Homero Gottardello:
Infeliz testemunho da indignidade nos quadros do Exército
Qualquer
pessoa que receba o título de “maior disso ou daquilo” na história de uma nação
é, no mínimo, alguém que sobressai, que se revela nem que seja emergindo do
esgoto e do chorume. O coronel Jean Lawand Júnior provou, neste 27 de junho de
2023, que é uma pessoa “destacada”, no caso “o maior moleque da história das
Forças Armadas” brasileiras. Perto da vileza demonstrada por Lawand, na CPMI do
8/1, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, morto há 42 anos, e o coronel
reformado Wilson Dias Machado (à época capitão), que levaram uma bomba até o
Riocentro em 30 de abril de 1981, num ataque terrorista à festa do Dia do
Trabalhador, podem ser considerados meros infantes, soldadinhos de chumbo. É
que a baixeza e a indignidade de Lawand não encontram par nem na dupla mais
canalha dos 101 anos do Excército Brasileiro. Assustadiço, timorato e medrado
pelas indagações que lhe eram metralhadas, o coronel-pulha depôs da forma mais
vexaminosa que se poderia imaginar, atirando o sobrenome de sua família no
retrete e, na sentina, a honra de seus filhos – eu teria tanta vergonha de uma
exposição tão indecorosa que passaria o resto da vida negando meu próprio pai.
Lawand
tentou dar às suas falas golpistas os mais variados sentidos, da “busca pela
paz e o apaziguamento” até a “confiança absoluta nas urnas eletrônicas”,
salpicando suas mentiras e seu desvalor com o silêncio que lhe é de direito
para não se incriminar, ainda mais, e de que tanto lançam mão os frouxos. Ao
contrário do “generinho” Heleno, com quem o coronel-Pinóquio aquinhoa muitas de
suas eivas, negou a subserviência ao ex-presidente Jair Bolsonaro, disfarçando
sua sabujice com um suposto distanciamento do “mito”, mas sem convencer
ninguém. A verdade é que, fosse Bolsonaro um imperador assírio, Lawand não se
importaria se servi-lo como eunuco, se emasculando do próprio espírito, e fosse
Bolsonaro um sultão, o coronel-amoriscado montaria guarda em seu harém
“aristidiano”, de mãos dadas com o “Cidão”.
A
oitiva de Lawand é uma prova cabal da desqualificação humana das nossas Forças
Armadas, um infeliz testemunho do desvalor dos seus quadros. Fico imaginando a
atuação do coronel-aldabrão na Batalha de Stalingrado, que durou mais de cinco
meses e consumiu a vida de quase dois milhões de homens; seu desempenho no
“Inferno de Verdun”, em Tuiuti, Humaitá, Itororó ou na Batalha do Avaí – estas
quatro últimas, na Guerra do Paraguai. Posto ao lado do líder canudense João
Abade, Lawand é uma espécie de Recruta Zero, personagem do cartunista Mort
Walker. Já comparado aos Bragas Netos e Pazuellos da vida, o oficial de
fancaria não “foge à luta” e faz-se de Rolando Lero. O problema, aqui, é que se
a formação dos oficiais do Exército Brasileiro se dá na “Escolinha do Professor
Raimundo”, o mesmo não se pode dizer da arguição na CPMI.
Lawand
não só defendeu o golpe, como implorou por ele. Clamou, rogou, suplicou uma
ordem excelsa de seu “mito”, de joelhos. O fez da forma que jamais clamaria
pela vida da esposa, de um familiar, de um colega de tropa. Amou Bolsonaro da
forma que nenhuma mulher amou, com um servilismo que sobrepuja o dever para com
a pátria. Apaixonou-se pelo bolsonarismo de forma tão alucinada, tão fascinada,
que se esqueceu do juramento à bandeira, da carreira militar e do amor próprio.
Venerou o “mito” com fanatismo e idolatria, com entusiasmo e – ao que suas
próprias falas indicam – ardor. Se inflamou pela possibilidade de uma nova
ditadura que o içasse ao generalato, ao marechalato, a um cargo administrativo
no exterior (onde já estava locado, inclusive) de onde sugasse, haurisse,
mamasse ainda mais nas gordas tetas do dinheiro dos contribuintes, só que em
dólar.
Apesar
de alguns membros da CPMI se identificarem com a posição Lawand, no que tange à
fidelidade amorfa ao bolsonarismo, ele foi deixado para trás, ali mesmo, até
mesmo pelos mais aloprados e ensandecidos, que têm uma missão maior do que dar
apoio ao coronel brancaleônico: a de descolar o ex-presidente das ações
golpistas. Então, Lawand teve o desprazer de ouvir de seus “correligionários”
que suas falas não incriminam o “mito” e, por isso, devem ser circunscritas à
sua própria pessoa. Traduzindo: que ele se vire para provar o improvável, para
sensibilizar a relatoria da comissão a lhe dar “uma segunda chance”, para
convencer a Procuradoria-Geral da República, onde não estarão mais Augusto Aras
e Lindoura Araújo, de que sua palavra faz tantas curvas como um intestino
grosso e que seu queixume golpista era a mais pura preocupação com os acampados
nas portas dos quartéis. Antevejo que, ao final de tudo, o único convencimento
que restará é de que suas falas contém mais material fecal do que as entranhas
de um porco.
Como
moleque que é, Lawand só poderá se reencontrar com a decência de seus
antepassados – se é que o desdouro não lhe é hereditário – por meio de uma
atitude extremada, de uma ação drástica que, para aqueles a quem resta o mínimo
de brio e hombridade, evidencia ao mesmo tempo a assunção do dolo, o
arrependimento, o desgosto consigo mesmo e o desejo de salvar do valão, do
regueiro, os nomes de seus filhos e netos. Infelizmente e diante do iminente
descuramento, já que Bolsonaro não pensará duas vezes para incriminá-lo da
mesma forma que já fez com o “Cidão”, a hipótese de dar cabo à própria vida
deveria ser considerada pelo coronel-bufão como saída honrosa. Longe de
induzi-lo ou instigá-lo ao suicídio, faço esta reflexação pelo simples fato de
não conhecer nem conceber outra maneira de Lawand salvar seus descedentes da
sua indigência moral e da sua imundície; por fim, da desgraça...
Mario Vitor Santos: Falta alguém no banco
dos réus: a cúpula das Forças Armadas
O
deputado Rogerio Correia (PT-MG) reagiu ao depoimento do coronel Jean Lawand
Jr na CPMI dos atos golpistas de 8 de
janeiro chamando o militar de mentiroso.
Como
se sabe, o coronel enviou mensagens ao ajudante de ordens de Jair
Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid,
suplicando que ele extraísse do ex-presidente uma ordem de golpe de Estado em
dezembro passado, nas vésperas da posse de Lula.
Outro
deputado, Aliel Machado (PV-PR), reservou para Lawand, ex-subchefe do Alto
Comando do Estado-Maior do Exército, o qualificativo de "covarde".
Lawand já foi subchefe do Estado Maior do
Exército e, de acordo com as investigações da Polícia Federal, implorou a Mauro
Cid convencer Jair Bolsonaro a não permitir, por meio de um golpe, que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomasse posse em 1º de janeiro deste
ano.
Lawand
escreveu assim a seu colega: "Cid, pelo amor de Deus, o homem tem que dar
a ordem! Se a cúpula do Exército não está com ele, de divisão pra baixo está.
Assessore e dê-lhe coragem. Pelo amor de Deus."
Na
sessão da CPMI desta terça-feira, Lawand
saiu-se com a versão de que essas mensagens tencionavam na verdade
"apaziguar", obter uma palavra de aceitação de Bolsonaro do resultado
das urnas.
Ninguém
acredita, e o mais patético é que um militar na iminência de tornar-se general
depois de evidentemente rogar pela
virada de mesa pela força das armas apele agora para versão tão descabelada e
acovardada.
Cada um escolhe o seu ridículo.
De fato, na hora h, como a mensagem sugere,
nem Bolsonaro nem o Alto Comando das Forças Armadas deu a ordem de golpe.
Que
não tenham dado a ordem não os exime de culpa, porém.
Bolsonaro deve ir para o banco dos réus por
promover o golpe, mas isso é pouco.
O Alto Comando militar tolerou, incentivou e
agiu em favor da fermentação golpista.
Os quartéis em todo o país hospedaram
acampamentos golpistas ao longo de várias semanas.
O comando do Exército em Brasília impediu em
diversas ocasiões, inclusive na noite depois das depredações na Praça dos Três
Poderes, que a Polícia Militar do Distrito Federal dissolvesse a turba
endemoniada.
Quando se fala Alto Comando do Exército a
referência é a este órgão que está no poder, intacto.
Essencialmente é o mesmo que manteve o
tenebroso incentivo à agitação golpista. Os generais, com poucas exceções, são os mesmos. O atual
chefe da Força, general Tomás Paiva,
chefiava o 2⁰ Exército, onde
igualmente, com sua simpatia, a agitação
crepitava.
Insuflaram nacionalmente em unidade coesa e
disciplinada, partindo de cima para baixo, do comando maior para os
destacamentos médios e inferiores. Parentes de generais confraternizaram com a
subversão.
Agora, o Alto Comando deve uma satisfação ao
país por ter incentivado a baderna. Vai
se ocultar na covardia de não assumir suas responsabilidades? Que não tenha
apoiado o golpe pode ser até evidência de um oportunismo e conveniência diante
da correlação de forças, mas não de convicção democrática, respeito às urnas e
a lei.
Houvesse condições e apoio político, dariam a ordem que Lawand e outros tanto
ansiavam. O alto comando segue incólume fingindo inocente, sem coragem de
admitir que fez o que fez. A cúpula das Forças Armadas precisa ser
responsabilizada.
A briga contra o tempo da impunidade. Por
Moisés Mendes
O
advogado de defesa de Bolsonaro tornou pública a tentativa de induzir ao
adiamento do julgamento no TSE. É do jogo desse meio, mas é muito mais um
recurso usado pelos que não querem jogar.
Tarcísio
Vieira de Carvalho não vê motivo para pressa no desfecho do caso, porque não há
eleição esse ano. Se não há eleição, é possível esperar.
E
que cada um entenda como quiser esse raciocínio da eleição como fator que pode
determinar ou não o adiamento do julgamento de ilícitos eleitorais graves.
Nesse
ano não há eleição e no ano que vem haverá. Aí, mais perto da campanha da
primeira disputa depois da derrota do fascismo em 2022, o julgamento pode
acontecer?
O
que Vieira de Carvalho pede é o que todos os advogados desejam em quase todas
as circunstâncias. Ter o tempo como aliado do réu.
O
pedido de vista, disse ele, faz parte da tradição do tribunal não só neste tipo
de julgamento.
O
pedido de vista, se existisse no futebol e em todas as áreas em que há algum tipo
de confronto, sempre adiaria embates em circunstâncias desfavoráveis a um dos
times.
Ao
invés de ajudar a clarear, o pedido de tempo na Justiça pode apenas postergar,
confundir e patrocinar todo tipo de prescrição.
O
time de Vieira de Carvalho está a caminho de uma goleada. Ter o tempo para
contar com o imprevisível mais adiante, enquanto expectativas pela reparação
vão refluindo, é tudo o que Bolsonaro quer agora.
É
o mesmo tempo que, no entendimento de quem entende do relógio da Justiça, pode
abatumar o inquérito que junta atos antidemocráticos, fake news, gabinete do
ódio e tudo o que chamam de milícias digitais.
Um
inquérito-ônibus, que carrega não só manés, mas gente importante acomodada, bem
quieta, nos lugares dos fundos.
Esse
ônibus tem investigados com muito dinheiro e que tiveram também muito poder
político no bolsonarismo.
São
manezões que assistem ao andamento dos processos contra os manezinhos, sabendo
que eles, os grandões, poderiam estar na frente nessa fila.
O
inquérito que tudo acolhe tramita desde abril de 2019 no Supremo. É muito
tempo, mesmo que aqui estejam correndo juntos os tempos da Justiça e da
política.
A
aposta de consenso é de que o julgamento de Bolsonaro não será adiado por
pedido de vista. Porque seria arriscado para o ministro pedir e um desastre
para o TSE.
Mas
a extrema direita continua contando com o tempo para escapar de complicações
que, em alguns casos, estão quase esquecidas.
Uma
observação rápida, mas incisiva, do relator do caso de Bolsonaro no TSE,
ministro Benedito Gonçalves, renova o ânimo dos que esperam ver a
inelegibilidade do sujeito como começo do que virá a seguir.
Gonçalves
escreveu no relatório que “a reunião de 18 de julho de 2022, no Palácio da
Alvorada, não é uma fotografia na parede, mas um fato inserido em um
contexto".
Sabemos
todos que o contexto é amplo e muito anterior ao 18 de janeiro. Vem desde a
montagem da estrutura do gabinete do ódio, das quadrilhas dos vampiros das
vacinas e das dezenas de crimes do bolsonarismo.
Gonçalves
vê um encadeamento de falas, lives, incitações e convocação das Forças Armadas
como escudo para afrontar a eleição e as instituições.
É
o conjunto da obra, bem amarrado e estruturado, que irá acabar com a vida
política de Bolsonaro, inclusive na área criminal, como sugere o relator no seu
voto.
Bolsonaro
será transformado no santinho da extrema direita, uma espécie de entidade
milagrosa que socorre fascistas desamparados.
É
agora, logo depois do fim do processo no TSE, que o tempo se acelera. O
bolsonarismo começa a ir a julgamento, mesmo que o advogado de Bolsonaro não
queira.
O
tempo perdido em quatro anos de encolhimento do sistema de Justiça ganha uma
nova chance. O 8 de janeiro não pode ser só uma foto na parede.
Falta
chegar ao contexto de que fala Gonçalves, com a abordagem de cada fato que dê
sentido ao conjunto da bandidagem e do golpismo.
Falta
alargar o alcance e apressar as investigações e os processos dos desmandos do
bolsonarismo, em todas as frentes, dos que envolvem de grileiros a coronéis. O
tempo precisa de um empurrão.
Fonte:
Brasil 247
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