quarta-feira, 5 de junho de 2024

Captação de dinheiro do agro pela Embrapa gera preocupação sobre transparência

PARA DRIBLAR A ESCASSEZ de financiamento público, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) vem apostando em estudos bancados com dinheiro do agronegócio. Ligada ao Ministério da Agricultura Pecuária (Mapa), do governo federal, a empresa desenvolve tecnologias para melhorar a produtividade rural.  

Essa política de captação de recursos privados, no entanto, está na mira do TCU (Tribunal de Contas da União). Em acórdão publicado em novembro passado, o órgão de controle apontou problemas de gestão e transparência em uma modalidade de projetos apoiados pelo chamado “setor produtivo”. Em cinco anos, foram angariados R$ 145 milhões. O TCU emitiu uma série de determinações e continua monitorando o caso.

O salto dos financiamentos privados também preocupa fontes ouvidas pela Repórter Brasil — elas temem que a Embrapa deixe em segundo plano a segurança alimentar da população, uma das missões da instituição, e priorize os interesses particulares de corporações.

“A Embrapa tem que ser voltada a minimizar e mitigar os impactos ambientais promovidos pela agricultura, e não estimular a implantação de tecnologias e produtos que contaminam ainda mais a sociedade”, afirma o engenheiro agrônomo Vicente Almeida, ex-servidor da empresa do governo federal. 

Um exemplo é uma pesquisa financiada pela fabricante de agrotóxicos Syngenta sobre o inseticida tiametoxam. Atualmente, o produto está banido na União Europeia por causa do efeito letal sobre insetos polinizadores, como abelhas. O estudo da Embrapa sustenta que o pesticida pode ser seguro, desde que usado de forma controlada.

No Brasil, o tiametoxam chegou a ter seu uso restringido pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), no final de fevereiro. Porém, entidades ligadas ao agro conseguiram derrubar na Justiça as limitações ao inseticida, dois meses depois.

O estudo da Embrapa concluiu que abelhas não morriam em decorrência da utilização do agrotóxico em lavouras de café, desde que o pesticida fosse aplicado de acordo com as recomendações da bula. 

A pesquisa foi usada pela Syngenta em uma campanha em defesa do tiametoxam. Porém, a multinacional não informou que os resultados se restringiam ao cultivo de café, e nem que o estudo havia sido realizado em fazendas certificadas pela própria Syngenta, em condições controladas, incomuns no cotidiano do campo.

Em fevereiro, a Syngenta declarou à Repórter Brasil que, durante o processo de reavaliação do tiametoxam, “gerou e aportou resultados de anos de estudos, que tiveram a participação de diversos pesquisadores que trouxeram bases científicas sólidas para demonstrar a segurança do produto”.Parte inferior do formulário

 

·        Contato entre empresas e pesquisadores pode gerar conflitos de interesses

O TCU identificou um aumento expressivo dos financiamentos do setor produtivo para projetos de inovação da Embrapa, categorizados como “Tipo III”. De 2018 a 2022, cerca de R$ 145 milhões foram captados nessa modalidade. No entanto, fez ressalvas às ferramentas de gestão e transparência.

Quando os ministros do TCU aprovaram o acórdão e as determinações à Embrapa, no final do ano passado, dados básicos sobre os projetos em andamento, como os nomes dos financiadores e os valores investidos, não estavam abertos ao público.  

Segundo o relatório técnico que embasou a decisão da corte, algumas unidades da Embrapa “não diversificam os mecanismos de captação para a ampliação das oportunidades e democratização das parcerias”, restringindo-se à rede de contatos dos pesquisadores e à demanda espontânea das empresas. “Na prática, várias parcerias surgem de contatos realizados em eventos, feiras, congressos e da proximidade entre pesquisadores e empresas”, diz um trecho do documento.

No acórdão, os ministros questionam a “experiência” e as “habilidades específicas” dos pesquisadores para “desenvolverem negócios com o setor produtivo”.

A pesquisadora Ana Maria Maya, especialista em saúde do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores), enxerga riscos no contato entre empresas financiadoras e pesquisadores da Embrapa. “Muitas vezes, esses congressos são financiados pelas próprias indústrias para ‘angariar’ pesquisadores que não percebem os conflitos de interesse intrínsecos a esses processos”, pontua.

Segundo Marcus Vinicius Sidoruk Vidal, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf), pesquisadores que não desenvolvem projetos de interesse de empresas do agro podem ter dificuldades para emplacar estudos. “Ou você se adapta, ou você fica no limbo, tentando de alguma forma passar o pires em alguma agência financiadora para que você consiga desenvolver sua pesquisa”, afirma.

·        O que diz a Embrapa

Em nota, a assessoria de imprensa da Embrapa afirmou que a atuação do TCU consiste em uma “auditoria operacional” para aprimorar os processos da empresa. 

Ainda segundo o texto, a informação sobre os projetos financiados por recursos privados “ainda não estava disponibilizada para o público externo na internet, mas sim no Sistema Embrapa de Gestão (SEG) em nível interno, o que já foi devidamente ajustado”. Leia a nota na íntegra.

Os dados foram tornados públicos somente no final de abril, ao fim do prazo de 180 dias estipulado pelo TCU para a correção dos problemas, e após o questionamento da Repórter Brasil.

 

¨      Lula sanciona lei que permite monoculturas de eucalipto sem licenciamento ambiental

Contrariando recomendações do Ministério Público Federal e de organizações da sociedade civil, o presidente Lula sancionou, na última sexta-feira (31), a lei que exclui a silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras, liberando-a do licenciamento ambiental. A sanção foi publicada no Diário Oficial da União.

Aprovado no dia 9 de maio pelo Congresso Nacional após tramitação a jato e grande pressão da bancada ruralista, o projeto agora sancionado por Lula muda a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81), de forma a tirar o plantio de monoculturas para extração de celulose, como pinus e eucalipto, da lista de atividades que se utilizam de recursos ambientais e são potencialmente poluidoras.

A lei, de autoria do senador Álvaro Dias (Podemos/PR), também isenta a atividade do recolhimento de impostos, por meio da isenção do pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TFCA).

No início de maio, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) publicou uma nota técnica alertando para a inconstitucionalidade da proposta, por já haver entendimento no Supremo Tribunal Federal pela necessidade de licenciamento para tal atividade.

A Abrampa também alertou que o então projeto violava a legislação nacional e internacional a respeito da biodiversidade e representava grave retrocesso ambiental.

“A silvicultura, especialmente em larga escala, possui um potencial poluidor significativo que não pode ser ignorado. Permitir que essa atividade ocorra sem o devido licenciamento ambiental é um convite à ampliação da degradação ambiental e à extinção de espécies. O projeto afronta diretamente o interesse público e a Constituição da República e ainda causa clara insegurança jurídica, razões pelas quais instamos o presidente da República a vetá-lo”, diz Alexandre Gaio, presidente da Associação.

Em meados de maio, a rede de organizações do Observatório do Clima, a WWF Brasil e o Instituto Socioambiental (ISA) também publicaram nota técnica recomendando o veto à proposta.

Para as organizações, a silvicultura traz uma série de impactos ambientais, entre eles a contaminação de corpos d´água pela utilização intensiva de agrotóxicos e fertilizantes, a fragmentação de habitats, redução da biodiversidade e comprometimento de serviços ecossistêmicos, além de impactos sociais, como a possível desapropriação de comunidades tradicionais para plantio de monoculturas.

Segundo apurou ((o))eco, a possibilidade de judicialização da medida será avaliada.

 

Fonte: Reporter Brasil/((O))eco

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