segunda-feira, 24 de junho de 2024

Luis Nassif: ‘O pacto de Moncloa brasileiro à vista’

Em artigo na Folha, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) dá o mote: “Empresários do Brasil, uni-vos”. Ele se refere ao movimento contra as mudanças no PIS-Cofins, que obrigou o governo a recuar. Defende o combate às falsificações e aos golpes aplicados por algumas empresas no modelo PIS-Cofins. Mas mostra o caminho das pedras:

“A geração e a distribuição de riquezas na escala pretendida para mudar o Brasil não virão de medidas pontuais ou emergenciais, mas de um trabalho duro e consistente de melhora do ambiente de negócios, que permitirá desde a alta de investimentos até a melhor formação da força de trabalho. O maior aliado de qualquer governo para isso é o setor produtivo”.

Não se tenha dúvida, o caminho para o renascimento do país passa por algo similar ao que ocorreu no Pacto de Moncloa:

Foi assinado pelo governo de Adolfo Suárez, partidos políticos com representação parlamentar (incluindo os principais partidos de esquerda e direita), sindicatos e organizações empresariais.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

Na época, procurou-se o controle da inflação, a reforma fiscal para aumentar as receitas do Estado e, principalmente, redistribuir a carga fiscal. Priorizou-se também o mercado de trabalho com políticas para reduzir o desemprego e houve a promoção de investimento público em infraestrutura e serviços sociais.

Houve propostas claras de consolidação da democracia, promovendo diálogo e a cooperação com diferentes forças políticas e sociais, garantia de direitos e liberdades fundamentais e promoção da negociação coletiva como forma de melhorar as condições de trabalho.

Hoje em dia, os super-ricos  ganham dinheiro sem pensar em projeto de Nação, porque a polarização sufocou o sentido de Nação, dividindo o país em dois. Há alguns fóruns de consulta – como o Conselhão -, mas sem que discussões e sugestões sejam encampadas em um projeto de trabalho de governo.

O mundo, hoje, é diferente – mas não tanto – da Espanha dos anos 70 e 80. Aliás, nos anos 80 fui convidado para um seminário do Banco Santander em uma das universidades nacionais. Lá, foi possível conferir como a ideologia vazia da financeirização penetrou em todos os poros da mídia. Me engalfinhei em uma discussão com um jornalista financeiro do El Pais, que “acusava” as empresas espanholas de colocar em risco o dinheiro das velhinhas em países selvagens – no caso, o Brasil.

Fiz-lhe ver que o Brasil era um país com muito mais potencial que a Espanha, tinha grandes empresas muito melhor administradas do que as espanholas – era só conferir os problemas iniciais da Telefonica -, um potencial agrícola imenso. A única vantagem da Espanha era a audácia das suas empresas de ir ao Brasil adquirir grandes empresas públicas nacionais, graças ao viralatismo imperante no meu país. A compra da Telesp salvou a Telefonica de ser engolida pela Deutsche Telekom, da Alemanha. E a compra do Banespa se tornou a maior fonte de receita do Santander.

O Pacto de Moncloa brasileiro tem que ser feito com o setor produtivo, apesar da ausência de grandes lideranças, como havia nos anos 90. 

É necessário quebrar o poder de cartel da Faria Lima. O Tribunal de Contas da União poderá se consagrar se quebrar a cartelização do mercado de taxas, responsável por movimentos destinados a manter os juros em níveis elevados. Os jovens aventureiros financistas têm que se dar conta que essa forma de atuação consiste em crime devidamente previsto pela legislação.

Há que se seguir o conselho de Roberto Troster – ex-economista chefe da Febraban – que, em artigo na Folha, propôs penalizações para o capital de curto prazo, o capital gafanhoto que entra para morder e sair correndo, seja através de tributação ou de tempo de permanência obrigatório.

E tem que se trazer a parte séria do mercado financeiro – os grandes bancos comerciais, o capital internacional produtivo -, que só será atraída pela elaboração de um plano econômico consistente, através de Grupos de Trabalho, para dar consistência e rapidez aos projetos.

Hoje em dia há uma ignorância generalizada na mídia, de apoio aos aventureiros de mercado. Um colunista da Folha chegou ao disparate de comparar as visitas de Roberto Campos Neto ao mercado – passando informações, mudando o rumo das expectativas – com uma visita de Gabriel Galípolo ao MST, em evento de homenagem ao jurista Celso Bandeira de Mello.

Ao atacar Roberto Campos Neto, Lula foi criticado pela banda mercadista da mídia. Mas conseguiu um feito político expressivo: deixou marcado a ferro a divisão que há no país entre o rentismo desenfreado, uma diretoria do Banco Central capturada pelo mercado, e a relevância de se investir na produção.

¨      Lula vai à guerra

Os seguintes eventos têm relação entre si:

  1. A decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira, colocando para votar, em tempo recorde, o PL do estuprador.
  2. Os movimentos especulativos com dólar e juros longos, que se acentuaram na segunda-feira.
  3. O senado colocando para discutir a independência financeira do Banco Central, com apoio de Roberto Campos Neto.

Todos esses fatos, mais o carnaval ocorrido no Senado – sob o olhar complacente do presidente Rodrigo Pacheco – tiveram objetivos claros: provocar um clima de desorganização política, visando influenciar a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) nesta quarta-feira.

Não é pouca coisa que está em jogo. A intenção do mercado – e do grupo bolsonarista de Campos Neto – é interromper a queda da Selic, com base em argumentos vagos: uma expectativa de inflação que não se confirma com os dados reais; a possibilidade dos Estados Unidos não reduzir mais os juros e por aí vai.

A reação de Lula se deu em duas frentes. No exterior, acabou com as especulações sobre a desvinculação do orçamento dos gastos com saúde e educação. Ontem, em entrevista na CBN, bateu pesado em Roberto Campos Neto e no tal de mercado.

Antes disso, andava tão sem iniciativa, tão sem vontade política que, por aqui mesmo, sugeri que começasse a pensar no sucessor. Levou dois dias para desenvolver o argumento sobre o tema de maior impacto do momento: o PL dos estupradores. Qualquer pessoa que minimamente acompanha o tema do aborto sabe que a defesa do aborto – nas situações definidas pela Constituição – não pode ser confudida com o estímulo ao aborto, mas tratar a questão sob o ângulo da saúde pública.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

Em algum momento deu um click em Lula que recuperou parte da combatividade perdida. Na entrevista à CBN, Lula enfatizou que será candidato em 2026, para impedir que os trogloditas voltem a governar o país.

Caiu a ficha de que não impor resistência seria o caminho mais rápido para o cadafalso político. Agora, Lula precisa se armar para o segundo tempo do jogo, que consiste na apresentação de um plano de governo robusto, factível, e que que aponte o futuro de forma clara.

Na entrevista à CBN, Lula deixou claro os caminhos do futuro, na transição energética.

Precisa, agora, avançar em uma área chave – a gestão dos projetos, montando grupos de trabalho intersetoriais para administrar cada um deles, todos se reportando diretamente a ele, Lula.

Se completar esse ciclo, a economia ganhará impulso e Lula terá trunfos maiores para negociar com o Congresso e o tal de mercado

 

¨      Labirinto econômico, por Leda Maria Paulani

fora de combate (Síndrome de Ménière). Nas últimas semanas, vivi em transe e num mundo desequilibrado.

“Acordando” agora, porém, estou achando que o labirinto deficiente prejudicou o meu juízo. Deixo aqui então uma pergunta: aconteceu, neste meio tempo, alguma hecatombe da qual não pude tomar conhecimento? Uma nova guerra, é isto, uma nova guerra que fez disparar ainda mais o preço da energia e dos alimentos; ou talvez um grande desastre climático, maior do que aquele que tragou nossos irmãos gaúchos; não, uma nova pandemia, isto, acho que é uma nova pandemia, e infinitamente mais devastadora, causando arrepios, sobretudo no “mercado”, que vai ter que aturar outra vez um Estado sem amarras pra gastar; ou será que a Nyse, a Nasdaq, a bolsa de Shangai e a Nikkey deram um capote espetacular e foram parar no abismo todas juntas; ou não foi nada disso e o que aconteceu foi um disparo de tal ordem da inflação americana que os Estados Unidos estão se sentindo agora como o Brasil dos anos 1980?

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

Seja o que for, deve ter sido algo apocalíptico, sem o que não se consegue explicar a súbita mudança de expectativas, de cenário, de panorama, de ambiente da economia brasileira de meados de abril para esta do final de junho.

Senão vejamos. Há cerca de dois meses, as expectativas de inflação estavam em queda e perfeitamente dentro da meta, as expectativas sobre o comportamento do PIB iam se elevando, em uníssono em relação ao que se esperava para o ano, a arrecadação de impostos ia surpreendendo positivamente de modo constante, e o desemprego continuava a se reduzir. As contas externas iam desenhando um cenário não tão alvissareiro quanto o do ano anterior, mas isso o mercado já tinha precificado e, de qualquer forma, elas também não surpreendiam negativamente. O câmbio rondava em torno de R$ 5,00, ora pouco abaixo, ora pouco acima, e o Ibovespa B3 seguia com tendência altista, quase alcançando os 130 mil pontos. A pesquisa Focus previa a Selic ao final do ano em 9%, sinalizando continuidade no movimento de queda. Como uma espécie de corolário, no dia 1º de maio, a famosa agência Moodys de classificação de risco, apesar de não mexer no rating do Brasil, alterou sua perspectiva de “estável” para “positiva”.

No domingo, 16 de junho, a Folha de S. Paulo trazia em (má escrita) manchete principal: “Brasil tem um dos piores desempenhos na Bolsa e da moeda”.  Na matéria a informação de que, dentre as maiores economias do mundo, a Bolsa brasileira teria perdido em média 10% desde o início do ano (cerca de 7%, diga-se, de meados de abril pra cá), enquanto a moeda brasileira, batendo em R$ 5,40, só não estava no primeiro lugar no pódio da desvalorização porque o iene japonês usurpou o lugar. Na reunião de 19 de junho agora, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a Selic em 10,5%.

Qual a razão de tamanha reviravolta? Alguém logo dirá que, externamente, o FederalReserve americano adiou mais uma vez o momento de reduzir suas taxas de juros. Mas ele já havia feito isso pelo menos duas vezes só neste ano, sem provocar todo este tumulto. Internamente, lembrarão alguns, o governo de Lula alterou a meta de resultado primário de 2025 de mais 0,5% para zero. Mas isso também já estava precificado pelo mercado. Não foram dois nem três, mas vários os executivos de instituições financeiras afirmando que as metas de resultado primário seriam de difícil execução e que eles já trabalhavam com números piores. Ademais, essa mudança aconteceu em abril e não alterou, por exemplo, a disposição da Moodys de melhorar, em seu ranking, a perspectiva atribuída à economia brasileira. Então por quê? A resposta não é técnica.

Quando se trata de analisar e diagnosticar o que acontece com as expectativas e os humores do mercado é preciso levar em conta também fatores de outra ordem. Teoricamente, a decisão do Banco Central quanto ao nível a ser fixado pela taxa de juros se dá por meio da chamada “função de referência”, que reza que a principal variável a influenciar as expectativas de inflação é a credibilidade da política monetária, que, por sua vez, depende visceralmente da própria taxa de juros. Traduzindo, o que determina o comportamento da autoridade monetária no que concerne à fixação da taxa básica é aquilo que ela ouve do mercado, mas o que ela ouve do mercado depende totalmente do que ela mesma fala.

Tal casamento perfeito não só torna “de equilíbrio”, mesmo que dê as costas às variáveis objetivas, qualquer nível da taxa, do mais reduzido ao mais elevado, como pode virar um conluio contra o país. Quando a política do Banco Central se reduz estrita e restritivamente a alcançar determinados resultados em relação ao índice geral de preços, abandonando suas outras tarefas (conforme seu diploma legal, ele também precisa zelar pelo crescimento e pelo emprego, apenas pra citar mais uma de suas atribuições) e ouvindo, para montar sua “função de referência”, tão só o mercado  — mais estreitamente ainda, apenas o mercado financeiro (não é assim, por exemplo, nos EUA, o modelo inelutável dos nossos ortodoxos), a fixação da taxa básica vira uma brincadeira de compadres, cheia de profecias que se autorrealizam.

Eis, portanto, a primeira variável (não de ordem técnica) que cumpre considerar: do ponto de vista institucional criaram-se condições objetivas para uma espécie de “autismo” da política monetária, que evidentemente serve a interesses específicos, sobretudo da riqueza velha, transmutada em papéis — capital fictício, diria um velho barbudo, a qual busca insanamente capturar no futuro a valorização que deveria estar ajudando a promover no presente com aplicações produtivas. Mas há mais.

Desde a Lei Complementar n.º 179, que conferiu autonomia ao Banco Central, assinada com a digital criminosa de Bolsonaro em fevereiro de 2021, a situação tornou-se ainda mais complexa. A autonomia, em princípio uma espécie de salvaguarda contra os “interesses políticos”, sempre deletérios, na visão ultraliberal que motivou a proposição e aprovação da lei, à sacrossanta tarefa de preservar o comportamento dos preços, a autonomia pode virar, como agora o presenciamos, uma arma política letal. A lembrar certo juizeco de província que topa de antemão a pasta da Justiça, prendendo o mais forte candidato à eleição, um presidente de Banco Central que não tem pudor em aceitar um cargo de ministro da Fazenda num possível governo de um candidato de oposição pode ser tudo, menos autônomo. Indigno do cargo que ocupa, Campos Neto usa e abusa de seu poder pra direcionar a política monetária contra o governo, democraticamente sagrado nas urnas, que comanda o Executivo.

E voltamos com isso à reviravolta — infundada do ponto de vista técnico. Em 17 de abril, em viagem aos EUA para uma reunião do FMI, Campos Neto anunciou que “há mais incerteza agora do que no último encontro” (???) e que a falta de previsibilidade atrapalharia o plano assumido pelo Copom em março, de dar continuidade ao movimento de queda da Selic. Como bem observou o jornalista Luis Nassif, a casca de banana atirada pelo presidente do Banco Central deu resultados imediatos: no dia seguinte à sua fala, as expectativas com relação a um corte de 0,5% na Selic caíram de 79% para 28%. Menos de dez dias depois Campos Neto ataca novamente: a inflação, diz ele, em evento em São Paulo, “mantém trajetória de queda, mas as expectativas estão elevadas” (reparem bem, ele admite que a inflação está em queda…). E com a deixa, na reunião seguinte do Copom, o corte foi de 0,25% e não de 0,5%, em decisão dividida.

Daí por diante as expectativas favoráveis ao comportamento da economia começaram a descer ladeira abaixo. Forçar a queda de apenas 0,25%, em vez do esperado 0,5%, na reunião de 8 de maio, levando à divisão do Copom (os indicados por Lula votaram por redução de 0,5%, aqueles indicados por Bolsonaro votaram por uma queda de 0,25%), ajudou a acelerar a ofensiva. O nome de Gabriel Galípolo, atual diretor de política monetária indicado pelo governo de Lula e apontado como provável sucessor de Campos Neto na presidência da entidade, começa a ser duramente questionado. Na última reunião do dia 19 de junho, realizada a profecia de Campos Neto, um Copom completamente refém de um mercado voraz e corrosivo, instigado pelo próprio presidente da autoridade monetária do país, procura estancar a sangria das expectativas que o próprio BC alavanca e vota em uníssono pela manutenção da taxa. Quem haveria de votar contra? De uma Selic ao final do ano em torno de 9%, agora não se fala de outra coisa senão na manutenção dos 10,5% até o final de 2024. Missão cumprida.

E a economia brasileira? Ah, vai bem, obrigada. Produto e emprego permanecem surpreendendo, arrecadação também, contas externas ok, inflação em queda… E o que importa isso tudo? Nada. Mas com as expectativas contribuindo para inflar incertezas e reduzir o pouco investimento, o ambiente amargo vai contaminar também a economia real. Depois de três décadas servindo à riqueza velha, com o Executivo cada vez mais amarrado, fazendo das tripas coração pra preservar um grau de liberdade mínimo, com o Congresso mais reacionário da história a manobrar interesses os mais escusos, resta saber se haverá um fio de Ariadne pra resgatar o país desse labirinto, mais sinistro que o meu, por abrigar o Minotauro extremista que continua a devorar nossas esperanças.

 

Fonte: Jornal GGN

 

Nenhum comentário: