segunda-feira, 24 de junho de 2024

Marinha compra antenas da Starlink mas Elon Musk não entrega

A Marinha do Brasil gastou cerca de R$ 300 mil com a compra de antenas de internet da Starlink, mas a empresa do bilionário Elon Musk não entregou os equipamentos. A ideia era equipar uma série de navios de guerra brasileiros com os serviços de internet dos satélites de baixa órbita da empresa. Entre os contemplados estariam os navios Maracanã, Bracuí, Babitonga, Atlântico, Cisne Branco e a Fragata Liberal.

Em nota enviada à Folha nesta sexta-feira (21), a Marinha justifica a compra e alega que não identificou irregularidades nos contratos.

“Os preços da Starlink têm se apresentado muito abaixo das suas concorrentes de mercado, o que, dentro do princípio da economicidade e da defesa do erário, somado aos valores permitidos por lei para a dispensa de licitação, permite realizar o processo de dispensa eletrônica, em consonância com a referida legislação”, disse a Força.

Mas segundo a Starlink, compras para uso militar precisam da aprovação da empresa, o que não foi sequer solicitado. As revendedoras devem ter um cadastro especial e assinar uma “carta de solidariedade” que as compromete com compras de R$ 4 milhões. Só assim conseguem obter a devida autorização para comercializar os equipamentos.

A Marinha, no entanto, teria firmado o contrato com pequenas empresas que não têm essa autorização formal para vender os produtos da Starlink, especialmente se destinados para a indústria de Defesa. Essas intermediárias fariam as compras em nome de pessoas físicas para fazer estoque dos equipamentos. Uma vez contratadas pela Marinha, iriam aos navios onde adaptariam as antenas para o uso militar.

“O cliente deve se certificar que os kits de internet não serão usados, operados e testados em veículos militares, equipamentos de defesa ou inteligência, ou para cenários de combate. O cliente concorda em não modificar os kits Starlink para usos militares ou de inteligência, pois tais modificações podem transformar os itens em artigos de defesa controlados pelas regulamentações de exportação dos EUA, exigindo autorização para exportação, suporte ou uso fora dos EUA”, diz um trecho do documento de venda dos equipamentos, provavelmente assinado pelas intermediadoras mas que a Marinha alega não ter tido acesso.

Em outras palavras, o equipamento é destinado ao uso civil e sua aquisição e modificação para uso militar pode causar problemas para empresa e cliente com as próprias autoridades de comércio exterior dos EUA, onde o equipamento é produzido.

De acordo com documento da Starlink, obtido pela Folha, as intermediárias que participam em licitações na área de Defesa devem submeter as propostas para a empresa de Musk.

“A Starlink reserva o direito de encerrar ou suspender os serviços em resposta a violações dessas certificações por sua empresa ou pelo cliente governamental”, diz outro trecho do documento.

O jornal supracitado ouviu dois empresários envolvidos no negócio. Luis Fernando Zocca é sócio da CSLV Telecomunicações, que não tem a autorização da Starlink mas obteve acesso às antenas para revendê-las à Marinha. Já Marzio Laurenti é CEO da Telespazio Brasil, uma das quatro empresas certificadas por Elon Musk. Cada um defendeu seu próprio interesse.

Laurenti afirmou que quem deveria estar atento aos documentos do contrato é a própria Marinha, uma vez que a Starlink, podendo romper as relações em caso de descumprimento do documento de venda, poderia simplesmente cortar a internet dos navios brasileiros em atitude amparada pelas autoridades dos EUA. Ele defende que o cliente garanta que só empresas autorizadas participem de certames como esse.

Zocca, por outro lado, analisa que se as licitações ficarem restritas às poucas empresas autorizadas, seria criada uma espécie de reserva de mercado que quebraria os pequenos e médios fornecedores. Ele argumenta que as grandes empresas nem sempre se interessam por demandas do serviço público.

 

•           Para presidente do Nubank, diretora que divulgou Brasil Paralelo não violou norma do banco. Por Amanda Audi

A Agência Pública teve acesso exclusivo a uma nota interna que o presidente e diretor de operações do Nubank, Youssef Lahrech, enviou aos funcionários do banco na noite da última terça-feira, 18 de junho. Ele minimizou uma postagem feita pela cofundadora e diretora de crescimento, Cristina Junqueira, na qual ela divulgava um evento promovido pela produtora Brasil Paralelo.

O banco esteve entre os assuntos mais comentados das redes sociais e sofreu forte reação de correntistas, que criticaram o tom usado pela diretora com a empresa ligada à extrema direita e ameaçaram fechar contas. As ações do banco caíram 1,18% no fim do dia.

<><> Por que isso importa?

•           Aproximações do Nubank com a Brasil Paralelo estão gerando reações na internet, desde que a cofundadora do banco, Cristina Junqueira, postou um convite para um evento da produtora de extrema direita. A Agência Pública teve acesso exclusivo a uma nota interna, na qual o presidente do banco minimiza a postagem de Junqueira.

A nota de Lahrech foi publicada originalmente em inglês, em um sistema de comunicações internas do banco. Em tradução livre, ela diz que “@cris [Cristina Junqueira] postou uma nota de agradecimento aos organizadores de um evento de lançamento de livro. O post da rede social de nenhuma maneira viola nosso Código de Conduta. Ele não apoia nenhum conteúdo nem ponto de vista”. A Agência Pública pediu um posicionamento oficial para o Nubank, mas ainda não recebeu resposta.

Junqueira postou no stories de seu Instagram pessoal o convite que recebeu para participar da palestra de Jordan Peterson, um psicólogo canadense conservador conhecido por ser antifeminista e crítico de movimentos LGBTQIA+. “Muito obrigada pelo convite!”, ela escreveu.

O texto do convite dizia que os organizadores, a Brasil Paralelo e a Fronteiras do Pensamento, estão “muito entusiasmados e honrados em proporcionar essa oportunidade aos nossos parceiros e amigos”. Pedia que os convidados compartilhassem em suas redes sociais marcando os perfis das empresas e do psicólogo – o que Junqueira fez.

Em outro trecho da nota enviada pelo sistema de comunicações do Nubank, Lahrech diz: “Nós gostaríamos de reiterar que Cris não tem nenhuma parceria com os organizadores deste evento, nem o Nubank patrocina ou apoia nenhuma destas organizações”. O presidente da empresa disse também que o banco não tem posições políticas nem contribui direta ou indiretamente com movimentos políticos ou religiosos. Diz ainda que “o código de conduta da empresa respeita a liberdade de expressão de seus funcionários e que rejeita qualquer tipo de discriminação ou assédio” [tradução livre].

A nota do presidente não repercutiu bem entre os funcionários do banco. “Essa associação com a Brasil Paralelo é dolorida”, disse um dos empregados ouvidos pela Pública, falando de modo reservado para evitar retaliações. Outros lembraram que “Junqueira é uma figura pública e que a associação com a Brasil Paralelo não poderia ser considerada uma mera opinião política”.

Outro funcionário lembrou que “não é a primeira vez que a diretora se envolveu em polêmicas”, se referindo à participação da executiva no programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2020. Na ocasião, ela disse que “não dá para nivelar por baixo” ao comentar a dificuldade de contratar pessoas negras para posições de liderança no Nubank.

Junqueira costuma curtir posts ligados à direita nas redes sociais e pelo menos em outras duas ocasiões postou stories mostrando proximidade com o campo ultraconservador.

Em um deles, ela compartilhou no Instagram que estava fazendo um curso de filosofia de Guilherme Freire, que foi “diretor, Head of Product da Brasil Paralelo, além de criador da plataforma de streaming, BPSelect”, como ele próprio se define. Junqueira escreveu sobre o curso: “Boa dica para quem quer investir em evoluir como pessoa”.

Em outro story no Instagram, Junqueira disse que ela e o marido fizeram um curso do padre Paulo Ricardo – religioso ultraconservador que já empunhou um fuzil ao lado do guru bolsonarista Olavo de Carvalho. Ela falou que achou o curso “bem bacana”.

A nota do presidente do Nubank cita também Konrad Scorciapino, um ex-funcionário do banco que atualmente é o diretor de tecnologia da Brasil Paralelo. Ele foi um dos criadores de um fórum online que propagava crimes de ódio, conforme foi revelado pela Pública no início de junho.

“Sobre um ex-funcionário (2013-2018) que depois se tornou diretor da Brasil Paralelo, nós gostaríamos de reiterar que, por lei, nós não comentamos sobre as questões pessoais ou o passado de funcionários ou ex-funcionários. Nubank tem mecanismos e protocolos para avaliar o comportamento dos funcionários, e não toleramos nenhuma atividade ilegal ou quebra do nosso código de conduta”, ele escreveu.

No entanto, informações do Intercept Brasil também apuradas pela Pública mostram que o Nubank tomou conhecimento da atuação do ex-funcionário no fórum com atividades ilegais em 2016, mas agiu para abafar a situação e o manteve no cargo por dois anos.

A Pública revelou também que a Brasil Paralelo tem agido para ampliar o seu raio de influência. A produtora criou o conteúdo de um curso de licenciatura em história oferecido por uma universidade particular, coordenado por Rafael Nogueira, olavista que presidiu a Biblioteca Nacional durante o governo Bolsonaro. A Brasil Paralelo também planeja abrir cursos de formação de professores de geografia e ciências sociais.

A empresa, alinhada à extrema direita, segue uma das máximas de Olavo de Carvalho: “ocupar espaços nos meios de ensino, cultura e entretenimento para difundir seus ideais”.

 

Fonte: Fórum/Agencia Pública

 

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