"Com Bolsonaro
inelegível, a direita deve lucrar mais que a esquerda", afirma cientista
político
Para
cientista política, com possível condenação pelo TSE, é provável que eleitorado
se volte para outros candidatos de direita e centro-direita. Figuras menos
extremistas podem ressoar mesmo entre quem votou em Lula.A possível condenação
do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela Justiça Eleitoral pode tornar a
principal figura da direita brasileira inelegível até 2030. Na ação movida pelo
PDT no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro é investigado por abuso de
poder político e por usar indevidamente os meios de comunicação ao atacar as
urnas eletrônicas numa reunião com embaixadores, transmitida pela TV pública.
O
julgamento teve início na semana passada e foi retomado nesta terça-feira
(27/06), com o relator da ação no TSE, Benedito Gonçalves, votando a favor da
inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos. A ação continuará a ser julgada
nesta quinta-feira, quando os demais seis integrantes do tribunal deverão se
manifestar.
Junto
com a possível inelegibilidade de Bolsonaro, surgem também uma série de
incógnitas no mundo político, que tem sido, desde 2018, dominado pela
polarização entre o ex-presidente e o atual, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Mas, segundo Graziella Testa, doutora em ciência política pela Universidade de
São Paulo (USP) e professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da
Fundação Getúlio Vargas (FGV EPPG), a disputa pelo espólio político na direita
brasileira não necessariamente significará um mar tranquilo para a esquerda
antibolsonarista.
"É
mais provável que esse resultado [do julgamento no TSE] gere dividendos para a
direita ou centro-direita, para outros candidatos ou outras personalidades
desse campo. Esse é um eleitorado que dificilmente vai cruzar tão longe o
espectro político", afirma Testa.
"A
colocação de candidatos menos extremistas pode ressoar nos eleitores que
votaram em Lula não porque era Lula, mas porque não era Bolsonaro. A esquerda
vai precisar lidar com isso", diz a cientista política na entrevista à DW
a seguir.
DW:
Quais seriam os possíveis impactos políticos de uma condenação de Jair Bolsonaro
(PL) pela Justiça Eleitoral?
Graziella
Testa: Acho que precisamos pensar sobretudo no PL e na direita que veio com o
Bolsonaro, nesse eleitorado que tinha essa demanda por uma direita conservadora
– que vai se manter.
Uma
primeira consequência imediata, na eventualidade de ele ficar inelegível, é que
vão começar a surgir dissidências. Vai haver uma disputa por esse eleitorado.
Provavelmente, em Minas e São Paulo, que têm governadores com esse perfil e que
já se colocam como opções para uma eventual candidatura à Presidência, pode ser
que eles comecem a encontrar conflitos internos.
O
fato de o Bolsonaro sair da disputa ajuda também a deixar mais claro qual é
essa insatisfação desse eleitorado, que era de centro-direita e foi para a
extrema direita. O bolsonarismo é algo muito difícil de entender como uma
unidade, porque temos o bolsonarismo daqueles que são evangélicos; o
bolsonarismo armamentista e liberal; o bolsonarismo militarista e patriótico.
Existem vários bolsonarismos. A grande questão do Bolsonaro, que tornava ele
tão bem-sucedido eleitoralmente, é que ele conseguia encarnar isso tudo.
É
difícil pensarmos em alguém que esteja tão ao extremo e que tenha uma
possibilidade de sucesso eleitoral. De todo modo, podemos entender que a
direita brasileira vai precisar se configurar em torno de um nome menos
extremista – talvez essa seja uma boa notícia.
Os
governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas,
Romeu Zema (Partido Novo), são dois que saem na frente pela disputa desse espólio?
O que dizer dos filhos de Bolsonaro e de sua esposa, Michelle?
São
Paulo e Minas são dois estados muito populosos. Se seguirem [Tarcísio e Zema]
bem avaliados, já entram na disputa com uma fatia relevante do eleitorado.
Mas
o Tarcísio tem um problema: ele foi muito bem votado no interior, mas na
capital, não, o que não é um perfil diferente do que ocorria com o voto
psdbista no estado de São Paulo.
Já
o Zema entra com essa ideia da direita liberal, mais "moderna",
digamos assim, como ele gosta de se apresentar. Mas provavelmente deverá
abraçar uma direita mais tradicional, se quiser sair candidato à Presidência de
fato.
Sempre
existe a possibilidade de algum familiar entrar na disputa para conseguir
trazer esses votos para o Legislativo. A preocupação aqui é que sempre pensamos
no Valdemar [da Costa Neto, presidente nacional do PL] querendo trazer os votos
do nome Bolsonaro para fazer bancada na Câmara e ter financiamento eleitoral.
Lembrando que o financiamento é consequência do tamanho da bancada na Câmara.
Já
a Michelle, ela tem tido muito destaque no PL Mulher, e isso pode refletir em
alguma candidatura no futuro. Mas se eu fosse apostar, diria que a Michelle vai
sair para algum cargo majoritário, como para o Senado.
O
que pode tornar o Bolsonaro inelegível é a Justiça Eleitoral, apesar de todo o
histórico do ex-presidente durante a pandemia, nos ataques à democracia em 8 de
janeiro e até no caso das joias. Por enquanto, não temos uma prisão à vista.
Isso suavizaria, de certa forma, os impactos da condenação?
Pode
ser sim um motivo para reforçar a narrativa bolsonarista de que há uma
perseguição a Bolsonaro, mas acho que [essa narrativa] seria maior numa prisão
do Bolsonaro. Não é o caso do que estamos discutindo agora. Mas a Justiça pode
começar a julgar os outros possíveis crimes dele, por exemplo, o que ocorreu no
período da pandemia.
O
eleitorado estritamente bolsonarista já tem um incomodo com a atuação do
Judiciário que não vem de agora, com as instâncias superiores particularmente,
e muito especificamente com o TSE. É natural que exista uma insatisfação de
quem sofre punições do Poder Judiciário, mas o contrabalanço de Poderes serve
para os momentos em que um dos Poderes está se excedendo. É natural que quem
sofra a represália fique incomodado, como ficaram incomodados os eleitores do
presidente Lula quando ele foi preso. O problema é quando isso se reflete numa
deslegitimação das instituições.
As
prisões e a repressão ao que ocorreu em 8 de janeiro têm sido o bastante para
conter futuros ataques às instituições, como o que ocorreu na ocasião?
Essas
condenações são muito importantes. Essa sinalização de que vai haver punição
para quem atentar contra o Estado Democrático de Direito é fundamental e já
denota uma resiliência institucional da democracia. Quem for pensar em fazer
algo do tipo sabe que vai estar sujeito a punição.
Há
muito tempo, vínhamos lidando com manifestações no sentido mais amplo do terno,
pessoas falando, agindo de forma antidemocrática e anti-institucional. Um caso
muito emblemático ocorreu na votação do impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff, quando o ainda deputado Jair Bolsonaro dedicou o voto dele a um
torturador da época da ditadura militar.
Esse
e outros sinais de que a democracia é menos importante ou é inclusive prejudicial
a determinadas pautas são muito negativos. Começar a punir esse tipo de
iniciativa desincentiva que isso venha a acontecer, mas é preciso que isso
[punição] também aconteça no Legislativo.
O
presidente da Câmara, Arthur Lira, falou que iria punir, mas só estamos vendo o
Conselho de Ética funcionando para coisas muito pontuais e duvidosas. É outro
ponto que precisa ser pensado. O Legislativo continua funcionando de forma mais
corporativista do que democrata.
É
inevitável pensar que uma condenação de Bolsonaro pelo TSE será uma vitória
para o governo Lula e para a esquerda, de um modo geral. No entanto, o
Congresso segue majoritariamente de direita e conservador. Como essa
inelegibilidade do Bolsonaro muda a forma das forças progressistas de atuarem
no Brasil?
Precisamos
ver como e se a esquerda vai conseguir capitalizar a vitória. A esquerda vai
precisar tentar pegar os dividendos desse resultado, mas é mais provável que
esse resultado gere dividendos para a direita ou centro-direita, para outros
candidatos ou outras personalidades desse campo. Esse é um eleitorado que
dificilmente vai cruzar tão longe o espectro político.
A
esquerda pode pegar alguns dividendos ali na centro-esquerda, mas eu não vejo
como algo muito positivo. Assim como a direita, a esquerda também precisa se
organizar para entender o eleitorado, que não é o mesmo de dez anos atrás. São
problemas que não vão ser resolvidos só com a proibição do Bolsonaro se
reeleger, e a colocação de candidatos menos extremistas pode ressoar nos
eleitores que votaram em Lula não porque era Lula, mas porque não era
Bolsonaro. A esquerda vai precisar lidar com isso.
Ø Bolsonaro
inelegível; o que acontece agora?
O
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retomou nesta terça-feira (27/06) o
julgamento de uma ação que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e
seu candidato a vice, Walter Braga Netto (PL), inelegíveis por até oito anos.
Na
sessão, o relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, votou para que
Bolsonaro seja condenado. A sessão foi interrompida após o voto do magistrado e
será retomada na quinta-feira (29/06).
A
leitura do voto de Benedito Gonçalves durou toda a sessão desta terça-feira. O
ministro leu, então, um resumo com os principais trechos do documento.
Para
ele, Bolsonaro cometeu crimes eleitorais ao convocar e participar da reunião
com embaixadores de diferentes países em Brasília em 2022 na qual ele teria
colocado em xeque a segurança do sistema eleitoral brasileiro.
Benedito
defendeu, ainda, que Braga Netto não seja considerado inelegível porque não
teriam sido encontrados indícios de seu envolvimento no planejamento e execução
da reunião. A posição do ministro em relação a Braga Netto seguiu a mesma linha
adotada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE).
O
magistrado classificou as ações de Bolsonaro em torno do episódio como um
"flerte perigoso" com o "golpismo".
Bolsonaro
está sendo acusado de ter cometido abuso do poder político e uso indevido dos
meios de comunicação social quando reuniu em julho de 2022 dezenas de
diplomatas no Palácio da Alvorada para apresentar falsas teorias sobre a
insegurança das urnas e atacar ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal
(STF).
O
encontro ocorreu pouco antes do início da campanha eleitoral, em que Bolsonaro
foi derrotado pelo atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo
o PDT, partido que apresentou a ação no ano passado, essa reunião estava
inserida em uma campanha sistemática do então presidente para minar a
credibilidade do sistema eleitoral, visando questionar o resultado da eleição
em caso de derrota.
Benedito
Gonçalves acolheu a tese do PDT e também defendida pelo MPE, que também pediu a
inelegibilidade de Bolsonaro.
"O
primeiro investigado (Bolsonaro) difundiu informações falsas a respeito do
sistema eletrônico de votação direcionado a convencer que havia grave risco de
que as eleições de 2022 fossem fraudadas para assegurar a vitória do candidato
adversário", afirmou o magistrado em um trecho de seu voto.
"(Bolsonaro)
assumiu injustificada antagonização direta com o TSE buscando vitimizar-se e
desacreditar a competência do corpo técnico e a lisura do comportamento de seus
ministros para levar a atuação do TSE ao absoluto descrédito internacional
despejou sobre as embaixadores e embaixadoras mentiras atrozes a respeito da
governança eleitoral brasileira", disse o ministro em outro momento.
"A
conduta (adotada por Bolsonaro) se amolda à difusão deliberada e massificada
por meio de emissora pública e redes sociais de severa desordem informacional
sobre o sistema eletrônico de votação e em benefício das candidaturas dos
investigados (Bolsonaro e Walter Braga Netto)", disse Benedito Gonçalves
em outro momento.
- O que acontece
agora?
O
julgamento deverá ser retomado na quinta-feira, quando é esperada a leitura do
voto do ministro Raul Araújo. Ao todo, o Plenário do TSE é composto por sete
ministros. Com o voto de Benedito Gonçalves, faltam seis magistrados para
votar. Para que Bolsonaro seja, portanto, são necessários pelo menos mais três
votos.
Não
há garantias, no entanto, de que o julgamento de Bolsonaro acabe nesta semana
uma vez que qualquer magistrado pode pedir vistas do processo, procedimento que
um ministro adota quando entende que precisa de mais tempo para analisar o
caso.
Em
declaração a jornalistas no TSE, o advogado de Bolsonaro neste processo, o
ex-ministro do TSE Tarcísio Vieira, disse que um pedido de vistas não seria
totalmente inesperado.
"Não
seria de estranhar um pedido de vista. Faz parte da tradição do tribunal, não
só nesse tipo de julgamento, mas em qualquer tipo de ação", afirmou o
advogado.
A
defesa de Bolsonaro vem alegando que o ex-presidente não cometeu nenhuma
irregularidade ao convocar os embaixadores. Além disso, Vieira afirma que a
vinculação dos atos de 8 de janeiro com a reunião promovida pelo ex-presidente
não poderia ser feita.
Ele
vem afirmando que os atos foram "lamentáveis", mas posteriores à
eleição e, por isso, não podiam ser considerados para condenação do presidente
por ilegalidade eleitoral. Argumentou ainda que Bolsonaro se recolheu após a
derrota, não podendo ser acusado de convocar atos violentos.
Vieira
prometeu recorrer ao Supremo Tribunal Federal caso o TSE condene seu cliente.
Ele argumenta que a ampliação da ação para incluir atos posteriores é ilegal e
veio acompanhada de cerceamento da defesa.
"É
totalmente inverossímil essa narrativa de golpe de Estado. O que houve foi sim
um debate, lá na reunião de julho (com os diplomatas), legítimo, salutar, em
torno da necessidade de aprimoramentos constantes do sistema eletrônico de
votação. Talvez com verve imprópria, sim, mas substancialmente é isso que
ocorreu", afirmou, na semana passada.
O
julgamento vem sendo bastante aguardado por parte da cena política uma vez que
Bolsonaro é visto como o principal líder da direita no Brasil e maior
adversário do presidente Lula hoje.
Se
a decisão acarretar a inelegibilidade, Bolsonaro ficaria impedido de concorrer
às eleições presidenciais de 2026, entretanto, o ex-presidente ainda poderia
apelar contestando a sentença, como já sinaliza a defesa.
A
BBC News Brasil consultou especialistas em Direito Eleitoral sobre os três
principais cenários que podem ocorrer ao longo do julgamento que pode definir o
futuro do ex-presidente.
Segundo
eles, o julgamento deverá ser demorado, diferentemente do que ocorreu com o ex-deputado
federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), que foi julgado em uma única sessão e
terminou com seu mandado cassado.
Eles
afirmam que um cenário com pedido de vistas não está descartado, o que
paralisaria o julgamento por até 60 dias.
Entretanto,
eles também afirmam que, caso isso ocorra, é possível que outros ministros da
Corte adiantem seus votos, o que indicaria qual é a tendência no tribunal em
relação ao caso.
Como
a BBC News Brasil mostrou nesta semana, apesar da importância do julgamento, a
mobilização da militância bolsonarista nas redes sociais ainda é dispersa.
Fonte:
IstoÉ/BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário