Sobre o presente e
o futuro do bolsonarismo
Desde
meados de 2018, quando a corrida presidencial entrou em sua fase mais aguda, o
termo “bolsonarismo” passou a fazer parte do vocabulário político brasileiro.
Vinculado,
obviamente, à liderança carismática do então Deputado Federal e presidenciável
Jair Bolsonaro, o bolsonarismo nasceu como fenômeno de massa de contestação ao
establishment político.
Nesses
cinco anos de existência, o bolsonarismo se tornou governo, foi derrotado em
eleição e agora está na oposição, sendo, também, alvo da justiça. Ao que tudo
indica, Bolsonaro será condenado à inelegibilidade no Tribunal Superior
Eleitoral. Há quem diga que esse é apenas o início do trajeto que o conduzirá à
prisão. A ver.
Neste
texto, quero analisar o presente e as possibilidades de futuro que estão
abertas ao bolsonarismo.
Primeiro,
é necessário pensar com cuidado os significados da derrota eleitoral nas
eleições presidenciais de 2022. Os 58 milhões de votos dados a Bolsonaro
mostram que, mesmo após 4 anos de governo desastroso, o bolsonarismo ainda tem
grande capital político. Mas o resultado das urnas evidencia, também, alguns de
seus limites.
Explico.
Não
é normal que o mandatário seja derrotado em sua tentativa de reeleição. No
Brasil, por exemplo, isso só aconteceu uma vez, justamente com Bolsonaro. Nos EUA, em mais de 200 anos de história,
apenas 10 presidentes foram derrotados em suas tentativas de recondução ao
cargo. No controle da máquina pública e do orçamento, o incumbente sempre sai
na frente na disputa eleitoral.
Bolsonaro
tentou de todas as formas comprar as eleições de 2022. Segundo dados do Ministério da Fazenda, o
governo Bolsonaro gastou cerca de 300 bilhões de reais para tentar vencer as
eleições. A soma envolve a transferência direta de recursos aos beneficiários
dos programas sociais e insenções de impostos para derrubar o preço dos
combustíveis.
Foi
a derrota mais cara da história!!
Porém,
seria equivocado dizer que todo esse dinheiro deixou de surtir efeito. É
perfeitamente possível imaginar que, não fosse tamanho esforço, Bolsonaro seria
derrotado por margem maior de votos, quem sabem até mesmo no primeiro turno.
A
derrota do Bolsonaro na tentativa de reeleição mostra que o bolsonarismo pode
até ser habilidoso na agitação social, mas é muito fraco no governo efetivo.
Ainda
não é possível saber o atual tamanho do bolsonarismo. O fracasso nas tentativas
de Bolsonaro em organizar manifestações em seu apoio desde que voltou dos EUA
(em março) indica que a adesão ideológica ao bolsonarismo é bem menor que os
seus 58 milhões de eleitores.
Por
outro lado, também é difícil imaginar que o bolsonarismo tenha se enfraquecido
ao ponto de deixar de ser elemento importante no ecossistema político
brasileiro.
Só
será possível fazer diagnóstico mais preciso no ano que vem, depois das
eleições municipais.
Fato
é que o clima lavajatista que serviu como incubadora para o bolsonarismo
arrefeceu. Fora do governo, sem a visibilidade do cargo e sem a infraestrutura
necessária para a realização de marchas e motociatas e constantemente acuado
pela justiça, o bolsonarismo encontra desafios inéditos em sua existência.
No
congresso nacional, apesar de numerosa e barulhenta, a bancada bolsonarista se
mostra incapaz de fazer oposição que efetivamente atrapalhe o governo.
Inexperientes e sem conhecimento dos regimentos das casas legislativas, os
parlamentes bolsonaristas se limitam a agitar suas bases nas mídias digitais,
pregando para convertidos.
As
dificultades que o governo Lula enfrenta no congresso não estão sendo impostas
pelo bolsonarismo, mas sim pelo "centrão" liderado por Arthur Lira.
Quais
as estratégias que o bolsonarismo precisará mobilizar para continuar sendo
competitivo, tanto nas eleições como na imaginação política coletiva?
A
mais urgente e difícil tarefa é escolher um herdeiro. Bolsonaro tem capacidade
de afetar (no sentido freudiano do termo) setores numericamente relevantes da
sociedade brasileira. Não há nenhum sucessor óbvio que reúna as características
pessoais do ex-presidente.
Tarcísio
de Freitas é um dos favoritos a herdar o espólio, mas nem de perto tem o carisma
de Bolsonaro. E o próprio Tarcísio dá indícios de que não pretende repetir o
erro de João Dória, se lançando precipitadamente na disputa presidencial sem
concluir um ciclo sólido de governo em São Paulo.
Zema?
Michele? Um dos filhos? Mourão? Sérgio Moro? Há muitas possibilidades e a
disputa tende a ser dura. O próprio
Bolsonaro, por motivos óbvios, irá especular com o assunto, adiando a unção do
escolhido. Quanto mais tempo demorar, mais relevância o ex-presidente terá no
processo. Saber conduzir a escolha é fundamental para seu futuro político.
E
ainda que existisse um herdeiro óbvio, sabemos que a transferência de capital
político não é automática e que algo sempre se perde pelo meio do caminho.
Basta lembrar o que aconteceu com Fernando Haddad nas eleições de 2018.
A
segunda tarefa é se manter constantemente em destaque, sob os holofotes. A
força do bolsonarismo está na sua capacidade em se apresentar como crítico do
“sistema corrupto”.
Por
isso, é importante ter muito cuidado com a repercussão do processo jurídico que
tem Bolsonaro como réu. Não penso ser boa ideia a representação de Alexandre de
Moares, ou de qualquer outro juiz, como antagonista de Bolsonaro. Também não
acho ser adequado a organização de eventos de comemoração para o eventual dia da
condenação, especialmente por parte de políticos profissionais do campo
progressista.
O
melhor a fazer é tratar o tema da forma mais fria e aparentemente despolitizada
possível, como se fosse questão meramente administrativa. Afinal, Bolsonaro
está acertando suas contas com a justiça, enquanto o governo Lula trabalha para
melhorar a vida da população.
O
bolsonarismo se alimenta da agitação, da fervura, da constante mobilização. É
fundamental baixar a temperatura, desmobilizar as paixões e criar uma atmosfera
de normalidade.
Importante,
também, é não subestimar, novamente, o bolsonarismo. Até porque, político vivo
não morre nunca. Alguns não morrem nem depois de mortos. Além disso, como
sabemos bem, a política é, por excelência, o reino da imprevisibilidade e das
reviravoltas.
O vale-quanto-pesa de Bolsonaro no
pós-TSE. Por Helena Chagas
O
julgamento do TSE que deve condenar Jair Bolsonaro à inelegibilidade será um
ato histórico, um legado a ensinar às novas gerações que atentar contra a
democracia é crime. Na atual conjuntura, porém, virou um anticlímax, crônica de
uma inelegibilidade anunciada que já transportou os interessados à etapa
seguinte, a divisão do espólio de Bolsonaro. Divisão? Aí é que está. O
ex-presidente e seus aliados do PL sabem que, para valer nas eleições que vêm
por aí, a herança não pode se fragmentar entre diversas forças. A direita saiu
da caixa de maldades aberta por Bolsonaro em sua eleição e é um dado concreto —
mas vai precisar de novo pólo aglutinador.
Jair
Bolsonaro não atraiu multidões em sua defesa, não mobilizou políticos
importantes para protestar contra o TSE e sabe que são fingidos os gestos de
solidariedade de boa parte dos aliados. Estão de olho no espólio, e a
integridade do legado vai depender muito de sua capacidade de manter agregado
aquele percentual de eleitores que, mostram as pesquisas, ainda está com ele
para o que der e vier — algo em torno de 15% a 20%.
O
bolsonarismo ainda tem uma fatia e tanto das preferências, mas seu líder vai
entrar agora numa espécie de vale-quanto-pesa político: seu futuro está
diretamente ligado à sua competência para manter seus seguidores juntos e
animados. Daí a estratégia da vitimização do ex-presidente, já em curso, mas
que deve ser potencializada a partir do fim do julgamento.
O
problema é que, sozinho, um Bolsonaro não faz verão. Vai precisar de mídia,
espaço nas redes, apoio político para que tenha visibilidade aonde chegar, país
afora, com seu discurso de vítima do sistema. Mais do que nunca, vai precisar
dos recursos financeiros do PL de Valdemar Costa Neto, de quem vai se tornar
uma espécie de refém, a cada dia mais.
Entre
políticos ligados ao ex-presidente, inclusive Valdemar, há um discurso uníssono
de que Bolsonaro será um grande cabo eleitoral em 2024 e em 2026. Com certeza,
se mantidas as atuais condições temperatura e pressão e se, acima de tudo, a
direita brasileira — radical e moderada — marchar unida. Isso inclui, além do
bolsonarismo, seus filhotes mais promissores, como o governador Tarcísio de
Freitas, e outros personagens, como o mineiro Romeu Zema, o gaúcho Eduardo
Leite, o paranaense Ratinho e demais nomes. No plano partidário, manter juntos
PL, PP, Republicanos, etc.
Fonte:
Fórum
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