Senador Jaime
Bagattoli nega invasão em terra indígena em Rondônia, mas se omite sobre
grilagem
Na
última semana, durante sessão da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) das Organizações Não-Governamentais (ONGs), o
senador Jaime Bagattoli (PL-RO) aproveitou o espaço na mesa diretora para
prestar o primeiro esclarecimento público sobre a sobreposição irregular de uma
de suas propriedades sobre a Terra Indígena (TI) Rio Omerê, em Corumbiara (RO).
Ele foi um dos 42 políticos identificados pelo De Olho nos Ruralistas com
fazendas incidentes em TIs. Os dados integram o dossiê “Os Invasores: parlamentares e seus
financiadores possuem fazendas sobrepostas a terras indígenas“, lançado no dia
14.
“Olha a matéria maldosa que o UOL soltou para
cima da minha pessoa, do Grupo Bagattoli, do qual eu fui presidente, só não sou
presidente hoje”, afirmou, referindo-se à reportagem publicada pela coluna do
jornalista Carlos Madeiro, sobre os dados
levantados pelo observatório. “Soltou a matéria dizendo que eu havia invadido
áreas indígenas”. “Isso pega mal”, considerou. Apesar disso, o senador
rondoniense não respondeu às sucessivas tentativas de contato do De Olho nos
Ruralistas — tampouco às do UOL.
De
acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a
Transportadora Giomila, parte do grupo empresarial fundado por Jaime e seu
irmão Orlando Bagattoli, é titular da Fazenda São José, um imóvel de 1.118,25
hectares dedicado à pecuária bovina. A área foi adquirida pelos irmãos em 2011,
por meio da penhora de uma dívida contraída pelos antigos proprietários.
A
fazenda possui 0,26 hectares — isto é, 2.600 metros quadrados — sobrepostos à
TI Rio Omerê, um território de indígenas de recente contato, homologado em
abril de 2006. De acordo com o Cadastro Ambiental Rural (CAR), a área é um
pouco maior: 0,5 hectares, ou 5 mil metros quadrados.
Em
seu discurso, Bagattoli minimizou a invasão: “Ora, qual produtor rural que vai
querer invadir meio hectare? Eu não quero invadir nada”. Ele aproveitou o
momento para reforçar o viés de criminalização da CPI das ONGs, propagado pela
Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que comanda a comissão:
—
A licitação das terras em Rondônia foi entre 1975 e 1985, ainda então dentro do
regime militar. E o que aconteceu? Pegaram e, na Gleba Corumbiara, disseram que
acharam sete índios e removeram esses índios. As ONGs fizeram isso! E aí o que
aconteceu? Fizeram um interdito, senador Hiran, de vinte e dois mil e poucos
hectares. E os vinte e dois mil e poucos hectares foram homologados para a
Funai no ano de 2020.
A
data mencionada por Bagattoli está errada. A TI Rio Omerê foi homologada em
abril de 2006. Poucos meses depois, a área reivindicada pelo senador foi alvo
de grilagem.
SENADOR NÃO EXPLICA GRILAGEM NA TERRA INDÍGENA RIO
OMERÊ
Em
novembro de 2007, a empresa São José Jacuri Agropecuária, então titular da
área, pertencente à família Junqueira Cleto, protocolou um novo registro do
imóvel, anteriormente denominado “Lote 91 e 92 da Gleba Corumbiara”, invadindo
2.591,76 hectares da terra indígena. Essa investida fundiária aparece até hoje
nos registros do Incra. Assim como o documento oficial, a “versão falsa” também
foi transferida para a empresa de Bagattoli após a penhora.
Natural
de Campinas (SP), a família Junqueira Cleto está em Rondônia desde os anos 80,
mesmo período em que compraram áreas na antiga Gleba Corumbiara. Eles já
protagonizavam conflitos com indígenas: em 1986, Maria Emy Andrade Junqueira
Cleto ingressou na Justiça, junto a outros latifundiários, para impedir que
fosse declarada a restrição de uso da TI Rio Omerê, alegando que não havia
presença indígena na área. Em 1995, em entrevista ao Estadão, o advogado dos
fazendeiros disse que os indígenas foram “plantados” na região — argumento
replicado por Bagattoli na CPI das ONGs.
Apesar
de não ser o titular à época, o senador atribuiu a si o registro irregular.
“Inclusive na propriedade, são dois lotes, que dão 3.716 hectares, e eu tive
que desmembrar 1.118 hectares, só a parte aberta, e a parte toda da reserva foi
homologada junto, mais 2 mil e poucos hectares, toda a mata foi homologada como
reserva indígena”, afirmou. Battagoli ignorou o fato de que os dados saíram de
fontes oficiais — do Incra e da própria matrícula da fazenda. E provocou: “E
digo mais assim, quero falar inclusive para as ONGs, que peçam um perito, pode
ser até um perito judicial”.
A
Fazenda São José não foi declarada pelo senador ao Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). Ao todo, o catarinense nascido em
José Boiteux acumula um patrimônio de mais de R$ 55 milhões. Com sede em
Vilhena (RO), o Grupo Bagattoli reúne a Transportadora Giomila, a Rede
Catarinense de postos de combustíveis e diversas fazendas voltadas para o
plantio de soja e criação de gado.
Confira
abaixo o mapa apontando a grilagem da TI Rio Omerê, de 2007:
REGIÃO FOI PALCO DE GENOCÍDIO DE POVOS DE CONTATO
RECENTE
Localizada
no sul de Rondônia, a TI Rio Omerê abriga os últimos sobreviventes dos povos
Akuntsu e Kanoê, duas etnias de recente — e catastrófico — contato. Durante os
anos 70, aldeias inteiras foram dizimadas pela truculência dos invasores e por
doenças para as quais não tinham anticorpos. Como se não bastasse, enormes
porções de terra foram roubadas deles por fazendeiros, com a conivência de
órgãos estatais.
Em
1985, o indigenista Marcelo Santos, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas
(Funai), encontrou resíduos de cabanas destruídas e flechas quebradas na
região, e obteve uma ordem de proteção para um pedaço de terra chamado Omerê,
nas margens do igarapé de mesmo nome, um dos afluentes do Rio Corumbiara. Dez
anos depois, em 1995, ele comandou uma expedição que contatou cinco
remanescentes dos Kanoê e identificou, pela primeira vez, os Akuntsu. O povo
era desconhecido dos indigenistas e, naquele momento, contava com apenas sete
sobreviventes.
Em
entrevista ao De Olho nos Ruralistas, a professora indígena Eva Kanoé relata o
sofrimento de seus antepassados causado pela cisão da etnia, que se dividiu em
dois grupos durante o período das invasões — a vertente que ficou no território
Omerê foi praticamente dizimada.
“A
avó foi transferida compulsoriamente do antigo território para a TI Ricardo
Franco, no Rio Guaporé”, recorda. “Nesse processo de deslocamento forçado, as
famílias Kanoê foram separadas e muitas mulheres foram para não se sabe onde. A
avó foi separada do marido e, como punição por ‘mau comportamento’, foi levada
para outra TI, a Ribeirão”. Ela conta que a anciã não gostava de falar sobre o
passado e, por temer novas perseguições, não lhes ensinou a língua materna,
hoje extinta. “Lá ela trabalhou como costureira e foi constrangida a trabalhar
como prostituta. Sofreu tanta violência que, depois disso, ela negou a sua
história”.
Depois
do contato inicial, nos anos 90, o território foi interditado pelo Ministério
da Justiça. Mas fazendeiros da região reagiram imediatamente: difundiram a
mentira de que o contato anunciado pela Funai era uma farsa, montada com
“índios atores”. A Polícia Federal em Rondônia
abriu inquérito para investigar tentativa de genocídio contra os Kanoê e
Akuntsu. Depois, um acampamento da Funai foi erguido na entrada de uma das
reservas de florestas, às margens de um igarapé afluente do Omerê, para exercer
a vigilância territorial e assistir os sobreviventes dos dois povos.
Em
2011, um fazendeiro que ocupava irregularmente a área da TI obteve da
Secretaria Estadual do Meio Ambiente de Rondônia a autorização para retirar 17
mil m³ de madeira nativa. O argumento do governo estadual para aprovar a
exploração madeireira era o atraso no recebimento de indenização pelas
“benfeitorias de boa-fé” no interior do território, Mas a autorização foi
cancelada pela Procuradoria Federal Especializada junto à Funai no município
de Cacoal.
ATUAÇÃO DE SENADOR EXPÕE CONFLITOS DE INTERESSES
Jaime
Maximino Bagattoli foi eleito senador de Rondônia em 2022 pelo Partido Liberal,
o mesmo de Bolsonaro. Com patrimônio declarado de mais de R$ 55 milhões, o
catarinense nascido em José Boiteux é dono do Grupo Bagattoli, com sede em
Vilhena (RO). A empresa reúne a Transportadora Giomila, a Rede Catarinense de
postos de combustíveis e diversas fazendas voltadas para o plantio de soja e
criação de gado.36 Ao assumir o mandato, Bagattoli imediatamente se tornou
membro da Frente Parlamentar da Agropecuária.
Em
19 de abril de 2023, Dia dos Povos Indígenas, Bagattoli propôs dois projetos de
lei, os PLs 2009/2023 e 1988/2023: o primeiro pretende garantir ao fazendeiro o
direito de “solicitar diretamente o uso de força policial para a retirada dos
invasores, independentemente de ordem judicial”; o segundo altera o Código
Penal para incluir na seção de crimes contra o patrimônio a invasão de
propriedades rurais.
Jaime
Bagattoli enfrenta hoje denúncia de abuso de poder econômico na Justiça Eleitoral, por indícios de
adulteração de valores para burlar o limite de gastos de campanha. Entre as
contas reprovadas, o senador afirma ter gasto apenas R$ 300 com o aluguel de
seis carros por 43 dias. Caso ele seja condenado, a ação pode levar à perda do
mandato.
Os
primeiros meses de sua atividade legislativa no Senado evidenciam suas
prioridades na vida pública. Entre os compromissos de campanha, Bagatolli
prometeu regularizar todos os garimpos de Rondônia,
inclusive aqueles localizados dentro de territórios indígenas. Em abril,
subiu à tribuna para cobrar do governo a entrega de títulos de terras no
estado, atribuindo a essa demora — e aos camponeses — a culpa
pelo desmatamento.“Precisamos acertar essa regularização fundiária para que os
pequenos produtores não continuem desmatando áreas que pertencem à União”,
declarou, sem citar seu interesse privado nas terras.
Em
março, o senador foi autor de um requerimento de informação destinado ao
ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, pedindo providência
diante do que descreve como escalada da “violência no campo contra propriedades
privadas agrícolas”. No mesmo mês, Bagattoli requereu uma audiência pública na
Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) sobre os desafios do manejo
florestal no bioma amazônico.
CLÃ BAGATTOLI RESPONDE POR CRIME AMBIENTAL
A
família Bagattoli é ligada ao ramo madeireiro desde que migrou para Rondônia. O
início da atividade na Amazônia foi com a venda de madeira nativa do bioma em
José Boiteux (SC), onde alguns parentes ainda atuam no ramo. O clã acumula
denúncias de crimes ambientais.
A
Indústria Madeireira Selva Norte Ltda. foi multada em 2004 por armazenar
madeira ilegal. Ela está registrada em nome de outros dois irmãos do senador,
Gilmar e Valdemar Bagatolli. No mesmo ano, Jaime foi multado pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por
quatro infrações contra a flora, totalizando R$ 34 mil em multas. Em
2003, Orlando Bagatolli, irmão, sócio e principal financiador de campanha do
senador, teve uma área de 100 hectares embargada na Gleba Corumbiara, região
das propriedades sobrepostas à TI Rio Omerê, por desmatamento com uso de fogo.
O
atual senador foi preso em 2020, ao lado de Orlando Bagattoli, por dano ao
patrimônio público. Ambos foram flagrados quebrando um meio-fio com marretas:
argumentavam que a construção atrapalhava o fluxo de veículos em uma das
filiais do Posto Catarinense, do Grupo Bagattoli. Na ocasião, Orlando empurrou
e agrediu verbalmente um técnico do Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (DNIT), órgão responsável pela instalação do meio-fio. Os
empresários pagaram fiança e respondem em liberdade.
BAGATTOLI TEM BANCADA PRÓPRIA EM RONDÔNIA
Entre
os membros da Frente Parlamentar da Agropecuária, o senador Jaime Bagattoli foi
o principal beneficiário de verbas de campanha de fazendeiros com sobreposições
em terras indígenas. Eleito em 2022 para seu primeiro cargo público, ele
recebeu R$ 2,89 milhões do irmão Orlando, seu sócio na Transportadora Giomila
Ltda, parte do Grupo Bagattoli. É em nome dessa empresa que está a Fazenda São
José, que se sobrepõe em 2.591,76 hectares da TI Rio Omerê, em Corumbiara (RO).
O imóvel possui um histórico suspeito, com dois pedidos de registro em
sequência, logo após a homologação da TI. Além do apoio financeiro do irmão, o
próprio Jaime injetou R$ 300 mil em sua campanha.
O
senador foi também o maior doador privado de seu estado: ele apoiou a campanha
de trinta candidatos à Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia (Alero),
com valores entre R$ 4 mil e R$ 182,8 mil. A cifra mais alta foi repassada ao
radialista e ex-deputado Edvaldo Rodrigues Soares (PTB), que não se elegeu. Ao
todo, cinco deputados estaduais foram eleitos com o dinheiro de Bagattoli:
Affonso Candido (PL), Dra. Taíssa Sousa (PSC), Nim Barroso (PSD), Pedro
Fernandes (PTB) e Ribeiro do Sinpol (Patri). Juntos, eles receberam R$
282.060,00 do senador — quase a mesma quantia aplicada pelo senador na própria
candidatura.
O
empresário apoiou outros dezessete candidatos à Câmara em 2022, mas elegeu
apenas um: o delegado de polícia Thiago Flores (MDB-RO), ex-prefeito de
Ariquemes (RO), recebeu R$ 50 mil de Bagattoli — que também atuou como cabo
eleitoral durante sua campanha. Assim como seu principal financiador, Flores se
filiou à FPA logo após assumir o mandato.
Fonte:
De Olho nos Ruralistas
Nenhum comentário:
Postar um comentário