O plano de
taxação de bilionários que Lula quer defender na Europa
O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desembarcou em Genebra, na Suíça, nesta
quinta-feira (13/6), para participar da conferência anual da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
O
ponto alto do evento para o chefe de Estado brasileiro será sua participação
como orador principal no fórum da Coalizão Global pela Justiça Social, uma
iniciativa multilateral impulsionada pelo diretor-geral da OIT, Gilbert
Houngbo. Lula é copresidente da conferência ao lado de Houngbo.
Segundo
fontes próximas ao presidente, um dos temas principais que será defendido em
seu discurso é a taxação mínima de grandes fortunas.
O
plano brasileiro tem sido o foco do país em reuniões e eventos internacionais.
Em visita à Itália, na última semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
defendeu a proposta em encontro com o papa Francisco e autoridades italianas.
De
acordo com o gabinete de Lula, o tema também deve surgir nas discussões durante
a cúpula do G7, grupo de sete dos países mais ricos do mundo, neste fim de
semana em Fasano, na Apúlia, Itália.
O
presidente para em Genebra em meio a sua ida à Europa para o G7. O Brasil não
faz parte do G7, mas Lula participa da cúpula a convite do grupo.
O
ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, afirmou à BBC News Brasil que o
governo pretende aproveitar o momento para “insistir” na sua proposta de
taxação dos “super-ricos” o máximo que puder.
“Às
vezes temos que ser assim, aproveitar toda a oportunidade possível para falar
de nossas propostas em intervenções em fóruns internacionais”, disse o
ex-prefeito de São Bernardo do Campo, que já está em Genebra desde o início da
semana para a conferência anual da OIT.
Segundo
Marinho, a discussão sobre inclusão e distribuição de renda está diretamente
ligada ao foco principal da coalização que se reúne em Genebra, a justiça
social.
• A proposta
A
proposta liderada pelo Brasil durante a sua presidência temporária do G20 (o
grupo das 20 maiores economias do mundo) se baseia na criação de uma taxação
global mínima de 2% sobre a riqueza dos bilionários.
O
tema foi discutido no encontro de ministros de finanças e presidentes de bancos
centrais dos países membros do grupo em fevereiro, em São Paulo.
Os
detalhes sobre quais fortunas seriam taxadas não estão claros ainda, mas, ao
que parece, o projeto patrocinado pelo Brasil teria como meta a adoção de uma
taxação global mínima de 2% pelo menos para os cerca de 3.000 bilionários que
existem no mundo.
A
ideia defendida pelo governo Lula é a de criar mecanismos internacionais de
cooperação tributária e usar o imposto sobre os super-ricos para financiar
medidas contra a pobreza e as consequências da crise climática.
Mas
ainda não está claro como tais objetivos seriam cumpridos ou como essas
políticas seriam implementadas.
Tathiane
Piscitelli, coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da Fundação Getúlio
Vargas, explica que o debate sobre uma taxação mínima global empresas
multinacionais já avançou na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE).
Em
2024, algumas das principais economias do mundo passaram a aplicar uma taxa
efetiva de pelo menos 15% sobre os lucros corporativos.
Mas
segundo a especialista, essa é a primeira vez que a discussão sobre um imposto
mínimo para grandes fortunas de pessoas físicas chega a níveis globais. E para
que a iniciativa funcione, ela deve ser implementada de forma expandida e
coordenada.
“Considerando
que estamos falando de ativos que se movem, que são os ativos financeiros, o
sucesso dessa empreitada depende de um acerto entre os países”, diz. “Precisa
haver cooperação entre as nações no que se refere às informações tributárias e
financeiras dos seus cidadãos.”
Piscitelli
afirma que tal mecanismo de coordenação pode ser extremamente complexo e
trabalhoso - e pode levar anos para entrar em vigor.
“Sem
cooperação internacional, há um limite para atuação dos Estados nacionais”,
disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao defender a proposta num evento
em Washington, em abril. “Sem cooperação, aqueles no topo continuarão a evadir
nossos sistemas tributários.”
Além
do Brasil, outros membros do G20 têm se mostrado interessados em impulsionar o
projeto.
Em
nota conjunta divulgada nesta semana, os presidentes da França, Emmanuel
Macron, e dos Estados Unidos, Joe Biden, se comprometeram a aumentar os
esforços pela abordagem de uma tributação internacional progressiva.
Os
líderes se reuniram em Paris por ocasião do 80º aniversário do Dia D, quando
tropas do Reino Unido, dos Estados Unidos e do Canadá invadiram o litoral da
Normandia, no norte da França tomada pelos nazistas, durante a Segunda Guerra
Mundial.
O
Brasil agora espera obter uma declaração favorável do G20 em julho, quando
ministros de finanças e presidentes dos bancos centrais dos 20 países se
reunirão novamente no Rio de Janeiro.
• Por que tributar grandes fortunas?
Durante
a defesa da proposta na reunião de fevereiro em São Paulo, Haddad apresentou
dados do Observatório Fiscal da União Europeia que apontam que os bilionários
hoje pagam entre 0 e 0,5% de impostos sobre o que acumulam.
O
último relatório da instituição, divulgado em outubro de 2023, mostra ainda que
os sistemas tributários na maior parte dos países são regressivos, ou seja, os
mais ricos pagam uma pequena fração de suas receitas em impostos em comparação
com quem ganha menos.
O
documento indicou ainda que um imposto global de 2% sobre a fortuna de
bilionários poderia arrecadar US$ 250 bilhões (R$ 1,24 trilhão) ao ano - isso
tributando menos de 3 mil pessoas em todo o mundo.
O
diretor do Observatório e professor da Universidade da Califórnia em Berkeley,
Gabriel Zucman, têm sido um dos principais pilares de sustentação dos
argumentos em defesa da tributação de grandes riquezas nos últimos anos.
Discípulo
do economista francês Thomas Piketty, Zucman foi convidado pelo Brasil para
falar no encontro de ministros da Fazenda em São Paulo.
Segundo
o economista, sistemas tributários que facilitam que os super-ricos não paguem
impostos levam à instabilidade política e à corrosão das instituições
democráticas no longo prazo.
"Quando
os super ricos conseguem não pagar pagar impostos, é o resto da população que
paga, e isso é insustentável", disse em entrevista à BBC News Brasil em
março. "Grande concentração de riqueza é também grande concentração de
poder, o que corrói a democracia."
No
Brasil, um cálculo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da
Universidade de São Paulo (Made/USP) indicou que a criação de um imposto de 2%
sobre a riqueza dos 0,2% mais ricos do país seria suficiente para arrecadar R$
41,9 bilhões por ano.
• Evasão de riquezas?
Mas
para Lorreine Messias, pesquisadora do Instituto de Ensino e Pesquisa Insper,
propostas de taxação de fortunas devem ser analisas com cautela, já que a
experiência de diversas nações com esse tipo de tributação não foi
necessariamente positiva.
Messias
fez parte de um estudo que analisou os resultados empíricos da adoção desse
tributo em outros países.
Segundo
ela, historicamente, o imposto sobre grandes fortunas foi implementado em uma
série de países europeus e, a partir do final dos anos 90, vem sendo extinto –
como foi o caso na Alemanha, Áustria, Dinamarca, Finlândia, França, Islândia,
Itália, Países Baixos e Suécia.
Na
Europa, a cobrança desse imposto atualmente ocorre apenas na Espanha, na
Noruega e na Suíça. Entre países latino-americanos, somente quatro tributam o
patrimônio das faixas mais ricas da população: Uruguai, Colômbia e, mais
recentemente, Argentina e Bolívia.
“Para
nós é interessante observarmos a experiência da Colômbia,um país com uma série
de características semelhantes ao Brasil em termos de distribuição de renda”,
diz.
A
Colômbia adotou, em 2002, uma alíquota progressiva partindo de 1% sobre aqueles
com patrimônio superior a 1 milhão de pesos colombianos, em valores de 2010.
Segundo
um estudo elaborado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley
em 2018, a medida levou a uma evasão de riquezas do país que pode ter alcançado
o equivalente a 6% do PIB do país.
Lorreine
Messias afirma ainda que em nenhum dos casos estudados foram observados
resultados significativos em termos de melhoria de bem-estar ou distribuição de
renda entre a população. “E é um tributo pouco eficiente em termos
arrecadatórios, mas que mobiliza muito o governo para monitorar”, diz.
A
pesquisadora ressalta, porém, que todos os estudos empíricos realizados até
agora analisaram experiências nacionais individualizadas, que fracassaram
justamente porque existem muitas brechas que permitem aos bilionários proteger
seu dinheiro, transferindo bens e aplicações financeiras para paraísos fiscais
e outras jurisdições.
“Por
um lado a perspectiva atual vai em um novo caminho ao explorar a cooperação
global”, diz. “Mas por outro, quando analisamos outras políticas tributárias
que exigiram cooperação global, as iniciativas muitas vezes não foram tão
bem-sucedidas.”
Messias
cita o exemplo dos paraísos fiscais e dos inúmeros arranjos elaborados ao longo
dos anos para solucionar a questão. Para ela, os esforços não alcançaram
resultados substantivos.
“Eu
sou um pouco cética de que conseguiremos tirar do papel uma agenda de
tributação de grandes fortunas que seja bem alinhada e bem desenhada, com
mecanismos de aplicação e punições para os países que se desalinhem a um
possível tratado.”
Fonte:
BBC News Brasil
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