Captação
de dinheiro do agro pela Embrapa gera preocupação sobre transparência
PARA
DRIBLAR A ESCASSEZ de financiamento público, a Embrapa (Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária) vem apostando em estudos bancados com dinheiro do
agronegócio. Ligada ao Ministério da Agricultura Pecuária (Mapa), do governo
federal, a empresa desenvolve tecnologias para melhorar a produtividade
rural.
Essa
política de captação de recursos privados, no entanto, está na mira do TCU
(Tribunal de Contas da União). Em acórdão publicado em novembro passado, o
órgão de controle apontou problemas de gestão e transparência em uma modalidade
de projetos apoiados pelo chamado “setor produtivo”. Em cinco anos, foram
angariados R$ 145 milhões. O TCU emitiu uma série de determinações e continua
monitorando o caso.
O
salto dos financiamentos privados também preocupa fontes ouvidas
pela Repórter Brasil — elas temem que a Embrapa deixe em segundo
plano a segurança alimentar da população, uma das missões da instituição, e
priorize os interesses particulares de corporações.
“A
Embrapa tem que ser voltada a minimizar e mitigar os impactos ambientais
promovidos pela agricultura, e não estimular a implantação de tecnologias e
produtos que contaminam ainda mais a sociedade”, afirma o engenheiro agrônomo
Vicente Almeida, ex-servidor da empresa do governo federal.
Um
exemplo é uma pesquisa financiada pela fabricante de
agrotóxicos Syngenta sobre o inseticida tiametoxam. Atualmente, o produto está banido na União Europeia por causa
do efeito letal sobre insetos polinizadores, como abelhas. O estudo da Embrapa
sustenta que o pesticida pode ser seguro, desde que usado de forma controlada.
No
Brasil, o tiametoxam chegou a ter seu uso restringido pelo Ibama (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente), no final de fevereiro. Porém, entidades ligadas ao agro conseguiram
derrubar na Justiça as limitações ao inseticida, dois
meses depois.
O
estudo da Embrapa concluiu que abelhas não morriam em decorrência da utilização
do agrotóxico em lavouras de café, desde que o pesticida fosse aplicado de
acordo com as recomendações da bula.
A
pesquisa foi usada pela Syngenta em uma campanha em defesa do tiametoxam.
Porém, a multinacional não informou que os resultados se restringiam ao cultivo
de café, e nem que o estudo havia sido realizado em fazendas certificadas pela
própria Syngenta, em condições controladas, incomuns no cotidiano do campo.
Em fevereiro, a Syngenta declarou à Repórter Brasil que, durante o processo de reavaliação do tiametoxam, “gerou e aportou resultados de anos de estudos, que tiveram a participação de diversos pesquisadores que trouxeram bases científicas sólidas para demonstrar a segurança do produto”.
·
Contato entre empresas e pesquisadores pode
gerar conflitos de interesses
O
TCU identificou um aumento expressivo dos financiamentos do setor produtivo
para projetos de inovação da Embrapa, categorizados como “Tipo III”. De 2018 a
2022, cerca de R$ 145 milhões foram captados nessa modalidade. No entanto, fez
ressalvas às ferramentas de gestão e transparência.
Quando
os ministros do TCU aprovaram o acórdão e as determinações à Embrapa, no final
do ano passado, dados básicos sobre os projetos em andamento, como os nomes dos
financiadores e os valores investidos, não estavam abertos ao
público.
Segundo
o relatório técnico que embasou a decisão da corte, algumas unidades da Embrapa
“não diversificam os mecanismos de captação para a ampliação das oportunidades
e democratização das parcerias”, restringindo-se à rede de contatos dos
pesquisadores e à demanda espontânea das empresas. “Na prática, várias
parcerias surgem de contatos realizados em eventos, feiras, congressos e da
proximidade entre pesquisadores e empresas”, diz um trecho do documento.
No
acórdão, os ministros questionam a “experiência” e as “habilidades específicas”
dos pesquisadores para “desenvolverem negócios com o setor produtivo”.
A
pesquisadora Ana Maria Maya, especialista em saúde do Programa de Alimentação
Saudável e Sustentável do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores), enxerga
riscos no contato entre empresas financiadoras e pesquisadores da Embrapa.
“Muitas vezes, esses congressos são financiados pelas próprias indústrias para
‘angariar’ pesquisadores que não percebem os conflitos de interesse intrínsecos
a esses processos”, pontua.
Segundo
Marcus Vinicius Sidoruk Vidal, presidente do Sindicato Nacional dos
Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf),
pesquisadores que não desenvolvem projetos de interesse de empresas do agro
podem ter dificuldades para emplacar estudos. “Ou você se adapta, ou você fica
no limbo, tentando de alguma forma passar o pires em alguma agência
financiadora para que você consiga desenvolver sua pesquisa”, afirma.
·
O que diz a Embrapa
Em
nota, a assessoria de imprensa da Embrapa afirmou que a atuação do TCU consiste
em uma “auditoria operacional” para aprimorar os processos da empresa.
Ainda
segundo o texto, a informação sobre os projetos financiados por recursos
privados “ainda não estava disponibilizada para o público externo na internet,
mas sim no Sistema Embrapa de Gestão (SEG) em nível interno, o que já foi
devidamente ajustado”. Leia a nota na íntegra.
Os
dados foram tornados públicos somente no final de abril, ao fim do prazo de 180
dias estipulado pelo TCU para a correção dos problemas, e após o questionamento
da Repórter Brasil.
¨
Lula sanciona lei que
permite monoculturas de eucalipto sem licenciamento ambiental
Contrariando
recomendações do Ministério Público Federal e de organizações da sociedade
civil, o presidente Lula sancionou, na última sexta-feira (31), a lei que
exclui a silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras,
liberando-a do licenciamento ambiental. A sanção foi publicada no Diário
Oficial da União.
Aprovado
no dia 9 de maio pelo Congresso Nacional após tramitação a jato e grande
pressão da bancada ruralista, o projeto agora sancionado por Lula muda a
Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81), de forma a tirar o plantio
de monoculturas para extração de celulose, como pinus e eucalipto, da lista de
atividades que se utilizam de recursos ambientais e são potencialmente
poluidoras.
A
lei, de autoria do senador Álvaro Dias (Podemos/PR), também isenta a atividade
do recolhimento de impostos, por meio da isenção do pagamento da Taxa de
Controle e Fiscalização Ambiental (TFCA).
No
início de maio, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de
Meio Ambiente (Abrampa) publicou uma nota técnica alertando para a
inconstitucionalidade da proposta, por já haver entendimento no Supremo
Tribunal Federal pela necessidade de licenciamento para tal atividade.
A
Abrampa também alertou que o então projeto violava a legislação nacional e
internacional a respeito da biodiversidade e representava grave retrocesso
ambiental.
“A
silvicultura, especialmente em larga escala, possui um potencial poluidor
significativo que não pode ser ignorado. Permitir que essa atividade ocorra sem
o devido licenciamento ambiental é um convite à ampliação da degradação
ambiental e à extinção de espécies. O projeto afronta diretamente o interesse
público e a Constituição da República e ainda causa clara insegurança jurídica,
razões pelas quais instamos o presidente da República a vetá-lo”, diz Alexandre
Gaio, presidente da Associação.
Em
meados de maio, a rede de organizações do Observatório do Clima, a WWF Brasil e
o Instituto Socioambiental (ISA) também publicaram nota técnica recomendando o
veto à proposta.
Para
as organizações, a silvicultura traz uma série de impactos ambientais, entre
eles a contaminação de corpos d´água pela utilização intensiva de agrotóxicos e
fertilizantes, a fragmentação de habitats, redução da biodiversidade e
comprometimento de serviços ecossistêmicos, além de impactos sociais, como a
possível desapropriação de comunidades tradicionais para plantio de
monoculturas.
Segundo
apurou ((o))eco, a possibilidade de judicialização da medida será avaliada.
Fonte:
Reporter Brasil/((O))eco
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