quarta-feira, 28 de junho de 2023

Bolsonaristas moderados já aceitam condenação do “mito”

Apoiadores moderados de Jair Bolsonaro aceitam que o ex-presidente seja alvo de investigação e afirmam respeitar eventual condenação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) caso se comprovem ilegalidades na contestação das eleições 2022. A Corte retoma nesta terça-feira o julgamento de ação que trata de ataques feitos por Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro em reunião com embaixadores. O primeiro a votar na sessão que poderá tornar Bolsonaro inelegível por oito anos será o relator do caso, ministro Benedito Gonçalves.

Pesquisa qualitativa realizada pelo Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (Lemep), do Iesp/Uerj, mostra que bolsonaristas moderados (grupo que apoia o ex-presidente, mas é contrário aos ataques de 8 de janeiro) tendem a presumir que o ex-chefe do Executivo é inocente, mas se diferenciam do discurso dos “convictos”, que aprovaram as invasões aos prédios dos Três Poderes. No segundo grupo, prevalece o entendimento de que o ex-presidente é vítima de uma “armação” entre integrantes do Poder Judiciário e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Pesquisa feita pelo Datafolha em janeiro, dias após o ataque golpista, mostrou que apenas 10% dos eleitores de Bolsonaro declaravam àquela altura apoiar a depredação ocorrida em Brasília. Apesar de ser um retrato daquele momento em que foi feito, o levantamento indica que os bolsonaristas moderados correspondem a uma significativa parcela dos eleitores do ex-presidente.

A desconfiança no Judiciário entre apoiadores de Bolsonaro foi alimentada nos últimos anos por declarações do próprio ex-presidente em afronta ao TSE e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda assim, no grupo dos moderados, são recorrentes falas que defendem apurações contra o candidato derrotado em 2022. “Precisa ser investigado. Precisamos saber se realmente existem essas provas. Se realmente existirem, precisa ser punido”, vocalizou uma eleitora da Bahia.

“Em relação ao ex-presidente estar envolvido nisso, eu creio que não, essa é minha opinião. Mas vamos esperar as investigações serem concluídas”, disse um fiscal de 53 anos, do Ceará, seguindo a mesma linha. “Acho que ele não tem nada a ver com essa teoria, se não já teria feito durante seu mandato. Porém, deve ser investigado imparcialmente”, corroborou um comerciante do Tocantins.

A ênfase do grupo na necessidade de uma investigação — apesar de o processo já estar em fase de julgamento — denota que esse segmento não está convencido de que existem elementos suficientes para condenar Bolsonaro, embora o ex-presidente tenha feito reiterados ataques ao sistema eleitoral mesmo após ter sido alertado pelo Judiciário de que isso configura crime, como mostrou o GLOBO.

“Até agora, não vi provando nada de incorreto no mandato de Bolsonaro”, afirmou um motorista que trabalha por aplicativos em Goiás. “Até o momento, é só a mídia tentando fazer uma intriga para ver se consegue chamar a atenção!”, opinou um eletrotécnico de 24 anos, também de Goiás.

Entre os apoiadores mais radicais do ex-presidente, diversas declarações associam a possibilidade de condenação de Bolsonaro à vitória de Lula na eleição do ano passado.

“Bolsonaro é vítima de armação da esquerda o tempo todo. Essa é a verdade”, declarou uma apoiadora do grupo dos convictos, moradora do Pará. “Mais uma mentira do PT como todas as outras. Fazem de tudo para descredibilizar o nosso presidente Bolsonaro”, declarou outra, de Minas Gerais. “Tudo orquestrado pela quadrilha do PT”, acrescentou.

Nesse segmento do bolsonarismo, as suspeitas levantadas pelo ex-presidente em relação à segurança das urnas eletrônicas transformam-se na certeza de que houve fraude no pleito do ano passado.

“Tivemos problemas nas urnas, panes. E, ao meu ver, Bolsonaro estava na frente e o Lula virou como num passe de mágica”, disse a bolsonarista paraense, de 42 anos. “Tem muito escândalo. Pra mim, era pro Lula ter perdido. Acho que fizeram fraudes nas urnas, porque o Jair Bolsonaro ia ganhar de cara”, concordou um eleitor de 26 anos, do Paraná.

O estudo colheu opiniões de eleitores de Bolsonaro sobre o julgamento do TSE pelo WhatsApp. Foram divididos dois grupos de 18 bolsonaristas de diferentes regiões, idades e profissões.

Diferentemente das pesquisas quantitativas, como a do Datafolha, as qualitativas não se propõem a dimensionar opiniões de um grupo (no caso, de bolsonaristas) a cada assunto, mas são capazes de colher análises que podem ser comuns a mais integrantes desse segmento.

O estudo do Lemep é coordenado pelos pesquisadores João Feres, Carolina de Paula, Francieli Manginelli e André Felix.

 

       Cassação de aliado de Bolsonaro cria precedente para cassá-lo

 

Um julgamento de 2021 se tornou fundamental para formar convicção dos ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no processo que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível.

Na ocasião, o tribunal cassou o mandato de um dos coordenadores da campanha de Bolsonaro em 2018, o ex-deputado Fernando Francischini, que tinha usado as redes sociais para disseminar informações falsas a respeito das urnas eletrônicas.

A ação contra Francischini é o principal precedente no qual o TSE firma entendimento de que a difusão de desinformação sobre o sistema eleitoral promovida por meios de comunicação pode levar um político à inelegibilidade.

Em 2018, após ser eleito para dois mandatos na Câmara dos Deputados, Francischini decidiu concorrer a deputado estadual pelo PSL do Paraná e foi o mais votado do estado.

Mas, no dia do primeiro turno da eleição, Francischini abriu uma live nas redes sociais na qual disse que tinha identificado urnas “que são fraudadas ou adulteradas”. Segundo ele, essas urnas não aceitavam votos para Bolsonaro.

“Não vamos aceitar que uma empresa da Venezuela, que a tecnologia que a gente não tem acesso, defina a democracia no Brasil”, disse, na live, que teve 6 milhões de visualizações em pouco mais de um mês.

“Eu uso aqui a minha imunidade parlamentar, que ainda vai até janeiro, independentemente dessa eleição, pra trazer essa denúncia.”

Por causa dessa live, o Ministério Público Eleitoral entrou com uma ação por abuso de poder político e de autoridade e uso indevido dos meios de comunicação social, que levaram o TSE a cassar o seu mandato.

Em seu voto, o então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, fez uma defesa do sistema de votação eletrônico e disse que “são absolutamente falsas as declarações do recorrido quanto às urnas eletrônicas de seções eleitorais do Paraná, às quais atribuiu a pecha de ‘fraudadas’, ‘adulteradas’ e ‘apreendidas'”.

Argumentou que “a exacerbação do poder político e o uso de redes sociais para promover infundadas agressões contra a democracia e o sistema eletrônico de votação podem configurar abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social”.

Rebateu também outras informações falsas divulgadas pelo deputado, como a de que o Brasil não tem acesso à tecnologia das urnas.

“Ora, sendo esta Justiça Especializada a criadora e a desenvolvedora da urna eletrônica, seria no mínimo contraditório –para não dizer fantasioso– dizer que o órgão eleitoral brasileiro não teria acesso à tecnologia de sistemas”, afirmou Salomão.

“Ademais, a empresa que produz as urnas não é venezuelana –o que, aliás, por si só, não representaria qualquer problema se fosse verdade.”

Francischini foi cassado por 6 votos a 1 no TSE, em julgamento que a corte considerou histórico. O ministro Edson Fachin, que à época estava na corte eleitoral, disse que o que estava em jogo era “mais que o futuro de um mandato, o próprio futuro das eleições e da democracia”.

À época, a defesa de Francischini argumentou que ele não se colocou na posição de candidato na live, e por isso não poderia ser punido. Também disse que suas falas não exerceram “a mínima influência no pleito, dado que a expectativa de votos se consolidou percentualmente como se apontava nas pesquisas de opinião pública”.

Afirmou ainda que ele apenas informou aos seus eleitores “da obtenção de provas para a consequente perícia” das urnas, e que a liberdade de expressão não podia ser restringida.

Em junho do ano passado, a cassação de Francischini chegou a ser suspensa pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro à corte suprema. Houve, no entanto, uma reação dos demais ministros, e a decisão foi derrubada.

Esse julgamento do Supremo foi citado na manifestação do procurador do Ministério Público Eleitoral, Paulo Gonet, na sessão do TSE da última quinta-feira (22), quando ele se manifestou a favor da inelegibilidade de Bolsonaro.

Ele parafraseou o voto do ministro Gilmar Mendes no caso: “O discurso de ataque sistemático à confiabilidade das urnas eletrônicas não pode ser enquadrado como tolerável em um Estado democrático de Direito”.

O conteúdo e as circunstâncias da reunião com embaixadores realizada por Bolsonaro no ano passado estão no centro da ação eleitoral que começou a ser julgada pela Justiça Eleitoral. Na ocasião, ele repetiu mentiras sobre as urnas eletrônicas e atacou ministros do STF.

O evento durou cerca de 50 minutos e foi transmitido pela TV Brasil. Na ocasião, a Secretaria de Comunicação do governo barrou a imprensa, permitindo apenas a participação dos veículos que se comprometessem a transmitir o evento ao vivo. A ação contra Bolsonaro no TSE foi apresentada pelo PDT.

Especialistas veem o precedente de Francischini como um dos pilares da ação, cujo voto do corregedor-geral Benedito Gonçalves sobre o caso será dado nesta terça-feira (27).

“[Antes do caso Francischini] O tribunal estava mais atento às formas mais tradicionais de abuso de poder político, de poder econômico, de autoridade e do emprego dos meios de comunicação. Essas formas mais tradicionais estavam mais ligadas à ideia de um desequilíbrio da Justiça da competição eleitoral”, diz o doutor em direito público pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e professor de direito constitucional Ademar Borges.

“Mas o caso do Francischini revelou novos desenvolvimentos das formas tradicionais de abuso de poder. Ali, o tribunal já considerou que a prática de desinformação contra as urnas eletrônicas também estava associada a uma forma de vantagem eleitoral, porque o candidato usa dessa estratégia discursiva baseada em informações sabidamente falsa contra o processo eleitoral para engajar seus eleitores.”

O doutor em direito e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) Luiz Fernando Pereira afirma que “a partir do caso Francischini, o TSE deixou tudo claro, e Bolsonaro pagou para ver”.

Depois da cassação, diz Pereira, o TSE colocou essa hipótese em resolução. “Portanto, quando Bolsonaro fez a reunião com os embaixadores e falou o que falou, já tinha uma matriz de risco estabelecida pelo TSE”, afirmou.

 

       Um dos bolsonaristas do TSE é velho conhecido

 

O julgamento de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recomeça na noite desta terça-feira com a leitura do voto do relator, Benedito Gonçalves, que já se sabe que será pela condenação por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

Todas as atenções, contudo, estarão voltadas para o ministro que vota logo em seguida: Raul Araújo, conhecido por suas posições ideológicas mais alinhadas às do bolsonarismo, e que se converteu na última esperança do ex-presidente para interromper o julgamento que deve torná-lo inelegível pelos próximos oito anos.

O próprio Bolsonaro admitiu isso em entrevista à Rádio Gaúcha, na última sexta-feira: “O primeiro ministro a votar depois do relator, o ministro Benedito, é o ministro Raul. Ele é conhecido por ser um jurista com bastante apego à lei. Apesar de estar em um tribunal político eleitoral, há uma possibilidade de ele pedir vista. Isso é bom porque ajuda a gente a ir clareando os fatos”.

A expectativa do ex-presidente tem a ver com o fato de que foi Araújo quem proibiu a manifestação política de artistas no Lollapalooza no ano passado, medida duramente reprovada por integrantes do TSE, que a interpretaram como censura. O PL acionou o TSE após a cantora Pablo Vittar levantar uma bandeira com a imagem de Lula durante sua apresentação no festival.

O ministro também deu o único voto contra aplicar a multa de R$ 22,9 milhões imposta pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes, contra o PL após a sigla pedir a anulação dos votos em 279 mil das 472 mil urnas usadas no segundo turno.

Além disso, durante a campanha, atendeu a um pedido do partido e deu uma liminar mandando que fossem apagados vídeos de Lula chamando Bolsonaro de “genocida”. Sua decisão, porém, foi derrubada pela maioria do plenário.

Se decidir atender o pedido público de Bolsonaro e pedir vista do processo, Araújo poderá travar o julgamento por até 60 dias – período em que os aliados do ex-presidente torcerão para que algum fato político mude o rumo do processo, que hoje parece ser de inevitável condenação.

De acordo com a apuração da equipe da coluna junto a fontes do TSE e do Supremo, a expectativa dos bolsonaristas deve se frustrar.

Primeiro porque Alexandre de Moraes já detectou a “ameaça” e conversou a sós não só com Araújo como também com outro ministro alinhado a Bolsonaro, Kassio Nunes Marques, que também vinha sendo pressionado por aliados do ex-presidente a pedir vista.

Conforme informamos na semana passada, Moraes argumentou nessas conversas que seria ruim para o país e para o TSE o processo se arrastar por muito tempo. Ele insistiu que o tribunal precisa encerrar essa fase da discussão sobre as eleições de 2022 e obteve de ambos a promessa de que dariam seus votos agora e não pediriam vista.

Outra razão pela qual Araújo pode frustrar os bolsonaristas é seu “trauma” com a repercussão da decisão que tomou no caso Lollapalooza.

A decisão foi interpretada como censura, caiu muito mal na própria Corte Eleitoral e foi criticada em público por ministros do Supremo como Edson Fachin.

Acuado e magoado com as críticas, Araújo se viu isolado no TSE. Depois, afirmou reservadamente a interlocutores ter sido induzido ao erro pelo PL.

Disse também não ter noção da repercussão que tinha o festival, realizado desde 2012 na cidade de São Paulo. Só na edição que foi alvo da medida do ministro, o público superou 300 mil pessoas no autódromo de Interlagos. O PL acabou desistindo da ação e o caso foi arquivado.

“Ressalto que a decisão anterior foi tomada com base na compreensão de que a organização do evento promovia propaganda política ostensiva estimulando os artistas – e não os artistas, individualmente, os quais têm garantida, pela Constituição Federal, a ampla liberdade de expressão”, escreveu o ministro ao recuar do próprio entendimento.

Colegas de Araújo que o conhecem bem dizem que o caso Lollapalooza deixou marcas e por isso mesmo duvidam que o ministro vai estar disposto a atender novamente a um pedido de Bolsonaro e se queimar com a opinião pública e os colegas de plenário por um caso que já parece resolvido pela maior parte do plenário.

Além disso, mesmo que Araújo peça vista, a solução tende a ser paliativa. Integrantes da corte duvidam que algum fato venha a modificar a visão majoritária entre os ministros pela condenação. O mesmo aconteceria caso Nunes Marques pedisse vista, já que ele é o sexto a votar no julgamento, e há grandes chances de o veredito já estar resolvido quando chegar a vez dele .

Procurado pela equipe da coluna sobre os riscos de um pedido de vista, o gabinete de Raul Araújo informou que “tudo vai depender da dinâmica do julgamento”. “Portanto, não é possível adiantar nada.”

Tampouco é possível saber se Araújo vota nesta terça-feira ou na próxima quinta, para quando está marcada a terceira sessão do julgamento. Isso porque o voto de Benedito Gonçalves tem mais de 300 páginas e, se ele decidir ler o documento na íntegra, vai tomar pelo menos quatro horas da sessão. Assim, a expectativa em torno da posição de Araújo ainda pode se estender por mais uns dias – e muito provavelmente sem muitas pistas do que ele fará.

Indicado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por Lula, em 2010, o ministro, de Fortaleza, é conhecido pelo estilo reservadíssimo. Ao contrário de Gonçalves, não recebeu os advogados do PDT que entraram com a ação contra Bolsonaro por conta dos ataques contra as urnas e o sistema eleitoral proferidos na reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado.

Com o fim do mandato de Gonçalves, em novembro deste ano, Araújo vai herdar a relatoria de todas as 16 ações que investigam a fracassada campanha de Bolsonaro à reeleição. Ao assumir o cargo de corregedor-geral da Justiça Eleitoral, o ministro vai atrair inevitavelmente aquilo de que menos gosta: os holofotes.

 

Fonte: O Globo/Valor Econômico 

 

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