sexta-feira, 30 de junho de 2023

Para salvar o planeta, é preciso bancos verdes, vamos cuidar da natureza transformando a economia

Gaël Giraud, de 53 anos, parisiense, matemático e professor de Justiça Ambiental na Georgetown University, de Washington/DC, em 2003 largou Wall Street para se tornar jesuíta e hoje é muito próximo do Papa Francisco sobre a transição climática. Com Carlo Petrini escreveu Il gusto di cambiare (Editora Vaticana) com prefácio papal.

>>>> Eis a entrevista.

·         Você sustenta que se o petróleo, o gás e o carvão fossem proibidos, os principais bancos iriam à falência, mas não iria parar também todo o sistema econômico?

Com o Institut Rousseau em Paris estudamos o balanço dos maiores onze bancos da zona do euro, incluindo Intesa San Paolo, Unicredit, Deutsche Bank, Bnp-Paribas... No total, têm 530 bilhões de euros de ativos financeiros ligados aos combustíveis fósseis, em média 95% dos fundos específicos de cada instituição. Se proibíssemos as energias fósseis, como deveríamos, os bancos iriam à falência.

De qualquer forma, se não transformássemos a economia, todo o sistema iria à falência. Energias renováveis, reciclagem da água e luta contra o desperdício são oportunidades para gerar empregos e devolver um sentido ao viver juntos, reconciliar as gerações e nos reaproximar da natureza. Podemos salvar os bancos: não temos que escolher entre eles e o planeta.

·         São um "mal" necessário?

Já a encíclica Quadragesimo anno de Pio XI em 1931 denunciou o terrível poder dos bancos quando não são regulados e orientados para o bem comum. Os institutos de crédito emprestam dinheiro todos os dias, é o trabalho deles. A questão é: para especular nos mercados financeiros ou para financiar hospitais, escolas e comunidades energéticas? Com minha equipe da escola McCourt de políticas públicas na Georgetown University, demonstramos que o mundo precisa de cerca de 95 trilhões de dólares de financiamentos verdes até 2035 para respeitar o Acordo de Paris. Isso significa investir o equivalente ao PIB mundial nos próximos 15 anos. Com o Institut Rousseau, mostramos que descarbonizar a economia francesa até 2050 custará 2% do PIB por ano. Sem bancos nunca teremos sucesso: portanto, é muito importante liberá-los dos ativos "escuros".

·         Até o Vaticano tem o IOR… quem não tiver pecado que atire a primeira pedra?

Os esforços do Papa Francisco para reformar as finanças do Vaticano são conhecidos de todos.

·         Você quer desonerar os bancos dos investimentos em empresas poluidoras, mas não seria suficiente converter estas últimas, como já se começou a fazer?

Respondo com uma analogia: se um fumante sofre de câncer de pulmão, é imperativo que pare de fumar, mas isso não é suficiente para fazer desaparecer as metástases. É preciso interromper os financiamentos aos projetos fósseis e depois é preciso pensar nos ativos correspondentes que os bancos têm em seus balanços como herança do passado. A criação de um bad bank para lidar com eles levaria mais uma vez os contribuintes italianos a pagar. E depois da transferência das dívidas do Monte dei Paschi para o balanço do Estado parece-me que já o fizeram. O BCE poderia executar os ativos fósseis e assumir apenas parte de seu valor. Isso não custaria nada e se o dinheiro que os bancos receberiam fossem usados para a transição ecológica, financiar-se-ia um novo acordo verde com muitos empregos.

·         O Papa, os Fridays for Future e os ativistas que mancham (com a violência) os movimentos: todos querem a mesma coisa de maneira diferente?

Alguns ativistas estão com raiva: dá para entender, mas a violência é inaceitável. O Papa é o único chefe de estado que se dedica com vigor a favor de uma cultura do cuidado em relação aos outros e ao planeta.

·         Segundo o filósofo Slavoj Zizek, o fim do mundo chegará antes do fim do capitalismo, o que você acha?

Ele adora a provocação, mas essa afirmação não faz sentido.

·         Quais as suas propostas para mudar o capitalismo?

São muitos, por exemplo um banco para a água. Na França, são necessários 30 bilhões de euros para a manutenção da tubulação.

·         Seu pensamento é semelhante ao de Thomas Piketty, certo?

Estudamos juntos em Paris, mas apresentei uma proposta de reforma tributária na França que me parece mais interessante que a dele. Às vezes tenho a impressão de que ele é meio obcecado pela ideia de fazer pagar os ricos.

·         Como a globalização está se desenrolando e como se conecta com a questão ambiental?

Um ponto decisivo foi a crise financeira de 2008, quando Pequim decidiu reorientar sua produção industrial para o mercado interno. Naquela época, a China tinha um superávit de 3 trilhões de dólares em comparação com o Ocidente. Hoje sua balança comercial está equilibrada. A China não é mais o nosso produtor e uma nova globalização deve ser inventada. Na minha opinião, ela significa a reindustrialização verde da Europa e um Plano Marshall para a África. A guerra na Ucrânia revelou a dependência africana do comércio internacional de grãos e a europeia das energias fósseis russas. No entanto, os desastres que o aquecimento climático vai causar são sem comparações com relação a esses dois eventos.

·         Você passou de Wall Street aos jesuítas. Semelhanças e diferenças?

Lloyd Blankfein, ex-número um do Goldman Sachs, confessou em 2008 fazer "o trabalho de Deus". Nós, jesuítas, temos uma posição mais humilde: somos as testemunhas do trabalho do Senhor na criação e no coração das pessoas de hoje. E às vezes ajudamos a fazer frutificar as sementes plantadas por Deus.

·         Meio ambiente à parte, haverá outra crise financeira?

falência do Silicon Valley Bank em 48 horas, em março passado, causou o segundo maior crash bancário da história dos Estados Unidos. Para evitar uma hemorragia, o governo Biden tomou algumas medidas históricas que, no entanto, não impediram a crise do Credit Suisse. A subcapitalização dos bancos europeus, denunciada há vários anos pelo FMI, é uma verdadeira preocupação para a estabilidade financeira. E o fracasso na separação dos bancos empresariais daqueles de crédito e depósito cria uma séria ameaça.

·         Você também foi conselheiro de Hollande. Em sua opinião, o que a esquerda está errando na França e na Itália? E a direita?

transição ecológica não é de direita nem de esquerda. Muitos amigos italianos me confidenciam a sua frustração: seja qual for a orientação política do governo eleito, é implementada a mesma política. Enquanto não engajarmos seriamente a Europa para um futuro sustentável, continuaremos a correr para o abismo, estejamos à direita ou à esquerda.

 

Ø  Sobre as dificuldades da transição ecológica. Por Jorge Riechmann

 

Um notável editorial da Nature, em março deste ano, reivindica o estudo de 1972 The Limits to Growth (o primeiro dos relatórios ao Clube de Roma) e destaca que “embora agora exista um consenso sobre os efeitos irreversíveis das atividades humanas sobre o meio ambiente, os pesquisadores não têm um acordo sobre as soluções, especialmente se envolvem frear o crescimento econômico. Este desacordo impede a ação. É hora de os pesquisadores encerrarem seu debate. O mundo precisa que eles se concentrem nos grandes objetivos de impedir a destruição catastrófica do meio ambiente e melhorar o bem-estar”.

Voltarei mais tarde ao significado de “melhorar o bem-estar”. Agora, interessa-me destacar que o editorial da Nature segue argumentando que o debate hoje, uma vez aceita a existência de limites biofísicos ao crescimento, concentra-se em duas posições principais, crescimento verde versus decrescimento, e que estas deveriam fazer um esforço para dialogar entre elas.

Um debate central, sem dúvida, modulado e reiterado em diferentes níveis. Para citar algo próximo: há alguns dias, um amigo (e companheiro de militância em Ecologistas en Acción) me dizia que o debate sobre a transição ecológica (e a transição energética em particular) é extraordinariamente complicado. Também nos divide dentro dos próprios movimentos ambientalistas. “A questão é se para onde queremos ir (uma sociedade que respeite os limites biofísicos) é possível chegar a partir de um sistema industrializado, modificando-o e reduzindo-o, ou é possível fazer diretamente. E não parece que tenhamos muito tempo para qualquer uma das duas opções”. A abordagem é a mesma do editorial da Nature.

As causas estruturais do declínio civilizacional são claras – se é preciso dizer com uma única palavra: overshoot, extralimitação ecológica –, mas muitas autoridades, muitos grupos de interesse, muitas empresas e o sistema de mass media (que nos deseduca minuciosamente: “meios de formação de massas”, conforme os chamava Agustín García Calvo) persistem em apontar apenas causas conjunturais o tempo todo: agora é a pandemia, depois é a invasão da Ucrânia, mas não se preocupem porque nada no funcionamento básico do nosso sistema vai mal.

Nosso problema de fundo é que continuamos sendo uma sociedade terraplanista. Continuamos buscando viver como se não houvesse limites biofísicos (em um planeta finito, cujos limites já ultrapassamos). E isso coloca a transição ecológica como uma missão impossível. Existem limites biofísicos (frente ao querer e fazer humanos). E por essa razão, existem formas de escassez que não são superáveis (nisto cabe pensar em termos de exergia, como fazem os físicos termodinâmicos Antonio Valero e Alicia Valero).

Estamos em uma situação de overshoot (para além dos limites). E por essa razão, os “estilos de vida” da “classe média” do Norte global devem ser vistos como o que de fato são: modos de vida imperiais.

Isso nos coloca um problema político de primeira ordem, porque as classes trabalhadoras do Norte também estão presas a esses imaginários de “classe média” (exemplos: comer carne, usar avião, o carro particular).

Há um fato que poucos se atrevem a olhar de frente neste debate: a superabundância energética que os combustíveis fósseis nos proporcionaram durante o último século e meio é irrepetível (embora agora também esteja em queda: petróleo, carvão e gás natural proporcionam cada vez menos energia líquida) e isso faz com que qualquer transição energética que enfrentarmos será uma transição decrescentista (melhor ou pior realizada: de forma igualitária ou genocida).

Green Growth, embora possa ser praticado ocasionalmente em alguns lugares, não é generalizável. O que em um artigo publicado há um ano eu chamava de “Plano B” (a transição energética entendida de forma convencional como a simples substituição de fontes fósseis por renováveis) é inviável.

Se também está claro que o “plano A” de continuar com o business as usual é inviável e leva a continuar explorando as reservas de combustíveis fósseis existentes, a militarização mundial que acelerou a invasão da Ucrânia pela Rússia nos coloca ainda em pior posição. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anuncia planos para expandir a perfuração em busca de petróleo e gás no Golfo do México e no Alasca, um dia após a devastadora decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o clima, e apesar das claras advertências dos cientistas climáticos do mundo de que a expansão dos combustíveis fósseis deve parar imediatamente, destaca o climatologista Peter Kalmus.

A União Europeia também recorre ao carvão para suprir o declinante fluxo de gás natural russo. Kalmus manifesta ingenuidade (talvez fingida) quando sustenta que, “na minha opinião, Biden perdeu uma oportunidade clara e histórica proporcionada pela invasão da Ucrânia para usar seu púlpito de intimidação e os consideráveis poderes de seu cargo para distanciar rapidamente nossa economia energética dos combustíveis fósseis e a aproximar das energias renováveis”.

Pretender continuar mantendo os modos de vida imperiais do Norte Global exige continuar explorando os combustíveis fósseis. E, em maior medida ainda, pretender manter a hegemonia global em um mundo bélico de “Impérios Combatentes” (Rafael Poch de Feliu) torna imperativo o recurso a todas as reservas existentes de petróleo, carvão e gás natural (desembocando em um inferno climático). A militarização das relações internacionais desemboca necessariamente no inferno climático: não haverá porta-aviões estadunidenses, nem caças-bombardeiros chineses movidos a energia solar.

O que temos é um problema de “falta de vontade política”, como se costuma dizer? O famoso economista Jeffrey Sachs, apóstolo do desenvolvimento sustentável, em visita à Espanha (convidado pela Fundação Telefónica), sentencia: “Já sabemos o que é preciso fazer para descarbonizar rapidamente, e existe tecnologia para isso”. Faltaria, então, vontade política suficiente.

Peter Kalmus escreve este “breve resumo do novo relatório do IPCC: sabemos o que é necessário fazer e sabemos como fazer, mas isso requer tirar os brinquedos dos ricos, e os líderes mundiais não estão fazendo isso”. Agora, esse populismo climático não ajuda muito: é preciso tirar os brinquedos dos ricos, é claro (e onde estão hoje as forças políticas que precisaríamos para isso?), mas a “classe média” mundial também se veria severamente afetada pelas medidas necessárias...

Não é um assunto do 1% frente aos 99%. Como dizia Paula Pita (uma das nossas estudantes da graduação em Filosofia), em sua intervenção no ato sobre a crise climática de 5 de abril, na Faculdade de Filosofia e Letras da UAM, trata-se de “uma luta árdua, porque é uma luta contra nós mesmos”.

Apegamo-nos, de forma compreensível, a nossos modos de vida. Se fui ensinado a fazer as coisas dessa forma e é como sei fazê-las, e se todo o sistema de recompensas e punições de minha sociedade me leva a fazê-las deste modo, por que deveria mudar?

A resposta é curta: nossos modos de vida – capitalistas, patriarcais, coloniais, antropocêntricos – são ao mesmo tempo injustos (prejudicam os outros), contraproducentes (prejudicam a nós mesmos) e inviáveis (destroem o futuro). Impossibilitam as formas de vida boa coerentes em perdurar no planeta Terra. E o tempo para a enorme guinada que precisaríamos está se esgotando rapidamente.

Sendo assim, é preciso abordar de frente a difícil questão dos níveis de bem-estar e os modos de vida imperiais.

 “Brexit: ninguém votou para que fôssemos mais pobres”, diz o cartaz erguido pela manifestante britânica, em janeiro de 2019. Mas, em relação à descarbonização, é precisamente o que deveríamos votar... (Por mais que, em um segundo momento, discorramos sobre pobreza em tal sentido... riqueza de..., a forma como concebemos uma vida boa etc.).

Explico-me: muito menos dirigir (idealmente, nem mesmo patinetes eletrônicos). Muito mais dançar.

 “Menos lutar contra a pobreza e mais lutar contra a riqueza”, tuíta Gustavo Duch. E apresenta o seguinte quadro:

Muito significativo… se não esquecermos que o volume médio de emissões individuais globalmente compatível com o objetivo máximo de 1,5 grau é de 1,1 tonelada equivalente de CO2/pessoa/ano até 2050.

Ou seja: também essa metade da nossa população com menos renda quadruplica o objetivo em emissões (e a média geral o setuplica). Então, “lutar contra a riqueza” incluiria toda a população pobre, em países superdesenvolvidos como o nosso...

Este é o enorme desafio ético-político que enfrentamos: podemos nos organizar para perder privilégios? Após ter gritado “sim, mas que comecem os de cima”, o que fazemos nós, de baixo? Como destaquei de passagem antes, não é uma questão do 1% frente aos 99%, mas, sim (em escala mundial), de 1/5 frente aos 4/5, ou talvez 1/4 frente aos 3/4. Mas ocorre que nessa quarta ou quinta parte dos “de cima” está incluída quase toda a população espanhola e europeia (e isso sem sequer considerar os interesses das futuras gerações de seres humanos, e os de todos os seres vivos não humanos com quem compartilhamos a biosfera).

Os processos de relocalização e reterritorialização que vão de mãos dadas com o descenso energético concedem maior peso (potencialmente) ao trabalho organizado. A desglobalização melhora, em princípio, a posição relativa das e dos trabalhadores frente ao capital. Mas percebemos que o que está em jogo não é uma mera luta distributiva entre trabalho e capital, mas algo muito maior, que inclui modos de produção e formas de vida?

Chamar o realismo de “catastrofismo” pode nos causar algum problema. E chamar de “realismo” às fantasias tecnolátricas, um problema ainda maior.

 

Fonte:  Entrevista com Gaël Giraud, em IHU Online

 

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