Empresas na mira da
PF atuaram em vários órgãos ligados ao PP
Mais
do que compras suspeitas para escolas públicas e relações duvidosas de um
assessor do presidente da Câmara dos Deputados, a rotina de dois entregadores
de dinheiro flagrada pela Polícia Federal (PF) desnuda uma rede de pessoas e
empresas interligada com outros ministérios e órgãos públicos, e envolvida em
contratos milionários com diversos indícios de fraudes e digitais do antigo PP,
hoje Progressistas, partido de Arthur Lira.
A
investigação da PF, que começou indo atrás do superfaturamento de kits de
robótica no Ministério da Educação (MEC) e jogou luz sobre o suposto
envolvimento de Luciano Cavalcante, assessor fiel de Lira, esbarrou em outras
fornecedoras estatais para obras e serviços, como segurança, limpeza e até
coleta de resíduos. No governo federal, essas firmas estão nos ministérios ou
foram deles, como, por exemplo, o da Cidades, o da Infraestrutura e o da
Agricultura.
Mesmo
dentro do MEC, foco inicial dos policiais, os tentáculos vão além dos kits de
robótica — e nessas outras frentes também há sinais de irregularidades. Duas
instituições federais de ensino sediadas no estado de Lira, por exemplo,
puseram dinheiro em uma das empresas investigadas: o Instituto Federal de
Alagoas (IFAL) e a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) fecharam mais de R$
13 milhões em contratos com a empresa BRA Serviços Administrativos Ltda.
A
BRA tem como dono o policial civil alagoano Murilo Sérgio Jucá Nogueira Junior.
Segundo as investigações, ele é ligado ao endereço onde, no dia da deflagração
da operação, a PF encontrou R$ 4 milhões em dinheiro vivo dentro de um cofre. É
também proprietário de um carro usado tanto para a entrega de valores no
esquema como para a campanha de Lira a deputado nas eleições de 2022.
O
contrato mais recente da empresa de Murilo é para prestação de serviços de
motorista. Foi assinado em 30 de setembro do ano passado com o IFAL, por R$ 1,2
milhão. Com um detalhe que chama atenção para outras fraudes por trás dos
pagamentos de verbas federais às empresas do esquema: uma outra firma do
policial, a Reluzir Serviços Terceirizados Ltda, participou da concorrência,
dando lances no mesmo pregão, o que indica que o contrato foi fechado a partir
de um jogo previamente combinado.
• Conexão PP
Em
Brasília, a entrada definitiva do grupo de empresas ligadas ao esquema no
mercado local de contratos públicos nada tem a ver com o Ministério da Educação
— mas também foi marcada por suspeitas. A história começa com uma dispensa de
licitação para limpeza de hospitais no governo do Distrito Federal, em 2019.
Foi quando a mesma BRA Serviços Administrativos Ltda, à época uma firma
forasteira na cidade, ganhou, sem licitação, um contrato de quase R$ 70 milhões
na Secretaria de Saúde.
A
vitória, inesperada, gerou revolta entre concorrentes locais. Desde então,
verificou-se um padrão controverso de ação. O prazo para entrega de documentos
para quem quisesse participar da concorrência terminava às 10 horas do dia 6 de
junho de 2019. Todavia, a BRA não cumpriu a regra que estava estabelecida.
Descobriu-se que as certidões apresentadas foram emitidas nove horas depois — e
o sistema do governo aceitou, o que, por si, já apontava para a existência de
algum tipo de favorecimento à empresa alagoana.
Os
indícios de fraude fizeram a concorrência parar na Justiça, a qual cancelou o
edital. O governador Ibaneis Rocha (MDB) chegou a exonerar 20 funcionários em
razão do episódio. Mesmo diante do escândalo e da grita das empresas
perdedoras, a secretaria lançou mão de brechas legais e insistiu na contratação
da firma. O processo foi capitaneado pelo então secretário de Saúde, Osnei
Okumoto.
• Método repetido
Okumoto
tinha acabado de chegar ao governo do DF, trazido do Ministério da Saúde, onde
sua trajetória esteve ligada a gestores apadrinhados pelo PP, o partido do
Centrão comandado por Lira e pelo senador Ciro Nogueira. A pasta federal havia
sido entregue à legenda no governo de Michel Temer. Lá, Okumoto foi nomeado
secretário Nacional de Vigilância em Saúde pelo então ministro Gilberto Occhi,
homem de confiança do partido, que, antes, tinha passado por outros cargos
importantes, como o de ministro das Cidades e o de presidente da Caixa, sempre
por indicação do PP.
Após
o fim do governo Temer, o partido teve de realocar seus apadrinhados que
estavam no ministério. Uma parte deles, incluindo o próprio Occhi e Okumoto,
migrou para o governo do DF. Paulo Okumoto assumiu a Secretaria de Saúde.
Gilberto Occhi, tempos depois, ganhou o comando do Instituto de Gestão Estratégia
de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF), que administra unidades de saúde e
hospitais.
Foi
nessa época que a empresa alagoana BRA, aquela que tem como dono o policial
civil, começou a faturar no governo local. A Secretaria de Saúde não informou
até quando o contrato, assinado em 2020, ficou em vigor. Mas, de acordo com o
portal da transparência do Distrito Federal, até o mês passado a empresa seguia
recebendo verbas públicas.
Só
em 2023, a BRA obteve R$ 35 milhões dos cofres do DF. O Tribunal de Contas viu
irregularidades nos pagamentos. Auditores que averiguaram a execução do
contrato apontaram que o dinheiro foi gasto com um serviço de baixa. Eles viram
ainda suspeita de sobra de caixa ou de “ganho ilegítimo por parte da
contratada”.
Na
investigação da PF sobre os kits de robótica, como mostrou o Metrópoles em
primeira mão, dois personagens da política local de Brasília foram flagrados
recebendo sacolas do homem da mala que atendia ao esquema das empresas e fazia
entregas de dinheiro vivo: o hoje deputado federal Gilvan Máximo
(Republicanos), que já foi secretário de Ciência e Tecnologia do DF, e Laurício
Monteiro Cruz, que também esteve no Ministério da Saúde e é funcionário da
Secretaria de Saúde.
Ambos
negaram relação com irregularidades ou que tenham recebido propina por
contratos públicos. Gilvan Máximo admite que na sacola que recebeu havia
dinheiro, mas afirma tratar-se de pagamento pela venda de dois relógios da
marca Rolex ao entregador. O advogado Thiago Leônidas, que defende Laurício
Monteiro, disse que seu cliente não tem nenhuma relação com a comercialização
de kits de robótica e que encontrou Pedro Salomão, o entregador de dinheiro,
para tratar de negócios imobiliários – as pastas cuja entrega a PF flagrou em
vídeo, disse o advogado, continham documentos particulares.
• Novas linhas
Na
esfera federal, os braços do esquema e as mãos do PP também aparecem juntos. A
Reluzir Serviços Terceirizados, a empresa que fez dobradinha com a BRA no
pregão do Instituto Federal de Alagoas, já ganhou quase R$ 3 milhões da
Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) para fornecimento de mão de obra
para estações em Maceió, como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo. A CBTU,
como é sabido em Brasília, é uma estatal que há anos está sob controle de
apadrinhados de Arthur Lira.
Há,
ainda, outras suspeitas que dependem de novos desdobramentos da investigação.
No pedido de prisão dos entregadores de dinheiro, por exemplo, a PF cita o que
pode ser um indício de mais uma ramificação do esquema na máquina federal.
Trata-se de uma movimentação bancária envolvendo Alexsander Moreira, ex-diretor
de Apoio à Gestão Educacional do MEC. Alvo de busca e apreensão, ele é apontado
como um dos homens ligados à quadrilha dentro do ministério.
Relatórios
de inteligência mostraram transações atípicas na conta de Alexsander, como
depósitos fracionados em dinheiro. Os policiais descobriram que ele recebeu R$
10 mil de um empresário pernambucano que é sócio de empresas já investigadas
por suspeita de fraudes em vendas de livros escolares.
• Arthur Lira vira alvo
Na
última semana, o caso saiu da esfera da Justiça Federal em Alagoas e veio para
o Supremo Tribunal Federal, em Brasília, onde correm as investigações contra
agentes públicos com foro privilegiado. Isso porque os policiais encontraram
documentos com citações ao nome “Arthur” em dois endereços de alvos das ordens
de busca de apreensão na operação Hefesto, como revelaram no fim de semana a
revista Piauí e o jornal Folha de S.Paulo. Os investigadores suspeitam
tratar-se de menções a pagamentos de despesas relacionadas ao próprio Lira.
As
anotações estavam com Luciano Cavalcante, assessor do presidente da Câmara, e
com o motorista dele. As despesas relacionadas ao nome Arthur somam pelo menos
R$ 900 mil. Entre elas há pagamentos feitos a um hotel em São Paulo onde Lira
costuma se hospedar, gastos com alimentação na residência oficial, com
automóveis e até com fisioterapia do pai do deputado.
Lula entregará Funasa ao Centrão para
conter sabotagem
O
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva planeja entregar o comando da
recriada Fundação Nacional de Saúde (Funasa) a um partido do Centrão,
provavelmente o PP, como forma de reduzir o assédio sobre o Ministério da
Saúde. O órgão, responsável por obras de saneamento, tem capilaridade nacional.
A
Funasa havia sido extinta no começo do ano pelo governo por meio de uma medida
provisória (MP), que não foi votada e perdeu a validade. O fim definitivo da
fundação chegou a ser colocado no relatório da MP de reestruturação dos
ministérios, mas um acordo de última hora, entre o líder do governo na Câmara,
José Guimarães (PT-CE), e o deputado Danilo Forte (União-CE), permitiu a
aprovação de uma emenda do PL para suprimir o trecho que tratava do órgão.
De
acordo com um integrante do governo, após viabilizada a sua recriação, a Funasa
será “toda loteada”, não só o comando nacional como também as superintendências
estaduais. As negociações devem ser abertas após a definição da estrutura exata
que a fundação terá com após a sua recriação. Esses detalhes vão dizer o grau
de cobiça dos partidos pela nova Funasa.
É
certo que a estrutura ficará sob o guarda-chuva do Ministério da Saúde. A
entrega de toda a pasta, com orçamento de R$ 183,8 bilhões, ao Centrão passou a
ser vista por uma ala do governo como um caminho para a formação de uma base
sólida no Congresso. Lula, porém, descarta no momento tirar Nísia Trindade, um
quadro técnico sem vinculação partidária, do comando do ministério.
Integrantes
do governo reconhecem que a Funasa não tem a mesma atratividade do bilionário
Ministério da Saúde, mas a avaliação é que a fundação, aliada a outras
composições e liberação de nomeações pendentes em outras áreas, pode contribuir
para melhorar a relação do governo com o Congresso.
Como
a Funasa deixou de fato de existir, já que a medida provisória de 1º de janeiro
tinha efeito imediato após a sua publicação, o Congresso vai precisar aprovar
um projeto de decreto legislativo (PDL) para definir os termos da recriação da
fundação. Danilo Forte, que presidiu a Funasa no segundo governo Lula, discutiu
o assunto na semana passada com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Ficou decidido, porém, que o texto que tramitará no Congresso será o do senador
Hiran Gonçalves (PP-RR), que também é aliado de Lira. Fortes colaborou com o
texto.
–
A Funasa estava muito sucateada. Além de voltar a funcionar, ela precisa ter
uma estrutura melhor – afirma o senador.
Danilo
Forte diz que sem a Funasa os municípios com menos de 50 mil habitantes não
recebem obras de saneamento.
–
Os recursos vão só para as cidades médias e grandes.
O
texto do projeto apresentado por Hiran anula todas as publicações que trataram
da extinção da Funasa ao longo deste ano. Uma das portarias citadas no PDL, de
março, previa a transferências de dotações orçamentárias de R$ 3,4 bilhões para
o Ministério das Cidades. A pasta assumiu, no período em que vigorou a MP, as
funções da fundação. Uma parte dos recursos, porém, são para pagamentos de
salários. Só para aposentados e pensionistas da Funasa estava reservado R$ 1,5
bilhão.
O
valor exato do orçamento que a fundação terá este ano dependerá ainda de um
levantamento de quanto foi gasto pelo Ministério das Cidades enquanto executava
as funções da Funasa.
A
recriação rápida do órgão desperta interesse amplo no Congresso. Os líderes dos
quatro blocos parlamentares do Senado, Ciro Nogueira (PP-PI), Eliziane Gama
(PSD-MA), Efraim Filho (União-BA) e Wellington Fagundes (PL-MT), apresentaram
na quinta-feira um requerimento para que o projeto do senador Hiran tramite em
regime de urgência.
Fonte:
Metrópoles
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