Com canais e diques, cidades no exterior
enfrentam enchentes como a de Porto Alegre
Quando perguntados
sobre como evitar novas enchentes como a que atingiu Porto Alegre, os
especialistas são quase unânimes em dois pontos: prevenção é mais eficiente que
a mais complexa e cara das obras de engenharia, mas, se a intervenção é
inevitável, o Brasil dispõe de tecnologia e conhecimento suficiente para as
obras necessárias.
Presidente da DTA
Engenharia, João Acácio Gomes de Oliveira Neto diz que as soluções para
enchentes são obras tradicionais de engenharia e o país, segundo ele, tem
experiência para realizá-las. Daniel Alassia, coordenador do programa de
pós-graduação em engenharia civil da UFSM (Universidade Federal de Santa
Maria), e Mário Mendiondo, coordenador científico do Centro de Estudos e
Pesquisas em Desastres (CEPED) da USP, também afirmam que o país conhece e
aplica a tecnologia necessária.
Os três apontam que
grandes projetos exigem tempo para construção, envolvem custos elevados e
exigem estudos aprofundados de viabilidade, de capacidade e de impactos
socioambientais. Por isso, ações preventivas acabam muitas vezes sendo a melhor
alternativa sempre que possível.
Especialista em
hidráulica e engenharia ambiental, o engenheiro Rodrigo Freire de Macedo
construiu carreira internacional com obras de usinas hidrelétricas e atualmente
vive em Montreal, no Canadá. Em sua experiência profissional, atuou em obras de
contenção de enchentes no Brasil e na América do Norte.
Ele alerta para as
dificuldades para o planejamento de grandes obras de engenharia. O tempo para
que sejam construídas, o alto custo das intervenções e a necessidade de fazer
projeções de longo prazo para que não se tornem rapidamente obsoletas. Por isso
mesmo, as medidas preventivas como respeitar as várzeas dos rios e evitar que
fiquem assoreados são essenciais. "A solução mais econômica é sempre a
prevenção", diz.
O engenheiro destaca
as mudanças do clima como um ingrediente a mais de dificuldade. Os eventos
climáticos extremos que atingem o planeta nos últimos anos, segundo ele,
dificultam a elaboração de projeções, porque diminuem a importância de séries
históricas para a análise.
Sobre a capacidade
tecnológica, ele cita obras feitas em São Paulo, por exemplo, como tão
importantes e eficientes quanto outras construídas em países como os Estados
Unidos. As barragens e reservatórios --como a barragem e eclusa da Penha, na
zona leste da capital paulista--, os reservatórios de retenção, como os
chamados piscinões, e a canalização para aumentar a capacidade e a velocidade
de escoamento de rios são alguns exemplos.
Construída em 2013, a
barragem torna o rio Tietê navegável em sua área urbana por controlar o fluxo
de água nele. A construção faz parte de um projeto que tornaria a região
metropolitana da capital paulista interligada por hidrovias. Os piscinões e
diferentes tipos de canalização de rios, inclusive com a cobertura completa
deles, tornaram-se obras comuns e são alvo de críticas pelos seus altos
impactos urbano e ambiental.
Macedo evita comparar
as obras necessárias para a realidade gaúcha com o exemplo mais comum de
controle das águas, a Holanda. Para ele, a diferença na origem do problema
exige uma análise diferente.
No caso europeu, o
risco de inundação é causado pelo fato de as cidades estarem abaixo do nível do
mar e o risco é invasão pela maré. No caso gaúcho, o risco é provocado pelo
excesso de chuvas, que provoca sobrecarga nos rios.
Em Nova Jersey, os
estragos provocados pelo furacão Sandy, em 2012, levaram as autoridades a
criarem um novo sistema de proteção ao longo do rio Hackensack. A alternativa
inclui a instalação de bombas de alta potência para evitar as cheias, além do
aprimoramento da rede de canais de escoamento.
O mesmo furacão
provocou um plano de resiliência costeira em Nova Jersey e Nova York, que
inclui barreiras contra inundações, diques, aterros e portões de contenção.
Este projeto chama a atenção também pelo valor investido, US$ 52,6 bilhões.
Também na costa leste, Norfolk, na Virgínia, está investindo US$ 2,6 bilhões em
um plano contra grandes inundações que inclui portões de maré, diques, estações
de bombeamento.
Após o furacão
Katrina, em 2005, Nova Orleans também foi obrigada a aprimorar o seu sistema de
proteção, com bombas, comportas e uma muralha. Assim como aconteceu com Porto
Alegre, a cidade tinha um sistema de proteção contra as enchentes do rio
Mississippi com quase um século de criação, que se mostrou falho para a
realidade atual.
Na costa oeste,
Sacramento, da Califórnia, também conta com um conjunto histórico de contenção
das cheias. Com as primeiras obras ainda no século 19, o projeto passou por
diversas atualizações ao longo do século 20. A última grande obra é de 2020. O
sistema é formado por canais de desvio, que criam afluentes e açudes para
controlar o volume de água do rio.
• Além do RS, outros lugares do mundo
enfrentam estragos causados por chuvas
Além dos estragos
causados pelas chuvas no Rio Grande do Sul, outros lugares do mundo, como
Quênia, Arábia Saudita e Emirados Árabes, enfrentam condições meteorológicas
severas.
<><> O que
aconteceu
No Quênia, ao menos
188 pessoas morreram pelas chuvas torrenciais desde março. Os números foram
divulgados pelo governo nesta quinta-feira (2), e 165 mil foram obrigados a
abandonar suas casas. O Quênia e outros países do leste da África passam por
chuvas mais intensas que o habitual devido aos efeitos do fenômeno El Niño.
Na Tanzânia, ao menos
155 pessoas morreram nos últimos dias. Inundações e deslizamentos de terra
atingiram a região.
Os Emirados Árabes
Unidos têm sofrido com temporais desde abril, que afetaram sua receita
petrolífera. As chuvas também chegaram esta semana a partes da Arábia Saudita,
país vizinho, e causaram devastação: carros submersos, população ilhada,
estradas bloqueadas e aulas suspensas.
Evacuações
obrigatórias foram ordenadas nem locais do Texas, nos Estados Unidos.
Pelo menos quatro
pessoas morreram e mais de 110.000 foram evacuadas em Guangdong, no sul da
China. Três pessoas morreram na cidade de Zhaoqing e um socorrista morreu na
cidade de Shaoguan. Em Guangzhou, capital da província, foi registrado um
acumulado de 600 mm do dia 1º a 23 de abril, a precipitação mensal mais elevada
desde que os registos começaram, em 1959. As informações são do jornal The
Guardian.
• De Porto Alegre a Barcelona: transformar
as cidades para conviver com as mudanças climáticas: Por Vanessa Marx
Este artigo aborda a
necessidade de transformar a forma de planejar as cidades, tanto do Norte como
do Sul global, devido às alterações das temperaturas do planeta e as mudanças
climáticas que impactam diretamente a vida nas cidades. A reflexão propõe contribuir
a partir do experienciar a cidade de Barcelona, na Espanha, durante um período
de pesquisa no bairro Poblenou.
Em abril deste ano,
Barcelona estava com suas reservas de água para abastecimento em situação
limite, devido à falta de chuvas. Os espaços públicos deram lugar a uma
campanha com cartazes sobre a necessidade de economizar água. Os espaços
privados também, com alertas sobre a necessidade de racionar água.
Em Barcelona, depois
do contexto pandêmico, a preocupação com o tema ambiental e o investimento em
espaços verdes e abertos na cidade tornou-se um ponto importante da agenda do
poder local. A necessidade de preservação de espaços verdes, parques, praças e
jardins e até pequenos espaços, como terrenos, ruelas e hortas urbanas,
mantidos por comunidades e moradores do bairro, tem sido uma pauta importante
na cidade.
Em termos mais
estruturais, houve uma aposta pela alteração do desenho urbano em alguns pontos
da cidade, onde o poder local vinha investindo no desenvolvimento das
“Superillas” (Superquadras - Eixos Verdes), incentivando o uso do espaço
público por pedestres colocando nestes locais mais verde e equipamentos
públicos, evitando a circulação de automóveis nestas zonas da cidade. Ainda
falta mais verde na paisagem urbana, pois existem muitas praças secas na
cidade, mas a vida comunitária e o grande uso pela população de espaços abertos
possivelmente impulsionará ainda mais novas transformações nos bairros.
Por outro lado, no mês
de maio, Porto Alegre, região metropolitana e o Rio Grande do Sul como um todo
enfrentam o maior desastre socioambiental de sua história devido ao enorme
volume de chuvas no Sul do Brasil. A maioria dos municípios do estado e da capital,
Porto Alegre, colapsaram. O volume de águas ultrapassou a inundação de 1941. Os
mortos e desaparecidos aumentam a cada dia, com pessoas perdendo suas casas,
lares e histórias de vida.
As cidades tomadas
pelas águas dos rios no Rio Grande do Sul são o retrato de uma tragédia
anunciada. Em 2023, os moradores da cidade de Porto Alegre já haviam sofrido
com inundações e chuvas que deixaram várias partes da cidade sem comunicação,
com falta de luz, água e internet. As árvores caídas nas ruas e avenidas eram
um retrato e, ao mesmo tempo, um aviso de que ninguém controlaria a natureza,
mas que poderíamos evitar a sua destruição.
A partir do ocorrido
nos perguntamos: o que foi feito desde 2023 para evitar a tragédia ocorrida em
2024? A impressão de que isso não era prioridade ficou evidente frente ao
desejo de edificar e construir na cidade. Houve um descaso e uma falta de
atenção do governo municipal e estadual, pois o momento era grave e necessitava
medidas emergenciais: modernização do sistema de segurança dos rios e
monitoramento da altura da água, com uma postura mais propositiva para
minimizar os danos, desenvolvendo políticas públicas para as mudanças
climáticas.
Podemos somar a isso a
precariedade de prestação dos serviços públicos. A cada tempestade a população
sofria com a falta de luz e água e, por isso, alguns movimentos sociais e
coletivos reivindicam a necessidade de reestatização dos serviços que foram privatizados.
O Observatório das
Metrópoles (OM) – Núcleo Porto Alegre vem produzindo artigos alertando sobre a
situação das mudanças climáticas em Porto Alegre. Em dezembro de 2023, o artigo
Calor extremo e planejamento urbano, como enfrentar a crise climática trouxe
reflexões e alertas importantes sobre o futuro. Este artigo me fez refletir
muito de que não teríamos caminho de volta, que em curto prazo necessitaríamos
pautar com mais seriedade o tema e elaborar políticas públicas para conviver
com os desastres ambientais, inclusive incidir na revisão do plano diretor que
está acontecendo neste momento, no qual este tema sequer é considerado.
Necessitamos de uma
alteração dos regimes urbanos para proteção do meio ambiente, dos bens comuns e
das Áreas de Preservação Ambiental (APPs), que estão ameaçadas em muitas
cidades pela vontade desenfreada de construir e edificar em áreas de risco,
cortando árvores, destruindo espaços verdade e gerando impacto ambiental.
Do ponto de vista
internacional Porto Alegre, nos anos 2000, era retratada pela imprensa
internacional como sede do altermundialismo, com o Fórum Social Mundial.
Passados 20 anos, o mundo volta a olhar Porto Alegre como a cidade que sofreu
um dos maiores desastres ambientais do Brasil e que dispara um alerta para o
mundo. Um ciclo se fecha e esperamos que um novo ciclo se abra com mais
esperança e sustentabilidade para as futuras gerações.
Ressaltamos aqui a
importância e a contribuição fundamental da universidade pública no processo de
ajuda e difusão do conhecimento. Pudemos
ver durante este processo que a ciência tem estado a serviço da população transmitindo
informações em tempo real das zonas afetadas e da necessidade de evacuação das
pessoas e famílias dos bairros e cidades.
Este cenário nos
impulsionará a pensar o urbano e o ambiental de forma conjunta, esta
dissociação não será mais possível. Em Porto Alegre, podemos começar
verificando como os Grandes Projetos Urbanos vem impactando no meio ambiente e
observar o cumprimento das contrapartidas dos projetos especiais,
principalmente em locais onde era exigido drenagem do território.
Porto Alegre e o Rio
Grande do Sul deverão preparar-se para um tempo de reconstrução, pois o
desastre não é somente ambiental, mas também social e político. Esperamos que
esta reconstrução seja inspirada na solidariedade e na força do voluntariado,
que tem sido incansável em salvar vidas e amenizar a dor dos que perderam tudo.
Necessitamos de outra forma de fazer política, tanto em nível local como
estadual, onde a vida humana e a preservação da natureza sejam prioridade nos
próximos anos.
Em relação ao
planejamento urbano pós-catástrofe, será fundamental que as cidades sejam
pensadas de outra maneira, com a participação dos afetados pela enchente. A
escuta será fundamental para incorporar a diversidade da população, priorizando
os mais vulneráveis, levando em consideração classe, gênero e raça.
Estamos sendo
desafiados a pensar coletivamente em como enfrentar as catástrofes ambientais
geradas pela ação humana em diversas cidades do mundo, pois a percepção é de
que a forma como vivemos até agora se esgotou.
Fonte:
FolhaPress/UOL/Brasil de Fato
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