quinta-feira, 29 de junho de 2023

Controle de preços e redução de incertezas: saiba o que é meta de inflação e como ela funciona no mundo

O Conselho Monetário Nacional (CMN) se reúne nesta quinta-feira (29) para debater a possibilidade de mudanças nas metas da inflação, que, entre tantas finalidades, dá mais segurança à sociedade e permite um maior controle dos preços.

Mas você sabe o que é, na prática, a meta de inflação?

A professora de economia do Insper, Juliana Inhasz Kessler, explica que a política da meta de inflação se trata do estabelecimento de um valor considerado “aceitável” e “razoável” para a inflação dentro de um país.

“O Banco Central (BC), que é o guardião da política monetária e responsável pela estabilidade monetária no país, estabelece qual é o valor da taxa de inflação que nós estamos dispostos a suportar num determinado período”, explica.

Juliana acrescenta que, uma vez que a meta é estabelecida, o BC cria uma espécie de compromisso com a sociedade, que espera que os números sejam cumpridos.

Porém, como nem sempre isso acontece, existe uma “banda” — margem de tolerância — que determina a variação aceitável para cima ou para baixo da meta.

“Entende-se que uma inflação muito mais baixa do que aquele mínimo pode significar uma desaceleração muito grande da atividade econômica, e que uma taxa de inflação muito alta prejudica a sociedade, porque traz um aumento de desigualdade, por exemplo”, afirma.

Para 2023, a meta de inflação no Brasil é de 3,25%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para baixo ou para cima — ou seja, entre 1,75% e 4,75%.

Kessler explica que a meta de inflação existe porque é uma forma do governo mostrar à sociedade compromisso e estabilidade.

“Mas, mais do que isso, é uma forma dele criar o hábito na sociedade de se formar de uma maneira adequada à expectativa para a economia”, diz.

“Quando uma taxa de inflação baixa é anunciada, o governo está dando um recado para a sociedade de que ele irá fazer aquilo que está ao alcance dele, um esforço grande, para que a inflação fique naquele valor”, acrescenta.

A professora diz ainda que, num cenário de inflação alta, é esperado que a autoridade monetárias faça o esforço necessário para que os números baixem.

“Para isso, ele vai aumentar a taxa de juros e apertar as rédeas da parte monetária, o que pode causar uma desaceleração, inclusive, econômica”.

“O contrário também é verdade: se o governo está para baixo dessa meta, a gente sabe que ele vai poder, então, permitir mais flexibilidade na política monetária”, explica Kessler.

Todas essas políticas adotadas pelas autoridades monetárias visam reduzir as incertezas da sociedade.

No Brasil, o regime de metas de inflação é definido pelo CMN, que é o responsável pela definição da meta. O Banco Central, por sua vez, define a taxa de juros, que é o que garante o cumprimento dessa meta.

“De forma hierárquica, o CMN aponta para onde devemos ir, e o Banco Central se coloca à disposição com a política monetária para atingir esse objetivo”, afirma Kessler.

Em casos de economia desaquecida, por exemplo, é esperado que o BC diminua a taxa de juros por meio de operações de compra e venda de títulos, para que a economia volte a acelerar. “A taxa de juros é um resultado de uma política monetária para atingir um determinado resultado”, explica.

O regime de metas de inflação deve ser de conhecimento público, uma vez que ela influencia diretamente a vida e a tomada de decisão das pessoas físicas e jurídicas.

•        Brasil mais errou do que acertou o alvo

Nos 24 anos desde 1999, quando o Banco Central implementou o sistema de metas para a inflação no Brasil, foram bem poucas oportunidades em que a economia do país conseguiu cumprir o alvo que deveria perseguir.

Em alguns momentos, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o indicador oficial de inflação do país, caiu demais e errou as metas para baixo.

Mas foi em desvios para cima que a inflação brasileira passou a maior parte das últimas duas décadas — incluindo as vezes em que furou completamente o teto, que é a margem de tolerância máxima de flutuação que o sistema prevê.

Levantamento feito pela CNN mostra que, até janeiro deste ano, dos 282 meses corridos desde que o sistema de metas passou a operar no país, em julho de 1999, em 212 deles a inflação errou o centro da meta para cima. O número representa 75% do tempo total.

Em 102 desses meses, o erro extrapolou, inclusive, o teto da meta. É o equivalente a 36%, ou um terço do período com a inflação rodando acima do limite máximo tolerado pelas bandas estipuladas pelo governo.

Por outro lado, foram 69 meses, ou um quarto do tempo (24,5%), com a inflação rodando abaixo da meta. Isso aconteceu entre 2006 e 2007 e depois, de 2017 a 2020.

Desde a criação do sistema, o Brasil encerrou o ano em sete oportunidades fora dos limites. Desses, em seis o estouro foi para cima – 2001, 2002, 2003, 2015 e 2021, além de 2022.

Somente em 2017 o descuido foi para baixo: naquele ano, o IPCA ficou em 2,95%, para uma meta que era de 4,5%, com tolerância entre 3% e 6%.

•        Meta de inflação no mundo

Além do Brasil, outros países também adotaram o sistema de meta de inflação, como os Estados Unidos, Canadá, África do Sul, México, Turquia e Reino Unido.

Nos Estados Unidos e na Coreia do Sul, por exemplo, o sistema de meta de inflação é de longo prazo e sem margem de tolerância. Ambos os países têm meta estabelecida de 2% ao ano.

Já países como o Canadá e Reino Unido devem sempre manter a inflação dentro da banda de tolerância, que varia de 1% a 3% ao ano.

Na África do Sul, o sistema de metas é focado no intervalo, e não no objetivo central — no país, a inflação deve sempre ficar entre 3% e 6%. Isso dá maior liberdade ao banco central para conseguir qualquer objetivo dentro dessa margem.

Por fim, alguns países possuem metas de inflação mais altas, como é o caso da Turquia, cuja meta é de 5% com dois pontos de tolerância. O Brasil também pode ser citado no exemplo, já que passou muito tempo com meta de 4,5%.

Juliana afirma que a política é bem sucedida em diversas economias mundo afora, e diz que o Brasil é um caso de sucesso deste tipo de programa.

“É uma política que realmente tem mostrado efeitos para conter a inflação e avanços inflacionários”, afirma.

“Por aqui, a meta deu certo e ajudou a garantir a estabilidade econômica”, acrescenta.

•        O que esperar da reunião do CMN

A respeito da reunião desta quinta-feira (28), a professora Juliana Kessler diz não acreditar que haverá mudanças na meta de inflação para este ano.

“3,25% é um valor que parece bem ajustado à realidade de países como o Brasil e, ao contrário do que muito se falou, não acho que a meta é excessivamente baixa. Temos visto essa política dar efeito agora mais do que nunca”, disse.

Além disso, ela afirma que a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) reforça essa ideia.

“Talvez isso gerasse uma incerteza muito grande, que não seria bem-vinda nesse momento em que a gente está conseguindo chegar perto de um cenário de inflação baixa e de uma taxa de juros que começa a cair”, pontua.

Para o também professor de economia do Insper, Roberto Dumas, uma possível mudança na meta de inflação por parte do CMN faria com que o governo perdesse credibilidade.

“Se por acaso mudarem a meta de 3,25% para 4,25%, isso irá prejudicar a ancoragem, já que a precificação de bens e serviços foram feitas baseadas em outro valor. E se ano que vem não atingirem a meta também, vão mudar a meta de novo?”, questiona.

Dumas também acredita que uma possível solução para o CMN seria criar uma meta de inflação contínua, de pelo menos 12 meses.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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