Aprovação de Putin
na Rússia é de 81%, contrapondo Ocidente
O
elo que liga os russos a Vladimir Putin não é da
ordem do racional, mas do emocional.
Mais
do que uma pessoa, Putin representa um lugar e um tempo: a União Soviética,
onde todos — não só os russos, mas também as outras etnias — estavam juntos e
seu país era respeitado pelos Estados Unidos e pela Europa.
A
constatação é de Alexey Levinson, diretor de Pesquisas do Centro Analítico Yuri
Levada, de Moscou, o mais importante instituto de opinião da Rússia. No cargo
desde 2003, Levinson se baseia em mais de 270 pesquisas realizadas pelo Levada
a partir da chegada de Putin ao poder, em 2000.
A
última pesquisa, concluída na terça-feira (27), registra índice de aprovação de
Putin de 81% — dois pontos a menos do que na sondagem de maio, variação
considerada irrelevante.
De
acordo com Levinson, guerras ajudam Putin, mesmo quando os resultados no
terreno não são bons, como é o caso da Ucrânia. “Toda empreitada
militar de Putin lhe dá adicional apoio do público”, disse o especialista
à CNN.
“Foi
o caso em 2008, na Geórgia, e em 2014, na Ucrânia, uma operação
militar muito bem-sucedida, e quase o mesmo em fevereiro de 2022. Nesse caso, a
operação não é tão bem-sucedida, mas os russos dizem que é, sem se importar em
explicar a si mesmos que tipo de sucesso”, complementou.
Nos
três casos, a guerra adicionou aprovação de cerca de 12 a 20 pontos
percentuais.
Só
em um momento nesses 16 meses de invasão, em setembro de 2022, quando foi
declarada a mobilização de soldados, houve perda de sete pontos, mas com rápida
recuperação, em dois meses.
“Talvez
haja correlação entre baixa popularidade e a operação militar que, normalmente,
lhe dá um impulso”, analisa Levinson.
Antes
da invasão, em fevereiro de 2022, a aprovação de Putin havia alcançado o nível
mais próximo do mínimo, 60%.
Desde
2002, a aprovação só esteve abaixo desse patamar uma vez: 59%. “Quando algum
cheiro da guerra se tornou mais forte, em dezembro [de 2021] e janeiro [de
2022], o nível aumentou para 83%”, recorda Levinson.
Entretanto,
não são características como beligerância ou masculinidade que os russos
apontam em Putin.
A
resposta mais popular à pergunta “Como você formula sua atitude em relação a
Vladimir Putin?” é: “Não vejo nada negativo nele”, com 31%. Em seguida,
“simpatia”, com 23%, “admiração”, 19%, e 12% se dizem “indiferentes”. As outras
respostas têm menos de 5%.
·
Quem ou o que Putin representa?
Desde
o início da presidência de Putin, o instituto Levada também pergunta que
setores da população ele representa.
A
resposta mais popular sempre foi “as forças de segurança”, já que o presidente
vem do serviço secreto. Em seguida, os “oligarcas” (“banqueiros e
capitalistas”, explica o pesquisador). “Os russos não têm ilusões”, conclui
Levinson.
“Putin
não é visto como representante das pessoas comuns. Não é pai dos pobres. Eles
entendem quem ele é e o apoiam. E expressam desejo que continue no poder mesmo
depois de 2024”, quando serão as próximas eleições.
Uma
mudança na Constituição em 2019 permitiu a Putin reeleger-se pelo menos até
2036, quando fará 84 anos.
“A
atitude dos russos em relação a Putin não é tão simples de entender”, adverte o
pesquisador. “Não é adoração nem culto de personalidade nem carisma. Nem mesmo
atração pelo pulso de ferro. O poder dele é simbólico. A analogia seria com a
figura de um líder religioso, o chefe de uma igreja”, coloca.
Para
a maioria dos russos, Putin não tem sequer virtudes especiais, não é tão bom.
“Eles
precisam se concentrar em um símbolo. Os russos se sentem dispersos no espaço,
em um território muito grande, em uma vida moderna que divide as pessoas em
pequenos grupos. Eles têm nostalgia pelo tempo em que éramos todos uma família
e um grande Estado”.
Putin
faz os russos sentirem que os soviéticos — não só de etnia russa — ainda estão
juntos.
“Ele
representa o homem soviético. Não é uma questão da etnia russa. O mais
importante é a adoração ao Estado. O Estado é o valor supremo dos russos. É o
que eles realmente valorizam. Putin representa a glória da Rússia,
especialmente quando contestada pelos EUA e pelo ocidente”, explica.
O
dono do grupo mercenário Wagner, Yevgeny
Prigozhin, que liderou um motim no sábado, ganhou bastante popularidade durante
a guerra, em que atacou duramente as forças militares regulares e a elite
russas. Pela última pesquisa do Levada, 35% dos russos aprovam Prigozhin, e 39%
o desaprovam.
O
instituto está fazendo uma pesquisa específica sobre o dono do Wagner depois do
motim de sábado.
“Pode
ter ambos efeitos: uns o admirarão e, também, um grande número o chamará de
criminoso”, especula Levinson.
O
diretor de uma importante organização de defesa dos direitos humanos, que pede
para não ser identificado, diz que muitas pessoas na Rússia temem “uma nova
onda de repressão” depois do motim do Wagner. “Mais adiante: de imediato, não
haverá reação rápida.”
Diferentemente
da imagem de Putin no Ocidente, ele é visto como “moderado” na Rússia, afirma
Aleksander Losev, do Conselho para Política Externa e de Defesa, de Moscou, que
faz análises de cenários com projeções de cerca de um ano.
“Na
Rússia, o caos pode chegar na primavera (fim do primeiro semestre) de 2024, se
Putin não obtiver vitória em suas próximas ‘eleições’ ou, Deus me livre, entrar
em negociações com (o presidente da Ucrânia, Volodymir) Zelensky” prevê Losev.
“Então
haverá outro líder na Rússia, muito mais duro e não tão pró-americano quanto
Putin. Sim, a comunidade intelectual na Rússia considera Putin um líder
pró-Ocidente”.
De
acordo com o analista russo, “os Estados Unidos cometeram um erro gigante ao
rejeitar Putin, atribuindo-lhe traços de autoritarismo”.
Losev
prossegue: “Se um Putin moderado e racional não conseguir resultados na
Ucrânia, então o futuro líder russo, com os poderes de um ditador, vencerá.
Nesse caso, a Europa perderá muito e a Ucrânia simplesmente desaparecerá”.
Ø
As
perguntas que todos os russos fazem sobre Putin agora
Dois
dias depois que o chefe do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, cancelou um motim
contra a Rússia, o presidente
russo, Vladimir Putin, não disse nada em
público.
Tendo
enfrentado o maior desafio à sua autoridade em 23 anos, e quase testemunhado a
entrada de seu país em uma guerra civil, muitos esperavam que o presidente
respondesse com firmeza e fúria.
Em
vez disso, o silêncio foi quebrado primeiro por seu adversário. Em uma
mensagem de áudio de 11 minutos postada em seu canal Telegram, Prigozhin afirmou
ter apenas encenado um protesto, em vez de um golpe, tentando “levar à justiça”
o alto escalão militar da Rússia por seus “erros durante a operação militar
especial”.
Quando
Putin finalmente se dirigiu à nação na segunda-feira (26), ele foi
notavelmente clemente. Na última vez em que foi visto no sábado (24), disse à
nação que o motim de Prigozhin foi “uma facada nas costas de nosso país e de
nosso povo” e prometeu responsabilizar os insurgentes.
Agora,
ele agradeceu aos insurgentes por tomarem a “decisão certa” ao deter seu avanço
e lhes ofereceu contratos para se juntarem à força do Ministério da Defesa
russo. Putin também afirmou que a “rebelião armada teria sido reprimida de
qualquer maneira”, sem especificar como.
Para
um líder conhecido por apresentar grandes teses históricas em tratados de uma
hora, o discurso de segunda-feira foi conciso, durando apenas alguns minutos –
e deixando mais perguntas do que respostas.
Por
que Prigozhin foi autorizado a fugir para Belarus? Por que os insurgentes não foram punidos?
Como Putin tenta reafirmar sua autoridade?
·
Primeiro pacifique, depois puna
Em
36 horas caóticas, Prigozhin avançou mais de mil quilômetros da fronteira
da Ucrânia em direção
a Moscou, capturou um
comando militar regional, invadiu uma grande cidade e alegou ter derrubado um
helicóptero militar.
Muitos
esperavam que a resposta de Putin fosse rápida e brutal. Ele disse em
seu discurso de sábado que a “traição” de Grupo Wagner foi uma “traição” de seu
país.
“Putin
valoriza a lealdade acima de tudo”, disse Dmitri Alperovitch, membro do
Conselho Consultivo de Segurança Interna, à CNN. “Você pode roubar sob ele, pode matar, pode ser um
criminoso. Mas a única coisa que você não pode ser é desleal.”
Diante
disso, a aparente relutância de Putin em punir os insurgentes parecia
intrigante. De acordo com Kirill Shamiev, membro do Conselho Europeu de
Relações Exteriores, a primeira prioridade de Putin será “desmilitarizar,
desarmar e desmobilizar o grupo de Wagner”, antes de aplicar qualquer possível
punição.
“No
nível tático, é importante pacificar um pouco, acalmar, dar alguma esperança e
benefícios aos mercenários comuns de Wagner e ao comando sênior, reduzir seus
incentivos para agir”, disse Shamiev à CNN.
Putin
está atualmente envolvido em um ato de equilíbrio. Seu instinto pode ter
sido responder rapidamente, demonstrar que o motim não será tolerado e projetar
uma imagem de força. Mas se for rápido demais, corre o risco de provocar
outra rebelião – e dar a impressão de pânico.
“Se
você reagir muito rapidamente, pode mostrar às elites que está com medo”, disse
Shamiev. Paradoxalmente, adotar a abordagem do “homem forte” pode revelar
fraqueza.
De
acordo com Shamiev, Prigozhin deve ser um exemplo, mas é uma questão cuidadosa
de timing.
A
guerra na Ucrânia está entrando em uma fase incerta: a contra-ofensiva de Kiev pode ter começado com
problemas, mas a unidade e o moral das forças russas estão sendo
questionados desde o caos do fim de semana passado.
Se
o Kremlin tivesse de alguma forma despachado Prigozhin imediatamente e as
forças da Rússia desmoronassem na Ucrânia, as críticas do chefe de Wagner
poderiam simplesmente ter se mostrado corretas.
“Seria
como, ‘Prigozhin estava certo, na verdade. Ele estava certo sobre os militares,
ele estava certo sobre como os generais são despreparados e incultos, e agora
eles o mataram. É uma má aparência para o Kremlin’”, disse Shamiev.
·
Uma imagem de calma
Portanto,
a resposta um tanto moderada de Putin pode ser prudente. Ele
estava mais visível na terça-feira (27), ao agradecer aos agentes de
segurança por seu aparente papel em reprimir o motim. “Você parou uma
guerra civil”, disse ele a autoridades em um endereço no Kremlin.
“Em
uma situação difícil, você agiu com clareza e de maneira bem coordenada, provou
por meio de ações sua lealdade ao povo da Rússia e ao juramento militar e
mostrou responsabilidade pelo destino da Pátria e seu futuro”, disse ele.
O
Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB) também disse na terça-feira que
está desistindo do caso contra o Grupo Wagner, já que “seus participantes
interromperam suas ações diretamente destinadas a cometer um crime”, segundo a
mídia estatal RIA Novosti.
O
presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko, também quebrou o
silêncio na terça-feira, confirmando que Prigozhin viajou para Belarus sob os
termos de um “acordo” que Lukashenko negociou com ele, permitindo que deixasse
a Rússia sem enfrentar acusações criminais.
Lukashenko
afirmou que disse a Prigozhin que seria “esmagado como um inseto” se
continuasse seu avanço em direção a Moscou e o persuadiu a convocar o
motim. Mas, embora tenha revelado alguns detalhes das negociações,
Lukashenko disse pouco sobre o futuro de Prigozhin.
·
Falta de apoio público
Durante
uma crise, a visibilidade é importante. Agora que a poeira baixou após um
fim de semana caótico, Putin está tentando projetar uma imagem de controle.
No
entanto, ele não conseguiu recorrer a outro método para reafirmar o controle
que outros líderes usaram depois de enfrentar desafios semelhantes à sua
autoridade: mobilizar apoio político.
Quando
o presidente turco Recep Tayyip Erdogan enfrentou uma tentativa de golpe em
2016, sua resposta foi rápida e intransigente. Milhares foram presos
em poucos dias. Ele anunciou publicamente que estava
considerando restabelecer a pena de morte.
Durante
toda a crise, Erdogan quase não saiu do ar. Ele compareceu aos funerais
dos mortos no motim, e reuniu manifestantes em seu apoio, organizando
manifestações pró-governo em massa nas principais cidades.
Tais
pontos estão ausentes na Rússia. As únicas demonstrações públicas de apoio
foram para Prigozhin. Quando ele foi expulso de Rostov na noite de sábado,
as pessoas fizeram fila nas ruas para torcer por ele, como torcedores esperando
do lado de fora de um estádio para dar uma olhada em seu astro do esporte
favorito.
“O poder do Kremlin depende fortemente da
despolitização da maioria da população russa. Despolitização voluntária e
independente – para que as pessoas não saiam sozinhas para as ruas”, disse
Shamiev.
Por
causa dessa tática há muito cultivada, Putin não pode esperar que milhões de
cidadãos russos se unam em sua defesa, como no caso de Erdogan.
Por
enquanto, é uma questão de esperar o momento certo antes de decidir como e
quando punir Prigozhin. Mas, durante esse atraso, as dúvidas podem crescer na
Rússia.
“Se
ele não for preso, se não for morto por Putin, isso enviará a todos um sinal de
que Putin é mais fraco do que pensavam, e você pode se safar de muita coisa”,
disse Alperovitch.
“Não
há dúvida de que seu poder agora está enfraquecido. Não há dúvida de que
muitas pessoas em todo o país – as elites, vários governadores, várias pessoas
nos serviços de segurança – provavelmente estão se perguntando: se Prigozhin
pode realmente se safar disso, desafiando o poder do estado como este, o que
posso conseguir?
Fonte:
CNN Brasil
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