terça-feira, 31 de outubro de 2023

Demissões de Lula expõem obstáculos para mulheres e reforçam Centrão

No discurso da vitória, há quase um ano, o então recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou o que dizia em campanha: o novo governo traria mais igualdade e diversidade. A gestão iniciou com recorde ao colocar 11 mulheres à frente de ministérios, mas, ao longo do primeiro ano, a promessa se mostrou mais difícil de ser cumprida.

Em 10 meses, o petista abriu mão de duas ministras — Daniela Carneiro (Turismo) e Ana Moser (Esporte) — para acomodar homens apadrinhados pelo Centrão.

Esta semana, as cobranças ao petista tomaram nova força, após o governo demitir a bancária Rita Serrano da chefia da Caixa Econômica Federal para, mais uma vez, encaixar no quadro um indicado de Lira.

Especialistas ouvidos pelo Metrópoles apontaram duas questões nas movimentações de Lula: a fragilidade estrutural para manter as mulheres na política e a luta por governabilidade, especialmente após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), marcado por desentendimentos entre Executivo e Legislativo.

“Não privilegiar as mulheres vem da própria política. Temos de reconhecer os grandes ganhos, e não é de um dia para o outro, ou com uma lei que obrigue cotas, que vamos garantir uma influência imediatamente mais forte das mulheres”, afirmou Débora Messenberg, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo ela, as ministras trocadas não tinham respaldo dos partidos políticos e, dessa forma, eram interpretadas como mais “descartáveis”. Esse foi o caso de Daniela Carneiro, dispensada do Ministério do Turismo, após desavenças com o União Brasil.

“Na questão de gênero, não é uma cultura que ainda esteja, mesmo para o PT, em perspectiva hegemônica. Temos claramente um avanço frente ao governo anterior, são ganhos importantes, mas a luta por maior diversidade e pluralidade ainda está longe de ser conquistada”, acrescentou Messenberg.

A professora também ressaltou a necessidade do envolvimento popular nas trocas de cargos: “É preciso cobrar a coerência e os compromissos em relação às promessas de campanha de que ampliaria a diversidade”.

·         Pressão popular

Para o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria, Lula criou muita “expectativa” sobre a inclusão feminina. “O caso da Ana Moser foi mais simbólico, porque ela era especialista na área, fazia um trabalho interessante e foi muito deselegante a forma como o governo Lula conduziu”, avaliou. Com a saída dela, entrou o deputado federal André Fufuca (PP-MA), recomendado por Lira.

A escolha gerou questionamentos, já que o deputado abasteceu com recursos de uma emenda parlamentar de sua autoria uma empresa fantasma envolvida em um grande esquema de desvio de verbas federais. Apesar disso, não houve grande pressão popular para cortá-lo da pasta.

Uma situação semelhante atingiu o ministro Juscelino Filho, da Comunicação, investigado pela Polícia Federal (PF) por suposto desvio de emendas parlamentares. Juscelino, como apontou o cientista político, é “muito ligado” ao senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). “Se demitisse o ministro, Lula ia criar um caso. Ele acreditou que a história ia morrer e, realmente, não se fala mais tanto no Juscelino”.

Em contraponto, a pressão popular foi peça-chave na exoneração de pelo menos três pessoas do governo:

>>> Governabilidade

Para a professora Débora, a negociação entre Executivo e Congresso Nacional é necessária para um governo dentro do presidencialismo aos moldes brasileiros.

“Quem não negocia com o Centrão não governa. Tem de se negociar com o parlamento, que, infelizmente, cada vez mais vem sendo ocupado por pessoas muito conservadoras, que o veem como um espaço de negócios”, destacou.

A especialista apontou que gestões como a de Dilma, que tentaram enfrentar o Congresso, “acabaram não tendo sustentabilidade política”. “Se não atende aos aliados você pode sofrer um golpe, é história recente”, relembrou André Pereira César.

Segundo o cientista político, Lula tenta se “blindar para chegar ao fim do governo” e talvez pensar em uma reeleição. Na interpretação dele, o presidente tentará enfrentar uma pequena crise por vez, e “casos similares” aos das ministras demitidas continuarão ocorrendo, principalmente para garantir a boa relação com o Centrão.

·         Vagas em aberto renovam tensão

Também na última semana, senadores da oposição mandaram um recado ao governo ao reprovarem, de forma inédita, o indicado pelo presidente para chefiar a Defensoria Pública da União (DPU). Segundo parlamentares, a dose poderá ser repetida caso o petista recomende o ministro Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública, para as vagas no Supremo Tribunal Federal (STF) ou na Procuradoria-Geral da República (PGR).

A mudança de Dino para outro cargo poderá trazer problema ou solução para a gestão de Lula, caso o presidente decida promover ou não uma mulher à chefia do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

“Quando vagou a cadeira de Rosa Weber, no STF, se falou em indicar uma mulher negra, e nomes foram apresentados, mas Lula falou em ser pragmático, ainda mais depois de indicar o (ministro) Cristiano Zanin. Foi personalista e caiu mal”, apontou o cientista político André Pereira César.

“É um xadrez difícil, e Lula está cozinhando. Na PGR, ele deixou a procuradora interina, vai cozinhando e vendo a evolução dos fatos”, completou.

Enquanto isso, o Centrão está de olho na Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A instituição tem orçamento de quase R$ 3 bilhões, o que requer cuidado do governo Lula para a escolha.

 

Ø  Gilmar Mendes ordena à PF que destrua gravações de telefonemas de assessor de Arthur Lira

 

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes determinou à Polícia Federal que promova a destruição imediata de todos os áudios captados com ordem da Justiça Federal de Alagoas dentro da Operação Hefesto, desencadeada em junho para investigar supostas irregularidades na compra de kits de robótica pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). A investigação, trancada e arquivada por Mendes em setembro, sob o argumento de que houve “usurpação de competência” do STF, girava em torno de Luciano Cavalcante, um assessor próximo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). 

“Considerando que ao Poder Judiciário compete a tutela das liberdades públicas e inviolabilidades pessoais, determino que a Polícia Federal providencie a inutilização das gravações e dos registros produzidos a partir de medidas cautelares probatórias, observado o rito estabelecido no parágrafo único do art. 9º da Lei 9.296/96”, decidiu Mendes no último dia 27.

As gravações realizadas pela PF com ordem judicial na Operação Hefesto nunca foram tornadas públicas e agora, com a decisão de Mendes, deverão ser destruídas na presença de um representante do Ministério Público Federal, sendo “facultada a presença” dos investigados ou de seus representantes legais no ato da inutilização do material. A Agência Pública apurou com diferentes fontes que telefonemas dados ou recebidos por Luciano Cavalcante no primeiro semestre de 2023 foram alvos da intercepção.

A possibilidade de uma destruição dos elementos colhidos ao longo da Operação Hefesto foi antecipada pela Pública ainda em agosto. Na decisão de setembro, Mendes também havia ordenado a restituição “aos proprietários os bens apreendidos no curso das investigações”. Entre os bens apreendidos pela Hefesto estão R$ 4 milhões em notas de real e dólar apreendidos na sede de uma empresa de um dos investigados. Tal devolução, esperada para os próximos dias, foi anunciada por diferentes veículos de comunicação. Agora, na decisão de 27 de outubro, o ministro desautorizou o juiz da 2ª Vara Federal de Maceió (AL) a devolver os valores apreendidos. Com isso, na prática, retardou a devolução dos R$ 4 milhões.

O ministro argumentou agora que a restituição, “embora seja razoável em relação a veículos e bens pessoais”, em relação “aos quais não há a menor dúvida sobre a titularidade”, uma “eventual determinação de grandes somas em dinheiro apreendidas em poder dos investigados pressupõe juízo de valor sobre quem seja seu proprietário”. Mendes não deixou claro, na decisão, como se dará uma eventual apuração sobre quem é o verdadeiro proprietário do dinheiro, já que o inquérito não pode ser mais levado adiante pela Polícia Federal.

Mendes escreveu que “desde a decisão proferida na reclamação constitucional, o Juízo de primeiro grau não detém competência para proferir decisões relacionadas ao inquérito, incluindo a expedição de alvarás de levantamento ou transferência de recursos depositados em contas judiciais”. Mandou ainda que a PF e o juiz procedam “um inventário dos bens que ainda se encontram retidos a qualquer título, informando a descrição e a localização do objeto e, em relação aos valores em espécie, a conta judicial em que se encontram depositados”.

 

Ø  Lira: "Câmara nunca faltou ao Brasil e ao governo federal"

 

Após conquistar a presidência da Caixa Econômica Federal para o Centrão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou apoio ao governo federal ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta segunda-feira (30/10), afirmando que a Casa “nunca faltou ao Brasil e ao governo federal”.

“A Câmara nunca faltou ao Brasil e ao governo federal, especialmente nesses assuntos de geração de emprego, renda, melhoria do ambiente de negócio, crescimento da nossa economia, facilitação da diminuição das desigualdades regionais, sejam econômicas, sejam estruturantes”, disse o deputado no lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em Maceió (AL).

A tônica do deputado é elogiosa, depois de adiar a votação do projeto de lei de taxação das offshores e fundos exclusivos, importante para o Ministério da Fazenda, à espera da troca na presidência da Caixa, que se consolidou na última quarta (25/10), com a demissão de Rita Serrano. Carlos Antônio Vieira Fernandes, indicado pelo deputado, economista e servidor da instituição, será o novo presidente do banco. No mesmo dia, Lira pautou e a proposta foi aprovada no plenário da Câmara.

O deputado também deu trégua às críticas que vinha tecendo às articulações do ministro da Casa Civil, Rui Costa, junto ao Congresso. “Ele sabe das dificuldades que passou no início da gestão e do esforço que fez para arrumar a casa e construir momentos como este de hoje”.

Lira, que dividiu palco com o filho de um velho oponente político em seu estado, o ministro dos Transportes, Renan Filho, destacou que o Alagoas, como um estado pequeno, depende de todo apoio do governo e é “maior do que qualquer divergência política ou administrativa”.

“Eleição acabou no dia 30 de outubro [do ano passado]. Ninguém sai sem pedaço daqui, ninguém sai arranhado. A gente sai com recado claro para a classe política. Eu olho para a frente, eu olho adiante. Olhamos para construir o Estado”, pontuou ele que, em 2022, fez campanha para a reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O ministro e o parlamentar chegaram até a se cumprimentar, mas, em seu discurso, o filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL) destacou os investimentos feitos no governo de Bolsonaro.

“O governo passado estabeleceu o chamado teto de gastos, que transformou o Brasil na economia relevante que menos investiu no mundo. Esse modelo errado foi rejeitado na eleição, exatamente um ano atrás. E hoje estamos aqui para celebrar o investimento”, disse Renan olhando na direção de Lira.

 

Ø  Lira quer aprovar novo ICMS dos combustíveis ainda esta semana

 

Em razão do Dia de Finados, na próxima quinta-feira (2/11), o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), suspendeu as votações virtuais e antecipou as sessões da Câmara desta semana, com o objetivo de votar o PLP 136/23, de autoria do governo federal, que aborda a reposição de perdas dos estados e municípios decorrentes das mudanças do ICMS dos combustíveis (LCPs 192/22 e 194/22) feitas no ano passado, durante o governo de Jair Bolsonaro. Se aprovado, o PLP 136/23 consolidará a reforma do imposto interestadual, que passou a ser uniforme em todo o território nacional e a ter alíquota fixa (ad rem) para a gasolina e o etanol anidro (desde junho de 2023), e o diesel e o GLP (desde maio). O projeto tramita em regime de urgência, na Casa Baixa.

O relator do projeto, deputado Zeca Dirceu (PT-PR), pretende incorporar as cláusulas do acordo firmado no Supremo Tribunal Federal (STF) entre União, estados e municípios, com mediação do ministro Gilmar Mendes na ADPF 984, para repor o caixa das unidades federativas que perderam receitas em decorrência das LCPs 192/22 e 194/22. O montante a ser pago chega a R$ 27 bilhões até 2025. Há grande interesse dos prefeitos e partidos na matéria, porque o projeto prevê repasses mensais aos municípios, nos próximos três anos, que somam 25% (R$

A mudança no comando da Caixa Econômica Federal, que era pleiteada pelo Centrão, azeitou as votações na Câmara, após a volta de Lira da viagem à China e à Índia. Os secretários de Fazenda dos estados, que se reúnem no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), se mobilizam às pressas para evitar a modificação do projeto original, porque os prefeitos querem ampliar a cota dos municípios. Com as eleições municipais em 2024 (leia mais na página 3), muitos deputados, que serão candidatos, têm interesse direto nessa alteração. Lira convocou uma reunião de líderes para hoje, na residencial oficial, para aparar as arestas com o relator Zeca Dirceu e pôr a PLP 136/23 na ordem do dia para votação.

·         Diesel, gás e gasolina

A oposição acusa o governo de colocar um jabuti no projeto, que possibilitaria aos governadores aumentar as alíquotas. Entretanto, não obteve até agora apoio do Centrão para barrar o projeto, tanto que perdeu a votação do regime de urgência por 305 a 89 votos. O acordo com o STF prevê a revogação de dispositivos da lei 192/22, a legitimação do Confaz como órgão responsável por deliberar sobre o ICMS, e a manutenção da essencialidade do diesel (frete e transporte público), do gás natural e do gás de cozinha (GLP) e energia elétrica. A situação da gasolina não foi alterada.

Os empresários do setor temem abrir uma brecha para o retorno do modelo ad valorem (percentual de imposto sobre o preço médio dos combustíveis), porque o acordo não fala claramente na adoção de uma alíquota fixa. Segundo o Instituto Combustível Legal (ICL), os estados voltariam a ter possibilidade legal de escolher por conta própria aquilo que for mais conveniente a cada governo estadual, a depender de variáveis econômicas. Outra polêmica é sobre o risco de fraudes tributárias no mercado de combustíveis, facilitadas pela cobrança no primeiro elo da cadeia e com um valor fixo por quantidade, bases do modelo monofásico ad rem.

·         Drogas

No Senado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) se reúne hoje, em audiência pública, para debater a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza porte e posse de drogas. O texto é de autoria do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A PEC das Drogas deverá ser votada no plenário ainda em novembro, após três audiências na CCJ. A ideia é se antecipar à qualquer decisão do Supremo que possa, na visão dos parlamentares, "legislar" no lugar do Parlamento.

Essa estratégia do Senado vem sendo adotada desde a aprovação do projeto de lei (PL) do marco temporal para demarcação de terras indígenas, em setembro. O texto foi aprovado pelos senadores dias após o STF considerar a tese inconstitucional. Lula vetou trechos da matéria, porém a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) já antecipou que pretende mobilizar 303 deputados e 50 senadores para derrubar o veto de Lula na sessão do Congresso, em 9 de novembro.

 

Fonte: Metrópoles/Agencia Pública/Correio Braziliense

 

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