Temos
mesmo mais empatia por quem é parecido com a gente?
Como
as pessoas conseguem interagir com sucesso com quem é completamente diferente
delas? E será que estas diferenças podem criar barreiras sociais?
Os
cientistas sociais estão às voltas com estas questões porque os processos
mentais subjacentes às interações sociais não são bem compreendidos.
Um
conceito recente que está se tornando cada vez mais popular é o "problema
da dupla empatia". Ele se baseia em pesquisas que analisam pessoas que são
conhecidas por enfrentar dificuldades sociais, como autistas.
A
teoria sugere que pessoas que possuem identidades e estilos de comunicação
muito diferentes entre si — o que geralmente é o caso de pessoas autistas e não
autistas —, podem ter mais dificuldade de ter empatia umas com as outras. Esta
dificuldade recíproca é o que eles chamam de problema da dupla empatia.
Esta
ideia tem atraído muita atenção. As pesquisas sobre o problema da dupla empatia
aumentaram rapidamente na última década. Isso porque elas têm o potencial de
explicar por que diferentes pessoas na sociedade podem ter dificuldade de ter
empatia umas com as outras, levando potencialmente a problemas pessoais e
sociais — desde transtornos de saúde mental até tensões entre grupos e racismo
sistêmico.
Mas
será que esta ideia é precisa? Nosso artigo recente sugere que a questão pode
ser muito mais complicada do que isso.
A
nossa análise sugere que a teoria da dupla empatia tem muitas lacunas. Ela
destaca que existe uma confusão generalizada em torno do conceito bastante
difuso de dupla empatia.
As
pesquisas também se concentraram estritamente nas dificuldades sociais do
autismo, sem considerar outros fatores de identidade social que afetam a
empatia entre diferentes grupos, como o gênero.
A
teoria também não incorpora a neurociência psicológica da empatia. Em vez
disso, mistura o conceito de empatia — sentir psicologicamente as emoções que
outra pessoa está sentindo — com fenômenos semelhantes, mas diferentes, como a
"mentalização" (entender o que as pessoas estão pensando a partir de
uma perspectiva diferente).
Como
a teoria da dupla empatia não está bem desenvolvida, a maioria dos experimentos
que a testam são confusos.
Muitos
pesquisadores afirmam estar estudando a dupla empatia quando não medem a
empatia. Enquanto isso, outros estudos estão sendo usados como evidência de
dupla empatia, apesar de nunca terem se proposto a testar esta teoria.
As
pesquisas sobre dupla empatia também se baseiam fortemente em relatos
subjetivos das experiências das pessoas (em vez de avaliações feitas por
especialistas), que podem não contar a história toda.
Em
conjunto, a análise das pesquisas existentes indica que a alegação central da
teoria da dupla empatia não está bem respaldada. Ou seja, ter uma identidade
parecida com a de outras pessoas não significa necessariamente que você tenha
mais empatia por elas.
Esta
é uma questão importante que precisa de atenção urgente. Já existem sinais de
que a teoria da dupla empatia está sendo colocada em prática, apesar da falta
de evidências.
Certos
pesquisadores e médicos começaram a afirmar que, por existir um problema de
dupla empatia, os profissionais de saúde são geralmente incapazes de
compreender seus pacientes com dificuldades sociais. Mas não há nenhuma
evidência confiável para isso.
Olhando
para o futuro, há necessidade de mais pesquisas neurocientíficas sobre
interação social. Esperamos que as tecnologias de neuroimagem, como o
"hyperscanning" — a medição simultânea da atividade cerebral de
vários indivíduos —, ajudem a esclarecer como os cérebros de diferentes pessoas
interagem entre si. Por exemplo, esta técnica pode ser usada para testar como a
semelhança entre as pessoas que estão interagindo pode influenciar sua
atividade cerebral.
Para
fazer avanços nesta área, esta técnica poderia ser usada com a inteligência
artificial.
Explorar
se as máquinas podem realmente ter empatia pelos seres humanos, verificando se
interpretam com precisão as nossas ondas cerebrais, será de grande interesse.
• Os
benefícios da diversidade
Acredita-se
que as pessoas que vivem em lugares com maior diversidade social, como as
grandes cidades, tendem a ser mais tolerantes com aquelas que são diferentes
delas, do que as pessoas que vivem em lugares socialmente homogêneos.
Em
última análise, elas veem a si mesmas e aos outros como pertencentes à mesma
comunidade local, apesar das diferenças étnicas e culturais, e parecem ser
melhores em considerar a perspectiva dos outros.
Isso
sugere que passar um tempo com pessoas que são diferentes de nós pode talvez
aumentar a nossa empatia — algo que a teoria da dupla empatia não prevê.
Em
última instância, a empatia não se resume apenas à nossa capacidade de
compreender alguém por meio da sua semelhança.
Passar
um tempo com pessoas de outras origens sociais e culturais pode nos fazer dar
menos ênfase às diferenças — e descobrir pontos em comum em outras áreas.
A
experiência humana é vasta e complexa. Só porque duas pessoas vêm de culturas
diferentes ou têm estilos de comunicação diferentes, não significa que não
possam ser muito parecidas em outros aspectos.
Talvez
seus valores sejam os mesmos ou tenham interesses em comum. Esta percepção pode
ter o potencial de remover algumas barreiras que, de outra maneira, poderiam
dificultar a compreensão e a empatia com os outros.
E,
às vezes, pessoas de origens semelhantes têm dificuldade de se entender, mas
podem ter uma grande empatia por pessoas que são completamente diferentes delas
(por exemplo, refugiados que fogem de países devastados pela guerra). Por que?
A teoria da dupla empatia pode não ser a melhor forma de avançar, mas pode
servir como um trampolim para pesquisas futuras responderem a esta e outras
questões.
Nós
podemos realmente explorar a ciência social da empatia para compreender estas
questões sociais incrivelmente complexas.
No
final das contas, isso pode reduzir os conflitos sociais e melhorar a coesão
social — mas precisamos colocar a pesquisa no caminho certo para alcançar este
potencial.
Fonte:
Por Luca Hargitai, Lucy Anne Livingston e Punit Shah, para The Conversation
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