Cidade que mais se
armou no governo Bolsonaro tem criança atirando e professora com fuzil
A
cidade que mais se armou durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
coleciona casos inusitados com armas de fogo. Trata-se de Jataí, município
situado na região sudoeste de Goiás.
É
lá que uma diretora de escola foi afastada após tirar foto com um fuzil em
novembro de 2022 e que o Ministério Público precisou recomendar o fim de aulas
de tiro para crianças em abril deste ano.
O Metrópoles analisou dados detalhados do
recadastramento de armas de fogo, realizado nos primeiros meses do governo
Lula, para equipamentos adquiridos a partir de 7 de maio de 2019, data do
decreto de Bolsonaro que ampliou acesso a armas de calibre restrito.
Considerando
esses dados, o município de Jataí tem taxa de 5,2 mil armas para cada 100 mil
habitantes, a maior entre as cidades com 50 mil moradores ou mais.
·
Foco
rural
Jataí
é considerada a capital da produção de grãos e leites de Goiás, chegando a ser
a 4ª maior produtora de milho do país em 2019, segundo dados do IBGE.
Essa
característica se revela entre as pessoas que se armaram em Jataí nos últimos
quatro anos. Das 5.404 armas recadastradas, 1.143 foram identificadas como
tendo donos produtores agropecuários.
Os
números também mostram que a maior parte das pessoas que se armaram em Jataí é
formada por homens (96,5%), casados (61,3%), com o ensino médio ou superior
completos (75,92%).
De
acordo com dados do Exército de março, a cidade de Jataí tem oito lojas de
armas, sendo que seis delas foram autorizadas no governo Bolsonaro.
Arma
para todo lado
Mais
recentemente, em abril, Jataí foi parar no noticiário após a repercussão de
crianças e adolescentes menores de 14 anos praticando tiro esportivo com
armas de airsoft. O Ministério Público de Goiás (MPGO) emitiu recomendação para
a suspensão dessas aulas.
Em
novembro de 2022, a diretora de uma escola pública de Jataí, a professora Lúcia
Siqueira Tavares, foi afastada de seu cargo após ter publicado uma foto ostentando um fuzil e a bandeira
do Brasil ao fundo.
A
imagem foi feita durante um evento militar na área externa do Comando de
Operações Especiais, em Goiânia.
É
o mesmo comando que prenderia o ministro do STF Alexandre de Moraes em um
suposto golpe de estado, segundo áudio do ex-major
do Exército Ailton Barros, preso pela Polícia Federal em 3 de junho.
Em
discurso durante visita a Jataí em 31 de maio de 2022, Bolsonaro exaltou as
armas e os fazendeiros, que agora seriam amigos dos assentados.
“Uma
coisa muito importante para um povo que quer viver em paz e alegria: povo
armado jamais será escravizado! A arma de fogo nas mãos do cidadão de bem, mais
que defender a sua família, ele passa a defender a sua pátria!”, bradou o então
presidente, sendo seguido por aplausos.
Durante
a visita, o ex-presidente foi acompanhado por uma multidão que praticamente
parou a cidade para recebê-lo. Bolsonaro ganhou o 2º turno em Jataí com 62,8%
dos votos.
·
Crimes
No
desligar das luzes de 2022, em 15 de dezembro, a Polícia Federal (PF) prendeu
um despachante de armas em Jataí que estava usando documentos falsos a fim de
conseguir registros de Colecionador, Atirador e Caçador (CAC) para pessoas com
antecedentes criminais, como receptação, tráfico de drogas e porte ilegal de
arma.
Ø Armas adquiridas no
governo Bolsonaro se concentram no Sul e Centro-Oeste
As
regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil concentram a maior quantidade de armas de fogo adquiridas
nos últimos quatro anos, quando se considera a proporção por número de
habitantes.
Dados
do recadastramento revelam o perfil das pessoas que se armaram durante o
governo de Jair Bolsonaro (PL), com
base nos equipamentos comprados a partir de maio de 2019. O Metrópoles teve acesso a esses
índices via Lei de Acesso à Informação.
No
Sul do país, foram 1.061,8 armas recadastradas a cada grupo de 100 mil
habitantes. Na Região Centro-Oeste, a taxa foi de 1.034,5. Ambos os números
estão bem acima dos índices registrados em outras regiões do país. Veja o mapa:
Gerente
de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani explica que a Região Sul e
estados mais rurais têm tradição de caça e histórico de altas taxas de posse de
armas.
“As
taxas de Centro-Oeste e Norte me chamam muito a atenção. Já havia uma pista de
que isso aconteceria, por causa da expansão acelerada de clubes de tiro, mesmo
em cidades bem pequenas dessas regiões”, afirma Langeani.
Os
cinco estados com as maiores taxas de armas de fogo por 100 mil habitantes são:
Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Mato
Grosso.
·
Aumento
de homicídios
Bruno
Langeani, autor do livro “Arma de Fogo no Brasil: gatilho da violência”,
ressalta que a Região Norte teve crescimento de homicídios em 2021, na
contramão do restante do país.
Além
disso, o especialista apontou que vários estados do Norte e Centro-Oeste, como
Mato Grosso, Rondônia, Acre e Mato Grosso do Sul, apresentam alta no número de
assassinatos.
“Só
a taxa de armas, sozinha, não é o único fator, mas dificulta o controle de
homicídios”, destaca.
·
Mercado
ilegal
Langeani
acredita que parte do aumento nas regiões Norte e Centro-Oeste foi influenciado
pela infiltração de grupos criminosos que recorrem a laranjas ou registram
armas em nome próprio, no Exército. Por meio desse esquema, o armamento é
utilizado em atividades de milícias rurais ou em apoio a atividades ilegais,
tais como o garimpo e a extração de madeira.
“É
um afrouxamento do governo que contribui para crimes ambientais e faz crescer o
risco para agentes públicos que atuam na fiscalização da região”, ressalta.
Membro
do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o pesquisador
Roberto Uchôa destaca que muitos garimpeiros tinham armas legalizadas.
“A
gente não pode descartar que a conexão dos mercados de arma legal e ilegal se
intensificou. Se antigamente o criminoso precisava de R$ 60 mil, R$ 70 mil para
comprar um fuzil, ele passou a comprar esse fuzil por R$ 15 mil no mercado
interno”, pontua.
·
Calibre
restrito
Uchôa
também alerta para as cerca de 6 mil armas de calibre restrito não
recadastradas. Vale lembrar que, nos primeiros meses de mandato, o governo
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) determinou o
recadastramento das armas no sistema da Polícia Federal (PF), com o intuito de
frear a facilitação para a compra de equipamento bélico por civis, durante a
gestão de Bolsonaro.
“Há
6 mil armas de calibre restrito que ninguém sabe onde estão. E são justamente
esses os equipamentos sobre os quais o país tinha de ter um maior controle, por
serem de calibre restrito. Isso é muito preocupante. Muitas dessas armas podem
estar na Região Norte”, pondera o pesquisador.
Ø Homens, casados e
escolarizados: veja o perfil de quem se armou no governo Bolsonaro
Homens,
casados, escolarizados, moradores das regiões Sul e Centro-Oeste. Este é o
perfil predominante das pessoas que se armaram nos últimos
quatro anos no Brasil comandado pelo então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).
O Metrópoles teve acesso, via Lei
de Acesso à Informação (LAI), aos dados detalhados de recadastramento das
armas de fogo no
sistema da Polícia Federal (PF), o Sinarm.
O
recadastramento foi exigido nos primeiros meses do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A medida atingiu
as armas adquiridas a partir de 7 de maio de 2019, data do decreto de Bolsonaro
que ampliou o acesso para civis.
Um
total de 486,4 mil pessoas proprietárias de 947,9 mil armas de fogo preencheram
os formulários de recadastramento, que são a base para os números apresentados
nesta reportagem.
·
Terreno
masculino
Logo
de cara, chama a atenção a quase totalidade de homens entre os donos das armas.
Apenas 3,6% disseram ser do gênero feminino.
Essa
predominância masculina é percebida pelo pesquisador Roberto Uchôa desde 2018,
quando ele começou a frequentar clubes de tiros para uma pesquisa acadêmica que
originou o livro “Armas para quem? A busca por armas de fogo”.
“Você
só via mulher no clube de tiro quando estava vinculada a algum homem, como
esposa ou filha. Não é um ambiente em que se aceite a participação feminina
independente. Apesar de ter um discurso de que a ‘arma empodera a mulher’, tem
muito de ‘a arma empodera a ‘minha’ mulher’. Não é ‘aquela’ mulher, é a
‘minha’”, avalia Uchôa, membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (FBSP).
Apesar
da baixa participação de mulheres na compra de armamentos, elas também são
impactadas pelo movimento. É o que explica o gerente de projetos do Instituto
Sou da Paz, Bruno Langeani.
“O
perfil das pessoas que compram as armas é um, pessoas de mais alta renda,
homens, profissionais liberais e muitas carreiras ligadas ao agro. Mas quem
está sofrendo o efeito desta política em geral são homens, jovens, negros. E,
mais recentemente, também tem aumentado o efeito nas mulheres, que não se
interessam por armas, mas sofrem as consequências do aumento das armas nas mãos
dos companheiros”, avalia Langeani, também autor do livro “Arma de fogo no
Brasil: gatilho da violência”.
·
Poder
de compra
Quando
o assunto é profissão das pessoas que se armaram nos últimos quatro anos se
destaca o número de comerciantes, produtores rurais, engenheiros e diretores de
empresas.
Sete
a cada 10 proprietários de armas escolheram a opção “ensino médio completo” ou
“ensino superior completo” no formulário de recadastramento.
“É
o público que pode adquirir armas, que custam caro. A gente não está falando em
coisa que custa R$ 2 mil. A gente está falando em armas que custam R$ 5 mil e
chegam a até R$ 15 mil, dependendo da marca”, diz Roberto Uchôa, do FBSP.
Fonte:
Metrópoles
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