sexta-feira, 26 de abril de 2024

Ruptura política no Mercosul pode aproximar Brasil e Colômbia

Em meio a um contexto de divisão política crescente no Mercosul, o Brasil encontra-se cada vez mais isolado no Cone Sul, buscando novas alianças entre os vizinhos da região.

A Argentina, sob a presidência de Javier Milei, se distancia. Paraguai e Uruguai também demonstram alinhamentos políticos discrepantes, ainda que de forma mais discreta.

Dessa forma, para pesquisadores consultados pela Sputnik Brasil, o governo brasileiro, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, tem direcionado sua atenção para a Colômbia.

A recente proximidade comercial e política entre os países foi evidenciada no encontro entre empresários dos dois países no Fórum Empresarial Colômbia-Brasil, acompanhado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

Para o professor de economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) Sillas de Souza Cezar, a mudança não é tanto uma tentativa do Brasil de se afastar do Mercosul, mas sim uma resposta à reticência dos presidentes dos países-membros do bloco em relação a Lula.

De acordo com ele, os líderes Milei, Lacalle Pou (Uruguai) e Santiago Peña (Paraguai) mostram desinteresse em alinhamentos ideológicos, seja de forma explícita ou discreta. Assim, o Brasil vê na Colômbia de Gustavo Petro uma oportunidade de estabelecer parcerias políticas e econômicas mutuamente benéficas.

A aproximação sugere também uma possível entrada do país no Mercosul, paralela às adesões anteriores da Venezuela (atualmente suspensa) e da Bolívia. "Por seu tamanho, certamente a Colômbia traria ganhos ao Mercosul. Entretanto há diversos fatores que podem desencorajar essa entrada."

"Devemos considerar acordos bilaterais do país com outros parceiros, inclusive Estados Unidos, que em algum grau compensariam sua ausência no bloco do sul. Há também problemas internos que impediriam a integração, como a persistente influência de guerrilheiros e traficantes armados na Amazônia colombiana."

Historicamente, no entanto, Cezar questiona a ideia de que este é o principal período de aproximação entre os países, lembrando de episódios nos anos 1950 e 1990, quando Brasil e Colômbia buscaram interesses comuns na agricultura, na cultura e no combate ao narcotráfico.

"Talvez a aproximação mais lembrada seja a dos anos 1990, quando os governos dos dois países uniram forças para combater seus problemas internos com o narcotráfico. A Colômbia, inclusive, foi mais bem-sucedida nesse esforço."

O cientista político e pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Jefferson Nascimento observa que há uma fragmentação e uma polarização crescentes dentro dos países e entre eles. "A integração latino-americana como um todo passa por um momento bastante difícil se compararmos [o período de hoje] ao momento em que Lula teve seus primeiros mandatos."

A tensão reflete-se no impasse atual do Mercosul, com as posições divergentes de Montevidéu e Assunção, além de uma priorização de Buenos Aires das relações com Washington. "Milei já deixou claro que priorizará relações com os EUA em detrimento dos vizinhos do sul. O Paraguai, mesmo na presidência temporária do Mercosul, também não parece um grande entusiasta [da integração]."

Entre os pontos de convergência de Brasil e Colômbia, segundo ele, há questões ambientais e de segurança nas fronteiras. Ambos os países têm interesse em promover uma transição energética para fontes mais limpas, ainda que existam divergências sobre o ritmo dessa transição.

"Petro, por exemplo, é contrário a que se aprovem novas licenças para a exploração de petróleo e gás. Já Lula tem uma posição dúbia, às vezes se mostrando favorável, por exemplo, à exploração de petróleo na Margem Equatorial", detalha.

Nascimento ressalta que, em um contexto de inserção periférica e dependência de commodities, a América do Sul só poderá alcançar o desenvolvimento e ter voz nas disputas internacionais por meio da coordenação e integração entre os países. "São questões que não podem ser resolvidas de forma individualizada pelos países. É preciso uma coordenação."

Em meio a tal conjuntura, o pesquisador avalia que o Brasil emerge como um país que tenta manter a coesão do bloco, para além de questões comerciais. "O estreitamento das relações entre Colômbia e Brasil é importante no sentido de tentar mediar os conflitos políticos internos na Venezuela", exemplifica.

·        Quais são os países que fazem parte do Mercosul?

O Mercosul é formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. A Venezuela também compõe o bloco, mas está suspensa dos seus direitos e deveres. Além disso, há os "Estados associados" — como a Bolívia, que está em processo de adesão ao Mercosul, previsto para ser consolidado em julho.

Chile, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Colômbia também são Estados associados.

Nascimento entende que a entrada da Colômbia no Mercosul é improvável no momento, devido à necessidade de consenso entre os membros.

Para Cezar, devido a uma aproximação na história recente de Bogotá com a direita, uma eventual adesão sempre foi questionada, ainda que tal ideia possa sofrer alterações. "Os governos da Colômbia foram mais inclinados à direita, algo historicamente malvisto na tradicional e predominante visão ideológica do Mercosul. Mas isso tem mudado", observa.

Nascimento destaca um acordo de complementação econômica, o de número 58 (ACE 58), assinado em 2005 como uma oportunidade para ampliar as relações econômicas entre o Mercosul e outros países da região, incluindo a Colômbia, que é o terceiro maior país em população do continente.

¨      Encontro bilateral entre Brasil e Argentina vai ocorrer quando for conveniente para Lula

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu ter recebido uma carta do seu homólogo argentino Javier Milei, mas afirmou não ter lido o documento.

A carta foi entregue pela chanceler argentina Diana Mondino ao seu homólogo Mauro Vieira na semana passada, durante reunião em Brasília.

A visita de Mondino ao país foi sua primeira oficial desde a posse do governo de Javier Milei, em dezembro de 2023. A chanceler garantiu que Buenos Aires está "muito interessada" em manter a relação bilateral com o gigante sul-americano.

"O gesto de Milei é importante visto que as relações entre essas duas nações devem ser de interesse comum, além das atuais diferenças ideológicas", disse o cientista político brasileiro Guilherme Simões Reis, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, à Sputnik.

Enquanto isso, Lula e Milei mantêm uma distância política quase absoluta. O atual chefe de Estado argentino expressou repetidamente a sua afinidade com o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, antecessor de Lula no cargo e forte rival político.

"Tanto Bolsonaro quanto Milei se apresentaram como líderes de ruptura, e de forma agressiva, diante da aproximação histórica dos países sul-americanos", afirmou o especialista.

Para ilustrar as semelhanças entre os dois líderes políticos de direita, o especialista lembra que Milei realizou um encontro presencial nos EUA em abril com Elon Musk, dono da rede social X que desafia o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, que o acusou de "manipulação criminosa e intencional" da plataforma X (anteriormente Twitter) e de "obstrução" da Justiça.

No último fim de semana, Bolsonaro participou de uma grande mobilização no Rio de Janeiro, onde expressou seu apoio a Musk enquanto criticava o sistema de justiça nacional.

De acordo com Simões Reis, os contínuos ataques de Milei à figura de Lula, principalmente durante a campanha política na Argentina em 2023, não conseguem se sustentar por muito tempo e que a recente carta enviada a Lula é um sinal disso.

Para o cientista político, no entanto, um encontro bilateral entre os líderes é viável no curto prazo, mas será em um momento "mais interessante" em termos de conveniência para Lula do que para Milei.

¨      Cooperação com o BRICS pode ajudar Bolívia a acelerar processo de industrialização, diz Arce

Em entrevista exclusiva à Sputnik, o presidente da Bolívia, Luis Arce, falou sobre a intenção boliviana em fazer parte do BRICS, as reservas minerais do país e a integração social com a Palestina através da ALBA.

A Bolívia alimenta o interesse em compor o BRICS, tendo inclusive formalizado o pedido para integrar o bloco no ano passado, durante a 15ª Cúpula do BRICS, na África do Sul. À Sputnik, o presidente Luis Arce afirmou que o país vai passar pelo processo necessário para realizar o ingresso.

"Temos muito a compartilhar", disse, trazendo como exemplo, em seguida, o fato de o país ser dono de importantes reservas de lítio, além da riqueza em minerais raros.

"Queremos fazer parte do grupo para realizar o intercâmbio entre a tecnologia com nossos recursos naturais", ressaltou Arce.

Atualmente, duas empresas chinesas trabalham nas reservas de lítio boliviana, além de uma empresa russa acertando detalhes de contrato para trabalhar no Salar de Uyuni, podendo "explorar e produzir carbonato de lítio e seus derivados", afirmou o presidente, que disse que uma cooperação com o BRICS poderá trazer os países do bloco "para realizar a industrialização" na Bolívia.

Arce reconhece o valor que o lítio tem para a Bolívia, enfatizando que o país é dono das principais reservas do mineral e que isso atrai o olhar de vários países. Por isso, ele conta que "abriu para que vários países entrem numa espécie de competição para virem, de forma saudável, investir na extração direta de lítio, um método para acelerar a exploração e a industrialização do lítio boliviano".

Entretanto, o presidente afirma estar ciente de que há países que acreditam que as reservas de um país [no caso a Bolívia] são suas. Em uma oportunidade, a chefe do Comando Sul dos EUA, Laura Richardson, praticamente disse que precisa que o país exerça a tutela sobre o lítio presente na Bolívia, na Argentina e no Chile.

"Na ocasião, a senhora do Comando Sul afirmou que há três coisas que lhe interessam: terras raras, água doce e lítio. Esses três recursos naturais são o que temos na Bolívia, por isso estamos muito atentos para poder responder porque temos que defender a nossa soberania e os nossos recursos naturais na Bolívia", frisou Arce.

·        Que mensagem a Bolívia passa ao mundo ao convidar a Palestina para compor a ALBA-TCP?

Para o presidente boliviano, a Palestina enfrenta uma situação de injustiça ao sofrer o veto por parte dos EUA quando o Conselho de Segurança da ONU tratava do possível ingresso palestino como membro permanente da Organização das Nações Unidas.

Arce tratou ainda de descrever como genocídio o que acontece na Faixa de Gaza, afirmando que "o mundo pôde observar os bombardeios, onde crianças e idosos são vítimas das agressões de Israel".

Sobre o convite, o presidente disse que se a ONU não quis reconhecer a Palestina através do veto, "na ALBA-TCP, que é um grupo de países que pensa diferente, que sabe respeitar a soberania dos países, que respeita a autodeterminação dos povos, que a tenhamos entre nós de uma forma, mesmo que nominal, mas que os irmãos palestinos sintam que há países que os reconhecem e, claro, que gostaríamos de ter todos os tipos de relações econômicas e internacionais com esse país".

Segundo Arce, a iniciativa mostra ao mundo "que há países dispostos a estabelecer relações e a considerar a Palestina como mais um entre tantos países com os quais nossos países da região mantêm relações".

Arce rechaça postura do governo equatoriano contra embaixada do México em Quito

"Nem mesmo nos tempos de ditaduras militares que sofremos nas décadas de 1960, 1970 e até 1980 em vários países da região [...] nunca tivemos esse tipo de agressão e violação de tratados internacionais", comparou Arce sobre a invasão da embaixada mexicana em Quito a mando do governo equatoriano.

No dia 5 de abril deste ano, a polícia entrou à força na embaixada mexicana na capital equatoriana, onde estava o ex-vice-presidente do Equador, Jorge Glas, acusado de corrupção no caso Odebrecht.

A ação do governo do Equador, conforme Arce, abre um precedente desastroso, uma vez que viola e coloca em risco o direito de asilo reconhecido pelas leis internacionais.

O presidente argumentou que se não houver sanções contra a ação do governo equatoriano, "o direito ao asilo pode se tornar um tema variável, vulnerável", em "qualquer parte do mundo".

Arce afirmou que sempre tratará do assunto em total desacordo com o que aconteceu, concordando com os protestos do povo mexicano. Ele disse ainda que a Bolívia "apoiará as ações que o México tomará para restabelecer o direito de asilo do beneficiário".

Bullrich faz comentários sobre a Bolívia para tirar 'a atenção da crise' econômica da Argentina

Recentemente, a ministra da Segurança argentina, Patricia Bullrich, declarou que a fronteira com a Bolívia foi reforçada por ser considerada perigosa para a região, porque, segundo ela, identificaram combatentes iranianos no local.

A declaração foi totalmente rechaçada por Arce, que chamou a acusação de falsa e disse que Bullrich não tem provas.

"Ela apenas tentou desviar a atenção da crise que a Argentina atravessa. Eles têm inflação de 53% em três meses e não sabem como esconder essa inflação."

O presidente afirmou ainda que a fala da ministra argentina recebeu resposta da chancelaria boliviana.

Arce acrescentou que o desejo da Argentina em se tornar sócia global da OTAN coloca em risco a paz da região. "Sabemos o que a OTAN faz em diferentes países, vejam o que está ocorrendo no conflito entre Rússia e Ucrânia. A OTAN tem papel fundamental sobre o que acontece naquela parte do planeta", argumentou.

Ao fim da entrevista, o presidente boliviano destacou também a importância da Sputnik na América Latina, ressaltando a transparência do trabalho do veículo de comunicação.

A Sputnik "tem se mostrado um importante meio de comunicação que fala a verdade, ao contrário de outras redes de televisão que têm certa tendência a desinformar ou a dizer coisas de tal forma que a população não é alcançada com a verdade", finalizou.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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