Independência da
Bahia: Heróis escravizados foram 'apagados' da história
A
vitória baiana na luta pela independência não seria possível sem a força e a
resiliência de negros, mestiços e indígenas. Mas, a história contada pelos
livros durante muito tempo procurou ocultar ou reduzir a importância de
descendentes africanos nessa conquista.
Ainda
que a imagem do caboclo sempre tenha sido associada ao Dois de Julho, o
reconhecimento de personagens como Maria Felipa é recente e carece de
documentação, o que divide alguns historiadores quanto à veracidade da sua
existência.
O
professor Paulo César Oliveira de Jesus, Doutor em História Social pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e docente da Universidade Federal do
Recôncavo (UFRB), estuda a população negra no século XIX e acredita que a
ausência dos negros escravizados nos relatos históricos foi deliberada.
“De
alguma maneira a participação dos escravizados na guerra foi invisibilizada
pelo apagamento documental e iconográfico. Ignora-se, por exemplo, que as
tropas não poderiam ser formadas por brancos porque a população branca era
extremamente diminuta”, pondera o professor.
Paulo
de Jesus lembra que o Exército Libertador precisava de braços e os braços
disponíveis eram os braços negros. Por outro lado, falar de independência e
liberdade ameaçava a sociedade escravista que se dizia escravizada por
Portugal.
“A
tropa portuguesa tinha experiência e número, combateu Napoleão. O Exército
Pacificador tinha uma maioria sem experiência nenhuma de combate. Maria
Quitéria se junta porque ouviu falar do recrutamento. Foi mais um cerco que um
combate”, defende Paulo de Jesus.
As
lutas, propriamente ditas, foram travadas na defesa das propriedades
abandonadas pela elite branca, quando esta se retira para o Recôncavo, após a
expulsão do Forte de São Pedro. Os negros libertos e escravizados faziam
enfrentamentos “na cocó”, como diz o professor, citando os cabras e caiados,
nomenclatura atribuída a não brancos mais escuros que mulatos e mais claros que
negros.
“São
os negros que fazem as batalhas pontuais, chamadas de “pequenas escaramuças”,
como a batalha do forte de Itaparica e a defesa do funil (onde hoje existe a
ponte), impedindo o escoamento da produção”, detalha o doutor.
No
Recôncavo, o Exército Pacificador incorpora indígenas, sertanejos e
escravizados disponibilizados pelos seus senhores, que acreditam estar lutando
pela própria liberdade ao buscar a libertação do jugo da escravidão de
Portugal.
• Crioulada de Cachoeira
O
esforço de apagar a participação negra na independência fica evidente na tela
de Antônio Parreiras, de 1931, exposta no palácio Rio Branco e parte do acervo
da Fundação Pedro Calmon. Nela, Tambor Soledade, único negro retratado no
episódio da aclamação de D. Pedro I pela Câmara de Cachoeira, em 25 de junho de
1822, aparece caído, ferido pelos disparos dos canhoneiros, que abriram fogo na
Barra do Paraguassu em resposta ao ato de insurgência.
O
contexto político que cria as bases para o movimento libertador estava longe de
possuir uma unidade. Após o retorno da Coroa Portuguesa, durante a revolução
Constitucionalista do Porto, em 1820, criou entre os deputados baianos o temor
de que Portugal recolocasse o Brasil na condição de colônia anterior à vinda de
D. João VI.
“O
Partido Brasileiro não forma um grupo homogêneo. Uns queriam federação, outros
Reino Unido e outros a independência completa. Mas, sobretudo, todos defendiam
a manutenção dos escravos. As Cartas baianas (correspondência trocada com a
coroa portuguesa entre 1821 e 1824) revelam o temor de que a luta “perdesse o
rumo” e se transformasse numa luta contra a escravidão.
Não
é por outro motivo que o general Labatut tem seu pedido negado pelas Câmaras
quando solicita a libertação de parte dos escravizados para lutar. O argumento
era de que havia libertos suficientes e armar os escravizados seria um risco.
“Muitos fugiram e se alistaram. Após a guerra, o governo imperial pediu a
libertação dos que lutaram, mas os Senhores negaram”, diz Paulo de Jesus.
Parte
da relutância dos “proprietários” de escravizados vinha da recente revolução no
Haiti, onde os escravizados se rebelaram contra o domínio francês e tomaram o
poder em 1804. Nas mesmas cartas baianas, Maria Bárbara Garcez Pinto retrata o
sentimento da sociedade escravocrata e alerta que “a crioulada de Cachoeira fez
requerimentos para serem livres”.
Apesar
desse temor, não seria possível formar um exército capaz de expulsar os
portugueses sem a participação maciça de negros, libertos e, principalmente,
escravizados. Paulo de Jesus estima que a tropa patriota era composta por 30%
de supostos brancos, 20% de mestiços e 50% de negros escravizados. “Isso se
reflete ainda hoje na população baiana, 200 anos depois ainda de maioria
negra”, diz o historiador.
E
acrescenta: “Nossa história foi contada de forma positivista, através de
documentos. Labatut, Lord Cochrane, Maria Quitéria, Joana Angélica, D. Pedro I,
são todos brancos. Não chama atenção que não tenha nenhum herói negro?”
Uneb participa do cortejo do 2 de Julho
na Lapinha
“Com
tiranos não combinam brasileiros, brasileiros corações.” Esses versos do Hino
ao 2 Julho, também Hino Oficial do Estado da Bahia, vão estampar banners,
camisas e outras peças que a comunidade acadêmica da Universidade Estadual da
Bahia (Uneb), participará do cortejo em celebração à data, neste domingo, 2, no
monumento a Maria Quitéria, no Largo da Soledade, bairro da Lapinha, em
Salvador.
Neste
ano, a participação da universidade nos festejos, que marcam o Bicentenário da
Independência do Brasil na Bahia, vai trazer como tema “A Uneb na ‘cabocagem’”,
uma homenagem da instituição à luta do povo baiano pela liberdade.
Gestores,
servidores técnicos e docentes, estudantes e parceiros da comunidade acadêmica
da Uneb vão se concentrar às 7h, no Largo da Soledade. Depois da abertura dos
festejos, o cortejo percorre diversas ruas e localidades do centro histórico da
capital baiana, finalizando com a chegada à praça do Campo Grande.
Fonte:
A Tarde
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