quinta-feira, 29 de junho de 2023

Cidade que mais se armou no governo Bolsonaro tem criança atirando e professora com fuzil

A cidade que mais se armou durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) coleciona casos inusitados com armas de fogo. Trata-se de Jataí, município situado na região sudoeste de Goiás.

É lá que uma diretora de escola foi afastada após tirar foto com um fuzil em novembro de 2022 e que o Ministério Público precisou recomendar o fim de aulas de tiro para crianças em abril deste ano.

O Metrópoles analisou dados detalhados do recadastramento de armas de fogo, realizado nos primeiros meses do governo Lula, para equipamentos adquiridos a partir de 7 de maio de 2019, data do decreto de Bolsonaro que ampliou acesso a armas de calibre restrito.

Considerando esses dados, o município de Jataí tem taxa de 5,2 mil armas para cada 100 mil habitantes, a maior entre as cidades com 50 mil moradores ou mais.

·         Foco rural

Jataí é considerada a capital da produção de grãos e leites de Goiás, chegando a ser a 4ª maior produtora de milho do país em 2019, segundo dados do IBGE.

Essa característica se revela entre as pessoas que se armaram em Jataí nos últimos quatro anos. Das 5.404 armas recadastradas, 1.143 foram identificadas como tendo donos produtores agropecuários.

Os números também mostram que a maior parte das pessoas que se armaram em Jataí é formada por homens (96,5%), casados (61,3%), com o ensino médio ou superior completos (75,92%).

De acordo com dados do Exército de março, a cidade de Jataí tem oito lojas de armas, sendo que seis delas foram autorizadas no governo Bolsonaro.

Arma para todo lado

Mais recentemente, em abril, Jataí foi parar no noticiário após a repercussão de crianças e adolescentes menores de 14 anos praticando tiro esportivo com armas de airsoft. O Ministério Público de Goiás (MPGO) emitiu recomendação para a suspensão dessas aulas.

Em novembro de 2022, a diretora de uma escola pública de Jataí, a professora Lúcia Siqueira Tavares, foi afastada de seu cargo após ter publicado uma foto ostentando um fuzil e a bandeira do Brasil ao fundo.

A imagem foi feita durante um evento militar na área externa do Comando de Operações Especiais, em Goiânia.

É o mesmo comando que prenderia o ministro do STF Alexandre de Moraes em um suposto golpe de estado, segundo áudio do ex-major do Exército Ailton Barros, preso pela Polícia Federal em 3 de junho.

Em discurso durante visita a Jataí em 31 de maio de 2022, Bolsonaro exaltou as armas e os fazendeiros, que agora seriam amigos dos assentados.

“Uma coisa muito importante para um povo que quer viver em paz e alegria: povo armado jamais será escravizado! A arma de fogo nas mãos do cidadão de bem, mais que defender a sua família, ele passa a defender a sua pátria!”, bradou o então presidente, sendo seguido por aplausos.

Durante a visita, o ex-presidente foi acompanhado por uma multidão que praticamente parou a cidade para recebê-lo. Bolsonaro ganhou o 2º turno em Jataí com 62,8% dos votos.

·         Crimes

No desligar das luzes de 2022, em 15 de dezembro, a Polícia Federal (PF) prendeu um despachante de armas em Jataí que estava usando documentos falsos a fim de conseguir registros de Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) para pessoas com antecedentes criminais, como receptação, tráfico de drogas e porte ilegal de arma.

 

Ø  Armas adquiridas no governo Bolsonaro se concentram no Sul e Centro-Oeste

 

As regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil concentram a maior quantidade de armas de fogo adquiridas nos últimos quatro anos, quando se considera a proporção por número de habitantes.

Dados do recadastramento revelam o perfil das pessoas que se armaram durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), com base nos equipamentos comprados a partir de maio de 2019. O Metrópoles teve acesso a esses índices via Lei de Acesso à Informação.

No Sul do país, foram 1.061,8 armas recadastradas a cada grupo de 100 mil habitantes. Na Região Centro-Oeste, a taxa foi de 1.034,5. Ambos os números estão bem acima dos índices registrados em outras regiões do país. Veja o mapa:

Gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani explica que a Região Sul e estados mais rurais têm tradição de caça e histórico de altas taxas de posse de armas.

“As taxas de Centro-Oeste e Norte me chamam muito a atenção. Já havia uma pista de que isso aconteceria, por causa da expansão acelerada de clubes de tiro, mesmo em cidades bem pequenas dessas regiões”, afirma Langeani.

Os cinco estados com as maiores taxas de armas de fogo por 100 mil habitantes são: Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. 

·         Aumento de homicídios

Bruno Langeani, autor do livro “Arma de Fogo no Brasil: gatilho da violência”, ressalta que a Região Norte teve crescimento de homicídios em 2021, na contramão do restante do país.

Além disso, o especialista apontou que vários estados do Norte e Centro-Oeste, como Mato Grosso, Rondônia, Acre e Mato Grosso do Sul, apresentam alta no número de assassinatos.

“Só a taxa de armas, sozinha, não é o único fator, mas dificulta o controle de homicídios”, destaca.

·         Mercado ilegal

Langeani acredita que parte do aumento nas regiões Norte e Centro-Oeste foi influenciado pela infiltração de grupos criminosos que recorrem a laranjas ou registram armas em nome próprio, no Exército. Por meio desse esquema, o armamento é utilizado em atividades de milícias rurais ou em apoio a atividades ilegais, tais como o garimpo e a extração de madeira.

“É um afrouxamento do governo que contribui para crimes ambientais e faz crescer o risco para agentes públicos que atuam na fiscalização da região”, ressalta.

Membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o pesquisador Roberto Uchôa destaca que muitos garimpeiros tinham armas legalizadas.

“A gente não pode descartar que a conexão dos mercados de arma legal e ilegal se intensificou. Se antigamente o criminoso precisava de R$ 60 mil, R$ 70 mil para comprar um fuzil, ele passou a comprar esse fuzil por R$ 15 mil no mercado interno”, pontua.

·         Calibre restrito

Uchôa também alerta para as cerca de 6 mil armas de calibre restrito não recadastradas. Vale lembrar que, nos primeiros meses de mandato, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) determinou o recadastramento das armas no sistema da Polícia Federal (PF), com o intuito de frear a facilitação para a compra de equipamento bélico por civis, durante a gestão de Bolsonaro.

“Há 6 mil armas de calibre restrito que ninguém sabe onde estão. E são justamente esses os equipamentos sobre os quais o país tinha de ter um maior controle, por serem de calibre restrito. Isso é muito preocupante. Muitas dessas armas podem estar na Região Norte”, pondera o pesquisador.

 

Ø  Homens, casados e escolarizados: veja o perfil de quem se armou no governo Bolsonaro

 

Homens, casados, escolarizados, moradores das regiões Sul e Centro-Oeste. Este é o perfil predominante das pessoas que se armaram nos últimos quatro anos no Brasil comandado pelo então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).

O Metrópoles teve acesso, via Lei de Acesso à Informação (LAI), aos dados detalhados de recadastramento das armas de fogo no sistema da Polícia Federal (PF), o Sinarm.

O recadastramento foi exigido nos primeiros meses do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A medida atingiu as armas adquiridas a partir de 7 de maio de 2019, data do decreto de Bolsonaro que ampliou o acesso para civis.

Um total de 486,4 mil pessoas proprietárias de 947,9 mil armas de fogo preencheram os formulários de recadastramento, que são a base para os números apresentados nesta reportagem.

·         Terreno masculino

Logo de cara, chama a atenção a quase totalidade de homens entre os donos das armas. Apenas 3,6% disseram ser do gênero feminino.

Essa predominância masculina é percebida pelo pesquisador Roberto Uchôa desde 2018, quando ele começou a frequentar clubes de tiros para uma pesquisa acadêmica que originou o livro “Armas para quem? A busca por armas de fogo”.

“Você só via mulher no clube de tiro quando estava vinculada a algum homem, como esposa ou filha. Não é um ambiente em que se aceite a participação feminina independente. Apesar de ter um discurso de que a ‘arma empodera a mulher’, tem muito de ‘a arma empodera a ‘minha’ mulher’. Não é ‘aquela’ mulher, é a ‘minha’”, avalia Uchôa, membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Apesar da baixa participação de mulheres na compra de armamentos, elas também são impactadas pelo movimento. É o que explica o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani.

“O perfil das pessoas que compram as armas é um, pessoas de mais alta renda, homens, profissionais liberais e muitas carreiras ligadas ao agro. Mas quem está sofrendo o efeito desta política em geral são homens, jovens, negros. E, mais recentemente, também tem aumentado o efeito nas mulheres, que não se interessam por armas, mas sofrem as consequências do aumento das armas nas mãos dos companheiros”, avalia Langeani, também autor do livro “Arma de fogo no Brasil: gatilho da violência”.

·         Poder de compra

Quando o assunto é profissão das pessoas que se armaram nos últimos quatro anos se destaca o número de comerciantes, produtores rurais, engenheiros e diretores de empresas.

Sete a cada 10 proprietários de armas escolheram a opção “ensino médio completo” ou “ensino superior completo” no formulário de recadastramento.

“É o público que pode adquirir armas, que custam caro. A gente não está falando em coisa que custa R$ 2 mil. A gente está falando em armas que custam R$ 5 mil e chegam a até R$ 15 mil, dependendo da marca”, diz Roberto Uchôa, do FBSP.

 

Fonte: Metrópoles

 

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