Bolsonaristas
moderados já aceitam condenação do “mito”
Apoiadores
moderados de Jair Bolsonaro aceitam que o ex-presidente seja alvo de
investigação e afirmam respeitar eventual condenação pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) caso se comprovem ilegalidades na contestação das eleições
2022. A Corte retoma nesta terça-feira o julgamento de ação que trata de
ataques feitos por Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro em reunião com
embaixadores. O primeiro a votar na sessão que poderá tornar Bolsonaro
inelegível por oito anos será o relator do caso, ministro Benedito Gonçalves.
Pesquisa
qualitativa realizada pelo Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública
(Lemep), do Iesp/Uerj, mostra que bolsonaristas moderados (grupo que apoia o
ex-presidente, mas é contrário aos ataques de 8 de janeiro) tendem a presumir
que o ex-chefe do Executivo é inocente, mas se diferenciam do discurso dos
“convictos”, que aprovaram as invasões aos prédios dos Três Poderes. No segundo
grupo, prevalece o entendimento de que o ex-presidente é vítima de uma
“armação” entre integrantes do Poder Judiciário e o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva.
Pesquisa
feita pelo Datafolha em janeiro, dias após o ataque golpista, mostrou que
apenas 10% dos eleitores de Bolsonaro declaravam àquela altura apoiar a
depredação ocorrida em Brasília. Apesar de ser um retrato daquele momento em
que foi feito, o levantamento indica que os bolsonaristas moderados
correspondem a uma significativa parcela dos eleitores do ex-presidente.
A
desconfiança no Judiciário entre apoiadores de Bolsonaro foi alimentada nos
últimos anos por declarações do próprio ex-presidente em afronta ao TSE e a
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda assim, no grupo dos
moderados, são recorrentes falas que defendem apurações contra o candidato
derrotado em 2022. “Precisa ser investigado. Precisamos saber se realmente
existem essas provas. Se realmente existirem, precisa ser punido”, vocalizou
uma eleitora da Bahia.
“Em
relação ao ex-presidente estar envolvido nisso, eu creio que não, essa é minha
opinião. Mas vamos esperar as investigações serem concluídas”, disse um fiscal
de 53 anos, do Ceará, seguindo a mesma linha. “Acho que ele não tem nada a ver
com essa teoria, se não já teria feito durante seu mandato. Porém, deve ser
investigado imparcialmente”, corroborou um comerciante do Tocantins.
A
ênfase do grupo na necessidade de uma investigação — apesar de o processo já
estar em fase de julgamento — denota que esse segmento não está convencido de
que existem elementos suficientes para condenar Bolsonaro, embora o
ex-presidente tenha feito reiterados ataques ao sistema eleitoral mesmo após
ter sido alertado pelo Judiciário de que isso configura crime, como mostrou o
GLOBO.
“Até
agora, não vi provando nada de incorreto no mandato de Bolsonaro”, afirmou um
motorista que trabalha por aplicativos em Goiás. “Até o momento, é só a mídia
tentando fazer uma intriga para ver se consegue chamar a atenção!”, opinou um
eletrotécnico de 24 anos, também de Goiás.
Entre
os apoiadores mais radicais do ex-presidente, diversas declarações associam a
possibilidade de condenação de Bolsonaro à vitória de Lula na eleição do ano
passado.
“Bolsonaro
é vítima de armação da esquerda o tempo todo. Essa é a verdade”, declarou uma
apoiadora do grupo dos convictos, moradora do Pará. “Mais uma mentira do PT
como todas as outras. Fazem de tudo para descredibilizar o nosso presidente
Bolsonaro”, declarou outra, de Minas Gerais. “Tudo orquestrado pela quadrilha
do PT”, acrescentou.
Nesse
segmento do bolsonarismo, as suspeitas levantadas pelo ex-presidente em relação
à segurança das urnas eletrônicas transformam-se na certeza de que houve fraude
no pleito do ano passado.
“Tivemos
problemas nas urnas, panes. E, ao meu ver, Bolsonaro estava na frente e o Lula
virou como num passe de mágica”, disse a bolsonarista paraense, de 42 anos.
“Tem muito escândalo. Pra mim, era pro Lula ter perdido. Acho que fizeram
fraudes nas urnas, porque o Jair Bolsonaro ia ganhar de cara”, concordou um eleitor
de 26 anos, do Paraná.
O
estudo colheu opiniões de eleitores de Bolsonaro sobre o julgamento do TSE pelo
WhatsApp. Foram divididos dois grupos de 18 bolsonaristas de diferentes
regiões, idades e profissões.
Diferentemente
das pesquisas quantitativas, como a do Datafolha, as qualitativas não se
propõem a dimensionar opiniões de um grupo (no caso, de bolsonaristas) a cada
assunto, mas são capazes de colher análises que podem ser comuns a mais
integrantes desse segmento.
O
estudo do Lemep é coordenado pelos pesquisadores João Feres, Carolina de Paula,
Francieli Manginelli e André Felix.
Cassação de aliado de Bolsonaro cria
precedente para cassá-lo
Um
julgamento de 2021 se tornou fundamental para formar convicção dos ministros do
TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no processo que pode tornar o ex-presidente
Jair Bolsonaro (PL) inelegível.
Na
ocasião, o tribunal cassou o mandato de um dos coordenadores da campanha de
Bolsonaro em 2018, o ex-deputado Fernando Francischini, que tinha usado as
redes sociais para disseminar informações falsas a respeito das urnas
eletrônicas.
A
ação contra Francischini é o principal precedente no qual o TSE firma
entendimento de que a difusão de desinformação sobre o sistema eleitoral
promovida por meios de comunicação pode levar um político à inelegibilidade.
Em
2018, após ser eleito para dois mandatos na Câmara dos Deputados, Francischini
decidiu concorrer a deputado estadual pelo PSL do Paraná e foi o mais votado do
estado.
Mas,
no dia do primeiro turno da eleição, Francischini abriu uma live nas redes
sociais na qual disse que tinha identificado urnas “que são fraudadas ou
adulteradas”. Segundo ele, essas urnas não aceitavam votos para Bolsonaro.
“Não
vamos aceitar que uma empresa da Venezuela, que a tecnologia que a gente não
tem acesso, defina a democracia no Brasil”, disse, na live, que teve 6 milhões
de visualizações em pouco mais de um mês.
“Eu
uso aqui a minha imunidade parlamentar, que ainda vai até janeiro,
independentemente dessa eleição, pra trazer essa denúncia.”
Por
causa dessa live, o Ministério Público Eleitoral entrou com uma ação por abuso
de poder político e de autoridade e uso indevido dos meios de comunicação
social, que levaram o TSE a cassar o seu mandato.
Em
seu voto, o então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe
Salomão, fez uma defesa do sistema de votação eletrônico e disse que “são
absolutamente falsas as declarações do recorrido quanto às urnas eletrônicas de
seções eleitorais do Paraná, às quais atribuiu a pecha de ‘fraudadas’, ‘adulteradas’
e ‘apreendidas'”.
Argumentou
que “a exacerbação do poder político e o uso de redes sociais para promover
infundadas agressões contra a democracia e o sistema eletrônico de votação
podem configurar abuso do poder político e uso indevido dos meios de
comunicação social”.
Rebateu
também outras informações falsas divulgadas pelo deputado, como a de que o
Brasil não tem acesso à tecnologia das urnas.
“Ora,
sendo esta Justiça Especializada a criadora e a desenvolvedora da urna
eletrônica, seria no mínimo contraditório –para não dizer fantasioso– dizer que
o órgão eleitoral brasileiro não teria acesso à tecnologia de sistemas”,
afirmou Salomão.
“Ademais,
a empresa que produz as urnas não é venezuelana –o que, aliás, por si só, não
representaria qualquer problema se fosse verdade.”
Francischini
foi cassado por 6 votos a 1 no TSE, em julgamento que a corte considerou
histórico. O ministro Edson Fachin, que à época estava na corte eleitoral,
disse que o que estava em jogo era “mais que o futuro de um mandato, o próprio
futuro das eleições e da democracia”.
À
época, a defesa de Francischini argumentou que ele não se colocou na posição de
candidato na live, e por isso não poderia ser punido. Também disse que suas
falas não exerceram “a mínima influência no pleito, dado que a expectativa de
votos se consolidou percentualmente como se apontava nas pesquisas de opinião
pública”.
Afirmou
ainda que ele apenas informou aos seus eleitores “da obtenção de provas para a
consequente perícia” das urnas, e que a liberdade de expressão não podia ser
restringida.
Em
junho do ano passado, a cassação de Francischini chegou a ser suspensa pelo
ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Kassio Nunes Marques, indicado por
Bolsonaro à corte suprema. Houve, no entanto, uma reação dos demais ministros,
e a decisão foi derrubada.
Esse
julgamento do Supremo foi citado na manifestação do procurador do Ministério
Público Eleitoral, Paulo Gonet, na sessão do TSE da última quinta-feira (22),
quando ele se manifestou a favor da inelegibilidade de Bolsonaro.
Ele
parafraseou o voto do ministro Gilmar Mendes no caso: “O discurso de ataque
sistemático à confiabilidade das urnas eletrônicas não pode ser enquadrado como
tolerável em um Estado democrático de Direito”.
O
conteúdo e as circunstâncias da reunião com embaixadores realizada por
Bolsonaro no ano passado estão no centro da ação eleitoral que começou a ser
julgada pela Justiça Eleitoral. Na ocasião, ele repetiu mentiras sobre as urnas
eletrônicas e atacou ministros do STF.
O
evento durou cerca de 50 minutos e foi transmitido pela TV Brasil. Na ocasião,
a Secretaria de Comunicação do governo barrou a imprensa, permitindo apenas a
participação dos veículos que se comprometessem a transmitir o evento ao vivo.
A ação contra Bolsonaro no TSE foi apresentada pelo PDT.
Especialistas
veem o precedente de Francischini como um dos pilares da ação, cujo voto do
corregedor-geral Benedito Gonçalves sobre o caso será dado nesta terça-feira
(27).
“[Antes
do caso Francischini] O tribunal estava mais atento às formas mais tradicionais
de abuso de poder político, de poder econômico, de autoridade e do emprego dos
meios de comunicação. Essas formas mais tradicionais estavam mais ligadas à
ideia de um desequilíbrio da Justiça da competição eleitoral”, diz o doutor em
direito público pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e
professor de direito constitucional Ademar Borges.
“Mas
o caso do Francischini revelou novos desenvolvimentos das formas tradicionais
de abuso de poder. Ali, o tribunal já considerou que a prática de desinformação
contra as urnas eletrônicas também estava associada a uma forma de vantagem
eleitoral, porque o candidato usa dessa estratégia discursiva baseada em
informações sabidamente falsa contra o processo eleitoral para engajar seus
eleitores.”
O
doutor em direito e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral
e Político) Luiz Fernando Pereira afirma que “a partir do caso Francischini, o
TSE deixou tudo claro, e Bolsonaro pagou para ver”.
Depois
da cassação, diz Pereira, o TSE colocou essa hipótese em resolução. “Portanto,
quando Bolsonaro fez a reunião com os embaixadores e falou o que falou, já
tinha uma matriz de risco estabelecida pelo TSE”, afirmou.
Um dos bolsonaristas do TSE é velho
conhecido
O
julgamento de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recomeça na
noite desta terça-feira com a leitura do voto do relator, Benedito Gonçalves,
que já se sabe que será pela condenação por abuso de poder político e uso
indevido dos meios de comunicação.
Todas
as atenções, contudo, estarão voltadas para o ministro que vota logo em
seguida: Raul Araújo, conhecido por suas posições ideológicas mais alinhadas às
do bolsonarismo, e que se converteu na última esperança do ex-presidente para
interromper o julgamento que deve torná-lo inelegível pelos próximos oito anos.
O
próprio Bolsonaro admitiu isso em entrevista à Rádio Gaúcha, na última
sexta-feira: “O primeiro ministro a votar depois do relator, o ministro
Benedito, é o ministro Raul. Ele é conhecido por ser um jurista com bastante
apego à lei. Apesar de estar em um tribunal político eleitoral, há uma
possibilidade de ele pedir vista. Isso é bom porque ajuda a gente a ir
clareando os fatos”.
A
expectativa do ex-presidente tem a ver com o fato de que foi Araújo quem
proibiu a manifestação política de artistas no Lollapalooza no ano passado,
medida duramente reprovada por integrantes do TSE, que a interpretaram como
censura. O PL acionou o TSE após a cantora Pablo Vittar levantar uma bandeira
com a imagem de Lula durante sua apresentação no festival.
O
ministro também deu o único voto contra aplicar a multa de R$ 22,9 milhões
imposta pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes, contra o PL após a sigla pedir
a anulação dos votos em 279 mil das 472 mil urnas usadas no segundo turno.
Além
disso, durante a campanha, atendeu a um pedido do partido e deu uma liminar
mandando que fossem apagados vídeos de Lula chamando Bolsonaro de “genocida”.
Sua decisão, porém, foi derrubada pela maioria do plenário.
Se
decidir atender o pedido público de Bolsonaro e pedir vista do processo, Araújo
poderá travar o julgamento por até 60 dias – período em que os aliados do
ex-presidente torcerão para que algum fato político mude o rumo do processo,
que hoje parece ser de inevitável condenação.
De
acordo com a apuração da equipe da coluna junto a fontes do TSE e do Supremo, a
expectativa dos bolsonaristas deve se frustrar.
Primeiro
porque Alexandre de Moraes já detectou a “ameaça” e conversou a sós não só com
Araújo como também com outro ministro alinhado a Bolsonaro, Kassio Nunes
Marques, que também vinha sendo pressionado por aliados do ex-presidente a
pedir vista.
Conforme
informamos na semana passada, Moraes argumentou nessas conversas que seria ruim
para o país e para o TSE o processo se arrastar por muito tempo. Ele insistiu
que o tribunal precisa encerrar essa fase da discussão sobre as eleições de
2022 e obteve de ambos a promessa de que dariam seus votos agora e não pediriam
vista.
Outra
razão pela qual Araújo pode frustrar os bolsonaristas é seu “trauma” com a
repercussão da decisão que tomou no caso Lollapalooza.
A
decisão foi interpretada como censura, caiu muito mal na própria Corte
Eleitoral e foi criticada em público por ministros do Supremo como Edson
Fachin.
Acuado
e magoado com as críticas, Araújo se viu isolado no TSE. Depois, afirmou
reservadamente a interlocutores ter sido induzido ao erro pelo PL.
Disse
também não ter noção da repercussão que tinha o festival, realizado desde 2012
na cidade de São Paulo. Só na edição que foi alvo da medida do ministro, o
público superou 300 mil pessoas no autódromo de Interlagos. O PL acabou
desistindo da ação e o caso foi arquivado.
“Ressalto
que a decisão anterior foi tomada com base na compreensão de que a organização
do evento promovia propaganda política ostensiva estimulando os artistas – e
não os artistas, individualmente, os quais têm garantida, pela Constituição
Federal, a ampla liberdade de expressão”, escreveu o ministro ao recuar do
próprio entendimento.
Colegas
de Araújo que o conhecem bem dizem que o caso Lollapalooza deixou marcas e por
isso mesmo duvidam que o ministro vai estar disposto a atender novamente a um
pedido de Bolsonaro e se queimar com a opinião pública e os colegas de plenário
por um caso que já parece resolvido pela maior parte do plenário.
Além
disso, mesmo que Araújo peça vista, a solução tende a ser paliativa.
Integrantes da corte duvidam que algum fato venha a modificar a visão
majoritária entre os ministros pela condenação. O mesmo aconteceria caso Nunes
Marques pedisse vista, já que ele é o sexto a votar no julgamento, e há grandes
chances de o veredito já estar resolvido quando chegar a vez dele .
Procurado
pela equipe da coluna sobre os riscos de um pedido de vista, o gabinete de Raul
Araújo informou que “tudo vai depender da dinâmica do julgamento”. “Portanto,
não é possível adiantar nada.”
Tampouco
é possível saber se Araújo vota nesta terça-feira ou na próxima quinta, para
quando está marcada a terceira sessão do julgamento. Isso porque o voto de
Benedito Gonçalves tem mais de 300 páginas e, se ele decidir ler o documento na
íntegra, vai tomar pelo menos quatro horas da sessão. Assim, a expectativa em
torno da posição de Araújo ainda pode se estender por mais uns dias – e muito
provavelmente sem muitas pistas do que ele fará.
Indicado
ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por Lula, em 2010, o ministro, de
Fortaleza, é conhecido pelo estilo reservadíssimo. Ao contrário de Gonçalves,
não recebeu os advogados do PDT que entraram com a ação contra Bolsonaro por
conta dos ataques contra as urnas e o sistema eleitoral proferidos na reunião
com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado.
Com
o fim do mandato de Gonçalves, em novembro deste ano, Araújo vai herdar a
relatoria de todas as 16 ações que investigam a fracassada campanha de
Bolsonaro à reeleição. Ao assumir o cargo de corregedor-geral da Justiça
Eleitoral, o ministro vai atrair inevitavelmente aquilo de que menos gosta: os
holofotes.
Fonte:
O Globo/Valor Econômico
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