Encontro do BRICS na Rússia mostra caminho
da desdolarização e busca por mundo multipolar
A
reunião dos chanceleres do BRICS, realizada na histórica cidade russa de Nizhny
Novgorod, mostrou caminhos em busca da desdolarização e por um mundo com
multipolaridades, segundo Henrique Domingues, analista e conselheiro
internacional do Fórum dos Municípios do BRICS.
Havia
grande expectativa, segundo ele, por ser a primeira reunião no formato ampliado
desde a cúpula de Joanesburgo.
Em
entrevista aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka,
ele destaca que a implementação de um novo sistema de pagamentos internacionais
foi um dos destaques.
Isso
permitiria aos países-membros realizar transações comerciais em suas moedas
locais, o que pode reduzir a dependência do dólar americano e fortalecer a
soberania econômica dos países do BRICS.
O
conceito de um mundo policêntrico também foi mencionado pelo chanceler russo,
Sergei Lavrov. Domingues explicou que, para o ministro, trata-se de um sinônimo
de multipolaridade, onde diversas regiões, anteriormente marginalizadas no
cenário geopolítico, começam a emergir como novos polos de influência.
A
América do Sul, representada pelo Brasil, a África, com a participação de
Egito, Etiópia e África do Sul, e o Oriente Médio, com a inclusão de Irã e
Arábia Saudita, foram citados por Domingues como exemplos desses novos polos.
Ele
observa que a participação da Arábia Saudita ainda está envolta em incertezas,
possivelmente devido a pressões ocidentais relacionadas ao petróleo. "Há
uma pressão significativa por parte dos Estados Unidos para que a Arábia
Saudita não se envolva profundamente com o BRICS."
Outro
ponto de discussão foi a posição neutra adotada pelos Emirados Árabes Unidos em
relação ao conflito russo-ucraniano. Domingues explicou que, embora todos os
membros do BRICS advoguem pela paz e resolução diplomática, os Emirados mantêm
uma postura neutra devido às suas relações econômicas tanto com a Rússia quanto
com o Ocidente.
Domingues
ressalta que o grupo tem capacidade política de influenciar a Organização das
Nações Unidas (ONU) em busca de soluções de paz, embora reconheça que a própria
estrutura da entidade necessita de reformas. "O BRICS defende uma reforma
das instituições globais desde suas primeiras cúpulas, buscando uma ONU mais
democrática e representativa."
·
O que é o processo de desdolarização?
Termo
utilizado para descrever a tendência de determinados países ao buscar redução
na dependência do dólar dos EUA em transações comerciais internacionais, o
conceito é uma das pautas defendidas no encontro por Domingues.
Ele
acredita que essa mudança está em curso, embora de forma gradual. Ele citou que
a Rússia e a China já operam mais de 90% de seu comércio bilateral sem usar o
dólar, e o Brasil tem estabelecido acordos comerciais com a China em yuan e
real. "A desdolarização permitirá que países que sofrem com a influência
do dólar recuperem sua soberania financeira", afirma.
Contudo,
Domingues ressalta que o dólar ainda é a "grande muleta da economia
internacional" e que a transição a um sistema desdolarizado pode levar
tempo, a depender da vontade política dos agentes envolvidos e da reação de
outros países. "A Rússia e o Irã são exemplos de países que conseguiram
resistir às sanções ocidentais utilizando sistemas financeiros
alternativos."
Em
relação à multipolaridade, ele entende que ela só será possível com o
fortalecimento do BRICS, que garantirá equilíbrio e democratização de relações
internacionais. "A multipolaridade emana dos países BRICS. Sem o BRICS,
não há multipolaridade. Os países BRICS não apenas representam suas nações, mas
lideram associações regionais, consolidando influência e posição na nova ordem
geopolítica", explica.
Domingues
também menciona que a inclusão de países como Venezuela e Cuba no BRICS pode
ser estratégica, não apenas devido aos recursos naturais e à localização
geográfica, mas também por seu alinhamento ideológico. "Esses países
sustentam a ideia de multipolaridade anti-imperialista e anticolonialista, o
que fortalece a posição do BRICS na geopolítica mundial", diz.
·
O que é a expansão do BRICS?
O
encontro também discutiu a expansão do BRICS, com novos países expressando
interesse em se juntar ao bloco. Domingues mencionou que 12 países, incluindo
Laos, Vietnã e Turquia, manifestaram formalmente sua intenção de adesão.
No
entanto, ele destacou que, após a recente expansão, ainda não está claro como
esses novos membros serão integrados e como o bloco funcionará. "Será
necessário algum tempo para entender e estabilizar o novo formato ampliado do
BRICS", comenta.
Questionado
sobre possíveis critérios de adesão e expulsão de países do BRICS, ele afirma
que, até o momento, nenhum país foi formalmente recusado. A única exceção foi a
tentativa fracassada da França de se juntar ao bloco. Segundo ele, embora ainda
não existam diretrizes claras para a expulsão, infrações graves, como a
interferência em outro país-membro, poderiam potencialmente levar a discussões
sobre a retirada de um país do bloco.
Sobre
a atuação dos novos membros, o analista observa que eles ainda estão se
ambientando e esperando o desenrolar dos eventos da cúpula de 2024 para se
posicionarem adequadamente.
·
Qual a importância da Agenda 2030 para o
meio ambiente?
No
encontro foi abordada a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável, definida pela ONU. Henrique Domingues destaca a complexidade e a
abrangência das ações necessárias para enfrentar a crise climática global. Ele
explica que a agenda estabelece objetivos de desenvolvimento sustentável que
devem ser alcançados até 2030.
"Diante
do colapso climático, todos os países participantes precisam mobilizar recursos
internos para estabelecer parâmetros e diretrizes que permitam um progresso
significativo até 2030", afirma.
O
analista cita exemplos práticos como a substituição de veículos movidos a
combustíveis fósseis por elétricos e a transição de energias sujas para limpas,
enfatizando o papel da China nessa transformação.
No
entanto, destaca o dilema enfrentado pelo Brasil, país rico em petróleo, sobre
como equilibrar a exploração desses recursos com a necessidade de promover
energias sustentáveis. Ele sugeriu a busca por uma exploração sustentável do
petróleo como solução intermediária.
"Precisamos
empregar não apenas recursos econômicos e políticos, mas também científicos
para encontrar um meio-termo nessa transição sem sacrificar o desenvolvimento
econômico", completa.
·
Qual a situação da China no BRICS?
Na
reunião, o chanceler chinês Wang Yi destacou três pontos principais sobre a
importância da união entre os países em desenvolvimento para enfrentar desafios
de segurança e criar oportunidades em tempos de crise.
Domingues
menciona que, embora a autossuficiência total dos países do BRICS ainda exija
análise econômica mais aprofundada, há indicativos de que isso poderia ser
possível. "A Rússia, mesmo com mais de 18 mil sanções, conseguiu se
desenvolver e recentemente ultrapassou o Japão em paridade de poder de
compra", exemplifica.
"A
China lidera esse indicativo econômico mundialmente. Se pegarmos esses
exemplos, pode-se dizer que os países BRICS podem se tornar autossuficientes,
talvez não imediatamente, mas em um futuro próximo, dado um período de
transição e o avanço nos estudos para a criação de um sistema de pagamento em
moedas locais", afirma.
¨
Lavrov: BRICS quer
desenvolver laços com países da Maioria Global, reunião na Rússia é prova disso
Nesta
terça-feira (11), o ministro russo Sergei Lavrov discursou na reunião de
chanceleres do BRICS na cidade russa de Nizhny Novgorod. A correspondente da
Sputnik Brasil no local relatou as principais declarações do chefe da
diplomacia russa.
Sergei
Lavrov ressaltou que o encontro de hoje reflete o desejo dos membros do BRICS
de desenvolver as suas relações com países interessados do Sul e Leste Global,
dos países da Maioria Global, "para debatermos os temas mais prementes com
os quais todos os membros da comunidade internacional devem invariavelmente
lidar".
"Somos
testemunhas de transformações profundas nas relações internacionais,
relacionadas ao estabelecimento de uma ordem global mais justa, policêntrica
que reflita toda a diversidade cultural e civilizacional do mundo
contemporâneo, que atente aos direitos de cada nação de definir seu destino e
modelo de desenvolvimento de maneira autônoma."
A
tendência principal, conforme o alto diplomata, é de fortalecimento da voz da
Maioria Global, dos países que não fazem parte do Ocidente coletivo, na Ásia,
África, no Oriente Médio, na América Latina e Caribe. "Unindo nossos
esforços, podemos promover de forma efetiva um futuro considerado por todos nós
como justo."
Nesse
contexto, é importante fortalecer o papel das organizações internacionais que
assegurem uma abordagem equilibrada e igualitária para o desenvolvimento
internacional, afirmou o ministro. Entre elas, estão o BRICS, a Organização
para Cooperação de Xangai, a União Africana, a União Econômica Eurasiática, a
Comunidade dos Estados Independentes, a ASEAN, a Liga Árabe, a CELAC,
Organização de Cooperação do Golfo, Associação dos Países da Orla do Oceano
Índico, e muitas outras, cujos representantes estão presentes no evento em
Nizhny Novgorod.
"Consideramos
essa presença um fator muito importante, assim como a manutenção de contatos
entre as organizações que operam no nível regional, por um lado, e no nível
global, como o BRICS, por outro lado", destacou Lavrov, acrescentando que
isso permitirá "a gradual harmonização das abordagens" em relação
àqueles problemas que estão na agenda de todas essas organizações.
Em
primeiro plano está a necessidade de fortalecer a base jurídica das relações
internacionais e o processo coletivo de tomada de decisões sobre questões
globais, porque somente dessa forma essas decisões serão eficientes e estarão
dotadas de legitimidade, segundo o chanceler russo.
Ele
aponta que este princípio está previsto na Carta da ONU, mas, infelizmente,
muitas decisões tomadas pelo Ocidente coletivo, seja na esfera financeira,
econômica, comercial, mas não só, frequentemente não se coadunam com os
princípios básicos da Carta da ONU.
"Nossos
países têm abordagens coincidentes sobre a necessidade de reformar o sistema
multilateral, inclusive as Nações Unidas e o seu Conselho de Segurança, assim
como a recuperação econômica global pós-pandemia e atingir os objetivos de
desenvolvimento sustentável, aprovados pela Assembleia Geral da ONU",
concluiu.
¨
China quer trabalhar
com Brasil para ampliar papel do BRICS na governança global, diz chanceler
A
China pediu às nações do BRICS que assumam maiores responsabilidades e que o
bloco se estabeleça como inclusivo para o mundo diante das sanções ocidentais e
das restrições comerciais impostas, afirmou o chanceler chinês Wang Yi.
A
politização das questões econômicas cresceu em conjunto às sanções unilaterais
e barreiras tecnológicas, disse Wang na reunião de chanceleres do BRICS em
Nizhny Novgorod, na Rússia, sem nomear nenhum país.
O
chanceler também afirmou que o BRICS expandido deveria transformar o bloco em
"um novo mecanismo de cooperação multilateral" impulsionado pelos
mercados emergentes e pelos países em desenvolvimento. Suas observações foram
publicadas por seu ministério, segundo a Reuters.
Em
especial, Wang citou o Brasil, ao se encontrar com seu homólogo brasileiro
Mauro Vieira à margem da reunião do bloco. Pequim disse que a China está
disposta a trabalhar com o Brasil para permitir um papel maior para o BRICS na
governança global e assegurar os interesses dos países em desenvolvimento.
O
ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, também ressaltou que
o encontro do grupo reflete o desejo dos membros do BRICS de desenvolver as
suas relações com países interessados do Sul e Leste Global, dos países da
Maioria Global, "para debatermos os temas mais prementes com os quais
todos os membros da comunidade internacional devem invariavelmente lidar".
A
tendência principal, segundo Lavrov, é de fortalecimento da voz da Maioria
Global, dos países que não fazem parte do Ocidente coletivo, na Ásia, África,
no Oriente Médio, na América Latina e Caribe.
"Unindo
nossos esforços, podemos promover de forma efetiva um futuro considerado por
todos nós como justo", afirmou o chanceler, conforme noticiado.
Fonte:
Sputnik Brasil
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