Cortisol: o 'hormônio do estresse' é mesmo
o culpado por seus problemas de saúde?
Alguns minutos nas
redes sociais e você pode acabar convencido de que seu corpo está inundado com
altíssimos níveis de cortisol.
Apelidado de
"hormônio do estresse", o cortisol desempenha um papel importante na
maioria dos processos fisiológicos do corpo humano.
No entanto,
recentemente a substância tem ganhado fama de grande vilã, com dezenas de
vídeos no Instagram e no TikTok culpando um suposto desequilíbrio hormonal por
ganho de peso, exaustão, ansiedade, dores de cabeça e outros males.
Afinal, o cortisol
pode mesmo ser a causa desses sintomas comuns para tanta gente?
A BBC News Brasil
conversou com médicos endocrinologistas para entender quais podem ser as
consequências das altas taxas desse hormônio, como combatê-las e quando é
necessário procurar um médico.
• O que é o cortisol?
O cortisol é um
hormônio da família dos esteroides, produzido pela parte superior das glândulas
suprarrenais, também conhecidas como adrenais.
Ele tem muitas funções
no corpo humano, como mediar a resposta ao estresse, regular o metabolismo, a
resposta inflamatória e a função imunológica.
Também funciona como
um regulador de humor, da pressão arterial e da quantidade de açúcar no sangue.
Foi apelidado de
"hormônio do estresse" porque é liberado na corrente sanguínea pelas
glândulas suprarrenais em situações percebidas como de risco pelo nosso corpo.
Essa liberação aumenta
a pressão arterial e a dispersão de glicose no sangue, resultando no aumento
momentâneo da força muscular.
No passado, a
estratégia era recurso recorrente de sobrevivência em situações de risco real
de morte, mas com as mudanças de estilo de vida o hormônio também é liberado em
momentos estressantes que não envolvem, por exemplo, fugir de um predador.
Nesses casos, pode
elevar os níveis de glicose na corrente sanguínea, o uso da glicose pelo
cérebro e a disponibilidade de substâncias que reparam os tecidos do corpo.
O cortisol também
retarda funções que não seriam essenciais ou prejudiciais em uma situação de
luta ou de fuga: altera as respostas do sistema imunológico e suprime o sistema
digestivo, o sistema reprodutivo e os processos de crescimento.
O sistema de alarme
natural também se comunica com as regiões do cérebro que controlam o humor, a
motivação e o medo.
Como um dos
reguladores dos níveis de açúcar no sangue e do metabolismo do nosso corpo, o
cortisol também é responsável por manejar carboidratos, gorduras e proteínas.
Ele atua ainda no
fortalecimento do sistema imunológico e possui atividade anti-inflamatória. Por
isso, a cortisona (um corticoide sintético semelhante ao cortisol) pode ser
receitada por médicos em situações de lesão ou inflamação.
No entanto, o fato de
o cortisol ter capacidade de interferir no metabolismo, provocando cansaço,
ganho de peso e ansiedade, em alguns casos, não significa que um desequilíbrio
em seus níveis seja responsável pelas queixas frequentemente citadas pelos criadores
de vídeos nas redes sociais.
• Desequilíbrio hormonal?
Doenças que causam
alterações graves nos níveis de cortisol no sangue são bastante raras, explica
Alexandre Hohl, professor de Endocrinologia e Metabologia da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC).
As estimativas variam,
mas segundo o serviço de saúde dos Estados Unidos, cerca de 40 a 70 pessoas em
cada 1 milhão de indivíduos apresentam a chamada doença de Cushing, relacionada
à alta concentração de cortisona ou cortisol no organismo do paciente por um
longo período de tempo.
Para efeito de
comparação, segundo a Federação Internacional de Diabetes, 10,5% da população
adulta mundial (entre 20 e 79 anos) tem algum tipo de diabete. Isto é, mais de
100 mil pessoas a cada 1 milhão de habitantes.
O quadro da doença de
Cushing é geralmente causado pelo uso prolongado de medicamentos à base de
cortisona ou pela produção anormal de cortisol pelo organismo, muitas vezes
devido a um tumor.
Mas Hohl explica que
os sintomas manifestados por pacientes que possuem esse distúrbio costumam ser
bastante intensos.
Eles incluem ganho de
peso, perceptível principalmente na região abdominal e por meio de bolsas de
gordura na cervical e outras regiões do tronco, estrias bastante vermelhas,
acne, desgaste muscular, fraqueza e cansaço extremos, entre outros.
Os acometidos pela
doença geralmente apresentam o que os médicos chamam de "face em
lua", ou um rosto bastante arredondado e grande. Taxas elevadas de glicose
e pressão alta também são bastante comuns.
Já a insuficiência
adrenal, quando as glândulas adrenais não produzem o hormônio cortisol em
quantidade suficiente, pode provocar cansaço com mais frequência que o normal,
fraqueza, vômito, diarreia, pressão baixa, tontura e outros sintomas.
Os dois extremos,
portanto, podem levar os pacientes a sentir cansaço extremo, diz o professor da
UFSC.
Mas isso não significa
que pessoas que estão experimentando esse sintoma tenham qualquer um dos
distúrbios acima.
"Existem milhões
de causas para o cansaço e, na grande maioria das vezes, o cortisol não é o
culpado", diz.
O estresse crônico
também pode manter os níveis de cortisol elevados. Mas segundo o médico e
presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Paulo
Miranda, a interpretação de resultados de exames é extremamente complexa.
"Correlacionar
níveis de cortisol pela manhã com o diagnóstico de estresse ou utilizá-lo como
ferramenta de estresse é um grande equívoco", diz o endocrinologista.
"Pessoas que têm
estresse crônico podem apresentar cortisol alto, mas [pode] não existir uma
correlação."
Miranda afirma que é
possível que algumas pessoas descubram alterações em seus níveis de cortisol
por meio de exames de sangue, mas isso não necessariamente indica qualquer tipo
de distúrbio.
A liberação de
cortisol em nosso corpo segue o chamado ciclo circadiano: de forma resumida, os
valores máximos são observados nas primeiras horas da manhã e os mínimos, à
noite.
"Medir o cortisol
basal, pela manhã, ou sem testes padronizados não vai nos ajudar a dar
diagnóstico de nada", diz o médico.
"A própria punção
para coleta do sangue pode ser um mecanismo de elevação de cortisol, porque
muitas pessoas têm medo ou ficam ansiosas, mas isso não quer dizer que tenham
estresse crônico ou outra doença."
Segundo o presidente
da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, quando há suspeita de
alterações graves, os médicos devem receitar exames mais completos e fazer um
diagnóstico individualizado, baseado em vários fatores.
• Queixas comuns com causas diversas
Por isso mesmo, os
especialistas recomendam cuidado ao consumir conteúdos postados nas redes
sociais sobre o tema.
Alguns vídeos
populares no aplicativo TikTok, por exemplo, apontam dores de cabeça, insônia,
ansiedade, dificuldade de perder peso e baixa libido como sinais prováveis de
níveis alterados de cortisol.
Outros são até mais
enfáticos. "O cortisol é o hormônio do estresse e é ele que está fazendo
você passar o dia todo se sentindo sobrecarregada, cansada, com a mente
remoendo vários e vários pensamentos ansiosos", diz um criador de
conteúdo, que dá dicas sobre como evitar o consumo de açúcar, elevar o consumo
de proteína e até "cantar no banho" para regularizar os níveis do
hormônio.
Dormir e se alimentar
de forma saudável e praticar exercícios são hábitos excelentes, mas não seriam
suficientes, por exemplo, para tratar uma pessoa com um tumor adrenal, afirmam
os médicos.
Ainda segundo
Alexandre Hohl, algumas das queixas apresentadas nos vídeos, especialmente o
cansaço, são bastante comuns para muitas pessoas atualmente e podem ter causas
diversas.
Na maioria das vezes,
estão relacionadas ao estilo de vida e não aos níveis de cortisol, de acordo
com ele.
"Mais da metade
das queixas inespecíficas de cansaço, fraqueza ou indisposição tem a ver com
dormir mal", diz. "Dormir mal gera um círculo vicioso de problemas na
saúde. Então minha primeira pergunta para um paciente com essas queixas seria
'você realmente já tentou melhorar a sua higiene do sono?'"
Paulo Miranda reforça
a ideia de que os diagnósticos devem ser individualizados e que informações
divulgadas de forma generalizada demais, de fontes muitas vezes pouco
confiáveis, não devem ser motivo de preocupação extrema.
"Muitos dos
vídeos nas redes sociais hoje são cheios de frases feitas que parecem saídas de
uma campanha de marketing para convencer as pessoas daquilo que se está
falando", diz. "Mas a ciência não funciona dessa forma. A ciência tem
as suas incertezas e esse tema é extremamente complexo, cheio de nuances."
• Quando procurar um médico?
Os médicos alertam,
porém, que há casos em que um aconselhamento médico especializado deve ser
procurado imediatamente.
Segundo Alexandre
Hohl, o sinal de alerta deve ser sintomas combinados e persistentes, mesmo
diante de mudança de hábitos.
Ou seja, um quadro
completo de aumento abdominal, ganho de peso intenso, face arredondada
característica, estrias avermelhadas, acne grave e pressão alta pode indicar
hipercortisolismo e deve ser averiguado.
"E é o médico
endocrinologista o mais qualificado para fazer a investigação, já que são
necessários muitos exames de interpretação complexa."
Em caso de
diagnóstico, a solução para a doença de Cushing passa muitas vezes por cirurgia
ou radioterapia para remover tumores. Em caso de insuficiência adrenal, o
tratamento costuma ser por meio de medicamentos.
Fonte: BBC News Brasil
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