Por que não se pode tolerar o mau
comportamento nas escolas
Não é novidade expor
alguns dos milhares de problemas que a educação brasileira enfrenta, mas, entre
os piores que já presenciei, sendo uma ex-estudante da rede pública, está o
excesso de tolerância a maus comportamentos de alunos que não querem nada da
escola.
Não que eu aprove
castigos doentios, pelo contrário, uma simples expulsão ou suspensão já
ajudaria, e é claro que há muitos fatores para que existam alunos que não
respeitam o meio escolar. Só que, não sendo egoísta e merecedora dos benefícios
da educação exclusivamente para mim, é substancial que essas medidas sejam
aplicadas – e não apenas aquela típica atitude da entrada dos alunos somente
com os pais para uma ineficaz conversa com a direção sobre o péssimo
comportamento.
Ao presenciar uma
escola pública, é possível perceber o excesso de grupinhos protagonistas no que
se enquadram nos casos de bullying, brigas, conversas ininterruptas durante a
aula, entre outros comportamentos. Mas o mais assustador e tocante é ver professores
chorando, com crises de pânico ou até mesmo evitando dar aulas em determinada
turma, por não terem controle sobre 30 a 50 alunos, dos quais 20% ou menos
querem realmente assistir o conteúdo proposto.
Durante meu ensino
médio tudo parece ter piorado, nunca tinha presenciado tamanha bagunça e
atrapalho nos estudos no ensino fundamental. Mas o que mais me revolta é a
experiência da minha irmã neste ano, que é vítima de perseguição e bullying por
um grupo de garotas da sala dela. Ainda que ela tente denunciar para a direção,
o grupo não pega uma simples suspensão ou reunião com os responsáveis. E a cada
dia essas alunas ficam mais audaciosas, chegando até a vandalizarem materiais
escolares de outras meninas e a fazerem uma professora grávida passar mal
durante uma aula, após a docente tentar expulsá-las da sala por causa da
conversa excessiva.
Por que a impunidade?
Ademais, há uma
desculpa aparente e romantizada sobre o porquê de essas expulsões e suspensões
raramente acontecerem: o direito à educação para todos. Mas seria válido para
aquele que não quer esse direito fundamental? Aqui não entra em vigor a famosa
frase "O seu direito termina onde começa o do outro"?
Então por que esses
alunos – que já pisotearam a garantia do estudante de estudar com qualidade –
na maioria das vezes fazem o que querem dentro do âmbito escolar e saem
praticamente impunes?
Uma resposta para isso
é evidente ou oculta para alguns: o medo da escola de ter uma péssima
reputação, com baixo número de formados e alto índice de expulsões e
desistências, se torna um pesadelo para a gestão escolar. Em síntese, não se
deve jogar a culpa na gestão, até porque os mesmos estão sendo pagos para
camuflar essa realidade. O grande vilão por trás dessa problemática é o modelo
tradicional de ensino, que viabiliza o desinteresse do aluno rebelde pelo
colégio, para além de dificultar o aprendizado do estudante.
Professores precisam
seguir esse modelo e terminá-lo no prazo. E para terem tempo e respeito na sala
de aula, precisam se tornar um ser amargo e uma máquina de escrita nas lousas,
já que esse é o único método capaz de manter o silêncio temporário, na maioria
dos casos.
Nesse cenário, o
ensino médio público se torna uma pedra no sapato para quem quer prestar um
vestibular para uma universidade federal, por não suprir as necessidades de
aprendizado para um vestibulando no último ano. Com isso, instaura uma
perspectiva de fracasso no estudante que ainda tentava passar e se graduar e
torna a universidade um lugar elitista.
Logo, é notável que o
futuro do país está totalmente nas mãos daqueles estudantes que não desistiram
de se tornar alguém e que passam por intensas horas de estudo para chegarem
preparados no dia do exame e garantirem suas vagas dentro de uma instituição superior.
• O papel da escola no acolhimento a
crianças e jovens trans
A legislação força
pessoas trans a situações de insegurança. Sim, é exatamente isso, mesmo que o
correto fosse ser o contrário. A legislação dificulta a vida de pessoas trans,
do momento da descoberta até depois da morte. E a situação, infelizmente, não é
diferente para jovens trans, em especial ês que dependem de outras pessoas para
sobreviver.
A Resolução CNE/CP nº
1, de 19 de janeiro de 2018, possibilita a alunes trans o uso do nome social em
instituições de ensino, independente da idade. Ela, no entanto, não leva em
consideração a insegurança familiar comum em todo o Brasil, um país majoritariamente
cristão, em especial no que se diz respeito a jovens queer, e impõe a
necessidade de autorização dos responsáveis legais para o uso do nome social de
modo formal.
Essa realidade reforça
a violência contra pessoas trans de forma dupla: ou ê jovem menor de idade se
assume para seus pais, correndo o risco de ser violentade verbalmente,
fisicamente, sexualmente e até mesmo expulse de casa, ou continua utilizando o
nome de registro, algo que pode parecer pequeno à vista de pessoas cisgênero —
que não são transgênero —, mas é uma violência imensa para a comunidade trans.
Foi com essa lei que
me deparei ao me compreender trans aos 16 anos, em 2019. Eu não diria que
sempre soube que sou um homem, mas definitivamente sempre esteve lá na minha
mente o pensamento de que não sou mulher.
• Empurrãozinho
Precisei de um
empurrãozinho pra que finalmente compreendesse e aceitasse e, mesmo que eu já
utilizasse uma aparência e "apelido" considerados masculinos, esse
empurrãozinho veio no ensino médio, quando um professor me perguntou se eu era
trans. Naquele momento, pela primeira vez, pensei "Caramba, eu sou
não-binário!!!" — spoiler: não era não, mas entendimentos e
desentendimentos fazem parte dessa descoberta.
Então, tendo eu
oficialmente conhecido meu eu no colégio, nada mais justo do que começar a
externalizá-lo por lá, especialmente sabendo que começar pela minha casa não
era uma opção. No início do ano letivo de 2020, me assumi para meus
professores. Muitos foram extremamente receptivos, até mesmo se oferecendo para
me ajudar a conversar com os demais docentes; outros nem tanto, e ouvi todo o
tipo de baboseira que se pode imaginar.
Foi na pandemia que
tomei coragem para solicitar o nome social de forma oficial — na verdade, a
escola entrou em contato comigo. Foi então que descobri que a lei só me
amparava até certo ponto, e tive que lidar com a difícil decisão mencionada
acima. Será que eu preferia arriscar com meus pais, crentes fervorosos — não me
leve a mal, eu também era e ainda sou seguidor de Cristo, mas a fama da igreja
em relação a existências queers não é boa —, ou passar o constrangimento e a
dor de ouvir um nome que nunca me representou ser chamado durante as aulas?
• Ajuda de psicólogos
Conversei com um
psicólogo do meu colégio, e resolvemos tentar fazer com que eu não precisasse
escolher entre o ruim e o pior. Desse modo, a equipe de psicólogos e
assistentes sociais de lá me auxiliou no processo, reunindo fatos e argumentos
que me permitissem utilizar meu nome sem precisar que meus pais autorizassem (e
eles nunca autorizariam). Por fim, vencemos utilizando como base o título de
eleitor, que permite que maiores de 16 anos adicionem nome social sem a
necessidade de algum tipo de permissão.
Durante o mesmo
período, uma professora minha se assumiu enquanto mulher trans. Mesmo estando
na pandemia, aquilo fez com que eu me sentisse um pouco menos deslocado no meio
de tantas pessoas e tanta ansiedade. Para um jovem, a escola pode ser como um
segundo lar; e foi o que aconteceu comigo durante esse tempo. Me senti
acolhido, e não julgado.
Foi ter uma equipe de
profissionais ao meu lado, lutando por mim, e ver outras pessoas como eu sendo
capazes de ser quem são que me deu coragem de continuar, mas nem todo mundo tem
essa oportunidade — quantos colégios públicos você já viu ofertando psicólogo
para ês alunes? Nunca retornei às aulas presenciais naquele colégio, me
formando ainda durante a pandemia, mas, depois disso, tive outres professories
trans, e colegas de classe trans, e colegas de trabalho trans, e conheci muito
mais pessoas trans.
A cisciedade tenta nos
parar a todo instante, e a legislação é com certeza uma ferramenta utilizada
para isso, mas dessa vez não deu certo. Se continuei no ensino médio, se não
virei estatística de evasão escolar, se hoje estudo em uma das maiores faculdades
do país, com certeza foi por ter pessoas incríveis me apoiando.
Se alguma pessoa cis
está lendo isso, saiba que você pode fazer sua parte. Você pode lutar para que
jovens trans tenham seus direitos garantidos. Você pode nos ouvir e entender
nossas lutas e dificuldades, entender que nós temos, sim, autonomia sobre nossos
corpos; que não somos jovens demais, burres demais; que ninguém nos conhece
mais do que nós mesmes. Você pode ir contra o sistema que nos impede de
continuar nas escolas, de ingressar nas faculdades e de seguir carreiras que
não sejam o crime e a prostituição. E se alguma pessoa trans está lendo isso:
você não está sozinhe.
Fonte: Por Beatriz
Gabrielly Sá Brasil, para Deutsche Welle
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