Jair de
Souza: São os pobres e a classe média os que pagam a conta
Lula
deu uma entrevista na qual abordou a questão da injustiça tributária que
caracteriza nosso país. De fato, chega a ser indecente a maneira como nosso
sistema tributário privilegia aos mais abastados e penaliza aos mais carentes.
Mas,
se o número de super-ricos no Brasil é tão diminuto, como é possível que não
haja uma rebelião violenta e incontrolável de parte das amplas maiorias dos
prejudicados com vistas a pôr fim a tamanha aberração?
Ocorre
que, em razão de seu imenso poderio econômico, as classes pudentes destinam uma
pequena fração de sua fortuna para cooptar elementos estratégicos dos grupos
sociais subordinados para, através deles, ganhar, ou neutralizar, a consciência
das maiorias.
Como
se sabe desde tempos imemoriais, nenhum grupo social minoritário, por mais
recursos econômicos que detenha, pode se manter no poder por longos períodos
sem que consiga obter a adesão para seu campo de interesses de uma parcela
numericamente expressiva de integrantes das camadas sociais que lhes estejam
submetidas.
Por
isso, as classes dominantes sempre investem vultosas somas (vultosas para o
imaginário dos não ricos, não para o deles, logicamente) para alinhar em suas
fileiras representantes destacados da intelectualidade de classe média. São
esses intelectuais que, no caso relacionado com a arrecadação de impostos, vão
se empenhar em fazer prevalecer o entendimento de que nossos graves problemas
de subdesenvolvimento e pobreza se devem, essencialmente, a uma indevida
interferência estatal, que estaria impondo taxação abusiva e nociva às classes
empresariais. Portanto, segundo o que essa visão trata de difundir,
nossos males se originam de uma excessiva e indevida cobrança de
impostos, e não por sua falta. Ou seja, para angariar a condescendência e
simpatia política do conjunto da sociedade, eles buscam induzir a classe média
e os pobres a acreditar que a cobrança de impostos é, em si, algo ruim para
toda a população.
No
entanto, convenhamos, essa intelectualidade que trabalha para as classes
dominantes não precisaria ser dotada de excepcional capacidade argumentativa
para induzir aos mais carentes a odiarem a cobrança de impostos. Para eliminar
quaisquer dúvidas quanto a isto, sugiro a todos que façam este teste prático na
primeira oportunidade que lhes ocorra: ao percorrer alguma região do centro de
nossas cidades onde haja alta concentração de moradores de rua, pergunte ao
maior número possível deles se eles gostariam de pagar mais impostos. Confesso
que vou me dar por totalmente surpreso, se alguém conseguir obter ao menos uma
resposta positiva a esta indagação.
Porém,
o que é sim digno de admiração é a maestria e habilidade dos intelectuais a
serviço dos poderosos em desviar o foco de atenção da forma como está
estruturada a arrecadação de impostos no Brasil. Eles sabem reforçar a
compreensão de que pagamos muito em termos de impostos, mas procuram impedir ao
máximo a compreensão sobre quem de nós realmente paga a conta. É isto o que
vamos tentar deixar mais evidente no restante de nossa exposição.
Todos
os serviços públicos disponíveis em qualquer sociedade da atualidade dependem
da arrecadação de impostos para funcionar. Como garantir que haja escolas
públicas de boa qualidade, uma assistência médica eficiente, um transporte
público que permita nossa adequada locomoção e um sistema de segurança que
realmente nos proteja? É evidente que nada disto poderia existir sem que
houvesse recursos para bancá-lo. Em outras palavras, para atender a esses
requerimentos sociais é preciso contar com os devidos recursos. A questão que
se coloca é: de onde vamos extraí-los?
De
todos esses serviços públicos, as classes ricas parecem só ter grande interesse
na força de repressão policial e no sistema judiciário, pois são esses os que
lhes servem melhor para conter a revolta popular e os protestos dos
trabalhadores e dos pobres em geral. Como eles dispõem de vastos recursos
pessoais, defendem que os serviços de educação e assistência médica, por
exemplo, fiquem por conta de quem os vai receber. Eles podem e preferem enviar
seus filhos a escolas particulares, assim como recorrer a clínicas e hospitais
privados para o cuidado de sua saúde. O que eles não gostam e não aceitam é que
parte de suas rendas sejam usadas para garantir isso aos outros.
Nos
países desenvolvidos da Europa, nos Estados Unidos e no Japão, por exemplo, a
carga tributária direta é muito mais rigorosa, e vai se elevando conforme o
nível de rendimentos, chegando a ultrapassar os 50%. Já no Brasil, a alíquota
máxima não vai além dos 27,5%. Em consequência, um assalariado de classe média
que receba R$ 15.000,00 ao mês vai arcar com o mesmo percentual de 27,5 que um
super-executivo que aufira R$ 500.000,00.
Contudo,
uma análise um pouco mais cuidadosa vai nos revelar um fato que os mais
abastados desejam manter oculto: a cobrança de impostos por aqui não é feita
prioritariamente em função dos rendimentos alcançados e sim pelo consumo
efetuado. Em vista disto, são os pobres e a classe média os que arcam com quase
toda a carga impositiva em vigor no Brasil. Nosso país é um dos únicos do mundo
onde os rendimentos obtidos como dividendos não sofrem taxação alguma e os
outros lucros têm taxação insignificante. Em outras palavras, aquilo que se
poderia classificar como ganhos de cunho nitidamente parasitário fica imune à
tributação. A base de nossa estrutura impositiva está centrada no consumo.
Portanto, a participação dos mais ricos na mesma é percentualmente irrisória,
quase nula. Para que não persista nenhuma dúvida a este respeito, vamos
destrinchar um exemplo sobre as bases em que está estruturada a tributação por
aqui.
Vamos
desenvolver nossa exposição a partir de um Brasil hipotético que conta com 100
milhões de contribuintes com o fisco. Deste total, 80 milhões são compostos por
trabalhadores e gente de classe média assalariada que ganham a cada mês, em
média, R$ 2.500,00. Os outros 20 milhões são ricos, que auferem uma média
mensal de R$ 50.000,00. Em nossa suposição, vamos considerar que todo o
rendimento obtido pelos assalariados será gasto em bens de consumo. Por sua
vez, os ricos vão dedicar ao consumo um montante quatro vezes superior ao
consumo dos assalariados, ou seja, uma média mensal de R$ 10.000,00.
Adicionalmente,
vamos considerar que os bens de consumo são taxados em média em 25% de seu
valor de venda. A partir destes dados iniciais, chegaremos aos seguintes
números:
a)
Renda total dos contribuintes: R$ 1.200.000.000.000,00 (sendo R$
200.000.000.000,00 – assalariados – e R$ 1.000.000.000.000,00 – ricos);
b)
Gastos de consumo por assalariado: R$ 200.000.000.000,00 (80.000.000 x 2.500);
c)
Impostos pagos pelos assalariados: R$ 50.000.000.000,00 (25% de seu total dos
rendimentos);
d)
Gastos de consumo dos ricos: R$ 200.000.000.000,00 (20.000.000 x R$ 10.000,00)
e)
Impostos pagos pelos ricos: R$ 50.000.000.000,00 (5% de seu total de
rendimentos)
f)
Arrecadação total de impostos: R$ 100.000.000.000,00 (c + e);
g)
Incidência percentual da carga impositiva sobre os assalariados: 50%;
h)
Incidência percentual da carga impositiva sobre os ricos: 50%
i)
Percentual dos rendimentos dos assalariados na renda total: 16,66% (R$
200.000.000.000,00 de R$ 1.200.000.000.000,00);
j)
Percentual dos rendimentos dos ricos na renda total: 83,34% (R$
100.000.000.000.000,00 de R$ 1.200.000.000.000,00)
Constatamos,
portanto, que apesar de representarem 80% da população, os assalariados ficam
com tão somente 16,66% da renda total. Os ricos, por sua vez, embora se limitem
a 20% da população, abocanham 83,34% dos rendimentos. No entanto, como a
tributação se dá principalmente pela via da taxação dos bens de consumo, os
assalariados acabam assumindo a metade da carga total, numa incidência
individual de 25%, enquanto que os mais ricos permanecem na faixa de 5%.
Pôr
fim a tão evidente injustiça não é uma tarefa fácil, pois, como já explicamos,
os exploradores que se beneficiam desta aberração preferem investir alguns
trocados para fazer que os escribas a seu serviço se dediquem a aterrorizar os
mais incautos sobre o que significaria uma mudança nas atuais regras
impositivas. O que os ricos neoliberais almejam é continuar sugando o sangue
dos mais carentes.
Ø Florestan Fernandes Jr: Dinheiro acima de tudo, renúncia fiscal
acima de todos
“Daí
a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” Essa passagem bíblica
deveria ter sido lembrada hoje (19/01) por Fernando Haddad, no encontro com
líderes evangélicos que foram exigir que a Receita Federal recuasse da
suspensão da isenção do imposto de renda sobre a remuneração de pastores e
líderes religiosos, concedida pelo governo Bolsonaro, às vésperas das eleições
de 2022.
Para
pressionar o governo, os “mercadores da fé” contam com os milhões de votos de
seus fiéis e com o peso dos votos dos 216 deputados e 26 senadores que compõem
a frente parlamentar evangélica.
Exigência
parecida está sendo feita pelos 17 setores agraciados com a desoneração da
folha de pagamento. Uma política de desconto de impostos que já dura 14 anos e
que tinha como contrapartida a geração e manutenção de empregos pelos setores
beneficiados. O que, pelo que sabemos, não foi cumprido.
O
custo desta renúncia fiscal representa para os cofres do país algo em torno de
32 bilhões de reais. Esse é o “dízimo” que empresas agraciadas com a
desoneração, como as Organizações Globo, cobram do governo e do
parlamento.
O
curioso é que boa parte dos membros e líderes dessas denominações religiosas e
das empresas de comunicação, que tão energicamente advogam e cobram o controle
fiscal, o corte de gastos públicos, são extremamente maleáveis quando a
gastança atende aos interesses pessoais deles próprios. Contraditório, caro
leitor. O que me vem à mente é aquela máxima do oportunismo: “farinha pouca,
meu pirão primeiro!”
Quanto
a nós, contribuintes, reles mortais, não existe benesse. Entra ano, sai ano e
somos arrochados por todos os lados: IPVA, IPTU, IRPF, IRPJ, ICMS, IOF, IPI e
todos os “Is” (de imposto), possíveis e imagináveis. Não há refresco.
Os
três irmãos, filhos de Roberto Marinho, continuam sendo uma das famílias mais
ricas do país, com patrimônio estimado, segundo matéria publicada no UOL, de
5,4 bilhões de dólares ou 27,4 bilhões de reais.
Já
as fortunas dos principais líderes evangélicos do país, não ficam muito atrás
da dos Marinho. Numa pesquisa no Google, Edir Macedo aparece com uma fortuna
estimada em 1,2 bilhão de dólares, algo em torno de 6 bilhões de reais.
E
são esses os que mais se ressentem de qualquer medida que represente o mínimo
de justiça fiscal. São esses que, defendendo o seu – e somente o seu - despejam
sua ira e lançam mão de suas armas – uns, a mídia e produção de conteúdos, que
dominam; outros, a chantagem, seja com ameaça de retaliação no Parlamento, seja
na incitação do ódio dos fiéis contra o governo federal.
E
aqui, caro leitor, lembro que a Bíblia – regra de fé e prática dos que se dizem
cristãos – chama de idólatras todas as pessoas que fazem do dinheiro e da
riqueza o seu deus. Lembro ainda que Jesus, no sermão da montanha, disse que
ninguém pode servir a dois senhores, que não é possível servir a Deus e a Mamon
(termo usado na Bíblia para descrever dinheiro e riquezas materiais).
Ou
seja, para os cristãos, a relação com o dinheiro é algo muito sério e requer um
cuidado atencioso, pois pode perverter o coração do homem. O dinheiro pode se
tornar uma fonte de idolatria. Em 1 Timóteo, capítulo 6, versículos 9 a 10, o
recado é muito claro: “No entanto, os que ambicionam ficar ricos caem em
tentação, em armadilhas e em muitas vontades loucas e nocivas, que atolam
muitas pessoas na ruína e na completa desgraça. Porquanto, o amor ao dinheiro é
a raiz de todos os males; e por causa dessa cobiça, alguns se desviaram da fé e
se atormentaram em meio a muitos sofrimentos.”
Um
pouco antes, no capítulo 3 do mesmo livro de 1 Timóteo, a regra de como um
pastor deve ser: “É fundamental, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido
de uma só esposa, equilibrado, tenha domínio próprio, seja respeitável,
hospitaleiro, capacitado para ensinar; não deve ser apegado ao vinho, nem
violento, mas sim amável, pacífico e não amante do dinheiro.”
São
esses os textos que os líderes religiosos conhecem muito bem, mas parecem não
se lembrar.
A
reação irada dos líderes evangélicos que, como todos nós, passarão a pagar
impostos sobre suas remunerações, é bastante indicativa do que realmente
interessa a eles: o próprio bolso, engordado pelo dízimo e protegidos pelas
benesses fiscais, estas a custas de todos nós, crentes e descrentes.
Fonte:
Brasil 247
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