sexta-feira, 30 de junho de 2023

Homero Gottardello: Infeliz testemunho da indignidade nos quadros do Exército

Qualquer pessoa que receba o título de “maior disso ou daquilo” na história de uma nação é, no mínimo, alguém que sobressai, que se revela nem que seja emergindo do esgoto e do chorume. O coronel Jean Lawand Júnior provou, neste 27 de junho de 2023, que é uma pessoa “destacada”, no caso “o maior moleque da história das Forças Armadas” brasileiras. Perto da vileza demonstrada por Lawand, na CPMI do 8/1, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, morto há 42 anos, e o coronel reformado Wilson Dias Machado (à época capitão), que levaram uma bomba até o Riocentro em 30 de abril de 1981, num ataque terrorista à festa do Dia do Trabalhador, podem ser considerados meros infantes, soldadinhos de chumbo. É que a baixeza e a indignidade de Lawand não encontram par nem na dupla mais canalha dos 101 anos do Excército Brasileiro. Assustadiço, timorato e medrado pelas indagações que lhe eram metralhadas, o coronel-pulha depôs da forma mais vexaminosa que se poderia imaginar, atirando o sobrenome de sua família no retrete e, na sentina, a honra de seus filhos – eu teria tanta vergonha de uma exposição tão indecorosa que passaria o resto da vida negando meu próprio pai.

Lawand tentou dar às suas falas golpistas os mais variados sentidos, da “busca pela paz e o apaziguamento” até a “confiança absoluta nas urnas eletrônicas”, salpicando suas mentiras e seu desvalor com o silêncio que lhe é de direito para não se incriminar, ainda mais, e de que tanto lançam mão os frouxos. Ao contrário do “generinho” Heleno, com quem o coronel-Pinóquio aquinhoa muitas de suas eivas, negou a subserviência ao ex-presidente Jair Bolsonaro, disfarçando sua sabujice com um suposto distanciamento do “mito”, mas sem convencer ninguém. A verdade é que, fosse Bolsonaro um imperador assírio, Lawand não se importaria se servi-lo como eunuco, se emasculando do próprio espírito, e fosse Bolsonaro um sultão, o coronel-amoriscado montaria guarda em seu harém “aristidiano”, de mãos dadas com o “Cidão”.

A oitiva de Lawand é uma prova cabal da desqualificação humana das nossas Forças Armadas, um infeliz testemunho do desvalor dos seus quadros. Fico imaginando a atuação do coronel-aldabrão na Batalha de Stalingrado, que durou mais de cinco meses e consumiu a vida de quase dois milhões de homens; seu desempenho no “Inferno de Verdun”, em Tuiuti, Humaitá, Itororó ou na Batalha do Avaí – estas quatro últimas, na Guerra do Paraguai. Posto ao lado do líder canudense João Abade, Lawand é uma espécie de Recruta Zero, personagem do cartunista Mort Walker. Já comparado aos Bragas Netos e Pazuellos da vida, o oficial de fancaria não “foge à luta” e faz-se de Rolando Lero. O problema, aqui, é que se a formação dos oficiais do Exército Brasileiro se dá na “Escolinha do Professor Raimundo”, o mesmo não se pode dizer da arguição na CPMI.

Lawand não só defendeu o golpe, como implorou por ele. Clamou, rogou, suplicou uma ordem excelsa de seu “mito”, de joelhos. O fez da forma que jamais clamaria pela vida da esposa, de um familiar, de um colega de tropa. Amou Bolsonaro da forma que nenhuma mulher amou, com um servilismo que sobrepuja o dever para com a pátria. Apaixonou-se pelo bolsonarismo de forma tão alucinada, tão fascinada, que se esqueceu do juramento à bandeira, da carreira militar e do amor próprio. Venerou o “mito” com fanatismo e idolatria, com entusiasmo e – ao que suas próprias falas indicam – ardor. Se inflamou pela possibilidade de uma nova ditadura que o içasse ao generalato, ao marechalato, a um cargo administrativo no exterior (onde já estava locado, inclusive) de onde sugasse, haurisse, mamasse ainda mais nas gordas tetas do dinheiro dos contribuintes, só que em dólar.

Apesar de alguns membros da CPMI se identificarem com a posição Lawand, no que tange à fidelidade amorfa ao bolsonarismo, ele foi deixado para trás, ali mesmo, até mesmo pelos mais aloprados e ensandecidos, que têm uma missão maior do que dar apoio ao coronel brancaleônico: a de descolar o ex-presidente das ações golpistas. Então, Lawand teve o desprazer de ouvir de seus “correligionários” que suas falas não incriminam o “mito” e, por isso, devem ser circunscritas à sua própria pessoa. Traduzindo: que ele se vire para provar o improvável, para sensibilizar a relatoria da comissão a lhe dar “uma segunda chance”, para convencer a Procuradoria-Geral da República, onde não estarão mais Augusto Aras e Lindoura Araújo, de que sua palavra faz tantas curvas como um intestino grosso e que seu queixume golpista era a mais pura preocupação com os acampados nas portas dos quartéis. Antevejo que, ao final de tudo, o único convencimento que restará é de que suas falas contém mais material fecal do que as entranhas de um porco.

Como moleque que é, Lawand só poderá se reencontrar com a decência de seus antepassados – se é que o desdouro não lhe é hereditário – por meio de uma atitude extremada, de uma ação drástica que, para aqueles a quem resta o mínimo de brio e hombridade, evidencia ao mesmo tempo a assunção do dolo, o arrependimento, o desgosto consigo mesmo e o desejo de salvar do valão, do regueiro, os nomes de seus filhos e netos. Infelizmente e diante do iminente descuramento, já que Bolsonaro não pensará duas vezes para incriminá-lo da mesma forma que já fez com o “Cidão”, a hipótese de dar cabo à própria vida deveria ser considerada pelo coronel-bufão como saída honrosa. Longe de induzi-lo ou instigá-lo ao suicídio, faço esta reflexação pelo simples fato de não conhecer nem conceber outra maneira de Lawand salvar seus descedentes da sua indigência moral e da sua imundície; por fim, da desgraça...

 

       Mario Vitor Santos: Falta alguém no banco dos réus: a cúpula das Forças Armadas

 

O deputado Rogerio Correia (PT-MG) reagiu ao depoimento do coronel Jean Lawand Jr  na CPMI dos atos golpistas de 8 de janeiro chamando o militar de mentiroso.

Como se sabe, o coronel enviou mensagens ao ajudante de ordens de Jair Bolsonaro,  tenente-coronel Mauro Cid, suplicando que ele extraísse do ex-presidente uma ordem de golpe de Estado em dezembro passado, nas vésperas da posse de Lula.

Outro deputado, Aliel Machado (PV-PR), reservou para Lawand, ex-subchefe do Alto Comando do Estado-Maior do Exército, o qualificativo de "covarde".

 Lawand já foi subchefe do Estado Maior do Exército e, de acordo com as investigações da Polícia Federal, implorou a Mauro Cid convencer Jair Bolsonaro a não permitir, por meio de um golpe, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomasse posse em 1º de janeiro deste ano.

Lawand escreveu assim a seu colega: "Cid, pelo amor de Deus, o homem tem que dar a ordem! Se a cúpula do Exército não está com ele, de divisão pra baixo está. Assessore e dê-lhe coragem. Pelo amor de Deus."

Na sessão da CPMI desta terça-feira,  Lawand saiu-se com a versão de que essas mensagens tencionavam na verdade "apaziguar", obter uma palavra de aceitação de Bolsonaro do resultado das urnas.

Ninguém acredita, e o mais patético é que um militar na iminência de tornar-se general depois de evidentemente rogar  pela virada de mesa pela força das armas apele agora para versão tão descabelada e acovardada.

  Cada um escolhe o seu ridículo.

 De fato, na hora h, como a mensagem sugere, nem Bolsonaro nem o Alto Comando das Forças Armadas deu a ordem de golpe.

Que não tenham dado a ordem não os exime de culpa, porém.

 Bolsonaro deve ir para o banco dos réus por promover o golpe, mas isso é pouco.

 O Alto Comando militar tolerou, incentivou e agiu em favor da fermentação golpista. 

 Os quartéis em todo o país hospedaram acampamentos golpistas ao longo de várias semanas.

  O comando do Exército em Brasília impediu em diversas ocasiões, inclusive na noite depois das depredações na Praça dos Três Poderes, que a Polícia Militar do Distrito Federal dissolvesse a turba endemoniada.

 Quando se fala Alto Comando do Exército a referência é a este órgão que está no poder, intacto.

  Essencialmente é o mesmo que manteve o tenebroso incentivo à agitação golpista. Os generais,  com poucas exceções, são os mesmos. O atual chefe da Força,  general Tomás Paiva, chefiava o 2 Exército, onde igualmente,  com sua simpatia, a agitação crepitava.

 Insuflaram nacionalmente em unidade coesa e disciplinada, partindo de cima para baixo, do comando maior para os destacamentos médios e inferiores. Parentes de generais confraternizaram com a subversão.

 Agora, o Alto Comando deve uma satisfação ao país por ter incentivado a  baderna. Vai se ocultar na covardia de não assumir suas responsabilidades? Que não tenha apoiado o golpe pode ser até evidência de um oportunismo e conveniência diante da correlação de forças, mas não de convicção democrática, respeito às urnas e a lei.

 Houvesse condições e apoio político,  dariam a ordem que Lawand e outros tanto ansiavam. O alto comando segue incólume fingindo inocente, sem coragem de admitir que fez o que fez. A cúpula das Forças Armadas precisa ser responsabilizada.

 

       A briga contra o tempo da impunidade. Por Moisés Mendes

 

O advogado de defesa de Bolsonaro tornou pública a tentativa de induzir ao adiamento do julgamento no TSE. É do jogo desse meio, mas é muito mais um recurso usado pelos que não querem jogar.

Tarcísio Vieira de Carvalho não vê motivo para pressa no desfecho do caso, porque não há eleição esse ano. Se não há eleição, é possível esperar.

E que cada um entenda como quiser esse raciocínio da eleição como fator que pode determinar ou não o adiamento do julgamento de ilícitos eleitorais graves.

Nesse ano não há eleição e no ano que vem haverá. Aí, mais perto da campanha da primeira disputa depois da derrota do fascismo em 2022, o julgamento pode acontecer?

O que Vieira de Carvalho pede é o que todos os advogados desejam em quase todas as circunstâncias. Ter o tempo como aliado do réu.

O pedido de vista, disse ele, faz parte da tradição do tribunal não só neste tipo de julgamento.

O pedido de vista, se existisse no futebol e em todas as áreas em que há algum tipo de confronto, sempre adiaria embates em circunstâncias desfavoráveis a um dos times.

Ao invés de ajudar a clarear, o pedido de tempo na Justiça pode apenas postergar, confundir e patrocinar todo tipo de prescrição.

O time de Vieira de Carvalho está a caminho de uma goleada. Ter o tempo para contar com o imprevisível mais adiante, enquanto expectativas pela reparação vão refluindo, é tudo o que Bolsonaro quer agora.

É o mesmo tempo que, no entendimento de quem entende do relógio da Justiça, pode abatumar o inquérito que junta atos antidemocráticos, fake news, gabinete do ódio e tudo o que chamam de milícias digitais.

Um inquérito-ônibus, que carrega não só manés, mas gente importante acomodada, bem quieta, nos lugares dos fundos.

Esse ônibus tem investigados com muito dinheiro e que tiveram também muito poder político no bolsonarismo.

São manezões que assistem ao andamento dos processos contra os manezinhos, sabendo que eles, os grandões, poderiam estar na frente nessa fila.

O inquérito que tudo acolhe tramita desde abril de 2019 no Supremo. É muito tempo, mesmo que aqui estejam correndo juntos os tempos da Justiça e da política.

A aposta de consenso é de que o julgamento de Bolsonaro não será adiado por pedido de vista. Porque seria arriscado para o ministro pedir e um desastre para o TSE.

Mas a extrema direita continua contando com o tempo para escapar de complicações que, em alguns casos, estão quase esquecidas.

Uma observação rápida, mas incisiva, do relator do caso de Bolsonaro no TSE, ministro Benedito Gonçalves, renova o ânimo dos que esperam ver a inelegibilidade do sujeito como começo do que virá a seguir.

Gonçalves escreveu no relatório que “a reunião de 18 de julho de 2022, no Palácio da Alvorada, não é uma fotografia na parede, mas um fato inserido em um contexto".

Sabemos todos que o contexto é amplo e muito anterior ao 18 de janeiro. Vem desde a montagem da estrutura do gabinete do ódio, das quadrilhas dos vampiros das vacinas e das dezenas de crimes do bolsonarismo.

Gonçalves vê um encadeamento de falas, lives, incitações e convocação das Forças Armadas como escudo para afrontar a eleição e as instituições.

É o conjunto da obra, bem amarrado e estruturado, que irá acabar com a vida política de Bolsonaro, inclusive na área criminal, como sugere o relator no seu voto.

Bolsonaro será transformado no santinho da extrema direita, uma espécie de entidade milagrosa que socorre fascistas desamparados.

É agora, logo depois do fim do processo no TSE, que o tempo se acelera. O bolsonarismo começa a ir a julgamento, mesmo que o advogado de Bolsonaro não queira.

O tempo perdido em quatro anos de encolhimento do sistema de Justiça ganha uma nova chance. O 8 de janeiro não pode ser só uma foto na parede.

Falta chegar ao contexto de que fala Gonçalves, com a abordagem de cada fato que dê sentido ao conjunto da bandidagem e do golpismo.

Falta alargar o alcance e apressar as investigações e os processos dos desmandos do bolsonarismo, em todas as frentes, dos que envolvem de grileiros a coronéis. O tempo precisa de um empurrão.

 

Fonte: Brasil 247

 

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