terça-feira, 30 de abril de 2024

Aldo Fornazieri: As esquerdas e a correlação de forças

Analise de correlação de forças significa estabelecer as semelhanças e diferenças entre dois ou mais entes, determinando as equivalências ou as equipotências entre eles. Gramsci distinguia três diferentes níveis de correlação de forças: 1) na estrutura do grau de desenvolvimento das forças econômicas e materiais; 2) na correlação de forças políticas e, 3) na correlação de força militar.

No primeiro e no terceiro níveis seria mais fácil determinar as semelhanças, diferenças e equivalências entre as forças analisadas, pois nesses níveis estão presentes fatores objetivos que se prestam mais a medições e quantificações. No caso das relações de força políticas existem fatores de natureza subjetiva como homogeneidade, graus de consciência, adesão, ânimo, solidariedade de interesses etc. Em se tratando de lutas políticas nacionais ou internacionais os três níveis estabelecem relações de interdependência. Os marxistas costumam analisar as correlações de força numa perspectiva de classe.

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Analisar a correlação de força na política brasileira é uma tarefa complexa já que os corpos políticos não são homogêneos, e formam campos com a interpenetrações e dissoluções de partidos e grupos que variam segundo as circunstâncias. Por exemplo: num plano, é possível estabelecer a correlação de forças entre o bolsonarismo e as esquerdas. Em outro, entre governo e oposição; num terceiro, entre governo e centrão.

Observe-se que no centrão existem forças que são pró governo e outras são aliadas do bolsonarismo. Grupos do centrão ora comportam-se como governistas e ora como oposicionistas. A correlação de forças entre as esquerdas e o centrão é diferente da correlação de forças entre o governo e o centrão. A correlação de forças pode, ainda, ser medida em termos das forças parlamentares ou em termos das forças sociais, dos graus de hegemonia e assim por diante.

O número de deputados do centrão varia segundo o critério usado para definir sua composição. Do ponto de vista da correlação de força entre as esquerdas e o centrão no plano do Congresso, há um desequilíbrio em favor dele. Se for usada a clivagem entre esquerdas e direitas, de um ponto de vista mais geral, também há um desequilíbrio em favor das direitas.

A análise das correlações de força serve para dimensionar ações políticas, estratégias e táticas a serem adotadas por sujeitos politicamente ativos. As correlações de força, no entanto, não podem ser concebidas como um fator determinístico absoluto nas definições das estratégias e das formas de luta. Elas sempre devem estar referidas às circunstâncias onde os sujeitos agem e às suas necessidades e expectativas. As correlações de força favoráveis ou desfavoráveis a um sujeito ativo também não determinam, a priori, suas derrotas ou suas vitórias.

No caso das esquerdas brasileiras, o conceito de correlação de forças tornou-se um escudo ou uma máscara para adotar uma posição defensiva e escapista. Várias lutas, enfretamentos e mobilizações são evitados com o argumento de que a correlação de força não é favorável.

Esse escapismo das esquerdas às têm conduzido à passividade. A política é avessa à passividade, à conduta espontânea e ao conformismo. Política é direção e sentido, é virtù do comando e da liderança.  A passividade e o conformismo impedem que se amplie as conquistas, levam a perder o que se conquistou e produzem derrotas. O conformismo impede que alguém se arrisque na luta, impede a coragem e a ousadia. Leva à fuga da luta e ao ressentimento de que a culpa pelo fracasso é dos outros. O resultado é a derrota da vontade e o triunfo do fatalismo e do cinismo  e a aceitação da ordem capitalista tal como ela existe.

A ideia de que numa correlação de forças desfavorável não se deve lutar, enfrentar, mobilizar porque isto levaria a derrotas é desmentida por fartos exemplos na história. Os historiadores estimam que Alexandre, o Grande, dispunha de 50 mil soldados na batalha de Gaugamela, na qual derrotou o exército persa de Dario III, que dispunha de 100 mil homens. Na guerra civil romana, Júlio César derrotou Pompeu com um exército muito menor e com soldados de meia idade. Os afegãos derrotaram os poderosos exércitos da União Soviética e agora, dos EUA. Os camponeses do Vietnã derrotaram o mais poderoso exército da terra. A correlação de forças entre Israel e palestinos é desproporcional e mesmo assim, os palestinos lutam há décadas.

Lula, como presidente, pela sua liderança política e social, pelo seu poder simbólico, se constitui num ator singular na capacidade de constituição de correlação de força. Essa capacidade singular, contudo, não produz resultados automáticos. Ela depende das escolhas, das falas, das ações de Lula e do governo. O que se observa nos últimos tempos é que as ações de Lula e do governo contribuem para que ambos enfraqueçam a sua força política, particularmente perante o Congresso.

Na medida em que a força das esquerdas não tende a mudar no Congresso nessa legislatura, o presidente Lula e o governo são os atores que podem reequilibrar a correlação de força com o Congresso em geral e com o centrão em particular. Esse reequilíbrio requer um conjunto de ações, de medidas e de retóricas orientadas para um único objetivo: melhorar a popularidade do presidente e a avalição positiva do governo. Desde os tempos antigos se sabe que mesmo uma oposição se retrai nos ataques quando o líder da nação é muito popular. Temem a reação do povo. No nosso caso, passariam a temer a perda de votos.

Lula e o governo precisam reorientar suas as ações, condutas e os discursos. A articulação política e a comunicação funcionam mal, a base popular da militância não está suficientemente engajada para dar sustentação social ao governo, as disputas nas redes com o bolsonarismo continuam precárias, nem o governo e nem as esquerdas promovem disputas das subjetividades das pessoas a partir de ideologias e valores.

O mais grave é que não existe um estado maior dirigente nem no governo e nem nos partidos de esquerda. Não há como virar o jogo sem uma direção competente, que seja capaz de conferir sentido e rumo à sociedade e ao país. Falta um projeto de sentido universalizante capaz de superar a fragmentação de pautas e lutas. Um projeto que seja capaz de produzir uma síntese dos projetos particulares, dirigidos a grupos particulares.

Os discursos dos dirigentes partidários e de suas resoluções são defensivos: “resistir a isso e a aquilo”. Conduzir a luta política pelo defensivismo e pela passividade, além de exercitar a pedagogia da desmobilização, representa cavar derrotas.

 

¨      O pacto do governo Lula com o mercado. Por Luís Nassif

 

Há um campo para um pacto entre governo Lula e o mercado, que não passa pela ideia fixa do déficit zero, do arcabouço e outras inutilidades monetárias. Trata-se de um pacto em torno da neoindustrialização.

Explico.

Há um capital financeiro virtuoso e outro deletério. O deletério tornou-se tão disseminado que se esquece dos aspectos virtuosos do capital financeiro.

O deletério é o modelo atual, no qual há o seguinte moto contínuo:

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  1. As políticas restritivas impedem o crescimento da economia.
  2. Mesmo assim, o capital financeiro exige valorização constante dos ativos.
  3. Essa valorização se dá despregando o valor financeiro do valor real dos ativios. Por valor real, entende-se o fluxo de resultados de cada investimento, na forma de dividendos, aluguéis e quetais.
  4. Para atender a essa lógica, adota-se o padrão Jack Welch-Jorge Paulo Lehman. Trata-se de aumentar desmedidamente os resultados imediatos da empresa, ainda que à custa da perpetuação da empresa. Surgem as demissões e os layoffs dos funcionários mais capacitados, a redução dos gastos com segurança, com desenvolvimento. Os exemplos recentes de Kraft Heinz Company, Brumadinho, Americanas, Enel, Light são eloquentes. No plano internacional, a General Eletric e a Boeing estão aí para comprovar os malefícios do modelo.  Aumentam de forma irracional os dividendos, sugam a empresa até o osso e, depois, jogam fora.

O modelo virtuoso é aquele que ajuda nos processos de transformação radical da economia, quando surgem novos setores. O empresário tradicional tem enorme dificuldade em reciclar sua empresa. Afinal, sempre trabalhou dentro de um modelo. É nesse momento que o capital financeiro é fundamental na chamada destruição criativa, ajudando no financiamento de novos setores.

A implantação da indústria automobilística no Brasil, no período JK, foi um caso clássico. No CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da Fundação Getúlio Vargas, há uma carta pessoal de uma senhora a Getúlio Vargas, reclamando dos judeus que fugiram para o Brasil. Dizia ela que eles foram acolhidos pelo país, mas aplicavam seu capital na Argentina. A razão óbvia era o maior desenvolvimento do mercado de capitais da Argentina.

No caso da indústria automobilística, JK impôs duas condições:

  1. A empresa principal deveria ter capital brasileiro. Foi assim que a Monteiro Aranha adquiriu 20% da Volkswagen do Brasil e outros grupos se tornaram sócios de outras montadoras. Firmou-se, ali, um pacto com o grande capital financeiro do país.
  2. Exigiu-se que o setor de autopeças fosse de capital nacional. É por aí que José Mindlin monta a Metal Leve e surgem outras empresas de capital nacional. 

Não se deve esquecer que as Indústrias Klabin passam a fabricar papel e celulose a partir de condições impostas por Getúlio Vargas em um acordo com os Estados Unidos.

Caso o governo Lula decida impor regras similares no programa da neoindustrialização, haveria todas as condições de trazer parte do capital financeiro para financiar as novas empresas e, aí, tendo como cenário futuro, o mercado mundial, e não a manipulação de dividendos que mata empresas.

O país já teve financistas que pensavam em ser grandes empresários de um grande país. É hora de abrir espaço para eventuais novas vocações.

 

¨      Reinaldo, Lula e os bolsonaristas. Por Francisco Fernandes Ladeira

 

Na sexta-feira (26/4), o ex-jogador Reinaldo, maior ídolo da história do Clube Atlético Mineiro, postou uma foto em seu Instagram, em companhia do presidente Lula e do ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha, registrada durante a inauguração de uma fábrica de insulina, em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte.

Para quem conhece minimamente o futebol brasileiro, não se trata de uma novidade. Reinaldo tem histórico de militância à esquerda. Nas décadas de 70 e 80, sua característica comemoração de gols, com o punho em riste, era um gesto socialista, em protesto contra a ditadura militar. Após deixar os gramados, ele também atuou na política institucional, inclusive chegando a ser eleito deputado estadual em Minas Gerais pelo PT.

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No entanto, o que seria mais um registro de um ícone do esporte nas redes sociais se transformou num espaço para discurso de ódio bolsonarista. Minutos após a postagem da foto, furiosos partidários do inelegível (inclusive perfis fakes) passaram a questionar o motivo de Reinaldo postar foto com “um ex-presidiário” e “um ladrão” (evidentemente, eles não sabem dizer o que Lula tanto roubou).

Já outros insinuavam que, por causa da foto, Reinaldo não era mais ídolo atleticano, pois Ronaldinho Gaúcho e Hulk seriam “maiores” (sendo que o atual atacante do Galo é fã de Reinaldo e reconhece a grandeza dele para o clube). Também não poderiam faltar a frase “vá para Venezuela”, ameaças de perder seguidores e acusações de “comunista” (desnecessário dizer que o PT nunca foi comunista).

Curiosamente, um dos argumentos mais utilizados pelos rivais para diminuir a importância de Reinaldo, o fato de ele não ter conquistado títulos de maior expressão, também foi utilizado. Assim, em nome da ideologia de extrema direita, alguns atleticanos rebaixaram a própria história do clube.

Claro que também houve reação positiva. A foto com o presidente Lula é uma das mais “curtidas” do perfil de Reinaldo. “Rei que é Rei não decepciona. Um jogador que nos tempos da ditadura erguia o punho esquerdo no maior momento do futebol é sem dúvida um exemplo de resistência e consciência em um meio, infelizmente, tão cheio de jogadores com zero consciência. Só os desavisados imaginavam que o Rei seria idólatra de miliciano”, escreveu um internauta.  

Devido ao imbróglio, poucas horas depois, Reinaldo desativou os comentários para a foto. Mesmo assim, os bolsonaristas não se deram por vencidos: destilaram palavras de ódio em outras postagens. A desativação dos comentários foi percebida pelos seguidores do inelegível como uma “vitória”, devido a suposta má repercussão da foto.

Conforme dito, não havia como esperar outro posicionamento político de Reinaldo, a não ser que você acredite que comemorar gols com o punho erguido seja um gesto fascista ou algo similar. Mas os bolsonaristas, com a dissonância cognitiva usual, não levam em conta os fatos. Em seu fanatismo, querem que todos se enquadrem em sua ideologia extremista; quem for minimamente contrário, deverá ser sumariamente cancelado. 

Diante dessa realidade, cabe uma sugestão. Se os bolsonaristas querem ter contato somente com postagens de jogadores de futebol que tenham os mesmos ideais que os seus, basta seguir Neymar, Felipe Melo, Robinho e Daniel Alves. Estes sim, não vão decepcionar nunca.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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