MP do
Equilíbrio Fiscal expôs Haddad e frágil relação entre governo e Congresso
Anunciada
pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como crucial para organizar as
contas públicas, a MP do Equilíbrio Fiscal foi parcialmente devolvida pelo
Senado. À Sputnik Brasil, analistas apontam que o imbróglio em torno do tema é
fruto da carência de articulação política do governo federal.
A
equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vive um
novo embate com o Congresso, desta vez em torno da Medida Provisória (MP)
1227/2024, também chamada de MP do Equilíbrio Fiscal, que limita o uso de
benefícios fiscais por empresas privadas.
A
MP impõe restrições ao uso de créditos do Programa de Integração Social (PIS) e
da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para o
abatimento de outros impostos. A medida é defendida pelo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, como indispensável para equilibrar as contas públicas, após o
Congresso estender até 2027 a desoneração da folha de pagamento para 17 setores
da economia, derrubando o veto do governo à prorrogação da desoneração.
A
equipe econômica argumenta que a desoneração custará R$ 26,3 bilhões aos cofres
públicos somente em 2024 e que a MP do Equilíbrio Fiscal possibilitaria uma
arrecadação de R$ 29,2 bilhões, que seriam suficientes para compensar as
perdas.
A
MP foi publicada pelo governo em 4 de junho. Duas semanas depois, o presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou a devolução de trechos da MP pelo
que classificou de "flagrante inconstitucionalidade". Ele afirmou que
o parágrafo sexto do artigo 195 da Constituição Federal determina que
alterações de natureza tributária não devem ter validade imediata, mas sim
obedecer a um prazo de 90 dias para entrar em vigor — a chamada noventena. Com
a decisão, os trechos devolvidos perdem a validade.
Ademais,
empresas criticam a MP afirmando que ela desestimula o ambiente empresarial por
aumentar os custos tributários, o que pode elevar os preços para o consumidor
final. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), popularmente
chamada de bancada ruralista, o deputado Pedro Lupion (PP-PR), criticou o que
chamou de "sanha arrecadatória" do governo federal e disse que a MP
vai na direção contrária ao que o setor busca.
Em
entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam os impasses relativos à MP
do Equilíbrio Fiscal e como ela afeta a relação entre o Congresso e o governo
federal.
Para
Roberto Bocaccio Piscitelli, professor de Finanças Públicas da Universidade de
Brasília (UnB), o governo está sendo pressionado para gerar superávits fiscais,
"mas o Congresso tem feito tudo para inviabilizar a disposição de obter
esses resultados e reduzir a margem de manobra para a realização das despesas
sociais e os investimentos públicos".
Ele
cita como exemplo a decisão do Congresso de derrubar o veto do governo à
prorrogação da desoneração, "diante do volume inacreditável de renúncias
fiscais e de benefícios financeiros, da ordem de quase 650 bilhões de reais em
2023", o que levou o governo a tentar uma compensação por meio da MP
1227/24. Com a devolução, Piscitelli afirma que a bola, agora, está com o
Congresso.
"Caberá
ao Legislativo oferecer algum tipo de compensação, nos termos da Lei de
Responsabilidade Fiscal. Com a Medida Provisória [1227/24] enviada ao
Congresso, o Executivo pretendia restringir o aproveitamento de créditos dessas
contribuições, gerados pelas aquisições de insumos, que hoje são compensáveis
com quaisquer tributos devidos, inclusive com ressarcimento em dinheiro mesmo
quando esses créditos são presumidos."
Piscitelli
refuta as críticas de que a MP levaria ao aumento dos custos tributários, uma
vez que ela "não representa criação ou aumento de tributo, e não afeta
pequenas e médias empresas no regime do Simples, livrando também aquelas com
dificuldades financeiras, que poderão utilizar créditos para pagamento de
dívidas".
"[A
MP] Limita-se às empresas que adotam a sistemática da não-cumulatividade, em
que as compensações são sucessivas, e com mais relevância nos casos de cadeias
longas de produção e circulação. O aumento da atividade, com a geração de
maiores débitos, absorveria mais créditos, que, de qualquer maneira,
continuarão sendo compensáveis, mas não com qualquer tributo, o que é uma
profunda distorção e um benefício injustificável."
Ele
acrescenta que a iniciativa do governo foi uma reação à falta de opções
imediatas para recompor as perdas de receita geradas pela derrubada do veto à
desoneração.
"A
falta de uma negociação mais aprofundada com o Legislativo pode ser justificada
pela urgência na busca de soluções, na pressão pela obtenção de superávits,
pela pendência na apreciação da constitucionalidade da desoneração da folha,
pelo momento político conturbado, entre outros fatores."
• Falta de articulação política
prejudicou a discussão da MP?
Para
Hugo Garbe, professor de ciências econômicas da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, o fato de Haddad ter anunciado a MP sem uma conversa prévia com o
governo reflete a urgência do governo em aumentar a arrecadação fiscal de forma
muito rápida.
Segundo
Garbe, essa necessidade pode estar vinculada "ao compromisso de manter o
equilíbrio fiscal e também financiar projetos que o governo Lula considera
prioritários, como programas sociais, investimentos e infraestrutura".
No
entanto, ele afirma que a falta de articulação política adequada "sugere
uma subestimação do papel do Congresso e da necessidade de negociação política
para aprovar uma medida de impacto tão significativa".
"Essa
nova crise gerada pela devolução parcial da MP pelo Senado intensifica sim a
pressão sobre a equipe econômica, especialmente sobre Haddad. Esse episódio
ressalta a fragilidade da relação do governo com o Congresso e pode desgastar
ainda mais a imagem do Haddad de forma tanto interna quanto externa. Críticas à
falta de diálogo, à construção da política econômica podem, de forma brutal,
minar a confiança na liderança de Haddad, tornando mais difícil a aprovação de
futuras medidas econômicas."
Para
o advogado e economista Alessandro Azzoni, a questão de o governo ter anunciado
a MP do Equilíbrio Fiscal sem conversa prévia com o Congresso é resultado dos
atritos do Executivo com algumas figuras do Legislativo, sobretudo o deputado
Arthur Lira (PP-AL), que, segundo ele, se tornou o grande articulador do
centrão, que vem colocando medidas polêmicas em votação "justamente para
desgastar um pouco o governo".
"Ontem
mesmo já saíram boatos de que o governo não vai apoiar Lira para sua recondução
na presidência da Câmara dos Deputados."
Segundo
Azzoni, o imbróglio mostra que falta dentro do governo uma articulação
política, "uma falha muito grande nessa interlocução de Congresso versus
governo federal".
"Falta
uma integração no governo, eu entendo que o Haddad está tentando equilibrar os
gastos públicos e a questão do acerto fiscal, que é tão importante para manter
os investimentos internos e o Brasil continuar no ranking de países com
credibilidade para investimento. Mas esse desgaste acaba influenciando
muito."
Ele
afirma que Haddad, em sua trajetória, sempre foi um político de frente, que
teve comando das suas ações, e que, em sua avaliação, está tendo a imagem
construída como um sucessor de Lula, como foi Fernando Henrique para Itamar
Franco. Porém, ele sublinha que como ministro Haddad precisa "entender que
existe uma articulação política".
"Existe
o [ministro das Relações Institucionais, Alexandre] Padilha, por exemplo, que é
o ministro que faz essa interlocução, tem os líderes do governo. Então deveria
ser feito primeiro uma articulação nesse sentido, para ver como seria a
receptividade dessa MP nesse exato momento, e aí sim fazer uma propositura já
articulada. Agora, partir para o que eu chamo de kamikaze, soltar uma MP dessa,
provoca um desgaste grande para o governo federal, para Haddad."
• Devolução da MP significa
enfraquecimento de Haddad?
Para
Piscitelli, a devolução da MP não acarreta no enfraquecimento da equipe
econômica, que ele afirma ter "a simpatia velada de vários setores do
chamado 'mercado'". Segundo o especialista, apesar de ruídos frequentes
sobre atritos na equipe governamental, "os ministros da área econômica
parecem estar prestigiados pelo presidente [Lula]".
Sobre
a possibilidade de o imbróglio resultar no enfraquecimento de Haddad,
Piscitelli diz que na linha de frente do atual governo Haddad "parece já
ter enfrentado situações mais difíceis e ter todo o respaldo do
presidente".
"As
pressões contra as autoridades econômicas são normais; vêm inclusive de
integrantes dos próprios quadros partidários. É muito complicado contar com uma
base de apenas cerca de 130 deputados, não dispor de quórum sequer para impedir
a aprovação de emendas constitucionais ou um eventual pedido de impeachment.
Foi uma escolha do eleitorado, e a apresentação de pautas-bomba é uma tentativa
constante de acuar o governo", enfatiza.
Entretanto,
ele aponta que a devolução da MP pelo Congresso "é incomum, e cria um
verdadeiro impasse".
"Alguma
alternativa terá de ser buscada. A correlação de forças é amplamente
desfavorável ao governo. Uma grande questão que se coloca é se o sacrifício não
será novamente bancado pela maioria da população, pela população mais pobre. Em
outras palavras: quem irá pagar a conta?", questiona o especialista.
Há
de fato uma "sanha arrecadatória" do governo federal?
Questionado
sobre as críticas da bancada ruralista que apontam uma suposta "sanha
arrecadatória" do governo, Garbe aponta que a crítica "expressa a
preocupação dos setores produtivos com aumentos da carga tributária".
"Esses
setores temem que a medida aumente os custos operacionais, que de forma geral
acabariam sendo repassados aos consumidores e também elevando os preços dos
produtos finais. E de forma geral, o receio de que a medida desestimule
investimentos, tanto nacionais quanto estrangeiros, no momento em que o Brasil
precisa fomentar crescimento econômico e a geração de emprego e renda. Então, a
percepção de uma busca agressiva por arrecadação pode ter efeitos negativos
sobre a confiança empresarial e o ambiente de negócios no país."
Piscitelli,
por sua vez, afirma que "os empresários, no Brasil, sempre adotaram o
discurso da 'elevada' carga tributária, apesar da nossa pobreza e das nossas
desigualdades".
"É
notório que o nosso sistema é altamente regressivo: os pobres pagam
proporcionalmente muito mais que os ricos; os ricos são os que mais se
beneficiam de isenções, reduções, créditos, subsídios e toda a sorte de
benefícios, tributários e creditícios. Não causa nenhuma estranheza a
manifestação do presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, por
coincidência um dos setores historicamente mais privilegiados pelo Estado
brasileiro."
Já
Azzoni afirma que a compensação de créditos tributários é arrecadatória, o que
significa que "eu não tenho que pagar imposto porque em algum momento da
minha vida, da minha empresa, eu já paguei esse tributo numa quantia
maior".
"Aí
você solta uma medida provisória e diz que a partir de agora você não pode
compensar mais a sua totalidade, vai ser parcial. Então você começa a colocar
até em crise essa situação, é até uma questão jurídica [...] se eu tenho
crédito a ser compensado, e de repente você fala que não pode, eu vejo isso com
preocupação."
• ONU aponta proposta do Brasil sobre
taxação de super-ricos como opção ao combate à pobreza global
Durante
discurso em Genebra na terça-feira (18), o alto comissário da Organização das
Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, Volker Turk, citou a proposta do
governo brasileiro como sendo uma das soluções para diminuir a desigualdade
global, a qual chegou a níveis drásticos após a pandemia.
A
ONU se uniu à proposta do Brasil de criar uma taxação sobre as grandes fortunas
como uma das formas de lidar com a desigualdade crescente no planeta, relata a
coluna de Jamil Chade no UOL.
De
acordo com a Oxfam – organização que monitora a desigualdade social no mundo –
a riqueza dos cinco bilionários mais ricos do planeta mais do que dobrou desde
o início desta década, enquanto 60% da humanidade ficou mais pobre.
Cerca
de 4,8 bilhões de pessoas são mais pobres do que eram em 2019, disse Turk.
Segundo o alto comissário, a diferença de riqueza entre homens e mulheres em
todo o mundo chega a US$ 100 trilhões (R$ 544 trilhões).
Em
sua avaliação, as metas da Agenda 2030 – de desenvolvimento social – estão
"muito longe de serem atingidas".
"Globalmente,
a desigualdade teve o maior aumento em três décadas, pois os países mais pobres
sofreram um impacto econômico maior com a pandemia da COVID-19 em comparação
aos países mais ricos […]. Quase metade da humanidade – cerca de 3,3 bilhões de
pessoas – vive em países onde os governos gastam mais com os juros de suas
dívidas do que investindo em sistemas de saúde e educação para seu povo",
disse Turk, diante do Conselho de Direitos Humanos em Genebra, ao apresentar
uma espécie de raio X da situação internacional.
O
alto comissário ainda listou "iniciativas promissoras que estão em
andamento" para permitir essa reforma, são elas:
# A
Iniciativa de Bridgetown, um pacote de seis medidas para transformar o sistema
financeiro internacional;
# O
imposto global mínimo de 2% sobre a riqueza dos bilionários, proposto pelo
Brasil, atual presidente do G20;
# A
proposta de um novo tratado sobre Cooperação Tributária Internacional;
# A
alíquota mínima global de 15% da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) para empresas multinacionais.
A
medida proposta pelo Brasil poderia gerar cerca de US$ 300 bilhões (R$ 1,6
trilhão) por ano para combater as mudanças climáticas, as desigualdades e a
pobreza, escreve o colunista.
"Espero
que essas iniciativas sejam mais um gatilho para a verdadeira transformação
necessária, trabalhando em conjunto, para colocar os direitos humanos no centro
de todas as decisões econômicas", acrescentou Turk.
Nas
últimas viagens ao exterior, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem
colocado a taxação sobre os super-ricos como uma bandeira de sua política
externa e de sua presidência no G20, além da ideia ser amplamente defendida
pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Na
semana passada, tanto na cúpula do G7 como no discurso na Organização
Internacional do Trabalho (OIT), o presidente brasileiro defendeu a proposta.
Fonte:
Sputnik Brasil
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