Os truques
tecnológicos que deixam os games mais próximos da realidade
O
policial se aproxima de um edifício industrial abandonado, coberto de grafites.
Sua câmera corporal balança à medida que ele caminha, registrando a cena.
O
tempo é encoberto. O mato cresce pelas rachaduras do pavimento no lado de fora.
Um cão late à distância, mas ninguém parece estar no prédio.
No
interior sombrio e repleto de entulho, fica claro que existem pessoas se
escondendo ali. Pessoas que poderiam matar o policial.
"Este
é o único jogo que já vi que realmente confunde meu cérebro e me faz pensar que
é real", diz o primeiro comentário no YouTube sobre o vídeo do jogo Unrecord,
que está sendo lançado pelo estúdio francês independente de jogos eletrônicos
Drama.
O
vídeo acumulou milhões de visualizações em poucas semanas e causou sensação na
indústria de jogos eletrônicos. Surgiram comentários nas redes sociais
questionando se aquilo realmente era um game – e, se fosse, se não seria uma
experiência muito realista – até brutal demais.
O
estúdio Drama não quis dar entrevista para a BBC. Segundo eles, "no
momento, estamos ocupados com investidores e distribuidores".
Mas
os gráficos de muitos games estão ficando cada vez mais sofisticados, talvez se
aproximando do chamado "fotorrealismo", em que as imagens não podem
ser diferenciadas de fotos e vídeos do mundo real.
A
versão demo do jogo Unrecord parece muito real, em parte, graças a técnicas
inteligentes, segundo Piers Harding-Rolls, chefe de pesquisa de jogos
eletrônicos da empresa Ampere Analytics.
Ele
indica a câmera balançando, que imita as filmagens reais de cenas de crimes. A
iluminação opaca, as imagens granuladas e o ruído urbano audível no fundo
também ajudam.
Mas
será que toda essa perfeição poderia deixar algumas pessoas desconfortáveis?
"Este
ambiente relembra muito algumas das filmagens mais horríveis que você consegue
na vida real", afirma Harding-Rolls.
O
estúdio Drama declarou no Twitter que o jogo não é inspirado em eventos reais
específicos.
Olhando
mais de perto as imagens estáticas do vídeo, é possível observar objetos e
texturas que não parecem realistas. Isso pode não ter importância, mas
certamente prejudica a percepção de fotorrealidade do game.
Harding-Rolls
salienta que, geralmente, os avanços da computação gráfica são importantes para
a indústria de jogos eletrônicos. Segundo ele, "os consumidores
definitivamente querem isso. Eles adoram olhar para as coisas e dizer 'uau,
isso é fantástico'."
A
professora de tecnologia criativa Rachel McDonnell, do Trinity College de
Dublin, na Irlanda, concorda que o vídeo do jogo Unrecord é impressionante.
Mas
ela destaca que certas animações dos personagens são um pouco pesadas.
Elas
relembram o movimento de personagens de outros games caindo e morrendo em
sequências previamente programadas.
"A
animação ainda não acompanhou a renderização em todos os jogos", afirma
ela.
Segundo
McDonnell, a produção de multidões realistas é particularmente difícil.
"Você
ainda as observa com comportamento muito estranho, correndo em círculos e
ficando presas – o que instantaneamente retira você da sua presença no
jogo."
Experimentos
realizados por ela e seus colegas indicam que, para a imersão do jogador nos
games, a aparência do personagem na tela é muito menos importante do que a
forma como ele se move.
Marc
Whitten, presidente de soluções criativas da empresa de software de jogos
eletrônicos Unity, afirma que o conteúdo mais realista de hoje em dia depende
da modelagem 3D altamente detalhada dos objetos.
No
ano passado, a Unity apresentou um vídeo de um leão e seu filhote gerado por
computador, que teve dois milhões de pelos elaborados individualmente.
"Se
você não fizer isso, não atinge o fotorrealismo", argumenta Whitten.
Sua
empresa também desenvolveu modelos altamente realistas de seres humanos com
expressões faciais sutis controladas por animação digital.
Segundo
ele, ainda há espaço para melhorias. Existem diversos outros materiais de
difícil simulação, como roupas, que ainda estão longe de parecerem
fotorrealistas em jogos eletrônicos.
• Simular a reflexão da luz
Uma
importante tecnologia emergente para os gráficos de jogos são os campos de
radiação neurais (NeRFs, na sigla em inglês).
A
empresa Luma AI, com sede na Califórnia (Estados Unidos), é especializada
nestes campos e afirma que já tem clientes que usam sua tecnologia para
elaborar jogos eletrônicos.
O
NeRF é um sistema de inteligência artificial (IA) que pode representar objetos
ou cenários capturados em fotografias ou gravações de vídeo no mundo real.
"Quando
você mostra essas imagens de diferentes lados, a rede aprende como a luz é
refletida", explica um dos fundadores da Luma, Amit Jain. "Ela mede a
luz e aprende com a luz."
A
forma como a luz é refletida pelo assento de couro de uma motocicleta em
comparação com uma lanterna, por exemplo, é totalmente diferente. Simular isso
em um game é muito complicado e os NeRFs podem ajudar a automatizar este
processo.
Alguns
dos melhores gráficos de jogos eletrônicos atuais usam o que é conhecido como
traçado de raios – simulações precisas da forma como a luz é refletida pelas
superfícies, como ela cria efeitos brilhantes em torno de sinais de neon e
assim por diante.
A
inteligência artificial possibilita a produção desses efeitos em games, apesar
dos avanços apenas modestos do desempenho dos chips, segundo Bryan Catanzaro,
vice-presidente de pesquisa de aprendizado profundo aplicado da Nvidia.
"Precisamos
ser mais inteligentes na forma de construção do mundo e como o
oferecemos", explica ele.
Um
novo modo do jogo de aventura e ação Cyberpunk 2077, chamado Ray Tracing:
Overdrive, mostra a diferença que isso pode fazer.
A
Nvidia afirma que sua tecnologia de Super Amostragem de Aprendizado Profundo
(DLSS, na sigla em inglês) permite que os desenvolvedores criem gráficos em
alta resolução e alta velocidade de quadros que apresentam traçado de raios com
ajuda da IA.
"O
modelo é treinado para saber a aparência das coisas no mundo real", explica
Catanzaro.
Em
alguns casos, é cada vez mais difícil diferenciar os jogos eletrônicos do mundo
real, segundo Nick Penwarden, vice-presidente de engenharia da Epic Games. Mas
ele afirma que ainda é muito difícil apresentar certos materiais de forma convincente,
como uma camada de óleo cintilante sobre uma poça d’água.
"Estes
são aspectos que ainda não temos o poder de simular em tempo real",
explica ele.
A
questão é como fazer essa simulação em consoles de games ou PCs domésticos.
Para filmes que apresentam imagens geradas por computador, é possível utilizar
computadores enormes, que levam muitos minutos ou mais para fornecer quadros
individuais.
Os
games mais populares do futuro talvez não precisem ser fotorrealistas. Basta
olhar para o Minecraft ou para o Fortnite, da própria Epic – dois imensos
sucessos, ambos muito distantes da fotorrealidade.
Mas
melhores efeitos de iluminação e simulações de materiais ajudam os artistas a
trabalhar em todo tipo de jogos, defende Penwarden. E eles podem fornecer mais
profundidade e complexidade aos ambientes animados ou estilizados.
"Um
dos grandes benefícios de ter a capacidade de fazer imagens fotorreais é que a
tecnologia pode começar a fazer grande parte do trabalho para você",
afirma Penwarden.
Fonte:
Chris Baraniuk, repórter de tecnologia
da BBC News
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