segunda-feira, 24 de junho de 2024


O dilema da Espanha por produzir 'excesso' de energia com fontes renováveis

As planícies de Castilla-La Mancha, no centro da Espanha, já foram conhecidas pelos seus moinhos de vento.

Agora, no entanto, são as turbinas eólicas – o seu equivalente moderno – que são muito mais visíveis no horizonte da região.

As 28 turbinas do parque eólico Sierra del Romeral, situadas em colinas não muito longe da histórica cidade de Toledo (a cerca de 70km de Madri), formam essa paisagem.

Operadas pela empresa espanhola Iberdrola, fazem parte de uma tendência que acelerou a produção de energia renovável na Espanha ao longo dos últimos cinco anos, tornando o país uma presença importante nessa indústria.

A capacidade total de produção eólica da Espanha – sua principal fonte renovável nos últimos anos – duplicou desde 2008. Além disso, a capacidade de energia solar aumentou oito vezes durante o mesmo período.

Isso faz da Espanha o país da União Europeia com a segunda maior infraestrutura de energia renovável, atrás apenas da Suécia.

No início deste ano, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, descreveu seu país como “uma força motriz da transição energética em escala global”.

boom começou logo após a chegada de um novo governo, sob o comando de Sánchez, em 2018, com a remoção de obstáculos regulatórios e a criação de subsídios para instalações de energia renovável. A pandemia acelerou ainda mais a tendência.

“O impacto da covid foi muito positivo para o nosso setor”, diz José Donoso, diretor executivo da Unef, a Associação Fotovoltaica Espanhola, que representa o setor dos painéis solares.

“As pessoas pouparam dinheiro, pensaram no que fazer com ele e muitas delas decidiram que era melhor investir no seu telhado do que no seu banco.”

Enquanto isso, o governo introduziu novas metas ambiciosas, incluindo a cobertura de 81% das necessidades de eletricidade de Espanha com energias renováveis ​​até 2030.

No entanto, por trás desta história de sucesso, existem preocupações no setor da eletricidade causadas por um desequilíbrio entre a oferta e a demanda – o que gera, às vezes, excedente de eletricidade.

Embora a economia espanhola tenha recuperado fortemente do impacto da pandemia de covid e esteja crescendo mais rapidamente do que todas as outras grandes economias do bloco, o consumo de eletricidade tem diminuído nos últimos anos.

No ano passado, a demanda por eletricidade ficou ainda abaixo da registada no ano pandêmico de 2020, e foi a mais baixa desde 2003.

“O que vimos até 2005 foi que quando o PIB aumentou, a procura de eletricidade aumentou mais do que o PIB”, diz Miguel de la Torre Rodríguez, chefe de desenvolvimento de sistemas da Red Eléctrica (REE), a empresa que opera a rede nacional de Espanha.

Mais recentemente, diz ele, “vimos que a procura aumentou menos do que o PIB. O que estamos vendo é uma dissociação entre a intensidade energética e a economia”.

Existem várias razões para a recente queda na procura. Isso inclui a crise energética desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, que fez com que empresas e residências em toda a Europa reduzissem o uso.

Além disso, a eficiência energética melhorou e tornou-se mais comum.

O aumento da utilização de energias renováveis ​​também contribuiu para a redução da procura de eletricidade da rede nacional.

Rodríguez afirma que durante o dia, quando a produção de energia solar é particularmente forte, a relação entre oferta e procura pode ficar desequilibrada, tendo um impacto nos preços.

“Como o sistema energético tem sempre de ter um equilíbrio – a procura tem de ser igual à geração –, isso significa que houve excesso de produção durante essas horas”, diz ele.

“Isso fez com que os preços caíssem, especialmente durante determinados horários, quando os preços eram zero ou até negativos.”

Embora esses preços baixos sejam bem-vindos para os consumidores, são potencialmente um problema quando se trata de atrair investimento para a indústria.

“Isso pode tornar mais difícil para os investidores aumentarem o seu investimento em nova eletricidade baseada em energias renováveis”, afirma Sara Pizzinato, especialista em energias renováveis ​​da Greenpeace Espanha. Isso pode ser um gargalo para a transição energética.

As preocupações com o fato de Espanha ter um excesso de eletricidade levaram à discussão sobre a necessidade de acelerar a "eletrificação" da economia, o que envolve afastá-la dos combustíveis fósseis.

O governo Sánchez estabeleceu a meta de tornar 34% da economia dependente da eletricidade até 2030.

“Este processo está avançando lentamente e precisamos acelerá-lo”, afirma José Donoso, da UNEF.

“A eletricidade é a forma mais barata e competitiva de produzir energia limpa. Precisamos de instalações que utilizem eletricidade em vez de combustíveis fósseis”.

A mudança para uma dependência total da eletricidade não é considerada realista, uma vez que alguns setores importantes, como os químicos e os metais, terão dificuldade na transição.

No entanto, Donoso e outras pessoas vêem muito espaço para uma eletrificação mais rápida. Por exemplo, a Espanha está atrás de muitos dos seus vizinhos europeus no que diz respeito à instalação de bombas de calor nas residências e à utilização de carros elétricos, que representam apenas cerca de 6% dos veículos em circulação.

Pizzinato concorda que a eletrificação é crucial, mas diz que existem outras formas de resolver o dilema entre oferta e procura, incluindo a eliminação progressiva da utilização de centrais nucleares mais rapidamente e o aumento da capacidade de armazenamento de energia.

“Precisamos envolver mais pessoas e mais indústrias na gestão do lado da demanda, para garantir que a flexibilidade necessária no sistema esteja disponível para fazer com que a geração e a demanda correspondam melhor durante o dia e durante a noite”, diz ela.

 

¨      Brasil se alia a instituto alemão na produção de hidrogênio

O Brasil vai se aliar a uma das mais renomadas entidades de pesquisa aplicada da Alemanha, o Instituto Fraunhofer, na pesquisa em hidrogênio de baixo carbono.

O termo da parceria foi assinado nesta sexta-feira (21/06) em Berlim, mas as conversas ainda estão em estágio embrionário, de modo que ainda não há definição sobre se da parceria resultará um centro em um local específico ou uma rede integrada, com diferentes polos de pesquisa espalhados pelo Brasil.

A informação foi dada pelo secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, Rafael Dubeux, que esteve na capital alemã para conversas sobre transição energética e descarbonização da economia brasileira com representantes da indústria e de dois ministérios alemães: o da Economia e Proteção do Clima e o da Cooperação para o Desenvolvimento.

A Alemanha tem a meta de atingir a neutralidade climática até 2045 e precisa, para isso, reduzir drasticamente suas emissões. A guerra da Rússia na Ucrânia deu nova urgência a essa demanda, já que a matriz energética do país era, até então, muito dependente do gás russo.

·        O que é o hidrogênio de baixo carbono

Festejado por entusiastas como o "petróleo do futuro", o hidrogênio é um combustível produzido de diferentes formas e que, ao ser usado, não gera emissão de carbono. Ele também serve de matéria-prima para produtos em outros setores, como na indústria de aço, metais e fertilizantes, ou como fonte de energia.

Esse gás extremamente volátil é obtido a partir da separação de outros elementos químicos. Nesse processo atualmente se emprega sobretudo combustíveis fósseis, gerando emissões de carbono ao longo da cadeia produtiva. Porém, se a produção usa apenas fontes limpas de energia, como eólica e solar, o hidrogênio se torna climaticamente neutro, ajudando a reduzir as emissões em diversos setores da economia – daí o nome "hidrogênio verde".

Já o hidrogênio de baixo carbono é uma terminologia adotada no marco legal sobre o tema que tramita atualmente no Congresso, e que engloba tanto o hidrogênio verde quanto o produzido por meios poluentes, mas cujas emissões sejam de até quatro quilos de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido (4 kgCO2eq/kgH2).

·        Descarbonização como oportunidade de desenvolvimento tecnológico

A parceria com o Fraunhofer se dá no contexto do Plano de Transformação Ecológica (PTE), uma estratégia da Fazenda que, segundo Dubeux, mira não apenas na descarbonização da economia, mas também no desenvolvimento tecnológico do setor produtivo, com geração de empregos locais.

É por isso que, segundo Dubeux, o Brasil não está interessado somente em "importar equipamentos e fazer hidrogênio com energia eólica, solar, que é abundante, e exportar sem nenhuma agregação do valor".

"A gente não quer entrar num novo ciclo de exportação de commodities", disse à DW. "A ideia é fazer um adensamento no Brasil. Em vez de exportar, por exemplo, hidrogênio, exportar o aço verde, fertilizante."

 

¨      O que está acontecendo na Europa e na América Latina em relação a transição energética?

A Europa e a América Latina são dois pólos centrais no discurso da transição energética: a União Europeia está, de fato, cada vez mais atenta à questão energética, enquanto o subcontinente latino-americano tem a grande oportunidade de explorar a riqueza e a variedade de seus recursos naturais. Observar seus empreendimentos é, portanto, importante para compreender as direções e as tendências da transição.

Para intender plenamente como a União Europeia se posiciona perante o resto do mundo numa perspectiva de integração do sistema energético, e como a sua riqueza territorial possa representar um motivo a mais para continuar a valorizar e a investir nesta direção, recolhemos o precioso testemunho do Comissário Europeu para a Energia Kadri Simson.

Dando meia volta ao globo, o professor brasileiro, especialista em planejamento energético Thauan dos Santos, com a contribuição de Andrea Lampis, pesquisador italiano do Instituto de Energia e Meio Ambiente da Universidade de São Paulo, nos conta como a América Latina está se preparando para a transição energética. A reflexão nos oferece, além do mais, uma visão panorâmica do Brasil, uma área geográfica particularmente rica em recursos naturais e na qual o tema da energia vem acompanhado de um discurso político e social que promete grandes mudanças no país. 

A União Europeia é a primeira região do mundo a apresentar uma estratégia para um sistema integrado de energia. Essa estratégia é baseada em três pilares principais: aumento da eficiência energética e redução de desperdício; uma maior eletrificação direta dos setores de utilização final; e o uso de energias renováveis e combustíveis a baixa emissão de carbono, onde a eletrificação se torna impossível ou demasiado cara. 

Isto é suportado pelo desenvolvimento de mercados competitivos, infraestruturas energéticas melhor integradas e de uma maior digitalização para impulsionar a descarbonização. Em comparação ao resto do mundo, a UE está avançando muito bem nessas áreas. 

A UE é um líder global na integração de altas quotas de renováveis de origem solar e eólica, possui uma infrastrutura energética bem desenvolvida, mercados competitivos, e é uma das poucas regiões onde o consumo de energia está caindo – um sinal de maior eficiência energética. À exceção do setor da construção, a UE tem também uma elevada quota de eletrificação na indústria e no setor dos transportes.

Mais importante ainda, no entanto, é a UE ser a primeira região do mundo a sustentar e apoiar estes desenvolvimentos de uma forma holística, com políticas energéticas, climáticas e com infraestruturas que favoreçam uma completa transição na direção de uma economia que seja neutra para o clima. 

A União Europeia reconhece a diversidade das suas regiões e vê isso como um ponto de força. Nosso futuro sistema energético, dependerá principalmente de recursos de fontes renováveis, o que significa que precisamos de uma abordagem pan-europeia para poder desfrutar das fontes naturais de todo o nosso continente. Da mesma forma, um sistema energético integrado reforçará a competitividade industrial e as atividades em toda a cadeia de valor espalhada por toda a Europa. 

A esse respeito, cada região tem suas vantagens e pontos de força, e pode contribuir de sua própria maneira para uma economia neutra para o clima. Para aquelas regiões fortemente dependentes de combustíveis fósseis, a União Europeia estabeleceu o “Mecanismo da Transição Justa” e um “Fundo de Transição Justa” dedicado a suportar a diversificação econômica e a transição para a energia verde desses territórios, de forma que ninguém seja deixado para trás.

De maneira resumida, no que se refere à transição energética na América Latina, destaca-se a presença dos seguintes desafios: necessidade de harmonização de políticas energéticas, climáticas e marcos regulatórios; redirecionar investimentos e eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis; aprofundar a integração energética regional e a integração energética entre diferentes fontes renováveis no setor elétrico; aumentar a geração solar distribuída e da eólica (onshore e offshore); promover o desenvolvimento de demais energias renováveis offshore (marés, ondas, correntes, OTEC, diferencial de salinidade); e ampliar a participação da sociedade civil na concepção e implantação de projetos de energia renovável.

Relativamente às oportunidades, destacam-se que a região: possui uma riqueza e diversidade de recursos energéticos; tem sua matriz energética menos dependente de combustíveis fósseis do que a média global; apresenta perfil diversos de emissões de GEE por país e por setor. Sendo assim, fica claro que a região contempla diferentes propostas de NDCs, estratégias de mitigação de emissões, e políticas de alcance dos ODS 7 (energia) e 13 (mudança climática). Consequentemente, quando se trata considerar a América Latina em sua totalidade, deixa-se de levar em consideração essas particularidades intra-regionais, que serão mais bem analisadas a seguir.

Os desafios mencionados acima sintonizam os horizontes dos debates sobre transição energética nos níveis regional e global. Porém, o Brasil tem uma história muito peculiar no desenvolvimento da sua matriz energética, de modo que que, por exemplo, os temas tradicionalmente ambientalistas da sustentabilidade têm que enfrentar as correntes desenvolvimentistas que permitem a exploração petroleira e a proliferação das hidroelétricas em nome do progresso e do bem-estar material. A mesma coisa pode ser dita pela história do Sistema Interligado Nacional (SIN), que é um projeto que começa na primeira metade do século passado e que, além de um empreendimento tecnológico e econômico, é um verdadeiro projeto de unificação nacional.

A crise ambiental e social global motivou o renascimento de transições justas, desta vez centradas nos efeitos sobre a distribuição de trabalho e renda da mudança para uma matriz energética sustentável (GARCÍA-GARCÍA; CARPINTERO; BUENDÍA, 2020). No entanto, desde uma perspectiva do norte global o problema é “quanto tempo vai a tomar a transição” (SOVACOOL, 2016). Para se alinhar aos critérios da governança energética e à direção indicada pelos países centrais, no Brasil e na América Latina em geral existe uma pergunta sobre “o que se precisa fazer” para romper o círculo da verticalidade das decisões e da concentração do poder no âmbito energético.

Sem falsas ingenuidades, a transição energética tem um potencial de democratização no nascimento do prosumer, que não é só um ator mais no mercado, mas potencialmente um ator político que poderia se organizar em pequenas escalas, em que produtores locais, que a Europa já denomina como comunidades da energia renovável, poderiam representar uma ameaça ao poder da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) do Brasil e dos grandes empreendimentos financeiros. 

 

Fonte: BBC News Espanha/Deutsche Welle/Enelgrenpower

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