quinta-feira, 20 de junho de 2024

Yara Frateschi: Universidade, excelência e compromisso social

Em artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, no dia 15 de junho, o professor de literatura geral e comparada da Unicamp, Marcos Lopes, se dispõe a refletir sobre os “Limites e riscos da universidade redentora”. Para ele, a universidade torna-se “redentora” quando assume a missão de promover justiça social. Haveria uma novidade aí, na medida em que buscar justiça social seria uma “nova atividade”, que vem acompanhada de um decréscimo no investimento na formação intelectual e científica de excelência. Ou seja, Lopes sugere haver um antagonismo entre compromisso social e formação de excelência. Se aceitamos que a universidade tem esse compromisso, segue-se a consequência inevitável e indesejável da perda de qualidade. É um típico argumento ladeira abaixo, escorregadio e falacioso, que merece a nossa atenção.

Antes, é importante dizer que não se trata propriamente de uma novidade o compromisso da universidade com a sociedade e com a melhoria da vida humana. Para ficar no campo das humanidades, que é citado por Lopes, cumpre lembrar que no interior das universidades públicas brasileiras as diversas áreas desse campo têm produzido pensamento crítico, diagnósticos empiricamente embasados e propostas para a superação das injustiças múltiplas que acometem sociedades profundamente desiguais, como a nossa. Que se tome como exemplo as áreas das humanidades da Unicamp, universidade na qual leciona Lopes, e que, desde a sua fundação, busca esse ancoramento. Pesquisas longevas, com resultados sólidos, amplamente discutidos pela comunidade científica e construídas em rede internacional são produzidas no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. No entanto, é evidente que o compromisso social não é exclusividade desse Instituto, basta olhar para as pesquisas e ações realizadas no Instituto de Economia, nas Faculdades de Educação e Ciências Médicas e na área ambiental, para citar alguns exemplos. Além de não ser uma novidade, estamos falando de institutos, faculdades e centros de pesquisa que produzem, não é de hoje, pesquisas de excelência com responsabilidade social, o que é suficiente para desvelar a falácia do argumento segundo o qual engajamento destrói qualidade.

A novidade é outra. É inegável que a composição do espaço das universidades públicas federais, em especial do corpo discente, começa a se transformar de maneira bastante significativa a partir de 2012, com a chamada “Lei de Cotas”, ou seja, com uma política de ação afirmativa em âmbito federal, que finalmente passa a olhar para estudantes oriundos da escola pública, pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência. Sabemos que a inclusão desses grupos não aconteceu no mesmo ritmo, algumas são ainda muito precárias, contudo, algo mudou. Na Unicamp, que eu tomo novamente como exemplo por ser a universidade na qual leciona Marcos Lopes, a política de inclusão com recorte social, racial e étnico demorou mais para chegar, mas chegou. Como mostra o Anuário Estatístico, em 2024, quase metade dos alunos ingressantes na graduação (47%) vieram da escola pública e 32,6% dos ingressantes se enquadram na categoria PPI – pretos, pardos e indígenas –, os mesmos que, em 2015, eram apenas 15,7% do corpo discente.

Em vez de olhar para esses dados e notar aí um avanço, Lopes está preocupado em denunciar que “o esforço atual das instituições de ensino recai cada vez menos na formação intelectual e científica de excelência”. Seria importante que essa denúncia ganhasse forma científica, o que demandaria prova. Enquanto não ganha, proponho olhar para o esforço que as instituições de ensino superior estão fazendo para democratizar o acesso – tornando-o menos discrepante com relação à composição da sociedade brasileira – e também para o esforço de diversos cursos e docentes para se abrir para as novas demandas científicas que surgem com a entrada em cena de novos atores, antes alienados do espaço de produção de conhecimento (não sem reação, como podemos ver pelo texto de Lopes). Aqui temos uma novidade. Por exemplo, é evidente que o enegrecimento do corpo discente e a presença de alunos indígenas na sala de aula provoca o corpo docente, hegemonicamente branco, a ampliar a própria mentalidade, a entrar em contato com perspectivas diversas da sua, a olhar para demandas que antes recebiam pouca ou nenhuma atenção, a enfrentar o problema do racismo estrutural e a questão indígena, a entrar em contato com outros saberes e a ampliar a literatura. A novidade é que a pluralização do corpo discente pode levar a uma reeducação do corpo docente e eu ouso dizer que, a passos lentos, isso está acontecendo de algum modo, sobretudo nas humanidades. Contudo, Lopes está preocupado com as investidas contra a “aura do professor”.

Em lugar de olhar atentamente para a abertura de novos horizontes – algo imprescindível para o avanço da ciência e do conhecimento – ele prefere denunciar, sem prova, a suposta queda de qualidade. Enquanto testemunhamos docentes de áreas diversas aceitando o desafio colocado pela entrada em cena de novas demandas e perspectivas, Lopes vê professores confirmando “crenças trazidas pelas experiências sociais dos alunos”. O argumento é mais uma vez escorregadio: por que interessar-se pelas experiências sociais dos alunos leva à confirmação das suas crenças? Novamente seria importante que o impressionismo cedesse ao rigor. Enquanto isso não acontece, proponho olhar para o ingresso de novas experiências sociais no espaço da universidade de outro modo, não como a porta de entrada de crenças a serem confirmadas por docentes acanhados, mas como a oportunidade para o aprofundamento do exercício crítico, que se torna mais rico e complexo quando fruto do diálogo entre pessoas com experiências sociais distintas.

Por não ver o potencial crítico desse possível diálogo – de docentes entre si, de docentes com alunos, alunos entre si, da universidade com a sociedade – e o impacto que pode ter na produção do conhecimento, Lopes prefere acusar o novo “papel redentor” da universidade. Ao invés de se engajar em refletir sobre as difíceis, sem dúvida difíceis, condições dessa conversação no espaço de produção de conhecimento e ciência, ele prefere passar a mensagem de que seria melhor mandar os alunos para as igrejas, afinal, elas cumprem melhor a tarefa redentora. “Esse papel redentor não poderia ser assumido por instituições mais aptas?”. Ele mesmo responde: “As igrejas fazem mais pela inclusão do que sindicatos e universidades”. O argumento é, no mínimo ininteligível, pois as igrejas – não importa a função social que cumprem – não são instituições de ensino e pesquisa.

Salta aos olhos o tom reativo ao que ele chama pejorativamente de lutas identitárias. Têm sido chamadas com frequência de “identitárias” as lutas dos outros quando se quer colocar em questão a sua legitimidade. No texto de Lopes é como se demandas das pessoas negras, indígenas, quilombolas, das mulheres (vale inclui-las, todas), do público LGBTQ, fossem a causa do desvirtuamento do fim último da universidade e da baixa qualidade da vida intelectual. Entretanto, não há uma palavra sobre a escassez de investimento público, sobre as dificuldades enormes enfrentadas pelas universidades federais, sobre o problema da permanência estudantil, sobre a evasão escolar, sobre a composição do corpo docente (ainda majoritariamente branca e em algumas áreas absurdamente desigual do ponto de vista do gênero), sobre o ataque fulminante e constante da extrema direita às instituições de ensino. Claro, se fizesse isso, Lopes acabaria engajado naquilo que denuncia.

As pautas específicas que surgem de experiências sociais distintas são, sem dúvida, um desafio a ser enfrentado. Muitas delas estão relacionadas a problemas estruturais, dignos da atenção das humanidades e da universidade como um todo. Será sim uma perda se se transformarem em “particularidades irredutíveis” e levarem à fragmentação. Contudo, o novo pacto que Marcelo Lopes pede entre docentes e discentes, para ser efetivamente um pacto, deve envolver todos os contratantes, e não cabe, no século XXI, sugerir a igreja para quem luta por reconhecimento. Esse novo pacto interno é um dos desafios – há tantos outros, externos e bem mais ameaçadores – a ser enfrentado pela Universidade, essa “velha senhora”, para continuar a ser relevante. Não é opondo justiça social e excelência ou invocando a aura sagrada do professor que seremos capazes de cumprir a nossa parte na tarefa.

 

¨      Oportunismo, doença infantil do esquerdismo. Por Herlon Miguel

O governo do PT proporciona um momento importante às mobilizações, organizações e à luta pela ampliação dos direitos. A história política recente do Brasil tem sido marcada por essa dinâmica, onde a sociedade civil se mobiliza em busca de avanços sociais.

Nesse contexto, a greve surge como um instrumento essencial da luta política. O capitalismo, com sua estrutura de exploração, fundamenta-se em leis que sustentam os privilégios das elites. Portanto, é crucial que os trabalhadores se organizem e recorram à greve para reivindicar seus direitos e enfrentar as injustiças sociais.

Comparando os governos, dados revelam disparidades significativas. No último ano da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022, as universidades federais receberam apenas R$ 53,2 milhões em recursos, o menor valor desde 2013. Ao longo de seus quatro anos de mandato, o ex-mandatário inaugurou apenas uma universidade, o que contrasta com a política de expansão observada em governos anteriores. A redução de investimentos durante o governo de Jair Bolsonaro gerou uma precarização da pesquisa e do ensino nas universidades, com consequências prejudiciais para a educação no país.

No contexto das universidades, a mobilização durante o governo de Jair Bolsonaro foi limitada. Infelizmente, poucas iniciativas foram tomadas. Setores fundamentais da esquerda estavam apáticos. Agora, no terceiro governo Lula, estão se mobilizando o que é positivo, mas qual a tônica da mobilização do esquerdismo?

Atualmente, vivemos os primeiros anos do novo governo Lula, em um momento de desafios éticos e econômicos. As instituições enfrentam dificuldades para oferecer serviços de qualidade devido ao desmantelamento do Estado. Recentemente, a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) recebeu um investimento significativo, 9 milhões de reais, para retomada da obra do campus, destacando sua importância na promoção da integração entre o Brasil e os países africanos de língua oficial portuguesa.

Esse investimento e um conjunto de outros que estão sendo feitos na educação como, por exemplo, a construção de mais institutos federais, se relaciona com a importância histórica que os governos do PT dão a educação, que vão de ações pontuais até as mais estruturantes. Mesmo assim, reformar a educação é uma tarefa muito complexa dado ao tamanho do setor, demandas históricas acumuladas, expansão do conservadorismo no último governo federal, dentre outros problemas.

No caso da Unilab-Campus Malês, no primeiro momento, não foi aprovada a greve. Essa não aprovação teve dois pilares fundamentais: prejudicar a vida acadêmica dos estudantes, alguns que sofrem com todas as dificuldades culturais, econômicas e sociais para se manter na Bahia, e a necessidade de manter os processos em curso que vão qualificar e melhorar esse campus que tanto sofreu no último governo, e, nesse sentido, atrasaria processos, obras e entregas. No segundo momento, a greve foi aprovada.

Talvez, os professores que são contra a greve, de fato, estejam colocando seus interesses individuais secundários, já que de fato, há uma defasagem salarial e ajustes fundamentais que precisam ser feitos às carreiras. No entanto, é de uma nobreza relevante esse sentimento de cuidado com o estudante e com o momento histórico do Brasil.

No caso da UFBA, e de acordo com a maioria que estava na assembleia de professores organizada pelo sindicato, instaurou-se a greve. Legitimamente, mas engendrada por sentimentos periféricos das disputas partidárias.

Participei de lutas fundamentais na UFBA, já que lá era o ponto focal da parte das lutas e mobilizações da universidade baiana. Das lutas que destacaria, lembro-me bem de dois momentos. O primeiro se referia à Reforma da Universidade, proposta por uma equipe muito qualificada (Tarso Genro, Fernando Haddad, dentre outros).

Essa política tinha um conjunto diversificado de ações, das quais queria lembrar do Programa Universidade Para Todos, o governo sugeria a transformação de impostos não pagos em vagas para pessoas pobres. No segundo momento, o REUNI, programa de reestruturação das universidades, hoje é responsável pela maior quantidade de vagas, cursos e, consequentemente, de pessoas negras na universidade.

Em ambos os momentos, o PSol, principal setor da atual oposição à APLB na Bahia, foi contra, mobilizou-se e organizou um conjunto de iniciativas contra as ações que posteriormente mudaram positivamente a vida de milhares de jovens. Esse movimento deles (PSol) fez com que, no calor da radicalização, vários professores sérios fossem iludidos. Na realidade, eles venceram um conjunto de eleições e tornaram-se força hegemônica em organismos importantes como a ANDES.

Esse mesmo setor foi um dos responsáveis, com suas pautas sectárias e disputas erradas, por todos os movimentos que, juntamente com a direita, fortaleceram o “Fora Dilma”.

Em todos os casos, a comunidade acadêmica percebeu, após o funcionamento das políticas e efetivação das ações, que as iniciativas propostas pelos governos do PT eram boas e mudaram a cara da universidade. Mais que isso, percebeu-se que as posições do PSol, em detrimento do que é bom para o povo brasileiro, sobretudo nas ações do ativismo sindical, têm como base de suas narrativas organizar argumentos oportunistas para disputarem aparelhos como DCEs e sindicatos.

Infelizmente, no calor das emoções e voltados por seus interesses individuais, muita gente séria “vai na onda” e acaba, ali na frente, percebendo que se tratava, meramente, de uma disputa partidária. Após aqueles primeiros anos do governo Lula, a esquerda propositiva e unificada venceu em vários DCEs e sindicatos importantes.

É importante ressaltar que a APUB esteve presente em todas as lutas importantes do último período, demonstrando seu compromisso histórico com a defesa dos direitos e interesses dos professores e da educação pública como um todo. As pessoas que estão à frente do sindicato são ativistas com presenças em lutas na Bahia e no Brasil em defesa da educação.

É essencial que a sociedade civil se mobilize e pressione o governo em busca de investimentos adequados e políticas educacionais que promovam a inclusão e a excelência acadêmica. No entanto, é fundamental olharmos com uma lupa sobre que interesses estão envolvidos em cada uma das disputas políticas.

É fundamental identificar dois aspectos. O primeiro é que o PSol da Bahia tem muita gente séria, essa opinião aqui não é sobre o partido como um todo, mas sobre uma prática antiga e cotidiana, sobretudo na UFBA, de fazer com que a disputa política/partidária sobreponha o interesse da comunidade acadêmica.

Hoje, a disputa de narrativas feita, sobretudo nas redes sociais, por ativistas do PSol tem como meta o desmantelamento e enfraquecimento da APUB, organismo que representa os professores de instituições públicas federais do Estado. Apenas isso!

Há uma tentativa oportunista de tomar poderes do sindicato, o grupo almeja enfraquecer a liderança da APUB, revela-se como uma ação que, ao invés de diminuir a representatividade sindical, mina a coesão e a eficácia da organização. Esta abordagem dissidente, ao invés de promover a unidade e a defesa dos interesses dos docentes, fragmenta a voz coletiva dos professores, enfraquecendo assim sua capacidade de negociar e defender seus direitos, o que prejudica todo mundo para ações futuras.

É importante dizer que o PSol é um partido importante para a democracia brasileira. Foi fundamental na luta pela manutenção da democracia. Mas já fazem alguns anos que a militância do partido, especificamente na Bahia, está na contramão da unidade política, fundamental à esquerda brasileira. Destacaria ativistas baianos como a vereadora Laína, Fabio Nogueira, Kleber Rosa, dentre várias outras pessoas.

A educação é um dos pilares fundamentais para a transformação social e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Portanto, é dever de todos nós, enquanto cidadãos e membros da comunidade acadêmica, defendermos uma educação pública de qualidade, que atenda às necessidades da população e promova o desenvolvimento humano e social. A greve é um direito do trabalhador e deve ser exercida plenamente.

No entanto, após o enfraquecimento das entidades, o que sobra? Quem alcança êxito? E finalmente, professor/estudante, não seja manipulado. Fortalecer o sindicato é fortalecer a vocês mesmos.

 

Fonte: Le Monde/A Terra é Redonda

 

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