Raniero
La Valle: Guerra como produto
O motim do [grupo
paramilitar] Wagner na Rússia terminou negativamente para o
soldado Prigozhin e para os serviços
de inteligência ocidentais que, se era verdade a gaba de que sabiam tudo de
antemão, não sabiam como se mover e o que fazer. Em vez disso, acabou
positivamente para Putin, que poderia ter
parado o comboio de mercenários na estrada para Moscou com tiros de canhão e, pelo contrário, calculou bem os
riscos, preferindo a solução política (portanto, é uma questão de terroristas!)
e evitando a guerra civil.
Contra as alegres profecias de um colapso da Rússia e sua derrocada militar, a contraofensiva ucraniana não tirou
nenhuma vantagem da crise e a guerra continuou como estava.
Em
vez disso, a aventura do grupo Wagner chamou
a atenção para o flagelo dos
exércitos mercenários e
dos "empreiteiros" que integraram ou até substituíram os exércitos
conscritos. O pacifismo no Ocidente saudou
a renúncia ao recrutamento obrigatório pelos estados como sua vitória, mas na
realidade foi a vitória dos belicistas que, queimados pela experiência do Vietnã (os cartões postais de
preceito queimados nos campi universitários) e pela legitimidade da objeção de
consciência, perceberam que não podiam mais confiar no exército popular e no
seu amor gratuito pela pátria e optaram pela prostituição, pela guerra e pela
compra de serviços militares por dinheiro.
Desta
forma, a guerra perdeu cada vez mais os seus álibis ideais (e os comportamentos
sonhados pelas Convenções de
Genebra) e tornou-se cada vez mais intrínseca ao dinheiro; como toda realidade
submetida pelo capitalismo, e antes pelo Nomos do Ocidente,
à lei da coisa, a guerra tornou-se um produto e os homens e mulheres de armas tornaram-se produtíveis, não apenas em benefício
das indústrias e do mercado de armas, mas também das guerras a serem travadas e
do saque e dos mortos a serem trocados entre as partes em conflito.
O
sistema de dominação e de guerra ao qual, a partir do grande acontecimento
político da derrubada do Muro de Berlim, a ordem
internacional foi conformada e a própria condição humana na Terra foi
escravizada (lembre-se do ministro que durante a Guerra do Golfo explicou na Câmara que já não era mais
possível distinguir tempo de guerra de tempo de paz), foi assim
institucionalizado e equipado com todas as garantias de não ser questionado e
contestado em democracia sobre as guerras individuais a serem travadas.
"Paradoxalmente,
se hoje queremos lutar pela paz e pelo
repúdio ao sistema de guerra, devemos lutar pelo restabelecimento do serviço militar obrigatório, mas de
forma a visar a criação de exércitos capazes de defender, de várias formas, não
apenas um, mas muitos municípios ativos de que consistem as Pátrias; e
estas Forças Armadas podem nem sempre estar
armadas, como foi o caso da missão militar italiana que, após a queda de Hoxha, saiu sem armas para ajudar
a Albânia e não por
acaso foi chamada de “Pelicano”.
E com o recrutamento obrigatório poderia até voltar a objeção de consciência
que na Itália, único país
do mundo, a lei reformada elaborada no Parlamento pelo Grupo Interparlamentar (e interpartidário) pela Paz (GIP) chama, positivamente, "a obediência à consciência".
Ø
Como
a paz foi impedida na Ucrânia e na Europa. Por Domenico Gallo
Agora
sabemos que em março-abril de 2022 as chancelarias dos principais países
ocidentais agiram secretamente para impedir a paz, ou seja, para impedir que a guerra travada pela
Rússia fosse
rapidamente concluída com um acordo
de paz, que lançaria as bases para a coexistência pacífica entre as duas
nações.
Na
era da comunicação, em que estamos interligados com o mundo todo e podemos
receber qualquer notícia em tempo real, mais uma vez verifica-se que as
chancelarias das grandes potências estão agindo da forma mais encoberta possível
e mantendo suas escolhas de guerra estritamente escondidas, passam por cima das
cabeças dos povos. Acreditávamos que a diplomacia secreta, tecida na pele dos povos, pertencia ao
passado, como aconteceu durante a Primeira
Guerra Mundial quando, através de um Tratado secreto estipulado
em Londres em
26-04-1915, um pequeno rei concordou, sem o conhecimento do Parlamento e
opinião pública, a entrada da
Itália na guerra, sabendo muito bem que teria levado à morte centenas de
milhares de seus súditos.
Em
vez disso, verifica-se agora que as chancelarias dos principais países ocidentais agiram
secretamente para impedir a paz, ou seja, para
impedir que a infeliz empresa de guerra empreendida pela Rússia fosse rapidamente
concluída com um acordo de paz,
que lançaria as bases para uma paz pacífica, coexistência entre as duas nações.
Na verdade, em 16-03-2022, o Financial Times divulgou um
plano de paz de 15 pontos, baseado na reconciliação dos vários interesses no
campo, que as partes haviam acordado durante as negociações russo-ucranianas
na Turquia.
Tratou-se
de uma antecipação jornalística, que não foi confirmada pelas partes
envolvidas, mas indícios dela podem ser deduzidos das declarações de Zelensky e seus assessores mais
próximos que na época, por diversas vezes, eles reconheceram que a Ucrânia poderia optar por não ser
membro da OTAN e aceitar
um status neutro. Já na época, os observadores mais atentos,
como Jeffrey Sachs (entrevista
ao Corriere della Sera em
01-05-2022) observavam com desconfiança que, diante dessas propostas de paz, o
governo dos Estados Unidos havia
mantido um silêncio mortal.
Na
realidade, não só o governo americano, mas também a Grã-Bretanha, os dirigentes da União Europeia e as chancelarias
dos principais países europeus mantiveram um silêncio mortal, ajudados nisso
pela atitude conspiratória da imprensa que nunca fez perguntas
que poderiam perturbar os operadores. Agora sabemos que os rumores
no Financial Times eram
mais do que fundados: o acordo de
paz havia sido alcançado.
No
dia 17 de junho, recebendo a delegação de líderes africanos, liderado
pela África do Sul, o
presidente russo, Vladimir Putin,
anunciou que durante as negociações entre as delegações ucraniana e russa
realizadas em Istambul no
fim de março de 2022, foi alcançado um acordo muito detalhado que previa a
neutralidade da Ucrânia como
ponto central e que, após o retirada das tropas russas em torno de Kiev, a guerra terminaria. Putin mostrou o documento com a
assinatura do chefe da delegação ucraniana. Imediatamente após a retirada das
tropas de Kiev e Kharkiv, segundo Putin, o acordo foi rasgado pelos ucranianos
e jogado "na lata de lixo da história". O documento, em 18 artigos,
foi intitulado: “Tratado de Neutralidade
Permanente e Garantias de Segurança para a Ucrânia”.
O
acordo não se limitou a petições de princípio, mas continha um anexo detalhado
com cláusulas específicas, até equipamentos de combate e pessoal das Forças Armadas. Tratava-se, portanto,
de um acordo específico, concreto, inteiramente adequado para pôr fim à guerra.
Uma pista é a evidência de um fato desconhecido inferido de um fato conhecido.
O fato conhecido é a existência de um tratado de paz que teria encerrado a guerra. Deste fato, que
não pode mais ser contestado, pode-se deduzir que houve uma atividade secreta,
que se desenvolveu na pele do povo ucraniano e de outros povos europeus para
impedir a paz. Os principais suspeitos são os EUA e a Grã-Bretanha,
como principais fornecedores de armas para a Ucrânia.
O
acordo não foi implementado porque Biden e Johnson evidentemente o vetaram,
garantindo a Zelensky que
forneceriam a ele poder de fogo suficiente para virar o jogo. O acordo não
poderia ter sido ignorado pelos estados indicados como garantidores da proteção da Ucrânia neutra de
qualquer agressão, incluindo França, Alemanha, Estados Unidos, Reino
Unido, Turquia; como
resultado, até mesmo os líderes da União
Europeia devem estar cientes disso. Conscientes do acordo, estes
Estados e os dirigentes da UE deviam necessariamente estar a par das manobras
postas em prática para impedir a paz. No entanto, eles mantiveram silêncio,
mantiveram um silêncio mortal, evidentemente compartilhando a conduta que
instigou a Ucrânia a
romper o acordo que seus próprios negociadores haviam assinado. Quando os
delitos são cometidos, é necessário mantê-los estritamente ocultos para atingir
o objetivo.
O
objetivo de incluir a Ucrânia na
grande "família atlântica",
evidentemente valeu centenas de milhares de mortes, o ecocídio do meio
ambiente, sofrimento indescritível para as populações envolvidas. Ao esconder
esta verdade, que a guerra poderia ser interrompida algumas semanas após sua
eclosão e perdas infindáveis evitadas, uma traição foi cometida em detrimento
de todos os povos europeus. Para completar o trabalho, até agora a notícia do
acordo de paz acenado por Putin tem
sido mantida em absoluto sigilo por TVs, jornais e agências de notícias. Mas
não podemos nos calar e gritamos aos quatro ventos.
Ø
Pacifismo
é a resposta errada para a guerra na Ucrânia. Por Slavoj Žižek
Para
mim, o mega-hit de John Lennon “Imagine”
sempre foi uma canção popular pelas razões erradas. Imaginar que “o mundo vá viver como um” é a melhor
maneira de ir parar no inferno.
Quem
se agarra ao pacifismo diante
do ataque da Rússia na
Ucrânia fica
preso na sua versão particular de “Imagine”. Imaginar um mundo em que as
tensões não sejam mais resolvidas por conflitos armados... a Europa persistiu nesse mundo de “Imagine”, ignorando a
realidade brutal fora de suas fronteiras. Agora é hora de acordar.
O
sonho de uma vitória ucraniana rápida
e a repetição do sonho inicial de uma vitória russa rápida acabaram. No que parece cada vez mais um
longo impasse, a Rússia está
lentamente avançando e a sua meta final foi claramente colocada. Não há mais
necessidade de ler nas entrelinhas quando Putin compara a si
mesmo com Pedro o Grande:
“Diante disso, [Pedro] estava em
guerra com a Suécia para
tirar algo dela... Mas não estava lhe tirando qualquer coisa, estava trazendo
de volta... estava trazendo de volta e reforçando, é isto o que ele estava
fazendo. Claramente, coube a nós [Rússia
atual e Putin] trazer algo de volta e reforçar também”.
Mais
do que focar questões específicas (estaria a Rússia realmente apenas “trazendo de volta”, e para que?),
deveríamos ler com atenção a justificativa geral de Putin para essa alegação: “De
maneira a reivindicar algum tipo de liderança – eu não estou nem mesmo falando
de liderança global, estou
falando de liderança em qualquer área – qualquer país, qualquer povo, qualquer
grupo étnico deve garantir a sua própria soberania. Porque não há
meio termo, não existe nenhum estado intermediário: ou o país é soberano, ou é uma colônia, não
importando como as colônias sejam chamadas”.
A
consequência destas linhas, como dito por um comentador, é clara: há duas
categorias de estado, “os soberanos e os conquistados. Na visão imperial de
Putin,
a Ucrânia cai na
última categoria”. Como evidenciado em declarações russas oficiais nos últimos
meses, também Bósnia e Herzegovina, Kosovo, Finlândia e os países
bálticos... e, em última análise, a Europa mesma, “recaem nessa última categoria”.
Nós
agora sabemos o que a cobrança de permitir a Putin “salvar a honra”
significa. Significa aceitar não um compromisso territorial menor, no Donbas, mas a ambição imperial de Putin. O motivo
pelo qual essa ambição deve ser incondicionalmente rejeitada é que, no mundo
global hoje, em que somos assombrados pelas mesmas catástrofes, estamos todos no
estado intermediário, no meio, nem
país soberano, nem país conquistado. Insistir na plena soberania ante o
aquecimento global é loucura pura, uma vez que a nossa sobrevivência mesma
depende de estreita cooperação global.
Mas
não é que a Rússia simplesmente
ignore o aquecimento global. Por que estava
tão irritada com a intenção dos países escandinavos de ingressarem
na OTAN?
É porque, com o aquecimento global, o controle sobre a passagem do Ártico é colocado em
jogo. (É por isso que Trump queria comprar a Groenlândia da Dinamarca.) Com o desenvolvimento explosivo de China, Japão e Coreia do Sul, a rota
principal de transporte vai passar pelo norte da Rússia e da Escandinávia. O
plano estratégico da Rússia é lucrar com o aquecimento global:
controlar a principal rota de transporte mundial, depois desenvolver a Sibéria
e controlar a Ucrânia.
Desse modo, a Rússia vai
dominar tanta produção de alimentos que vai ser capaz de chantagear o mundo
inteiro. Essa é a realidade econômica última por trás do sonho imperial de Putin.
Quem
defende menos apoio à Ucrânia e
mais pressão para que negocie, inclusive aceitando renúncias territoriais
dolorosas, gosta de repetir que a Ucrânia simplesmente não tem como vencer
uma guerra contra a Rússia. É verdade, mas eu vejo exatamente aí a grandeza da
resistência ucraniana:
eles arriscaram o impossível, desafiaram os cálculos pragmáticos, e o mínimo
que lhes devemos agora é o apoio total, e para fazer isso, precisamos de
uma OTAN mais forte –
mas não como extensão da política [policy] dos Estados Unidos.
A estratégia dos
Estados Unidos em
reagir através da Europa é
mais do que evidente: não apenas a Ucrânia,
a Europa ela mesma está se tornando o lugar em que se trava a guerra por procuração entre Estados Unidos e
Rússia, que inclusive pode terminar num acordo entre os dois às expensas
da Europa. Somente existem
dois caminhos para a Europa sair
desta posição: jogar o jogo da neutralidade – atalho para a catástrofe – ou se
tornar um agente autônomo. (Apenas pense como a situação pode mudar se Trump vencer as
próximas eleições nos Estados Unidos.)
Quando
algumas pessoas de esquerda reclamam que a guerra em curso é de interesse do complexo
militar-industrial da OTAN, que está se beneficiando da demanda por armas, para
evitar a crise e obter novos lucros, a verdadeira mensagem à Ucrânia é: ok, vocês são vítimas
de uma agressão brutal, mas não contem com as nossas armas porque desta forma
virariam joguetes nas mãos do complexo
militar-industrial…
A
desorientação causada pela guerra
ucraniana está provocando estranhos parceiros de cama, como Henry Kissinger e Noam Chomsky, que “vêm de
extremos opostos do espectro político – Kissinger tendo servido como Secretário de Estado durante o
mandato de presidentes republicanos e Chomsky um dos intelectuais de proa da esquerda nos Estados Unidos – e frequentemente
colidiram um contra o outro. Mas quando o assunto é a invasão russa na Ucrânia,
os dois recentemente defenderam que a Ucrânia considerasse uma solução de
compromisso envolvendo ceder algum território para obter um acordo de paz mais
rápido”.
Em
suma, os dois sustentam a mesma versão
de “pacifismo” que só funciona se ignorarmos o fato-chave de
que esta guerra não é sobre a
Ucrânia, mas sim momento de uma tentativa brutal de mudar a situação
geopolítica como um todo. O alvo verdadeiro da guerra é o desmantelamento da
unidade da Europa,
defendido não apenas pelos conservadores
nos Estados Unidos e na Rússia, mas também pela extrema-direita europeia
e pela esquerda – neste ponto, é Mélenchon quem
encontra Le Pen.
A
noção mais louca pairando nesses dias é que, para contrastar a polaridade
entre Estados Unidos e China (que imbuem os excessos do
liberalismo ocidental e do autoritarismo oriental), a Europa e a Rússia deveriam reagrupar forças
e formar um terceiro bloco “Eurasiático”,
baseado no legado cristão purificado dos excessos liberais. Esta ideia mesma de
uma terceira via “Eurasiática” é
a forma do fascismo hoje.
Então
o que vai acontecer “quando eleitores
na Europa e na América, defrontados com os preços galopantes da energia
e com a inflação mais alta, decorrentes das sanções contra a Rússia, possam perder o apetite por uma guerra
que parece não ter fim, com demandas que estão apenas aumentando para ambos os
lados e que parece confluir para um impasse prolongado”? A resposta é óbvia:
o legado europeu será
perdido, a Europa será
uma divisão de facto entre zonas
de influência dos Estados Unidos e da Rússia. Em suma, a Europa ela mesma se tornará o
lugar de uma guerra que parece não ter fim…
O
que é de todo inaceitável para alguém realmente de esquerda é não somente apoiar a Rússia, como também fazer uma mais “modesta” e neutra afirmação, a
de que a esquerda estaria dividida entre dois grupos, pacifistas e apoiadores da Ucrânia, e que se deveria
tratar essa divisão como um fato secundário, não devendo interferir na
nossa luta global contra o capitalismo.
Quando
um país está ocupado, a classe dominante é usualmente subornada para colaborar
com os ocupantes, a fim de poder manter a sua posição privilegiada; por isso, a
luta contra os ocupantes se torna uma prioridade. O mesmo vale para a luta contra o racismo. Numa situação
de tensão e exploração raciais,
o único modo para efetivamente lutar
pela classe trabalhadora está em concentrar-se na luta contra o racismo (é por isso
que qualquer apelo em nome da
classe trabalhadora branca, como no atual populismo da direita
alternativa [alt-right],
significa trair a luta de classe).
Hoje,
não se pode ser de esquerda sem estar inequivocamente pela Ucrânia. Ser da esquerda que “mostra
compreender” as razões da Rússia é
como ser um daqueles esquerdistas que, antes da Alemanha atacar a União Soviética, levaram a sério a retórica “anti-imperialista”
alemã dirigida contra o Reino
Unido e defenderam a neutralidade na guerra da Alemanha contra a França e o Reino Unido.
Se
a esquerda falhar agora, o jogo terminou para ela. Mas isto significa que a
esquerda deve simplesmente ficar do lado do ocidente, inclusive do lado
dos fundamentalistas de direita
que também apoiam a Ucrânia?
Num
discurso em Dallas, em 18
de maio de 2022, enquanto criticava o sistema político da Rússia, o ex-presidente Bush disse: “O resultado é uma
ausência de pesos e contrapesos na Rússia,
e a decisão de um homem em lançar uma invasão brutal e totalmente injustificada
do Iraque”. Ele rapidamente
corrigiu: “Quero dizer, da Ucrânia”,
e a seguir completou: “Iraque,
de qualquer modo”, gerando o riso da plateia. Por último, Bush acrescentou “75”,
referindo-se à sua idade.
Como
muitos comentadores notaram, duas coisas não podem deixar de saltar aos olhos
no lapso obviamente freudiano: o fato que a plateia recebeu com riso a confissão implícita de Bush de
que o ataque ao Iraque ordenado
por ele era uma “invasão brutal e totalmente injustificada”; em vez de tratá-la
como a admissão de culpa por um crime comparável à invasão da Rússia na Ucrânia. Além disso, quanto à continuação
enigmática de Bush: “Iraque, de qualquer modo” – o que ele
quis dizer com essa autocorreção? Que a diferença entre Ucrânia e Iraque realmente não importaria?
A referência final a sua idade avançada não afeta em nada o enigma.
Mas
o enigma se dissolve no momento em que levamos a declaração de Bush a sério e literalmente: sim,
considerando todas as diferenças (Zelensky não é um
ditador como Saddam), Bush fez a mesma coisa que Putin agora está fazendo à Ucrânia, então ambos devem ser
julgados com a mesma medida.
Na
data em que escrevo, aprendemos da mídia que o fundador do Wikileaks Julian Assange teve a
sua extradição aos Estados Unidos aprovada
pela secretária do interior do Reino Unido, Priti Patel. O crime? Nada além de tornar público os crimes
confessados pelo lapso de Bush.
Os documentos vazados pelo Wikileaks revelaram
como, na presidência de Bush,
“durante a guerra no Afeganistão,
as forças armadas dos Estados
Unidos mataram milhares de civis em episódios não-relatados,
enquanto os arquivos da guerra vazados mostraram que 66 mil civis foram mortos,
e prisioneiros torturados”. Crimes integralmente comparáveis com o que Putin está fazendo na Ucrânia. Olhando retrospectivamente,
podemos dizer que o Wikileaks expôs
dezenas de Buchas e Mariupols.
Então,
enquanto levar Bush a
julgamento é não menos ilusório do que levar Putin ao tribunal
de Haia, o mínimo a ser feito pelos que se opõem à invasão da Ucrânia é demandar a
soltura imediata de Assange.
A Ucrânia reivindica estar lutando
pela Europa, e a Rússia reivindica estar lutando
pelo resto do mundo contra a hegemonia unipolar
ocidental.
Ambas as reivindicações devem ser rejeitadas, e aqui é onde a diferença entre
esquerda e direita entra em cena.
Do
ponto de vista de direita, a Ucrânia luta
pelos valores europeus contra os
não-europeus autoritários; do ponto de vista de esquerda, a Ucrânia luta pela liberdade global,
inclusive pela liberdade dos próprios russos. É por isso que o coração de todo
russo patriota hoje bate pela Ucrânia.
Fonte:
IHU OnLine
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