Cacique Raoni:
"Não respiramos mais ar puro nesta terra"
Sem
conversar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde que subiu a
rampa do Planalto com o presidente eleito, em 1º de janeiro, o cacique caiapó
Raoni — uma das lideranças indígenas mais conhecidas em todo o mundo — passou a
semana em Brasília. Para marcar uma audiência com Lula, Raoni mobilizou a
Funai, assessores palacianos e parlamentares. Sem resposta da Presidência, ele
foi, ontem, ao Palácio do Planalto, mas não chegou ao gabinete presidencial.
Foi recebido na Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de
Políticas Públicas, comandada por Kelli Cristine de Oliveira Mafort.
Antes,
Raoni conversou com a reportagem do Correio sobre demarcação de terras,
violência contra lideranças, aquecimento global e proteção dos povos
originários. Na entrevista, Raoni falou na língua caiapó, traduzida pelo neto
Beptuk Metuktire.
• Como o senhor avalia os 10 meses do
governo Lula?
Tivemos
uma época muito difícil sob a liderança do presidente Bolsonaro, tivemos muitos
problemas, muitos desafios, e Lula começou (o governo) nos dando esse apoio,
esse discurso de nos ajudar, de demarcar e proteger as terras indígenas. Quando
eu penso em demarcações, eu penso na floresta. A floresta tem as suas folhas, e
as folhas deixam a sombra para todos nós, para que a terra não se aqueça muito
e para que possamos respirar. São esses pensamentos que eu venho
compartilhando.
• O senhor esteve na posse do presidente
e, até agora, após 10 meses, ainda não conseguiu ser recebido por Lula. Qual a
dificuldade para marcar esse encontro?
Quando
eu me encontrei com ele na posse conversamos sobre demarcações de terras
indígenas. Nós conversamos muito naquele dia sobre as questões indígenas e seus
territórios, para que estejam protegidos e preservados, sem invasores. Eu estou
em Brasília tentando conversar com Lula, aguardando algum horário ou dia para
estar com ele.
• Como o senhor vê a questão da demarcação
das terras? Esse é o principal desafio dos povos originários?
Dentro
da Câmara dos Deputados, algumas pessoas têm o pensamento contrário sobre
demarcações de terras, ou seja, esses deputados não gostam de nós, indígenas.
Quando nós pretendemos demarcar uma terra, eles sempre vêm (na direção). Eles
estão muito contrários ao que nós pensamos, porque é um desafio também. Mas
nós, povos indígenas, como todos aqui no Brasil, pensamos em estar firmes.
Quando eles querem que a terra não seja demarcada, nós vamos até o fim para
garantir nossas terras. Hoje, em volta dos territórios indígenas, não tem mais
floresta, não existe mais natureza. Quando não existe mais natureza isso afeta
os territórios. Nós, como povos indígenas vamos lutar pelos nossos territórios.
Nós estamos lutando em defesa da vida.
• Qual a sua avaliação a respeito do veto
parcial da tese do Marco Temporal pelo presidente Lula?
Quando
o Lula assinou para derrubar o marco temporal todos nós ficamos felizes por ele
ter cumprido esse compromisso conosco. A decisão dele tem que continuar para
que o marco temporal não volte.
• Como o senhor vê a presença de garimpeiros,
madeireiros e grileiros nas terras indígenas?
Isso
não é bom, eu não gosto, eu não aceito. Nunca vou aceitar isso, pois, os
próprios garimpeiros entram no território para destruir. Os madeireiros entram
no território para destruir. Todos esses invasores precisam se retirar e fazer
as atividades deles em outros locais que não sejam os territórios indígenas. Eu
venho falando para todos que essas atividades ilegais precisam parar porque
haverá consequências.
• O que o governo tem feito de positivo e
negativo em relação aos serviços que os povos indígenas necessitam nas suas
comunidades?
Muito
tempo atrás, nós tivemos vários profissionais que cuidavam muito bem dos
pacientes, cuidavam de nós. Hoje, eu não vejo mais isso. Pessoas que vão para
nossas aldeias não dão atenção para o paciente se tratar com qualidade, e até
onde eu vejo, as gestantes também estão passando por uma situação muito
difícil. Os doutores vão lá e querem fazer um parto cesáreo, e acabam fazendo
errado. Por isso, eu conversei com a ministra da Saúde (Nísia Trindade) sobre
essas questões e pedi a ela para solucionar esses problemas.
• Como deveria ser esse atendimento?
Hoje,
nós temos indígenas trabalhando na Funai, na saúde, e isso está acontecendo na
minha base. Até mesmo no Instituto Raoni há um indígena. Mas o governo mudou
essa visão de que os próprios indígenas têm que trabalhar nas nossas próprias
coisas. Quando me encontrei com a ministra da Saúde, reforcei esse pedido
apoio. E ela, rapidamente, conversou com o nosso pessoal da base do distrito
(indígena) para poder ajudar. Ela mandou recursos para ajudar os nossos
parentes. São essas ajudas que o governo já está dando.
• O líder Tymbektodem Arara, da Terra
Indígena Cachoeira Seca, no Pará, foi encontrado morto 16 dias após denunciar
invasões de terras na ONU. Há muitos líderes vivendo sob ameaças?
Sobre
ameaças contra lideranças, sobre as mortes das lideranças que estão
acontecendo, quero pedir ao Lula que se comprometa em proteger as lideranças.
Os brancos vem fazendo atividade ilícita e matam as lideranças quando fazem a
exploração de garimpo. E eles continuam matando as lideranças.
• Qual a sua avaliação do trabalho da
ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, e da presidente da Funai,
Joenia Wapichana. É a primeira vez que mulheres indígenas ocupam esses espaços.
Venho
acompanhando o trabalho delas sobre demarcação de terras. E venho recebendo
informações de que elas estão trabalhando em prol das nossas comunidades.
• O que significa para as comunidades
indígenas se verem representadas por mulheres indígenas em dois cargos de
comando?
Desde
a campanha do Lula, eu vinha falando para ele que os próprios indígenas
deveriam ocupar os espaços na Funai e em outros órgãos. Foi aí que elas
entraram e começaram a trabalhar ajudando a comunidade, e eu vejo elas
trabalhando bem. Eu fico refletindo que nós mesmos estamos ocupando espaços e
fico feliz por elas.
• Em uma entrevista, o senhor disse que,
se nós continuarmos no ritmo que estamos de destruição da natureza, corremos o
risco de desaparecer. Como o senhor vê as mudanças climáticas? Há tempo para
salvar o planeta?
Por
muito tempo, por muitos anos, eu me encontro com nossos criadores lá de cima, e
eles vinham me alertando sobre o nosso planeta. (Me disseram que,) se a gente
continuar destruindo o planeta, não vamos mais resistir nessa terra. Os nossos
próprios criadores se preocupam conosco. Não são eles que vão nos matar, somos
nós mesmos. Eu ainda converso com eles, que me alertam sobre as mudanças
climáticas. Hoje, vocês estão vendo a seca, a falta de chuvas. Nós não estamos
mais respirando um ar puro nessa terra, o mundo está mudando. Eu vou continuar
alertando todos nós, nosso dever é cuidar da natureza. Se cuidarmos da
natureza, vamos existir por muito tempo, mas, se a destruição continuar, todos
nós vamos desaparecer. É nosso dever lutar por uma vida digna para sobreviver.
• O que o senhor vê como proposta de
esperança neste governo que ainda pode se concretizar?
Eu
e o Lula já estamos numa idade muito avançada, estamos ficando muito velhos.
Quando eu encontrei com ele, eu refleti e falei que ele terá que continuar nos
ajudando, terá que ajudar todos os povos nesse Brasil de forma igual. E
continuar ajudando até que ele possa se aposentar e indicar uma pessoa que ele
confie e preserve esse legado dele. Nós, como povos indígenas, estamos muito
bem depois de tudo que aconteceu no passado, muitos problemas, muitas
dificuldades e sofrimento. Hoje, não temos mais isso. Por isso, o governo tem
que continuar nesse caminho. Hoje estamos tranquilos, amanhã não sabemos. Se
Lula sair, que alguém continue o legado dele.
MPF aperta o cerco contra frigoríficos
que contribuem com desmatamento na Amazônia
O
gado abatido em frigoríficos na região amazônica está sendo monitorado pelo
Ministério Público Federal (MPF).
O
objetivo é evitar o comércio de carne de animais criados em áreas desmatadas.
Até pouco tempo, apenas os bovinos do Pará eram monitorados. Agora, entraram na
lista todos os estados do bioma Amazônia.
A
iniciativa é parte de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre
empresas e o MPF, em 2018. Pelo acordo, todos os signatários precisam contratar
auditoria para acompanhar o rastreamento dos bovinos abatidos.
No
caso das empresas que não firmaram o TAC e não contrataram auditoria própria
para avaliar suas compras, as análises são feitas de forma automática pelo MPF
com base nos dados disponíveis de Guia de Trânsito Animal e Cadastro Ambiental
Rural (CAR).
As
informações permitem ao público nacional e internacional saber quais são as
empresas em toda a Amazônia brasileira que indicaram estar abertas à análise de
suas compras de matéria-prima, para garantir o respeito à legislação
socioambiental.
“As
empresas que não se adequam e não fazem auditorias estão prejudicando a
Amazônia. São empresas que estimulam uma série de irregularidades e de crimes,
e o combate a esse tipo de atuação é o alvo principal de novas ações que o MPF
vai ajuizar”, explica o procurador da República Ricardo Negrini.
• Resultados
No
Pará, onde outros quatro ciclos de auditorias já haviam sido realizados, a
aferição deste ano abrangeu 78% do número de animais comercializados no estado.
O que representa 11 pontos percentuais a mais que no ciclo de auditorias
anterior.
No
total, o número de animais comercializados no Pará por empresas auditadas
chegou a 2,7 milhões de unidades no ciclo de auditorias realizadas e divulgadas
em 2023.
No
estado, o grau de inconformidade caiu de 10,40% do total de animais auditados
no primeiro ciclo de auditorias, cujos resultados foram divulgados em 2018,
para 4,81%, no ciclo divulgado agora.
O
objetivo do MPF e instituições parceiras é que os números no Pará continuem em
queda e que o comportamento também se repita nos demais estados da Amazônia.
Em
Mato Grosso, dos três frigoríficos analisados, ambos com várias unidades no
estado, dois tiveram 100% de conformidade e um deles de 98%.
Em
Rondônia, uma empresa também apresentou 100% de respeito às normais
socioambientais envolvendo os animais abatidos. E outra 88%.
No
Acre, três frigoríficos foram auditados, com percentual de conformidade
variando de 90% a 97%.
Já
no Amazonas, das dez empresas que passaram por auditoria, duas apresentaram
100% de conformidade. As demais variaram de 86% a 99%.
Como
próximas etapas, o MPF anunciou que dará continuidade aos trabalhos para a
execução dos TACs das empresas signatárias não colaboradoras e para o
ajuizamento de ações contra empresas que não assinaram TAC.
Também
estão previstos o envio de recomendações aos varejistas e instituições
financeiras e a realização de trabalho conjunto com o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para fiscalização
prioritária das empresas sem auditoria.
Fonte:
Correio Braziliense/CNN Brasil
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