segunda-feira, 3 de junho de 2024

O roteiro de Trump pós-condenação: desqualificar, com mentiras, o sistema judicial americano

O que seria uma entrevista coletiva virou um pronunciamento, ou melhor, um discurso de campanha, em que o ex-presidente Donald Trump, agora condenado pela Justiça, despejou mentiras, ataques xenófobos e seguiu um roteiro conhecido: desqualificou o sistema judicial americano e apresentou-se como salvador do país e da Constituição.

O candidato republicano pôs a culpa do veredicto do corpo de 12 jurados no presidente Joe Biden, chamou o julgamento de farsa, atacou o juiz Juan Merchan e o promotor Alvin Bragg e vendeu-se como um combatente dos EUA e não como o primeiro ex-presidente americano que acabara de ser sentenciado como criminoso e estava em defesa de seus próprios interesses. 

“Tudo sai da Casa Branca. O tortuoso Joe Biden. Ele é o pior presidente da história do nosso país, o mais incompetente, o presidente mais burro e o mais desonesto que já tivemos.”

Tudo isso saiu da boca de um candidato que considera fraude contábil um delito leve e não um crime.  E que aproveitou seu pronunciamento para associar Biden à entrada maciça de imigrantes no país, descrevendo falsamente as pessoas que atravessam as fronteiras como terroristas, criminosos e doentes mentais. 

A legião de expoentes do Partido Republicano reforçou o apoio contundente e a união em torno do candidato. Segundo na linha de sucessão nos EUA, o presidente da Câmara, Mike Johnson, classificou a condenação de Trump em 34 acusações criminais por fraude contábil como “um dia vergonhoso na história americana”. “Foi um exercício puramente político, não legal”, declarou. 

Como afirmou Averi Harper, editora-adjunta de política da ABC News, o mais notável nesta corrida eleitoral é que o partido que se define como o “da lei e da ordem” avança para indicar um criminoso condenado para liderar a sua chapa presidencial. Não há como mudar o rumo dessa prosa. Trump transformou o partido e o controla com rédea curta.

¨      Entenda o que acontecerá após condenação de Trump em caso de suborno

Um júri de Nova York condenou Donald Trump por 34 acusações criminais de falsificação de registros comerciais, encerrando o julgamento de semanas do ex-presidente dos EUA, iniciando uma nova fase do caso histórico.

Agora, sendo o primeiro ex-presidente dos EUA condenado por um crime, Trump enfrenta a possibilidade de uma sentença de prisão ou liberdade condicional pelos seus crimes relacionado a um esquema de pagamento de suborno que ele ajudou a facilitar antes da eleição presidencial de 2016.

Trump – conhecido por apresentar longos recursos em decisões judiciais contra ele – provavelmente também recorrerá a essa condenação, e isso poderia atrasar significativamente sua sentença, atualmente marcada para 11 de julho.

Veja aqui o que você deve saber sobre o caso após a condenação de Trump:

<><> Quando Trump receberá a sentença?

O juiz Juan Merchan marcou a sentença de Trump para as 11 horas (horário de Brasília) do dia 11 de julho.

Por enquanto, o ex-presidente não será preso até que a sentença seja anunciada. Além disso, os promotores do caso não pediram para Trump pagar qualquer fiança.

<><> Trump pode recorrer de sua condenação?

Após a condenação de Trump, seu advogado Todd Blanche pediu a Merchan a absolvição das acusações, apesar do veredicto de culpado. O juiz rejeitou o pedido pro forma.

<><> Trump ainda pode ser eleito presidente?

Não há nada na Constituição dos EUA que impeça um criminoso condenado de concorrer ao cargo mais alto do país, como sempre afirmou o professor de direito da Universidade da Califórnia em Los Angeles, Richard L. Hasen.

“A Constituição contém apenas algumas qualificações limitadas para concorrer a um cargo como ter pelo menos 35 anos de idade, ser um cidadão nato e residir nos EUA há pelo menos 14 anos”, continuou Hasen.

<><> A condenação impedirá Trump de votar?

Trump é residente na Flórida. No que diz respeito ao veredito de culpado em Nova York que acaba de ser apresentado, o direito de Trump de votar na Flórida na eleição de novembro dependerá do fato de ele ter recebido uma sentença de prisão e ter terminado de cumprir essa sentença no momento da eleição.

As proibições de voto para criminosos na Flórida se aplicam a pessoas com condenações fora do estado.

No entanto, se a condenação de um cidadão da Flórida for fora do estado, a Flórida segue as leis do estado em que o indivíduo foi condenado para que ele possa recuperar seu direito de voto.

·        Quais são as chances de Donald Trump acabar na prisão?

Donald Trump se tornou o primeiro ex-presidente dos EUA condenado num julgamento penal, nesta quinta-feira (30/05). O grande júri em Nova York não o absolveu de nenhuma das 34 acusações de falsificação grave de registros comerciais, cada uma das quais pode implicar multa de 5 mil dólares e até quatro anos de prisão.

No entanto, diversos especialistas lembram que isso não significa que o bilionário vá passar seus últimos anos atrás das grades. O mais provável é que se estipule que todas as penas se cumpram de uma vez só, reduzindo-se a apenas quatro anos de prisão. Os 77 anos de idade de Trump, seu status público e a ausência de antecedentes criminais são argumentos a seu favor.

Em entrevista à TV CBS News, o advogado de defesa Dan Horwitz, que no passado levou casos de "colarinho branco" à procuradoria do distrito de Manhattan, disse que o mais provável é uma sentença de prisão domiciliar.

No entanto, as possibilidades são amplas, acrescentou: o juiz Juan Merchan "poderia sentenciá-lo a meses ou semanas de cárcere ou exigir que se apresente ao presídio todos os fins de semana durante um período, para depois cumprir o resto da pena em liberdade condicional".

Uma análise de "milhares de casos" análogos ao de Trump, realizada pela cadeia NBC News, revelou que "muito poucos" acabaram atrás de grades: apenas um em cada dez réus, e em geral quando havia outros delitos envolvidos, além da falsificação de registros comerciais.

·        Escândalo Stormy Daniels, o estopim

Todos os 34 processos se relacionavam ao reembolso de um total de 130 mil dólares, que em 2016 – pouco antes da eleição vencida por Trump – seu então advogado Michael Cohen pagara à atriz pornô Stormy Daniels, para que esta silenciasse sobre uma relação sexual ocorrida dez anos antes.

O pronunciamento da sentença está marcado para 11 de julho às 10h (11h em Brasília), quatro dias antes da convenção em que o Partido Republicano deverá proclamar seu candidato oficial à presidência.

Os advogados têm até 13 de junho para apresentar qualquer tipo de moção, e os promotores, prazo de 14 dias para reagir. Merchan exigiu ainda que antes lhe seja apresentada uma avaliação judicial, o que pode envolver uma entrevista entre Trump e um oficial de Justiça de Nova York.

Em reação à decisão do júri, nesta quinta-feira, Trump classificou o processo como "manipulado", afirmando que "o veredito real vai ser em 5 de novembro, pelo povo". De qualquer modo, após a proclamação, a defesa tem 30 dias para apelar da sentença, e é provável que o faça. Isso atrasaria um eventual encarceramento.

·        Mais quatro anos de Trump na Casa Branca?

Em alguns dos resultados judiciais cogitados, o pré-candidato às eleições presidenciais de novembro nos EUA poderia prosseguir sua campanha, mesmo que de forma virtual.

O diário The New York Times enfatiza que no momento não se pode dar nada por garantido: "Embora não haja indicações de como será sua decisão, o juiz Merchan tem deixado frisado que leva a sério os delitos de colarinho branco." E Trump tem continuamente atacado e denunciado o magistrado de origem colombiana como "parcial e corrupto".

Em certo ponto das cinco semanas do julgamento, Merchan chegou a ameaçar mandar prender o ex-presidente americano por ter desrespeitado uma ordem de silêncio sua, mas acabou optando por impor-lhe uma multa.

No momento Trump segue sendo um homem livre, e uma sentença de prisão não invalidaria uma eventual candidatura, e sequer a ascensão à presidência. A Constituição dos EUA não prevê nada nesse aspecto, apenas exigindo que todo chefe de Estado tenha mais de 35 anos e que sejam cidadãos americanos que viveram no país pelo menos por 14 anos.

Caso se eleja, contudo, Trump não poderia se autoperdoar: como o atual caso não partiu do governo federal, mas do estado de Nova York, só um governador teria poderes para exonerá-lo.

O ex-presidente enfrenta ainda acusações federais e estaduais por conspiração para anular os resultados da eleição de 2020, da qual o democrata Joe Biden saiu vitorioso, e por guardar documentos secretos após deixar a Casa Branca. É pouco provável que esses casos sejam julgados ainda antes da eleição.

¨      Condenação histórica de Trump não muda muito as escolhas dos eleitores para 2024

Algumas coisas demoram para ser assimiladas. Mas não espere que os eleitores comprometidos com Donald Trump vacilem de repente porque seu candidato agora é um criminoso condenado.

“É apenas um abuso do sistema de justiça”, disse Billy Pierce, um consultor quase aposentado e apoiador de Trump em Hartsville, Carolina do Sul, logo após o ex-presidente ser condenado em todas as 34 acusações de falsificação de registros comerciais em seu julgamento em Manhattan.

“Biden e os democratas não podem vencer a eleição de 2024 nas urnas, então usam a acusação de Trump para tentar mantê-lo fora do cargo. Esse veredito não vai se sustentar nos recursos”, acrescentou, repetindo as falsas alegações de Trump sobre o presidente Joe Biden estar por trás da acusação em Nova York.

Andrew Konchek, um pescador comercial e apoiador de Trump em New Hampshire, respondeu ao veredito com referências sarcásticas aos escândalos pessoais do ex-presidente Bill Clinton.

“Não há evidências diretas e de quem, Cohen? Que é um mentiroso habitual e foi desbaratado? Eu sinto um cheiro de sujeira”, acrescentou, referindo-se à principal testemunha da acusação, o ex-advogado de Trump, Michael Cohen.

Outra apoiadora de Trump em New Hampshire, Debbie Katsanos, enviou uma mensagem durante as deliberações do júri. “Eu não vejo crime”, disse ela.

“Certamente a um nível de infração. Lamento dizer que não posso confiar no sistema de justiça quando está sendo usado de forma política. Sim, ninguém está acima da lei, quando uma lei é quebrada, eles devem ser responsabilizados. Eu simplesmente não estou vendo isso neste caso”.

O apoiador de Trump em Iowa, Chris Mudd, que tem uma empresa de energia solar, disse que seu apoio ao ex-presidente é sólido. “Eu acho que o veredito é ruim para a América”, disse Mudd. “Não posso acreditar que isso esteja acontecendo neste país”.

Betsy Sarcone foi uma eleitora de Nikki Haley nas primárias de Iowa e, no final do ano passado, disse que votaria em Biden se houvesse uma disputa entre Biden e Trump. Mas ela mudou drasticamente desde as primárias.

“Tenho acompanhado esse espetáculo de perto”, disse ela após o veredito do júri que deu a Trump um lugar na história como o primeiro ex-presidente ou candidato presumido a ser condenado por um crime.

“Isso não impacta meus planos de votar nos republicanos. Eu nem gosto de Donald Trump e isso foi uma caça às bruxas, crimes inventados por parte do juiz e do promotor. Isso nunca vai se sustentar nos recursos. Eu realmente não acho que isso vai prejudicá-lo”, disse.

“As pessoas estão tão cansadas dos espetáculos para distrair/evitar/manipular as pessoas para longe dos verdadeiros problemas neste país. Para ser honesta, ainda não sou fã de Trump, mas é bastante claro que esses casos estão sendo motivados politicamente”, adicionou.

Pierce, Konchek, Sarcone e Katsanos estão todos participando de um projeto da CNN para acompanhar a eleição de 2024 através dos olhos e experiências de eleitores que vivem em estados decisivos ou fazem parte de blocos de votação importantes.

Verificaremos novamente à medida que as notícias da condenação histórica de 34 acusações forem assimiladas e enquanto o ex-presidente se prepara para ser sentenciado em julho – dias antes de ser oficialmente nomeado candidato à presidência na Convenção Nacional Republicana.

Mas nossas conversas antes e durante o julgamento foram reveladoras: a esmagadora maioria dos apoiadores de Trump em nossos grupos de eleitores viu os casos contra o ex-presidente – especialmente o de Manhattan – como politicamente motivados. O ex-presidente se declarou inocente neste e em outros três casos criminais iminentes.

Até mesmo muitos republicanos que não são fãs de Trump compartilham a opinião de que ele está sendo alvo injustamente. Os apoiadores de Biden, por outro lado, viram os vereditos como Trump finalmente sendo responsabilizado pelo que consideram uma vida inteira de trapaças e mentiras.

Matt Vrahiotes, um conservador cristão que administra uma vinícola em Hall County, Geórgia, ficou perturbado com as acusações no caso de Manhattan: falsificação de registros comerciais para ocultar pagamentos em dinheiro para silenciar uma estrela de filmes adultos, supostamente para ajudar na campanha de Trump em 2016.

“Quer dizer, parece loucura, parece uma coisa irresponsável de se fazer”, disse Vrahiotes em abril. “Mas há muitas coisas acontecendo com ambos os candidatos, e muitas coisas que são moralmente questionáveis para ambos.

É realmente difícil dizer ‘não gosto de um candidato por causa do que está acontecendo’, contra promover outro. Você tem que deixar o julgamento seguir seu curso, deixar o juiz decidir o que é certo e o que é errado”.

Jan Gardner, um apoiador de Trump que vive em Dunwoody, um subúrbio de Atlanta, disse antes do veredito que perdeu a fé no sistema de justiça.

“Achamos que algumas das coisas que acontecem, que há um padrão duplo?”, Gardner perguntou, mencionando Hillary Clinton, que, em sua opinião, foi tratada de maneira diferente de Trump. “Tenho dúvidas sobre quanta honestidade e quanto poder pode comprar”.

O republicano e provável eleitor de Trump, Devin McIver, disse que não acompanhou de perto o julgamento, mas não dedicaria “tempo ou energia” pensando na condenação de Trump, escrevendo em uma mensagem que acredita que estava “melhor quando Trump era presidente”.

·        Incomodados com Trump, mas não convencidos pelo caso de Manhattan

Ouvimos muito o argumento da injustiça em nossas viagens, mesmo de republicanos que são críticos de Trump. Linda Rooney é uma apoiadora de Haley, de Media, Pensilvânia, lutando para decidir se dará um voto relutante a Trump ou escreverá o nome da ex-governadora da Carolina do Sul ou de outra pessoa na cédula.

Rooney tem “sentimentos mistos” sobre a condenação de Trump, nos dizendo que não achava que o caso tinha “mérito”, mas dizendo que ela “adoraria vê-lo atrás das grades, mas por uma das muitas outras coisas que ele fez. Como o caso dos documentos da Casa Branca ou o 6 de janeiro”.

Ela disse que esperava que, com a condenação, Trump “saísse da corrida por conta própria agora e deixasse alguém mais adequado concorrer – como Nikki Haley”. Mas ela reconhece, “Eu não acho que está no DNA de Donald Trump sair”.

Da mesma forma, a eleitora da Pensilvânia, Irma Fralic, que votou em Haley nas primárias, vê política por trás do caso de Manhattan.

“O julgamento atual em Nova York é totalmente político”, disse Fralic na semana passada em sua casa no condado de Montgomery. “Eu olhei brevemente para algumas dessas coisas, e simplesmente não faz sentido”.

A ex-eleitora de Trump, Joan London, teve uma opinião mista sobre as condenações. Ela foi republicana por mais de 40 anos, mudando seu registro para independente depois de votar em Haley nas primárias de abril na Pensilvânia. Ela deixou o Partido Republicano por causa de Trump.

London, que é advogada, disse que esperava um “veredito mais misto” porque “o presidente Trump não assinou todos os cheques em questão, e pelo passado de Michael Cohen de mentir e roubar”. Ainda assim, London disse: “Esse veredito não tem impacto nos meus planos de voto. Ainda não tenho planos de votar em Trump ou Biden”.

·        Celebração e alguma cautela entre os eleitores de Biden

Darrell Ann Murphy ofereceu uma reação típica dos apoiadores de Biden em nossos grupos de eleitores. “Uau! Um grande dia”, disse Murphy, que vive no condado de Northampton, Pensilvânia.

“Finalmente ele foi condenado!! Amigos me enviando mensagens como loucos, todos felizes. Muitos eleitores de Biden com quem falo”.

Pat Levin, outro eleitor de Biden no condado de Northampton, disse sobre o veredito: “Isso apoia e reforça minha crença no Estado de Direito.

Apoia minha atitude em relação aos limites do poder executivo. Reforça minha crença nos princípios da democracia. Eles têm um sistema judicial forte. Sou enormemente grato a este júri e sua seriedade de propósito”.

David Moore é um republicano registrado em Nogales, Arizona, mas planeja votar em Biden porque não pode apoiar Trump. Ele respondeu ao veredito com uma pergunta: “Ele ainda pode concorrer se estiver em apelando?”

Sim, a condenação não impede Trump de concorrer.

“Não estou contando com isso”, disse Moore. “Muitas pessoas ao meu redor parecem muito felizes com isso. Estou curioso para ver como tudo isso se desenrola”.

A recém-formada pela Universidade de Michigan, Jade Gray, foi copresidente dos Democratas Universitários no campus. “Desde o minuto em que ele foi eleito, foi histórico por todos os motivos errados”, disse ela sobre Trump.

“Ser o primeiro presidente condenado solidifica esse legado. Isso é o que a responsabilização parece. Eu sei que é dito muitas vezes, mas ninguém está acima da lei e Trump repetidamente se mostrou uma pessoa desonesta e não confiável”.

Nanette Mees, uma republicana, mas crítica de Trump que vive no subúrbio de Loudon County, Virgínia, ofereceu o seguinte: “Pessoalmente, estou emocionada que ele foi considerado culpado e rezo para que não haja grandes protestos dos seus seguidores”.

E Joanna Brooks, uma eleitora negra que administra um estúdio de yoga no subúrbio de Milwaukee, descreveu-se como “chocada, mas feliz”.

“É bizarro para mim que isso não impactaria necessariamente sua candidatura à presidência. Ele vai apelar e se fazer de vítima, e seus apoiadores provavelmente vão amá-lo ainda mais”, disse.

 

Fonte: g1/CNN Brasil/Deutsche Welle

 

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