Braskem
contraria CPI e acelera obra considerada ilegal por moradores de bairro isolado
em Maceió
Há
20 anos vivendo nos Flexais, a família de Maria e Josefa deseja ser realocada
após o crime da Braskem em Maceió. Segundo a estimativa do Ministério Público
Federal, das cerca de 2,7 mil famílias, somente 20% desejam permanecer no
bairro.
“Realocado
com nossas indenizações justas. Porque aqui não tem mais como viver. Eles
fizeram da gente animais. Nem os animais. Porque os cachorros daqui foram
tirados, os gatos também. Tudo foi tirado. Agora fica nós aqui nesse deserto”,
desabafa Josefa Nunes.
O
acesso aos Flexais só é possível atravessando o centro histórico de Bebedouro e
outras regiões que se tornaram desertas. Desde 2018, aproximadamente 60 mil
pessoas foram retiradas dos 5 bairros afetados pelo afundamento do solo após a
exploração de sal-gema nas 35 minas da Braskem.
A
comunidade situa-se, portanto, na chamada área de “ilhamento socioeconômico”.
Ou seja, embora a região não esteja dentro da área considerada de risco pela
Defesa Civil municipal, todos os equipamentos públicos que atendiam a população
foram realocados ou desativados. A população vive, portanto, sem transporte
público, segurança, escolas e postos de saúde. Desde dezembro de 2023, as
famílias lutam para serem incluídas no Programa de Compensação Financeira e
Apoio à Realocação (PCF), o que ainda não aconteceu.
“Tem
crianças aqui que está estudando em Rio Largo, estão estudando na Gruta, no
Farol, crianças de cinco anos pegando ônibus sozinhas. Só que a Justiça, a
Braskem e Defesa Civil de Maceió, que é uma Defesa Civil incompetente, diz que
aqui a gente está seguro. Seguro de que?”, coloca o morador Antônio Domingo dos
Santos, que também é membro do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem
(MUVB).
·
Relatório da CPI da
Braskem recomendou realocação
No
relatório final da CPI da Braskem aprovado em 21 de maio, a mineradora e seu
vice-presidente, Marcelo de Oliveira, foram indiciados pelos crimes cometidos
na capital alagoana, incluindo o de “lavra ambiciosa”.
O
relatório solicita que a Defesa Civil reestruture o mapa de risco, revise os
acordos de indenização das famílias atingidas, e considere o “risco de
ilhamento socioeconômico” – que ocorre também em outras regiões da cidade, como
na Rua Marquês de Abrantes e em regiões do bairro do Bom Parto.
Apesar
do texto acolher o desejo de realocação das famílias dos Flexais, as obras de
revitalização no bairro, contrariando a CPI, continuam a todo vapor. Elas
inclusive continuaram durante as sessões em Brasília. É o que coloca o
militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Carlos
Eduardo Lopes.
“Aquelas
obras não poderiam estar mais acontecendo. Se sai um relatório dizendo que a
Braskem é a culpada e quando você vê aqui na cidade um canteiro de obras com
pessoas morando em volta, é porque tem alguma coisa errada nisso. Uma falha de
comunicação com a Justiça”, comenta o pesquisador.
“Não
devem parar só as obras de revitalização dos Flexais, mas também todo o
processo de mineração que eles dizem que parou, mas quando vamos nos bairros a
gente vê caminhões e caminhões saindo, principalmente da área do Mutange”,
completa Lopes.
·
Barulho e poeira
Exposta
a poeira e ao barulho, Josefa e Maria são vizinhas ao canteiro da obra que a
comunidade condena. Maria mostra os remédios que precisam comprar para o
tratamento da doença do irmão, que está com pneumonia
“Tudo
aqui é comprado, por R$90, R$100. Tem que tomar três vezes no dia. E tudo
depois dessa coisa ai. Ainda assim eles não querem tirar a gente. É poeira e
problema tudo pra cima do pobre”, desabafa Maria Nunes.
As
obras estão dentro das 23 medidas previstas no Projeto Flexais, criado em 2022
após um acordo entre a Braskem, a Prefeitura, os Ministérios Públicos estadual
e federal, e a Defensoria Pública da União.
O
projeto pagou uma indenização de 25 mil reais por núcleo familiar, mas, segundo
a população do bairro, ele foi construído sem a participação e escuta das
famílias, desrespeitando o desejo da maioria de sair do local.
“É
um absurdo essa obra aqui, gera transtorno atrás de transtorno. Depois de tudo
que a gente passou. Nunca vi tanto investimento para reparar dois pedaços de
ruas. No meu ponto de vista, o mais correto com a gente seria fazer a
realocação”, coloca Iran de Lima Neves, sobre os prejuízos das obras vizinhas a
sua casa.
No
último sábado, como uma das ações do Projeto Flexais, foi organizada uma “feira
de empreendedorismo” no bairro, marcada pelo baixo número de participantes.
Uma
parte dos moradores protestou em frente ao evento, afirmando que a iniciativa
tinha como objetivo normalizar o caos nos Flexais. Durante a feira, segundo as
famílias, o chão tremeu, casas apresentaram rachaduras e diversas ruas ficaram
completamente alagadas por conta da chuva.
Antônio
reafirma a importância de se cumprir o que a CPI da Braskem recomenda em seu
relatório final. “O relator coloca no relatório pedindo a nossa realocação com
a nossa indenização justa. É só os órgãos daqui fiscalizadores, Defesa Civil,
Ministério Público Federal cumprirem, porque não é mais lugar da gente morar
aqui”, conclui.
·
Outro lado
O
Brasil de Fato procurou a Braskem, a empresa Diagonal, o Ministério Público
Federal (MPF) e a Prefeitura de Maceió para comentar os assuntos tratados na
reportagem. Solicitamos um posicionamento sobre o impacto do barulho das
máquinas e da poeira das obras para as famílias vizinhas; sobre a denúncia de
que o Projetos Flexais foi construído sem a participação da comunidade dos
Flexais; e sobre a continuidade das obras durante o andamento da CPI da
Braskem, mesmo com o aconselhamento dos senadores de respeitar o desejo de
realocação das famílias.
A
empresa Diagonal informou que “após averiguações internas junto à área técnica,
informamos que a Diagonal não possui qualquer esclarecimento e não pode dar
opiniões sobre os questionamentos realizados, pelo fato de não ter participado
tecnicamente das ações citadas na reportagem”.
Afirma
ainda que “o Projeto Flexais é fruto de um acordo firmado entre a Braskem, a
Prefeitura Municipal de Maceió, os Ministérios Públicos estadual e federal, e a
Defensoria Pública da União. A definição das ações, bem como sua execução, está
sob responsabilidade das partes signatárias do referido acordo, e entendemos
que elas são as mais recomendadas para um posicionamento à respeito”.
A
Prefeitura de Maceió, em nota, informou que a prefeitura e “órgãos da
Força-Tarefa – Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e
Defensoria Pública da União – promoveram audiências públicas nas quais a
comunidade dos Flexais foi ouvida. A partir desses encontros foram aprovadas
ações que beneficiam moradores da localidade. Dentre as iniciativas está
justamente a construção de creche e escola infantil que garantirão cuidados e
ensino às crianças. Demandas relacionadas à condução das obras serão
encaminhadas à Braskem, responsável por sua execução, para a tomada de
providências mitigadoras. Recomendações provenientes da CPI estão sendo
avaliadas”.
Em
seu posicionamento, a Braskem pontuou que “continua implementando as 23 medidas
socioeconômicas do Projeto Integração Urbana e Desenvolvimento dos Flexais, com
o objetivo de restabelecer a dinâmica socioeconômica da região. A área é
constantemente monitorada e, de acordo com estudos técnicos, não apresenta
movimentação de solo associada à subsidência. Portanto, não está incluída no
mapa de desocupação definido pela Defesa Civil em 2020. Porém, estudos
identificaram uma situação única de ilhamento socioeconômico após a desocupação
de imóveis em áreas vizinhas”.
A
empresa alega ainda que “diversas ações já foram implementadas”, como a limpeza
urbana e o combate a pragas, cursos de capacitação profissional e serviço de
apoio psicológico, além de vigilância e instalação de câmeras de segurança,
manutenção da rede de iluminação pública, rota de ônibus exclusiva e gratuita
para a população dos Flexais. Também estão em andamento, segundo a empresa,
obras de requalificação viária, construção de uma nova Unidade Básica de Saúde
(UBS) e de uma creche-escola.
A
mineradora diz que “todas as obras são realizadas por empresas especializadas
contratadas pela Braskem, de acordo com normas ambientais e de segurança, com
controle da emissão de poeira e monitoramento de ruídos. Mensalmente, são
realizadas reuniões com os moradores para discutir os impactos das obras e
adotar medidas mitigadoras quando necessário”.
Fonte:
Brasil de Fato
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