Aumento de morte de crianças por leucemia é
associada à expansão da soja no Brasil
Em meio à discussão no
Congresso de um projeto de lei para flexibilizar o acesso aos agrotóxicos no
país, amplamente defendido pela bancada ruralista, um estudo divulgado nesta
segunda-feira (30) associa o aumento de casos de leucemia infantil no Brasil à
expansão do cultivo da soja e ao grande uso de pesticidas nas plantações do
grão.
Eles encontraram pelo
menos 123 mortes adicionais de crianças com menos de 10 anos entre 2008 e 2019
relacionadas indiretamente ao uso de pesticidas no cultivo de soja no Cerrado e
na Amazônia.
O trabalho fez uma
análise populacional, considerando 15 anos de dados de saúde, cruzando
informações de câncer infantil com o avanço da soja pelos dois biomas.
O grupo de pesquisadores
norte-americanos, liderados por Marin Skidmore, da Universidade de Illinois,
aponta no artigo que a área de soja no Cerrado triplicou de 5 milhões de
hectares para 15 milhões de hectares entre 2000 e 2019. Na Amazônia, cresceu 20
vezes: de 0,25 milhão para 5 milhões de hectares. Já o uso de pesticidas nessas
duas regiões – que foram as analisadas no trabalho – cresceu entre 3 e 10 vezes
no mesmo período.
Este aumento, revelam, se
refletiu nos casos da doença. De acordo com os cálculos dos cientistas, a cada
10 pontos percentuais de aumento na produção de soja, houve 4 mortes adicionais
de crianças de menos de 5 anos e de 2,1 abaixo de 10 anos por 100 mil
habitantes.
“Os resultados sugerem
que cerca de metade das mortes pediátricas por leucemia no período podem ser
ligadas à intensificação agrícola da soja e à exposição aos pesticidas”,
afirmou Skidmore em comunicado à imprensa. O trabalho foi publicado na revista
Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
Os cientistas indicaram
também que o contato com os produtos químicos deve ter se dado via fornecimento
de água, em geral em localidades onde a produção de soja fica à montante na
bacia hidrográfica. Eles chegaram a essa conclusão ao procurar evidências de
aplicação de pesticidas rio acima. Os casos de leucemia estavam à jusante da
mesma bacia. “Isso indica que o escoamento de pesticidas para as águas
superficiais é um método provável de exposição”, explicou Skidmore.
Ou seja, as crianças que
desenvolveram leucemia não moravam necessariamente nas áreas onde se dá a
produção da soja – o que revela o amplo alcance dos pesticidas. Skidmore aponta
que a área rural da região avaliada no trabalho tinha, de acordo com dados de
2006, cerca de 50% das casas com poços ou cisternas, mas a outra metade
dependia do escoamento na superfície como fonte de água. “Se a água na
superfície está acostumada, os pesticidas usados rio acima podem alcançar as
crianças rio abaixo”, disse.
O artigo retrata o Brasil
como o país que se tornou, nos últimos anos, tanto o líder mundial na produção
de soja quanto de consumo de pesticidas perigosos. Segundo a análise,
aplicamos, por hectare, 2,3 vezes mais pesticidas que os Estados Unidos e 3
vezes mais que a China, que são o primeiro e o terceiro colocado em volume
total de agrotóxicos. O estudo relata ainda que o uso no cultivo de soja
cresceu após a aprovação, em 2004, de variantes transgênicas do grão.
Um fator capaz de
amenizar a mortalidade foi a presença de hospitais próximos às áreas de
contaminação. De acordo com a pesquisa, as mortes de crianças por leucemia
relacionadas com a expansão da soja se deram em regiões que ficavam a mais de
100 quilômetros de um centro de tratamento. A doença é tratável, mas depende de
um atendimento oncológico especializado, o que não é amplamente oferecido no
interior do Brasil, em especial na Amazônia, por exemplo.
“Nós certamente não
estamos advogando por uma interrupção total do uso dos pesticidas”, diz a
pesquisadora, reconhecendo que tiveram uma importância para a expansão da
produção de soja. “São tecnologias importantes e válidas, mas precisam ser
adotadas com segurança. [Os resultados] são um forte aviso de que o uso seguro
de pesticidas é o melhor tanto para a produtividade agrícola quanto para as
comunidades”, afirma.
O recado final do artigo
é mais duro: “Este trabalho sublinha a importância de considerar as implicações
à saúde humana da intensificação da agricultura”.
Durante o governo de Jair
Bolsonaro (PL), mais de 14 mil pessoas foram intoxicadas por agrotóxicos no
Brasil, segundo levantamento inédito feito pela Agência Pública e Repórter
Brasil, com dados de 2019 a março de 2022.
Nos últimos anos, vários
estudos vêm revelando a relação entre o uso intenso de agrotóxicos com diversos
problemas de saúde e ao ambiente. A presença de substâncias cancerígenas nos
pesticidas é bem conhecida, mas a relação direta de causa e efeito com o câncer
é mais difícil de estabelecer.
Levantamento recente
feito pelo InfoAmazonia com a Fiocruz observou que mulheres, crianças e
adolescentes de municípios do Mato Grosso que têm pelo menos 5% da área ocupada
por soja têm risco entre 26% e 33% mais chances de desenvolver e morrer por
leucemia e linfoma.
Fonte: Por Giovana
Girardi, da Agencia Pública
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