalho corre o risco de reforçar a aparência de justiça e igualdade que legitima a dominação de classe e naturaliza a exploração.

 

Fonte: Por Ederson Duda, em A Terra é Redonda

 

Do choro no Senado ao ‘toc toc toc’ da PF: Bolsonaro está à flor da pele antes de ir para a cadeia

Jair Bolsonaro anda à flor da pele. Nesta semana, ele apareceu na TV aos berros, bateu boca com um jornalista, chorou no Senado e pediu para que rezassem por ele. Ainda teve o famoso “toc toc toc” da Polícia Federal na sua casa e na sede do PL em Brasília para o fazerem usar uma tornozeleira eletrônica.

Os dias estão cada vez mais difíceis para o líder golpista. Além do medo da cadeia vindoura, ele tem visto o bolsonarismo ser espancado no debate público após o anúncio do tarifaço golpista de Donald Trump.

O presidente Lula, por outro lado, passou a semana altivo e tranquilo. Discursou em defesa da soberania nacional, imitou Eduardo Bolsonaro chorando e gravou vídeo oferecendo jabuticaba para o Trump. O bolsonarismo abriu o caminho para Lula desfilar como o líder que vai defender o país da ameaça estrangeira. A narrativa caiu no colo do presidente.

Em pronunciamento em rede nacional, Lula chamou a ofensiva de Trump de “ataque à soberania nacional” e os políticos brasileiros que o apoiam de “traidores da pátria”. Disse que atuará para que as big techs americanas respeitem as leis brasileiras e não aceitará ataques ao Pix.

Lula demonstrou que há duas visões claras sobre o Brasil em jogo e só uma delas é patriota. Esse deve ser um dos principais motes das próximas eleições. E a bandeira do patriotismo, dessa vez, estará com as candidaturas de esquerda.

A vassalagem que a família Bolsonaro demonstrou nos últimos dias foi tanta que constrangeu até mesmo seus aliados. “Não aceito que Trump meta o bedelho”, disse o general Hamilton Mourão. Até os presidentes da Câmara e do Senado se viram obrigados a fechar com o governo na defesa da soberania nacional. Está ficando difícil sustentar o malabarismo retórico que justifica a bandeira do patriotismo. A imagem que fica é a do Tio Sam querendo taxar o Pix e a 25 de março enquanto os Bolsonaros balançam o rabinho.

Pouco antes do pronunciamento de Lula, Trump escreveu uma carta aberta endereçada a Bolsonaro. Disse que o “julgamento deveria acabar imediatamente” e admitiu que o tarifaço em cima do Brasil é uma retaliação política à perseguição que Jair estaria sofrendo de um “regime ridículo de censura”.

Ele terminou a ladainha com uma ameaça velada: “continuarei observando de perto”. Imediatamente, Eduardo Bolsonaro, que em breve ganhará o status de foragido da justiça brasileira, apareceu pulando e fazendo festinha pro presidente americano. “Obrigado, senhor presidente”, disse ele. O deputado ainda deixou clara a sua influência na publicação da carta: “ao que parece são as autoridades brasileiras que estão isoladas de Donald Trump, não eu”. É tudo muito ridículo.

Depois do pronunciamento de Lula, Eduardo Bolsonaro apareceu em um novo vídeo sugerindo ser o porta-voz de possíveis ameaças bélicas de Trump. Como se já não bastasse seu irmão Flávio Bolsonaro falar em “bombas atômicas”, Eduardo agora traz a imagem de um “porta-aviões” americano em Brasília. “Está muito mais fácil um porta-aviões chegar no lago Paranoá – se Deus quiser, chegará em breve, né? – do que vocês serem recebidos com o Alckmin nos Estados Unidos”, avisou o deputado, em tom de deboche.

Trata-se de uma ameaça feita com base em uma fala de Alexandre de Moraes, que disse, ironicamente, que o STF só seria influenciado pelos EUA se eles mandassem um porta-aviões até o lago Paranoá. Perceba que Eduardo diz que, “se Deus quiser”, os EUA mandarão tropas para Brasília “em breve”. Ele declaradamente está torcendo para que o Brasil vire alvo de uma ação militar da maior potência bélica do mundo. Este é um tipo de cristão e patriota que só o bolsonarismo pode produzir.

As pesquisas indicam que a maioria da população está enxergando o óbvio. Segundo a Atlas/Intel, 62,2% dos brasileiros acreditam que as medidas de Trump contra o Brasil são infundadas; 61,1% acreditam que o presidente Lula representa melhor o Brasil do que o ex-presidente Bolsonaro; 60,2% avaliam como boa a política externa brasileira. A população não comprou o barulho do bolsonarismo.

Pesquisa Quaest mostrou que a distância entre desaprovação e aprovação da administração petista caiu de 17 pontos para 10 pontos de maio para julho. A recuperação da popularidade do governo aconteceu principalmente entre a classe média do Sudeste com alta escolaridade.

A vassalagem da família Bolsonaro está custando cada vez mais caro para a direita golpista. Por outro lado, o custo econômico e social para o Brasil também será alto. Apesar de analistas indicarem que o PIB do país não deva sofrer tantos abalos com o tarifaço, não há o que comemorar. Há setores da economia que irão penar gravemente.

Os produtores do polo de fruticultura do Vale do São Francisco, que fica entre Pernambuco e Bahia, sinalizam que haverá um colapso nos próximos meses. O tarifaço entrará em vigor no mesmo mês em que se inicia o período de exportação de manga para os EUA. A região movimenta cerca de R$ 2,7 bilhões em exportações por ano, gerando  250 mil empregos diretos e 950 mil indiretos na região.

Milhares de brasileiros pagarão com seus empregos pela aventura golpista do bolsonarismo em conluio com o governo americano. Trump declarou guerra tarifária para o mundo inteiro, mas deixou claro que, no Brasil, o tarifaço será maior por causa de Bolsonaro.

Resta saber o quão disposto Trump está para fazer o jogo do bolsonarismo dentro da política interna brasileira. O custo econômico e social para os EUA também pode ser relevante quando a reciprocidade for implantada.

No dia seguinte à carta patética de Trump e ao showzinho emotivo do ex-presidente no Senado, a Polícia Federal fez “toc toc toc” na casa de Bolsonaro e na sede do PL em Brasília. Os policiais cumpriram mandado de busca e apreensão determinado pelo STF e obrigaram o líder golpista a usar tornozeleira eletrônica.

Segundo apuração da Folha de S.Paulo, “as falas do norte-americano” e o “desespero” demonstrado por Bolsonaro foram determinantes para que o tribunal tomasse a medida. Há fortes indícios de que ele preparava uma fuga para os EUA sob a benção de Donald Trump.

A medida do STF é um recado claro do estado brasileiro para os golpistas de cá e de lá: a soberania do Brasil é inegociável. Enganou-se quem pensou que o país iria se curvar facilmente, como se fosse uma republiqueta das bananas.

A bola agora está de volta no campo de Trump. Ele irá continuar puxando essa corda, que só prejudica a economia dos dois países, para defender a anistia de Bolsonaro? Trump é imprevisível, mas é difícil acreditar que ele seja primitivo a esse ponto.

O que o americano fará agora que Bolsonaro é o mais novo usuário de tornozeleira eletrônica? Aumentará o tarifaço para 100%? Mandará o porta-aviões desejado por Eduardo? Jogará as bombas atômicas de Flávio? Ou largará os Bolsonaros feridos na estrada? Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

 

Fonte: Por João Filho, em The Intercept

 

Obesidade abdominal e perda muscular aumentam em 83% risco de morte após os 50 anos de idade

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em parceria com a University College London, no Reino Unido, concluiu que o acúmulo de gordura abdominal associado à perda de massa muscular representa um aumento de 83% no risco de morte em comparação a pessoas que não apresentam as duas condições.

A combinação é tão perigosa que, de acordo com o estudo, identifica um problema ainda maior, conhecido como obesidade sarcopênica e caracterizado pela perda de massa muscular, ao mesmo tempo em que ocorre o ganho de gordura em todo o corpo. Trata-se de uma condição difícil de ser diagnosticada e está relacionada à perda de autonomia e piora na qualidade de vida da pessoa idosa, à chamada síndrome da fragilidade e ao aumento do risco de quedas, entre outras comorbidades.

“Além de avaliar o risco de morte associado à obesidade abdominal e à baixa massa muscular, conseguimos comprovar que com métodos simples é possível detectar a obesidade sarcopênica. Isso é importante, pois a falta de consenso sobre critérios diagnósticos dessa doença dificulta sua detecção e tratamento”, afirma  pesquisador Tiago da Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia da UFSCar e um dos autores do estudo, pela FAPESP. “Dessa forma, nossos achados permitem ampliar o acesso das pessoas idosas a intervenções antecipadas, como acompanhamento nutricional e exercícios físicos, garantindo melhora na qualidade de vida.”

Os resultados, publicados na revista Aging Clinical and Experimental Research, foram obtidos a partir do acompanhamento durante 12 anos de 5.440 participantes do English Longitudinal Study of Ageing ) com 50 anos ou mais de idade.

<><> Dispensando diagnóstico dispendioso

A obesidade sarcopênica costuma ser diagnosticada por meio de exames complexos, como ressonância magnética, tomografia computadorizada, bioimpedância elétrica ou densitometria, que identificam o excesso de gordura corporal e a redução da massa e função muscular. No entanto, apesar da alta precisão, eles são onerosos e estão restritos a poucos serviços de saúde, o que torna o diagnóstico da doença um grande desafio na prática clínica.

“Ao correlacionar os dados dos participantes do Estudo ELSA verificamos que medidas simples, como medir a circunferência abdominal e estimar a massa magra [por meio de uma equação consolidada que utiliza variáveis clínicas como idade, sexo, peso, raça e estatura], mostraram pela primeira vez que é possível triar esses indivíduos precocemente”, celebra Alexandre.

A relação entre perda de massa muscular e obesidade abdominal tem um efeito amplificado sobre o metabolismo. “O estudo revelou que indivíduos com ambas as condições apresentaram um risco de morte 83% maior em comparação àqueles que não as possuíam. Constatamos também que o risco de morte foi reduzido em 40% entre aqueles com baixa massa muscular e sem obesidade abdominal, dado que reforça o potencial perigo da coexistência das condições. Curiosamente, indivíduos com obesidade abdominal, mas com massa muscular adequada não foram associados ao maior risco de morte”, detalha  professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), pesquisadora do Departamento de Gerontologia da UFSCar e primeira autora do artigo.

Guandalini explica que o excesso de gordura intensifica processos inflamatórios que desencadeiam alterações metabólicas e catabólicas, agravando ainda mais a perda muscular. “Além de uma condição interferir na outra, a gordura infiltra-se no músculo, ocupando seu espaço. Trata-se de uma inflamação sistêmica e progressiva que afeta diretamente o tecido muscular, comprometendo suas funções metabólicas, endócrinas, imunológicas e funcionais”, afirma.Como a definição de obesidade sarcopênica ainda não é um consenso entre os pesquisadores da área em todo o mundo, o estudo utilizou medidas mais simples para definir o que é obesidade abdominal e perda de massa muscular. Dessa forma, para predizer o risco de obesidade sarcopênica, os pesquisadores identificaram obesidade abdominal como circunferência abdominal maior que 102 centímetros para homens e 88 centímetros para mulheres. Simultaneamente, a baixa massa muscular foi definida a partir de um índice de massa muscular esquelética (obtida pela equação) menor que 9,36 kg para homens e menor que para mulheres.

•        Novo estudo define quando a obesidade é uma doença

Uma comissão composta por 58 especialistas do mundo inteiro apresentou os resultados de um estudo muito aguardado pela comunidade médica. Após três anos de trabalho, ele define o que é obesidade clínica.

Isso significa que agora a ciência determina quando ter excesso de gordura no corpo é uma doença. Além de deixar o diagnóstico mais claro e fácil, a medida ajuda a derrubar alguns conceitos e preconceitos sobre essa condição.

<<<<< Novo tipo de análise para constatar a condição foi apresentado

Divulgada na revista The Lancet, a pesquisa lista 18 sinais capazes de indicar quando obesidade é uma doença em adultos, além de outros 13 sinais em crianças e adolescentes. Uma das diferenças é que a análise não se baseia mais apenas no IMC (índice de massa corporal) ou simplesmente no peso calculado pela balança.

Os pesquisadores explicam que as técnicas usadas até agora não apresentam nenhum dado sobre quanta gordura está acumulada no corpo, muito menos onde ela se concentra. Por isso, elas não podem indicar se a pessoa é ou não obesa.

O trabalho propõe que o IMC seja sempre complementado por, pelo menos, uma medição corporal: da circunferência abdominal (que pode ser no máximo de 88 centímetros para mulheres de de 102 centímetros para homens); ou a medição da cintura (precisa ser no máximo a metade da sua altura).

Uma vez constada a obesidade, a pessoa deverá ser avaliada por um médico, para ver se apresenta algum dos sintomas capazes de entregar órgãos ou tecidos que deixaram de funcionar como deveriam por causa da infiltração de gordura.

O estudo, no entanto, não entra no mérito do tratamento, sem indicar se isso deve ser feito com remédios, com cirurgia ou com mudanças no estilo de vida. Só deixa claro que, não importa a idade, quando a obesidade é clínica, com sintomas, ela precisa ser tratada.

>>>> Os 18 sinais da obesidade clínica em adultos:

1.       Dores de cabeça recorrentes e perda de visão: isso, às vezes, têm a ver com a pressão intracraniana aumentada.

2.       Apneia do sono: quando você se deita e dorme, a gordura em excesso no abdômen e na garganta faz o ar ter encontrar resistência para passar, o que faz com que a respiração sofra breves e ruidosas interrupções.

3.       Falta de ar: quando os pulmões e o músculo da respiração, que é o diafragma, têm dificuldade para se expandir.

4.       Insuficiência cardíaca de fração reduzida: o coração não se contrai direito para bombear o sangue.

5.       Fadiga e inchaço nas pernas: indicam outro tipo de insuficiência cardíaca, a de fração preservada, que impede que o coração relaxe direito e prejudica o bombeamento do sangue.

6.       Palpitações e ritmo cardíaco irregular: sinais que indicam arritmias.

7.       Hipertensão pulmonar: quando sobe demais a pressão da artéria que leva o sangue do coração até os pulmões para ser oxigenado.

8.       Trombose venosa: quando surgem coágulos nas veias das pernas.

9.       Hipertensão: quando a pressão sanguínea fica acima dos valores saudáveis.

10.     Alterações metabólicas: quando o exame de sangue acusa aumento do colesterol LDL ou dos triglicérides ou, ainda, dos níveis de glicose, por exemplo.

11.     Doença hepática gordurosa: quando exames de imagem encontram gordura infiltrada no fígado, o que é capaz de inflamá-lo.

12.     Excesso da proteína albumina na urina: sintoma de rins que não estão funcionando como deveriam.

13.     Escapes de xixi: se os episódios de incontinência urinária se tornam frequentes.

14.     Menstruação irregular, falta de ovulação e síndrome dos ovários policísticos: são sinais de problemas reprodutivos em mulheres.

15.     Deficiência de testosterona nos homens e baixa produção de espermatozoides: indicam problemas reprodutivos no público masculino.

16.     Dores nos joelhos e/ou na bacia: acusam problemas articulares.

17.     Linfedema: causa inchaços e dores crônicas.

18.     Limitações em atividades básicas do dia a dia: se a falta de mobilidade dificulta tarefas como tomar banho, vestir-se e outras.

 

Fonte: Agencia Fapesp/Olhar Digital

 

Como é a taxação dos mais ricos no Brasil e pelo mundo?

O Brasil e boa parte do mundo vêm debatendo formas de fazer os super-ricos pagarem mais tributos, já que essa pequena parcela de pessoas está cada vez mais rica, mas paga proporcionalmente muito menos tributos do que o resto da população.

Por exemplo, segundo um estudo divulgado em julho pela Oxfam Brasil, os 10% de brasileiros mais pobres pagam, em proporção da sua renda, três vezes mais tributos do que 0,1% mais rico da população. A pesquisa aponta que os mais pobres comprometem 32% da sua renda com tributos, contra 10% dos mais ricos.

Não é tarefa fácil mudar esse panorama. Os super-ricos são em geral bem conectados com a classe política e os tomadores de decisão. Além disso, junto com a globalização, veio a maior facilidade de mover dinheiro de um país para outro, e o enfraquecimento das instituições multilaterais torna mais difícil a adoção de iniciativas globais.

Os defensores de cobrar mais impostos sobre os super-ricos, entre os quais estão alguns bilionários, afirmam que a medida seria importante para aumentar a justiça tributária e usar os recursos extras para enfrentar problemas como a pobreza e o aquecimento global. Já seus críticos argumentam que a medida poderia reduzir os incentivos ao empreendedorismo e à inovação.

>>>> As propostas sobre como cobrar mais tributos dos indivíduos super-ricos se dividem em dois grandes grupos:

<><> Aumentar o imposto sobre a renda

Essa é a forma tradicional que países vêm adotando para cobrar mais impostos dos mais ricos, por meio da progressividade das alíquotas do imposto de renda – quanto maior a renda, maior a alíquota de imposto devido.

A maior faixa do Imposto sobre Renda de Pessoas Físicas no Brasil (IRPF) é hoje de 27,5%. Em outros países, a alíquota máxima atual é a seguinte, segundo um relatório da consultoria PwC:

  • Alemanha: 45%
  • Argentina: 35%
  • Chile: 40%
  • China: 45%
  • Colômbia: 39%
  • França: 45%
  • India: 39%
  • Indonésia: 35%
  • Itália: 43%
  • Japão: 45%
  • México: 35% 
  • Noruega: 39,7%

No entanto, apenas cobrar uma alíquota maior de quem ganha mais não funciona perfeitamente, pois muitos super-ricos não recebem salários, e sim lucros e dividendos de empresas que podem estar sujeitos a um regime de tributação distinto.

Eles também costumam ter à disposição consultores que os orientam como organizar seus investimentos de modo a pagar menos impostos – por exemplo, aplicando o dinheiro em fundos específicos ou abrindo empresas em paraísos fiscais.

Uma das formas que os governos têm para tentar corrigir essa distorção é cobrar uma alíquota mínima de imposto de renda dos super-ricos, independentemente da fonte da renda.

Esse mecanismo está em um projeto de lei enviado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso, aprovado nesta quarta-feira (16/07) pela comissão especial da Câmara encarregada de analisá-lo.

O texto estabelece que as pessoas que recebem mais de R$ 50 mil por mês, incluindo dividendos e juros, terão que pagar uma alíquota mínima de imposto de renda, que será progressiva e de até 10%. 

Se uma pessoa na faixa superior, com renda anual superior a R$ 1,2 milhão, já pagou mais do que 10%, não precisa pagar nada mais. Porém, se pagou 8%, terá que pagar mais 2% ao fazer sua declaração à Receita, segundo a proposta.

Outras formas indiretas de aumentar o pagamento de imposto sobre a renda é apertar a cobrança sobre alguns instrumentos usados pelos super-ricos.

Em dezembro de 2023, por exemplo, o Brasil sancionou uma lei para cobrar imposto de renda sobre o rendimento anual de fundos exclusivos e offshores – antes, o tributo era cobrado somente quando e se o recurso fosse resgatado.

Quando a lei foi aprovada, apenas 2,5 mil brasileiros aplicavam em fundos exclusivos, que somavam R$ 756 bilhões em patrimônio e respondiam, sozinhos, por 12,3% da indústria de fundos do Brasil.

<><> Criar um imposto sobre o patrimônio

Além de cobrar imposto sobre a renda, alguns poucos países também cobram um imposto anual sobre o patrimônio dos super-ricos.

Entre os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas quatro cobram imposto sobre o patrimônio:

  • Colômbia: alíquota progressiva de 0,5% a 1,5% para patrimônio acima de 3,6 bilhões de pesos colombianos (R$ 5 milhões)
  • Espanha: alíquota progressiva de 0,2% a 3,5% para patrimônio acima de 167 mil euros (R$ 1 milhão)
  • Noruega: alíquota de 1% para patrimônios superiores a 1,7 milhão de coroas norueguesas (R$ 950 mil).
  • Suíça: alíquota de 0,02% a 1,02%, dependendo do cantão e do patrimônio

Outros quatro países da OCDE cobram taxas sobre alguns tipos de patrimônio, mas não sobre a fortuna total de uma pessoa: França, Itália, Bélgica e Holanda.

Cobrar um imposto sobre o patrimônio é o cerne de uma proposta do Brasil feita no ano passado no âmbito do G20, quando o país exercia a presidência rotativa do grupo, que reúne tanto potências industrializadas do Ocidente como países do Sul Global, além da União Europeia e da União Africana.

A proposta é cobrar uma taxa anual de 2% sobre o patrimônio das pessoas que têm mais de 1 bilhão de dólares (R$ 5,59 bilhões) em ativos. Esse grupo reúne cerca de 3 mil pessoas em todo o mundo, que pagam hoje tributos equivalentes a 0,3% de seu patrimônio por ano.

Segundo o economista francês Gabriel Zucman, que elaborou a proposta a pedido do governo brasileiro, a medida geraria receitas adicionais de 200 bilhões a 250 bilhões de dólares por ano.

declaração final da cúpula do G20 em novembro de 2024, no Rio de Janeiro, expressou apoio à ideia de buscar formas para que os super-ricos sejam taxados de forma eficaz, mas não houve acordo sobre uma proposta concreta de como fazer isso.

Cobrar imposto sobre grandes patrimônios é um assunto mais controverso do que aumentar o imposto sobre a renda. Críticos afirmam que essa medida, se adotada por países individualmente, provocaria fuga de capitais para outras nações e, na prática, poderia anular os rendimentos obtidos de investimentos.

A Constituição brasileira prevê a existência de um imposto sobre grandes fortunas, mas ele nunca foi criado, apesar de diversos projetos de lei apresentados nesse sentido.

Uma dessas tentativas ocorreu no ano passado, quando o Congresso discutia a reforma tributária. O PSB e as federações PT-PCdoB-PV e PSOL/Rede propuseram uma emenda para criar um imposto anual sobre fortunas acima de R$ 10 milhões.

A alíquota seria de 0,5% para fortunas de R$ 10 milhões a R$ 40 milhões, de 1% para aquelas de R$ 40 milhões a R$ 80 milhões, e de 1,5% sobre as fortunas acima de R$ 80 milhões – e foi rejeitada pela Câmara, por 262 votos a 136.

¨      Quem são os super-ricos que podem ter que pagar mais imposto

A forma como o Imposto sobre a Renda de Pessoa Física (IRPF) é cobrado dos brasileiros deve mudar a partir do ano que vem, a depender da vontade do atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um projeto de lei enviado pelo Palácio do Planalto ao Congresso e aprovado em comissão especial da Câmara nesta quarta-feira (16/07) estabelece que as pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês ficarão isentas do tributo, e as que recebem de R$ 5 mil a R$ 7,35 mil terão um desconto parcial. 

Hoje, estão isentas do IRPF pessoas que recebem até dois salários mínimos, o equivalente a R$ 3.036.

Para compensar a perda de arrecadação, quem ganha mais de R$ 50 mil por mês terá que pagar uma alíquota mínima de imposto de renda, que será de até 10%. 

O governo espera que a renda extra na mão das pessoas beneficiadas pela isenção total ou parcial acabe voltando para a economia na forma de gastos e investimentos, contribuindo para o crescimento. 

Ao mesmo tempo, seria reduzida a desigualdade do sistema tributário brasileiro, no qual os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos tributos sobre seus rendimentos do que o resto da população brasileira.

Segundo um estudo divulgado em julho da Oxfam Brasil, organização britânica que atua no combate à desigualdade, os 10% de brasileiros mais pobres pagam, em proporção da sua renda, três vezes mais tributos do que 0,1% mais rico da população.

A pesquisa aponta que os mais pobres comprometem 32% da sua renda com tributos, contra 10% dos mais ricos.

<><> Quem precisará pagar mais imposto

O governo estima que a nova alíquota mínima de imposto de renda atingirá 141,4 mil brasileiros – que são 0,13% do total de contribuintes e 0,06% da população do país.

Esse universo abrange pessoas que ganham mais de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil por mês), incluindo lucros e dividendos – como no caso de empreendedores individuais, proprietários ou acionistas de empresas. 

Segundo o governo, essas pessoas pagam hoje uma alíquota efetiva média de imposto de renda de 2,54%.

Com a reforma, quem recebe a partir de R$ 600 mil por ano terá que pagar uma alíquota mínima de imposto de renda, que subirá linearmente até alcançar 10% para quem ganha a partir de R$ 1,2 milhão por ano.

Para quem ganha R$ 750 mil, por exemplo, a alíquota mínima será de 2,5%. Para quem recebe R$ 900 mil, de 5%. Para os que ganham R$ 1,05 milhão, de 7,5%. E para quem ganha a partir de 1,2 milhão, de 10%.

Essa alíquota será chamada de Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas Mínimo (IRPFM). Para quem é contratado via CLT e tem salários altos, não haverá mudança, pois essas pessoas já são tributadas na fonte.

A medida considera o quanto a pessoa já recolheu de imposto de renda para definir o valor devido. Se um contribuinte que recebeu R$ 1,2 milhão em um ano já pagou 8% de imposto de renda, ele terá que pagar mais 2%. Se, por outro lado, ele já pagou 12% de imposto de renda, não precisará pagar mais.

Um dos super-ricos que poderá ter que pagar mais imposto de renda – e se destacou por vir a público defender a reforma – é o cineasta Walter Salles, herdeiro do Itaú Unibanco e da mineradora CBMM. Ele tem uma fortuna estimada em R$ 26 bilhões, segundo o ranking de bilionários brasileiros da revista Forbes.

"Temos a chance de construir um país mais justo e igualitário, corrigindo as distorções de um sistema que, como a gente sabe, cobra mais de quem tem menos", afirmou ele em 8 de julho durante a cerimônia do prêmio Faz Diferença 2024, promovido pelo jornal O Globo. "Quero deixar todo o meu apoio à tributação progressiva, à taxação das grandes fortunas e à democracia com justiça tributária."

Outro afetado que defendeu o projeto foi o acionista controlador da Porto Seguro, Jayme Garfinkel. "É correto e precisamos aumentar o imposto [de quem ganha mais] porque há uma distribuição de renda totalmente absurda e incrivelmente injusta no Brasil", afirmou ao site Reset, do portal UOL. "Eu recebo dividendos e rendimentos de investimento, que são isentos. Na hora H, não pago imposto de renda efetivo. Então, eu, que sou privilegiado, tento cumprir a minha parte com filantropia – que, aliás, não tem benefício fiscal."

<><> Quem vai ficar isento ou pagar menos imposto

Os recursos extras arrecadados com o imposto de renda mínimo dos super-ricos, segundo a proposta do governo, seriam usados para isentar de imposto de renda as pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês, e dar um desconto parcial a quem ganha entre R$ 5 mil e R$ 7 mil.

O governo afirma que 10 milhões de pessoas seriam beneficiadas pela isenção total ou parcial, equivalente a 90% do atual universo de declarantes do imposto de renda.

Para quem ganha de R$ 5 mil a R$ 7 mil, haverá um desconto linear. Segundo a regra, quem ganha R$ 5,5 mil terá um desconto de 75%, quem ganha R$ 6 mil, de 50%, e quem ganha R$ 6.500, de 25%. A partir de R$ 7 mil, vale a tabela normal do imposto de renda.

O governo espera que o dinheiro extra na mão para quem for beneficiado com a isenção ou ou desconto será utilizado em consumo. Em seu material de divulgação da proposta, há algumas simulações. 

Por exemplo, um motorista que ganha R$ 3.650,66 por mês terá, no final do ano, R$ 1.058,71 a mais na conta, o que poderia "ajudar na compra do material escolar do filho, pagar a revisão do carro ou garantir as compras do supermercado". 

Alguns economistas, porém, projetam que essa renda extra na mão das pessoas, além de estimular o crescimento, irá também pressionar a inflação

O economista José Alfaix, da gestora Rio Branco, afirmou à revista Veja que a medida teria um impacto positivo no PIB de 0,2% em 2026 e de 0,1% em 2027, e um impacto ainda maior na inflação, com acréscimo anual de 0,4% em 2026 e de 0,6% em 2027.

<><> Como está a tramitação no Congresso

O relator do projeto na Câmara é o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Casa. 

Durante a análise do tema, ele cogitou reduzir a alíquota mínima do imposto de renda para os super-ricos para 9%, devido ao fato de o ganho de arrecadação previsto com a alíquota mínima ser superior à renúncia com a isenção e o desconto parcial.

Segundo o governo, a queda de arrecadação prevista com a isenção e o desconto parcial seria de R$ 25,84 bilhões em 2026, enquanto a alta de arrecadação com a alíquota mínima seria de R$ 34,12 bilhões.

Depois, Lira voltou atrás e manteve a alíquota de 10% em seu relatório. Mas ele aumentou a faixa das pessoas que receberiam um desconto parcial de R$ 7 mil para até R$ 7,35 mil por mês. A faixa de isenção total segue a mesma, até R$ 5 mil.

O relatório de Lira foi aprovado nesta quarta-feira (16/07) na comissão especial da Câmara que analisa o projeto, e agora a proposta segue para análise do plenário. A expectativa é de que seja votado após o recesso parlamentar, em agosto.

O texto de Lira mantém a cobrança de imposto de renda sobre lucros e dividendos acima de R$ 50 mil mensais, retido na fonte, e a tributação de 10% dos rendimentos de estrangeiros ou no caso de envio dos valores ao exterior.

Após passar pela Câmara, o texto segue para o Senado. Se for aprovado neste ano, as medidas valeriam a partir de 2026.

<><> Maioria dos brasileiros aprova ideia

Uma pesquisa Datafolha divulgada em 9 de abril apontou que 76% dos brasileiros são favoráveis à proposta de cobrar mais imposto de renda de quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, enquanto 20% são contra. 

A pesquisa também perguntou o que os entrevistados achavam da isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês – nesse caso, 70% foram a favor e 26%, contra.

A proposta de criar uma alíquota mínima de imposto de renda para os super-ricos enfrenta menos resistência do que a ideia de criar um imposto sobre grandes fortunas, proposta no ano passado pelo PSB e as federações PT-PCdoB-PV e PSOL/Rede durante a tramitação da reforma tributária. 

Essa medida previa cobrar alíquota anual de 0,5% a 1,5% sobre patrimônios a partir de R$ 10 milhões, e foi rejeitada pela Câmara em outubro passado.

A proposta de criar um imposto global sobre grandes fortunas também foi uma das apostas do Brasil durante o exercício da presidência rotativa do G20, mas não prosperou até o momento.

 

Fonte: DW Brasil

 

A era da regressão segundo o sociólogo marxista Göran Therborn

Göran Therborn é um dos principais sociólogos do mundo. Professor da Universidade de Cambridge e doutor pela Universidade de Lund (Suécia), é autor de obras como “European Modernity and Beyond” [A Modernidade Europeia e Além] (1995), “The World: A Beginner’s Guide” [O Mundo: Um Guia para Iniciantes] (2011) e “The Killing Fields of Inequality” [Os Campos de Extermínio: Campos da Desigualdade] (2013).

LEIA A ENTREVISTA:

·        Até que ponto a ideia de progresso é uma novidade histórica em si mesma?

Göran Therborn  - O progresso tem sido uma reivindicação da esquerda desde seu surgimento, há mais de dois séculos. Surgiu antes da modernidade e do estabelecimento de uma orientação geral para um futuro aberto. As interpretações pré-modernas predominantes da história o viam em termos cíclicos ou como um declínio de uma era de ouro passada. Para os cristãos, havia um Jardim do Éden; para estudiosos, artistas e intelectuais, a Grécia e a Roma clássicas eram mais relevantes. Aristóteles foi a grande autoridade em ciência em geral por mais de 1.500 anos, juntamente com outros mestres antigos em disciplinas específicas, como o anatomista greco-romano Galeno, do século II. As escalas temporais da ciência eram muito diferentes na era pré-moderna. A “descoberta” e conquista europeia e pós-clássica das Américas ajudou a erodir a inferioridade percebida em relação ao conhecimento olímpico antigo. Mais frequentemente, conquistas técnicas recentes, como a imprensa, a bússola marítima e o telescópio, foram usadas como argumentos contra essa inferioridade. Foi durante o século XVII, graças a inúmeros avanços, que a ciência contemporânea se estabeleceu em comparação com a antiguidade. O filósofo inglês Francis Bacon foi um pioneiro, e o francês René Descartes lançou as bases filosóficas para uma ruptura com o passado. A física de Isaac Newton inaugurou uma nova era científica, institucionalizada na Royal Society britânica e na Académie des Sciences francesa. Esse século também testemunhou uma grande revolta moderna na frente estética contra a submissão aos antigos: a Querelle des Anciens et des Modernes francesa, na qual escritores modernos do “século de Luís, o Grande” reivindicavam igualdade com a literatura antiga.

Na esfera política, a Revolução Francesa marcou o surgimento do futuro como um reino em aberto que os seres humanos poderiam criar. Foi então que os conceitos de revolução e reforma adquiriram seu significado moderno como processos de mudança social que levaram a um novo tipo de sociedade. Antes disso, “reforma” e “reforme” significavam restauração; no protestantismo cristão, a restauração do cristianismo pré-papal. Revolução originalmente significava “retroceder” e adquiriu vários significados, primeiramente o astronômico, referindo-se ao movimento recorrente dos corpos celestes, como na obra de Nicolau Copérnico, De Revolutionibus Orbium Coelestium, de 1543. Em meados do século XVII, revolução passou a incluir eventos de agitação política, protesto ou violência e, nesse sentido amplo, o termo foi usado para designar a “Revolução Gloriosa” de 1688 na Inglaterra. Mais tarde, escrevendo à sombra de 1789, conservadores como Edmund Burke afirmariam que essa “revolução” não envolveu “nenhuma ideia nova” e foi empreendida unicamente “para preservar nossas leis e liberdades antigas e incontestáveis”. Na principal obra intelectual do Iluminismo, a Enciclopédia Francesa, o volume dedicado à letra R apareceu em 1765. Ele continha entradas para vários significados de “révolution”, incluindo um que se referia à relojoaria. A própria Revolução Francesa estabeleceu a semântica de revolução. Juntamente com a subsequente campanha britânica por mudanças parlamentares, também popularizou o uso do termo “reforma” como uma porta de entrada para algo novo e melhor.

·        Podemos separar o conceito de domínio das noções tradicionais de que a humanidade tem o direito de dominar a natureza?

GT - Não creio que esta questão deva ser colocada em termos de direitos. Para os humanos pré-modernos, a natureza era frequentemente uma força avassaladora de secas, inundações, geadas, erupções vulcânicas e terremotos, sem mencionar pragas e outras doenças epidêmicas. Havia também percepções pré-modernas da natureza como um todo animado ao qual os seres humanos pertenciam e ao qual deviam respeito. No entanto, essas noções não parecem ter sido difundidas entre os camponeses e moradores urbanos europeus na Idade Média, o ambiente em que a modernidade se desenvolveu. O “domínio” da natureza pela modernidade começou como uma libertação da humanidade da servidão à natureza, cujo cerne era a chamada armadilha malthusiana, segundo a qual boas colheitas levavam à superpopulação e a um novo período de fome. É verdade que uma figura como Bacon, que foi tanto um político proeminente quanto o arauto filosófico de um “novo instrumento das ciências” com seu livro Novum Organum, pôde escrever um artigo em 1603 sobre “O Nascimento do Tempo, ou o Grande Estabelecimento do Domínio do Homem sobre o Universo”, exortando os seres humanos a “tornar [a natureza] sua escrava”. Ele argumentou que este era um direito humano dado por Deus. No entanto, também podemos considerar que a revolução científica do século XVII envolveu a descoberta das leis da natureza, que os humanos podiam utilizar, mas não dominar ou alterar. Essa perspectiva foi transportada para a economia do século XIX e para o evolucionismo spenceriano. Para Descartes, o bem primordial dos “frutos da terra e de todas as coisas boas que nela se encontram”, que a ciência e a invenção permitiriam aos humanos desfrutar, era “a preservação da saúde”.

·        Quais foram as limitações do evolucionismo social do século XIX?

GT - Na Europa e na América do Norte, o século XIX foi um período de mudanças e transformações significativas, tanto sociais quanto tecnológicas, possivelmente mais do que em qualquer outro momento da história. Foi a era da máquina a vapor, da luz elétrica, das ferrovias, dos navios a vapor, do telégrafo e de muito mais. O fim do reinado de reis e aristocratas estava próximo, e uma nova economia baseada na indústria e no capitalismo estava emergindo. Certamente houve muitas continuidades e mudanças incompletas, mas mais bens estavam sendo produzidos do que nunca, o transporte e as viagens tornaram-se mais rápidos e as pessoas comuns tinham mais direitos e liberdades. Em suma, o mundo humano estava em movimento, evoluindo. As novas ciências sociais, a sociologia e a antropologia, tentaram entender o que estava acontecendo e categorizar a nova sociedade que emergia. Não é de se admirar, portanto, que o século XIX tenha se tornado o século do evolucionismo. Novos avanços científicos abriram novas perspectivas para vastas populações, a geologia alterou a escala de tempo da Terra e Charles Darwin mostrou como a vida se desenvolveu no planeta. No entanto, o evolucionismo social vitoriano tornou-se introspectivo e um primo secularizado da providência cristã. Era universalista, baseado numa perspectiva em que todos os seres humanos enfrentavam a mesma escada de desenvolvimento sociocultural, mas agora se situavam em degraus diferentes. Esse universalismo era caracteristicamente expresso em termos eurocêntricos e racistas (tomados de empréstimo de Montesquieu) como a passagem pelos estágios de “selvagem, bárbaro e civilizado”.

O progresso e a evolução, nesse modelo, eram determinísticos, com uma tendência inerente à mudança lenta, gradual e não planejada. Qualquer tentativa política de alterar essa tendência seria inútil. O destino dessa evolução era claro: “a maior perfeição [do homem] e a mais completa felicidade”, como disse Herbert Spencer.

A teoria da evolução de Darwin foi originalmente inspirada pelo economista conservador Thomas Malthus e sua visão sombria da “luta pela existência” humana. No final do século XIX, o darwinismo retornou à sociedade humana na forma de darwinismo social, tornando-se a ideologia dos magnatas da Era Dourada como a sobrevivência do mais apto. No entanto, existem tendências evolutivas incorporadas aos desenvolvimentos modernos em ciência, medicina e tecnologia. Essas tendências ampliam as oportunidades humanas, embora o grau em que se concretizam dependa de relações de poder que são em grande parte contingentes. Acredito que a esquerda deve evitar se isolar dessa perspectiva do mundo contemporâneo. Também estou convencido de que uma perspectiva evolucionária que leve em conta a “dinâmica social adaptativa” da emulação, da percepção de sucesso ou fracasso e da imitação ou abandono pode ser sóbria e esclarecedora na análise política. O cerne do pensamento crítico, a meu ver, é permanecer atento às contradições, desequilíbrios e desigualdades da realidade social (bem como às afirmações sobre ela).

·        Até que ponto a humanidade avançou em direção à capacidade de exercer uma forma de capacidade de ação coletiva como espécie?

GT - A capacidade de ação coletiva planetária humana é historicamente recente, tendo começado no final do século XIX, com tentativas de criar um sistema horário planetário que foram concluídas muito mais tarde, no século seguinte. Em 1899, foi realizada a primeira conferência mundial de Estados, uma conferência de paz em Haia, iniciada pelo czar russo. Em 1900, Paris sediou o primeiro grande congresso mundial de acadêmicos, neste caso, filósofos. Sem dúvida, houve algum progresso. Os mais importantes são as organizações setoriais das Nações Unidas — OIT, UNICEF, UNESCO, etc. — com seus Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos em 2000, e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de 2015. As Conferências Mundiais do Clima, iniciadas em 1979, são tentativas válidas de abordar a grave crise das mudanças climáticas. Embora certamente não tenham alcançado o suficiente, tiveram um impacto global. Os interesses do capitalismo global são supervisionados e, em parte, geridos pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional. No entanto, também deve ser notado que a guerra genocida de Israel contra os palestinos, apoiada pelos Estados Unidos e seus aliados, combinada com seu desafio insultuoso e humilhante à ONU, incluindo a declaração da UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina) como uma organização terrorista, sinaliza o início do colapso do mundo da ONU. O desrespeito de Israel ao direito internacional e aos tribunais internacionais, tudo possibilitado pela proteção de Joe Biden, que Donald Trump continua mantendo, aponta para o surgimento de um mundo anárquico marcado pela geopolítica imperialista.

·        Para alguns, é óbvio que a história humana foi caracterizada pelo progresso em vários campos, mas você direcionou seus argumentos para aqueles que questionam essa premissa. Para aqueles que se enquadram neste último grupo, quais são os principais exemplos de progresso que podemos identificar nos últimos séculos?

GT - Talvez seja melhor começar especificando o que queremos dizer com progresso. Inspirado pelo trabalho de Amartya Sen, sugiro que definamos progresso como a melhoria da capacidade humana de funcionar. Isso precisa ser dividido em áreas específicas, que por sua vez podem ser agrupadas em pelo menos duas categorias: uma abrangendo conhecimento social e tecnologia, e outra abrangendo organização social. No primeiro, para buscar o progresso, devemos nos concentrar na expectativa de vida e na saúde, na educação, no conhecimento científico, na produtividade, na mobilidade e na comunicabilidade. No segundo, devemos nos concentrar na inclusão social em sentido amplo, que inclui também igualdade e solidariedade social (ou seja, prestar assistência em situações de necessidade) e autonomia individual (ou seja, liberdade). Idealmente, o progresso deveria ser medido levando-se em consideração a crescente destruição de habitats humanos, bem como dos próprios seres humanos. Alguns dados estão disponíveis, como mortes por assassinato, guerras e desastres naturais. Outros permanecem difíceis de avaliar, como a escala da destruição ambiental ou os efeitos do aumento da eficiência dos meios de destruição. Poucas pessoas poderiam argumentar que avanços irreversíveis na ciência, medicina e tecnologia ocorreram nos últimos séculos. A Revolução Industrial e as revoluções agrícolas, que aumentaram a produtividade e a renda, são certamente um exemplo disso. O PIB per capita global aumentou dez vezes entre 1820 e 2003. A expectativa média de vida ao nascer aumentou de cerca de 26 anos em 1820 para 73 anos em 2020.

Em 1820, a taxa de alfabetização da população global em idade para estar no ensino médio era de cerca de 12%; em 2020, era de 87%. É claro que existem grandes desigualdades territoriais em todos os três indicadores, e houve declínios locais na curva progressiva (por exemplo, nas taxas de expectativa de vida dos Estados Unidos e do Reino Unido durante a década de 2010). Mesmo assim, nenhum país caiu abaixo do nível pré-1950 em nenhum dos três indicadores. O histórico de avanços na organização social é mais ambivalente, com tendências progressivas e regressivas e variações muito maiores ao longo do tempo e do espaço. É indiscutível que grandes avanços foram alcançados em termos de liberdade humana, com a imposição do trabalho livre com o fim da servidão e da escravidão, e os indivíduos adquirindo a capacidade de escolher sua educação, ocupação, religião e parceiro. Provavelmente, também há mais liberdade para participar (ou se abster) da organização e ação coletivas do que, por exemplo, há dois ou três séculos. No entanto, a negação absoluta da liberdade humana, por meio de prisões e assassinatos, não seguiu uma trajetória descendente clara. O encarceramento aumentou na União Soviética de Stalin, atingindo um pico de 1.470 a 1.760 pessoas por 100.000 habitantes. Esse índice diminuiu desde meados da década de 1950 até o presente, embora permaneça alto, com 322 por 100.000 habitantes na Rússia pós-soviética em 2022.

As taxas de encarceramento nos Estados Unidos aumentaram acentuadamente após a Guerra Civil, tanto no Norte quanto no Sul. Posteriormente, dispararam após 1970, atingindo um recorde histórico em 2008, com 755 prisioneiros por 100.000 pessoas — aproximadamente metade do pico soviético. Em 2022, o número caiu para 541. Apesar dos declínios na Rússia e nos Estados Unidos, a população carcerária global mostra uma ligeira tendência de aumento na década entre 2012 e 2022. A população carcerária global atual é de cerca de 11,5 milhões. Embora seu crescimento durante o século XX na URSS, nos Estados Unidos e em muitos outros países tenha indicado um retrocesso em relação à liberdade humana, as vítimas dessa tendência foram em muito superadas em número pelos beneficiários de maior liberdade em outras áreas.

A violência letal não diminuiu com a expansão do comércio e da industrialização, como acreditavam os filósofos iluministas e os evolucionistas do século XIX. A Segunda Guerra Mundial foi a guerra mais mortal da história da humanidade, com um total de 70 a 85 milhões de mortes, incluindo mortes indiretas causadas por doenças e fome. Mais da metade das vítimas eram soviéticas ou chinesas.

A ferocidade da repressão estatal por regimes autoritários atingiu níveis sem precedentes no século XX, enquanto as tentativas do pós-guerra de impedir novos massacres se mostraram em grande parte inúteis. As convenções sobre genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade foram impotentes contra as práticas coloniais da França, do Reino Unido e dos Estados Unidos no pós-guerra — da Argélia e Madagascar ao Quênia e Vietnã — ou contra o genocídio israelense em curso contra os palestinos. Não houve “dividendos da paz” após a Guerra Fria. As guerras travadas pelos Estados Unidos após o 11 de Setembro mataram diretamente mais de 900.000 pessoas, ao custo de 15.000 vidas estadunidenses. As mortes indiretas por devastação e doenças somaram quase quatro milhões. A tortura e a fome provocada pelo homem continuam no século XXI, como evidenciado pelos casos do Iraque, Palestina, Sudão, Etiópia e outros. Podemos comparar a morte de alguns com a vida mais longa e melhor de outros? Esta é uma questão moral para a qual não há uma resposta fácil e sobre a qual é improvável que haja consenso. Não pretendo saber com certeza como respondê-la adequadamente. Permitam-me acrescentar um argumento demográfico que deve ser considerado em conjunto com as conhecidas histórias de terror.

Apesar das enormes perdas sofridas durante a guerra, as populações soviética e chinesa aumentaram entre 1913 e 1950, em 0,38% e 0,61% ao ano, respectivamente (na Índia colonial, o crescimento populacional foi de 0,45% ao ano durante o mesmo período). Em 1950, a população mundial era de 2,5 bilhões de pessoas, e essa coorte de nascimento podia esperar, em média, quatorze anos a mais de uma vida mais próspera do que a coorte de 1913. A inclusão social expandiu-se graças ao desmantelamento do racismo explícito e institucionalizado, à descolonização, à deslegitimação e ao enfraquecimento das barreiras de casta e à concessão de direitos civis às mulheres e aos povos indígenas. No entanto, do lado negativo, a exclusão social, na forma de desigualdade econômica, em todo o mundo aumentou de 1820 até atingir seu pico em 1910, seguido por um platô até por volta de 1950. Depois disso, caiu até por volta de 1980, antes de subir novamente para o mesmo nível de 1910 em 2007 e finalmente atingir o nível da década de 1890 em 2020. Em outras palavras, não houve progresso duradouro na inclusão econômica da metade mais pobre da humanidade nas oportunidades derivadas da expansão da produtividade humana durante o século XX e o primeiro quarto do século XXI. Dúvidas sobre o progresso humano são compreensíveis. No entanto, uma característica (e força) da formação marxista é a disposição de ver e reconhecer a natureza contraditória do desenvolvimento social. Sim, houve progresso em algumas áreas. Sim, houve retrocessos em outras. Às vezes, podemos nos aventurar a ponderar a balança entre os dois. Mas acho que também devemos admitir que, às vezes, nos deparamos com objetos incomparáveis.

·        Em um período muito mais recente, aproximadamente de meados da década de 1970 até o presente, quais foram as tendências mais notáveis ​​em termos de desenvolvimento humano no mundo como um todo?

GT - Em vários aspectos, meados da década de 1970 marcou uma ruptura com a tendência negativa. Globalmente, marcou o início de uma desaceleração econômica prolongada. A década de 1960 testemunhou o crescimento econômico global mais rápido da história da humanidade; desde então, a taxa permaneceu abaixo desse pico. A expectativa de vida também registrou seu maior aumento na década de 1960, antes de começar a desacelerar em meados da década de 1970. Entre 1989 e 2004, a expectativa de vida caiu drasticamente, embora tenha permanecido em níveis positivos em todo o mundo. Isso se deveu principalmente à redução absoluta da expectativa de vida em duas áreas de desastre: o sul da África, atingido por uma epidemia de AIDS mal administrada, e a antiga União Soviética, afetada pela restauração do capitalismo. Neste século, houve reduções absolutas menores na expectativa de vida no Reino Unido e nos Estados Unidos.

Nos países ricos, a tendência de equalização de renda, que vinha se intensificando desde 1945, foi interrompida e, em muitos países (particularmente nos Estados Unidos), foi revertida. A equalização pós-colonial em países como Índia e Indonésia também foi revertida. Após 1970, o grau de privação de liberdade aumentou consideravelmente nos Estados Unidos, com os níveis de encarceramento aumentando em mais de 700% em 2009. No entanto, a regressão não é a única história deste período. A disseminação global (desigual) de computadores pessoais, smartphones e internet trouxe progresso para as massas. Houve um crescimento espetacular da produtividade e da renda na China e na Índia, e fases de desenvolvimento econômico incomum em todas as regiões do Sul Global. Houve também um declínio sem precedentes na pobreza extrema absoluta, que caiu de cerca de 49% da população mundial em 1975 para 8% em 2020, com uma duplicação da taxa média anual de redução, de 0,5% entre 1950 e 1990 para 1% entre 1990 e 2020. A posição das mulheres foi fortalecida, as populações indígenas receberam maior reconhecimento e o apartheid foi desmantelado na África do Sul. A igualdade sexual foi aceita em grande parte do mundo.

·        Durante a Guerra Fria, muitas pessoas lutaram para manter o otimismo em relação ao futuro diante da ameaça real de uma guerra nuclear. Mais recentemente, a crise climática teve um efeito semelhante. Que implicações os problemas ecológicos têm para a forma como pensamos o progresso?

GT - Reconhecer que houve progresso na história humana não significa necessariamente ser otimista quanto ao futuro. No máximo, pode envolver reconhecer que a humanidade demonstrou ser capaz de aprender e se desenvolver, especialmente nos campos da ciência e da tecnologia, e que, portanto, poderá encontrar soluções não catastróficas no futuro. Sentimentos de otimismo e pessimismo referem-se a futuros subjetivos e imaginados; como tal, são frágeis e frequentemente voláteis. No entanto, esses futuros imaginados desempenham claramente um papel importante nas sociedades modernas. Eles também se baseiam (e estão culturalmente correlacionados) em atitudes de assunção e aversão a riscos. Existe uma divisão cultural pouco conhecida entre aqueles que assumem e aqueles que evitam riscos. Culturas de cuidado — de cuidar de outras pessoas — são mais conscientes do risco do que culturas de individualismo, capitalismo e diversão, que se baseiam na assunção de riscos.

A tomada de riscos otimista é fundamental para a dinâmica capitalista, e “O Manifesto Tecno-Otimista”, do renomado capitalista de risco estadunidense Marc Andreessen, é uma interessante personificação disso. Vejamos algumas das afirmações de Andreessen e como elas se comparam à realidade. “Acreditamos que não há problema material […] que não possa ser resolvido com mais tecnologia. Tínhamos um problema de fome, então inventamos a Revolução Verde.” Sessenta anos após a Revolução Verde, cerca de 733 milhões de pessoas sofriam de fome e desnutrição em 2023, segundo a Organização Mundial da Saúde, um aumento de 152 milhões desde 2019. “Tínhamos um problema de escuridão, então inventamos a iluminação elétrica.” Quase metade dos africanos subsaarianos, 600 milhões, vive sem eletricidade. “Tínhamos um problema de frio, então inventamos o aquecimento doméstico.” Mesmo hoje, há uma tendência de aumento da mortalidade no inverno no Reino Unido. “Tínhamos um problema de isolamento, então inventamos a internet.” O isolamento social continua sendo uma condição humana debilitante. “Tínhamos um problema de contágio e disseminação de doenças, então inventamos vacinas.” Descobriu-se que o excesso de mortalidade em decorrência da COVID-19 está intimamente relacionado à proporção de pessoas vivendo na pobreza, aos níveis de PIB per capita e aos índices de desigualdade de renda. “Temos um problema de pobreza, então inventamos a tecnologia para criar abundância.” Abundância dificilmente é a situação em que a maior parte da humanidade se encontra. Em suma, esse tipo de otimismo se concentra apenas na tecnologia como objeto, e não em seu valor como recurso e prática social.

Um segundo aspecto marcante do manifesto é sua agressividade. “Os tecno-otimistas acreditam que as sociedades, como os tubarões, crescem ou morrem […] Acreditamos em ambição, agressividade, persistência, implacabilidade, força.” Andreessen chega a citar o Manifesto Futurista do fascista italiano Filippo Tommaso Marinetti: “A beleza só existe na luta. Não há obra-prima que não tenha um caráter agressivo.” Friedrich Nietzsche é outro de seus “santos padroeiros”, e “tornar-se super-homens tecnológicos” é seu grande sonho. Tecnicismo antissocial e agressão fascista são opostos notáveis ​​das culturas solidárias de equidade social, igualdade e justiça, e de empatia, preocupação e ajuda. Há um senso de responsabilidade científica de elite, como parte de uma cultura solidária, que abrange desde os cientistas atômicos preocupados da década de 1950 até os cientistas climáticos das décadas em torno do milênio, e até Geoffrey Hinton, ganhador do Prêmio Nobel de Física em 2024, juntamente com outros cientistas renomados que nos alertam sobre os riscos da inteligência artificial generativa. Não acho que essa linha de conscientização científica sobre riscos deva ser descrita como pessimismo. Nem representa um questionamento ou negação do progresso humano. Fundamentalmente, é uma forma de avaliação de risco séria pelos melhores cientistas da área.

As três avaliações científicas de risco mencionadas acima têm implicações diferentes para a questão do progresso. Cientistas atômicos temiam que políticos e generais, por estupidez ou imprudência, usassem os meios que eles ou seus colegas haviam criado para aniquilar a humanidade. Em outras palavras, os cientistas apontaram para um caso extremo das contingências imprevisíveis da história humana que sempre limitaram o progresso humano. O equilíbrio de poder duopolístico entre os Estados Unidos e a União Soviética provou ser capaz de gerenciar riscos, mas por pouco, como a crise dos mísseis cubanos nos mostrou. Os riscos das mudanças climáticas e, possivelmente, da inteligência artificial (IA) são mais desafiadores para a própria ideia de progresso. O enorme progresso econômico da humanidade pode ser em vão, minando a sobrevivência humana. Os riscos futuros da IA ​​ainda são vagos e incertos, mas podem corroer a autonomia humana e, como tal, significar o fim do progresso como domínio humano. Até agora, acredito que a hipótese apocalíptica sobre o resultado das mudanças climáticas tem pouca base empírica. Já foi comprovado que é possível reduzir as emissões de gases de efeito estufa e desenvolver fontes de energia renováveis. Novas tecnologias sustentáveis ​​também estão sendo desenvolvidas: captura de carbono ou maneiras de produzir aço e cimento sem combustíveis fósseis, por exemplo. Carros elétricos, painéis solares e parques eólicos já existem em massa, e também existem protótipos pré-comerciais de novas tecnologias. A crise climática é principalmente uma crise política, e não uma crise de progresso. Refere-se à ausência (até o momento) de forças políticas globais dispostas, capazes e fortes o suficiente para mobilizar os meios disponíveis ou em desenvolvimento para resolvê-la.

 

Fonte: Entrevista com Göran Therborn, com tradução Pedro Silva, para Jacobin Brasil