quarta-feira, 8 de novembro de 2023

JUÍZES MILITARES MANOBRAM PARA APROVAR MAIS DE R$ 11 MILHÕES EM BÔNUS PARA SI MESMOS

JUÍZES E MINISTROS de tribunais militares estão se organizando para abocanhar uma bolada extra de cerca de R$ 276 mil e R$ 92 mil, respectivamente. No final de agosto, a Associação dos Juízes Federais da Justiça Militar pediu o pagamento de um bônus retroativo, com adicional de 13º, por acúmulo de função – ou de jurisdição, no jargão jurídico. Só tem um porém: eles não enfrentam excesso de trabalho, nem ocupam temporariamente o cargo de colegas, como em outros tribunais. O pedido foi julgado pelo próprio Superior Tribunal Militar e, sem surpresa, aprovado por unanimidade. Falta apenas o aval do Conselho Nacional de Justiça.

Esse é o mesmo benefício recebido por juízes ou promotores quando assumem processos de outras varas, em cidades onde faltam profissionais, até que novos servidores sejam contratados. Ou quando ministros do Supremo Tribunal Federal acumulam funções em outros tribunais, como no Tribunal Superior Eleitoral. Só que o caso dos juízes federais militares é diferente – não há sobrecarga de trabalho. Enquanto o Supremo Tribunal Federal emite cerca de 8 mil decisões por mês, a corte militar julga 1,2 mil processos por ano, segundo dados do Conjur.

Tampouco há casos em que os juízes militares precisam pegar processos de outras varas (que, nesses casos, são chamadas de Auditorias das Circunscrições Judiciárias Militares) ainda desocupadas. E disso tudo os magistrados sabem bem – até por isso reivindicam o bônus por outro motivo: as alterações promovidas pela Lei 13.774, de dezembro de 2018.

Naquele ano, o governo federal aprovou mudanças na estrutura da Justiça Militar. Até então, oficiais e civis que cometiam crimes militares eram julgados, na primeira instância, pelos Conselhos de Justiça. Cada conselho era composto por um juiz federal de carreira e outros quatro juízes militares, sendo um deles o presidente da sessão.

Com a nova lei, todos os julgamentos passaram a ser presididos pelo juiz federal – e não mais pelos militares. Já no caso de crimes cometidos por civis, a decisão passou apenas para as mãos do juiz federal, excluindo a participação dos oficiais no julgamento. Seja na organização antiga ou na atual, os juízes já participavam desses mesmos casos.

Já os juízes militares herdaram funções que antes cabiam aos ministros do Superior Tribunal Militar. Desde o fim de 2018, cabe apenas a eles avaliarem pedidos de habeas corpus, habeas data e mandados de segurança, da área criminal, contra autoridades militares.

“Em alguma medida, esse juiz teve de fato um acréscimo de trabalho. Mas o fato de isso ser objeto de uma gratificação é um ponto crítico. É uma gratificação para exercer a sua atividade jurisdicional, independentemente da quantidade de trabalho. Trata-se da função princípio desse tipo de juízo”, criticou o advogado Gabriel Sampaio, diretor do Conectas Direitos Humanos.

“A gratificação é imprópria e inconveniente. Magistrados já têm salários que estão entre os mais elevados pagos pelo estado brasileiro. Remunerar adicionalmente por exercício de sua atividade típica (judiciar) não me parece adequado”, completou.

Um levantamento feito pelo Intercept, considerando os 37 juízes e 15 ministros ativos em setembro de 2022, e os bônus mensais solicitados pela associação, no período de 43 meses, com adicionais de 13º, aponta que o governo deve  desembolsar mais de R$ 11 milhões para pagar os servidores ainda na ativa desde 2018 – e o número pode ser ainda maior se considerarmos os servidores aposentados entre 2019 e 2022. Serão cerca de R$ 10 milhões para os 37 juízes e outros R$ 1,3 milhão para ministros.

•        Juízes militares receberam bônus de R$ 6 mil no ano passado

Adequado ou não, os juízes e ministros do Judiciário militar já recebem a gratificação desde setembro de 2022. Com o bônus, eles viram seus ganhos saltarem, respectivamente, de R$ 33 mil e R$ 37 mil para R$ 39 mil – o mesmo valor recebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. No ano seguinte, em abril de 2023, quando o subsídio do STF subiu para R$ 44 mil, os juízes e ministros do STM ganharam o mesmo aumento.

Para conquistar a gratificação, o STM redigiu e aprovou a Resolução 307. Eles consideraram a lei que definiu os órgãos jurisdicionais: o Plenário do Superior Tribunal Militar, ministro do Superior Tribunal Militar, Corregedoria, juiz-corregedor auxiliar, Conselhos de Justiça, juízes federais e juízes federais substitutos da Justiça Militar. E classificaram como acumulação de juízo o “exercício efetivo da competência originária ou recursal, pelos Ministros do Superior Tribunal Militar; ou o exercício simultâneo, em primeiro grau, da jurisdição em mais de um juízo ou órgão jurisdicional da Justiça Militar da União”.

De acordo com a interpretação dos próprios beneficiados, com as alterações de 2018, juízes e ministros das varas militares passaram a atender aos requisitos para levar o benefício. Os juízes porque ganharam mais poder de decisão monocrática (ou seja, sozinhos, dentro do “órgão” juízes federais), em relação aos civis, e, simultaneamente, nos conselhos, em casos de julgamento de militares. Logo, trabalham em duas jurisdições – mesmo antes das alterações, como qualquer outro juiz, eles já tomavam decisões sem a necessidade de formar um conselho.

Já os ministros justificaram o bônus por supostamente avaliarem processos que nasceram no tribunal e outros que chegaram ali por meio de recurso. Em outros tribunais, pedidos para recorrer a decisões tomadas pelos juízes anteriores, por exemplo, migram para outras instâncias – como o Superior Tribunal de Justiça ou o STF –, e não correm em sua vara original. Com militares nem sempre é assim. Oficiais generais são processados diretamente no STM e, caso entrem com um pedido de habeas corpus, por exemplo, os mesmos ministros avaliarão o requerimento. Ainda que antes funcionasse dessa mesma forma, agora os ministros alegam que, por julgarem também os recursos, merecem os benefícios.

A Associação dos Juízes Federais da Justiça Militar alega que a lei referente às bonificações militares, de 2015, usou apenas como “exemplo” o fato de o servidor merecer gratificação se trabalhar em mais de um órgão jurisdicional. “[A lei] o fez de forma exemplificativa, sem limitar os órgãos jurisdicionais legalmente existentes dessa justiça, razão pela qual a acumulação de juízo não se limitaria aos casos de atuação simultânea nas Auditorias das Circunscrições Judiciárias Militares”, diz o documento.

A associação ainda defende que a lei está ultrapassada, após as alterações no Judiciário militar, em 2018. E se apoia na resolução redigida e aprovada pelo próprio Superior Tribunal Militar, em maio de 2022, que autorizou o recebimento do benefício.

Entramos em contato com o Conselho Nacional de Justiça, mas não obtivemos resposta até o fechamento desta reportagem.

 

       Arbítrio judicial! Mãe de um jovem assassinado foi presa ao tentar depor

 

Um caso recente que viralizou nas redes sociais explica, de maneira clara, o descrédito atual da população com o Poder Judiciário. Ambos os casos retratam, de maneira fria e crua, como uma instituição que deveria entregar justiça aos cidadãos tem, em vez disso, aplicado a lógica do autoritarismo e do arbítrio que é característica dos donos do poder, ao esmagar e subjugar os fracos e os pequenos enquanto blinda, protege e premia com a impunidade os ricos, poderosos e criminosos.

O primeiro caso é o vídeo de uma mãe que, durante uma audiência de instrução sobre o assassinato de seu filho, recebe voz de prisão do juiz.

Tudo começou quando a promotora do caso perguntou à cabeleireira Sylvia Mirian Tolentino de Oliveira, a mãe da vítima, se ela estava confortável em prestar depoimento na frente do réu. O homem acusado de matar o filho de Sylvia estava a poucos metros dela e aquela era a primeira audiência 7 anos depois do crime.

A escalada do arbítrio judicial “em nome da democracia” corrói a fé na própria democracia e tende a produzir exatamente o que o STF afirma que pretende evitar: governantes autoritários.

Em resposta, a mãe da vítima demonstrou coragem e afirmou que não tinha problema. “Por mim ele pode ficar aí, pra mim ele não é ninguém”, responde Sylvia.

Imediatamente, o advogado do réu começou a exigir que Sylvia tivesse “respeito” pelo réu. A promotora avisou o juiz: “Excelência, é uma vítima enlutada”. Mas o juiz, do alto de seu altar, deu razão ao advogado do réu e pediu a Sylvia respeito, que mantivesse a serenidade e tivesse inteligência emocional.

O juiz, autointitulado professor de inteligência emocional, mas não se sabe bem onde a (des)aprendeu, continuou a repreender a mãe, e a promotora protestou: “Não, não, Excelência, eu gostaria que a vítima pudesse se manifestar. A vítima e seus familiares têm direito à informação, ela tem direito a ser ouvida, ela tem direito a ser acolhida pela Justiça, é só isso. Deixa ela falar, eu só gostaria que ela falasse o que aconteceu”.

Seguiu-se uma confusão, com o juiz aparentemente repreendendo ainda mais a mãe com um tom exaltado de voz, em mais uma bela lição de sua suposta inteligência emocional, a mesma que exigiu da mãe enlutada (!), enquanto a promotora continuou a protestar.

Sylvia então se levantou, jogou fora um plástico que segurava e disse ao réu: “Da Justiça dos homens você escapou, mas da Justiça de Deus não escapa”.

E foi nesse momento que o juiz deu voz de prisão à Sylvia. Isso mesmo, você leu corretamente. Deu voz de prisão. Para a vítima. Não para o réu, que seguia sem punição 7 anos depois do crime. Ao comentar o caso mais tarde, Sylvia explicou como se sentiu:

“Me senti muito humilhada e caluniada. Eu estava ali só pela justiça do meu filho. Você chega na frente de um juiz, de uma autoridade que é estudada para isso, para poder te defender, mas você é julgada por uma coisa que não fez. Você recebe voz de prisão”.

Segundo Sylvia, ela jamais imaginou que poderia sair presa da audiência de instrução do homicida de seu filho – pelo contrário, ela achava que, na frente do juiz, seria ouvida, acolhida e defendida.

Sylvia acreditava que o Poder Judiciário seria um local seguro para ela se expressar e onde poderia falar sem ser interrompida.

“Eu espero que a justiça seja feita, porque não teve justiça de lado nenhum. Eu espero também que o doutor juiz, que ele reconheça que ele errou. Ele errou comigo. Eu não deveria ser presa, isso me dói muito porque eu fiquei com muita vergonha. Eu fiquei com vergonha. Eu fiquei triste. Eu fiquei magoada. Porque era pra ele me defender. Eu estava ali na esperança de que ele me defendesse. E ele não me defendeu. Ele não me defendeu”, concluiu Sylvia, com a voz embargada e lágrimas escorrendo pvvelo rosto.

A história já é demais revoltante, mas piora e beira o inacreditável. Ao invés de reconhecer o erro, o juiz disse que irá representar Sylvia por crime contra a honra.

Quer dizer, a mãe enlutada não deixou apenas de receber justiça pela morte do filho. Em cima da injustiça praticada contra sua família por um criminoso, ainda vieram uma segunda e uma terceira injustiças: a do Estado, pelas mãos do próprio juiz, primeiro com a prisão e depois com uma investigação e possível punição por crime contra a honra.

No Brasil, o mau exemplo sempre veio de cima: abusos, arbitrariedades, corrupção e ilegalidades. Se os ministros do STF podem, por que os demais juízes não?

 

Fonte: The Intercept/Gazeta do Povo

 

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