JUÍZES MILITARES
MANOBRAM PARA APROVAR MAIS DE R$ 11 MILHÕES EM BÔNUS PARA SI MESMOS
JUÍZES
E MINISTROS de tribunais militares estão se organizando para abocanhar uma
bolada extra de cerca de R$ 276 mil e R$ 92 mil, respectivamente. No final de
agosto, a Associação dos Juízes Federais da Justiça Militar pediu o pagamento
de um bônus retroativo, com adicional de 13º, por acúmulo de função – ou de
jurisdição, no jargão jurídico. Só tem um porém: eles não enfrentam excesso de
trabalho, nem ocupam temporariamente o cargo de colegas, como em outros
tribunais. O pedido foi julgado pelo próprio Superior Tribunal Militar e, sem
surpresa, aprovado por unanimidade. Falta apenas o aval do Conselho Nacional de
Justiça.
Esse
é o mesmo benefício recebido por juízes ou promotores quando assumem processos
de outras varas, em cidades onde faltam profissionais, até que novos servidores
sejam contratados. Ou quando ministros do Supremo Tribunal Federal acumulam
funções em outros tribunais, como no Tribunal Superior Eleitoral. Só que o caso
dos juízes federais militares é diferente – não há sobrecarga de trabalho.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal emite cerca de 8 mil decisões por mês, a
corte militar julga 1,2 mil processos por ano, segundo dados do Conjur.
Tampouco
há casos em que os juízes militares precisam pegar processos de outras varas
(que, nesses casos, são chamadas de Auditorias das Circunscrições Judiciárias
Militares) ainda desocupadas. E disso tudo os magistrados sabem bem – até por
isso reivindicam o bônus por outro motivo: as alterações promovidas pela Lei
13.774, de dezembro de 2018.
Naquele
ano, o governo federal aprovou mudanças na estrutura da Justiça Militar. Até
então, oficiais e civis que cometiam crimes militares eram julgados, na
primeira instância, pelos Conselhos de Justiça. Cada conselho era composto por
um juiz federal de carreira e outros quatro juízes militares, sendo um deles o
presidente da sessão.
Com
a nova lei, todos os julgamentos passaram a ser presididos pelo juiz federal –
e não mais pelos militares. Já no caso de crimes cometidos por civis, a decisão
passou apenas para as mãos do juiz federal, excluindo a participação dos
oficiais no julgamento. Seja na organização antiga ou na atual, os juízes já
participavam desses mesmos casos.
Já
os juízes militares herdaram funções que antes cabiam aos ministros do Superior
Tribunal Militar. Desde o fim de 2018, cabe apenas a eles avaliarem pedidos de
habeas corpus, habeas data e mandados de segurança, da área criminal, contra
autoridades militares.
“Em
alguma medida, esse juiz teve de fato um acréscimo de trabalho. Mas o fato de
isso ser objeto de uma gratificação é um ponto crítico. É uma gratificação para
exercer a sua atividade jurisdicional, independentemente da quantidade de
trabalho. Trata-se da função princípio desse tipo de juízo”, criticou o
advogado Gabriel Sampaio, diretor do Conectas Direitos Humanos.
“A
gratificação é imprópria e inconveniente. Magistrados já têm salários que estão
entre os mais elevados pagos pelo estado brasileiro. Remunerar adicionalmente
por exercício de sua atividade típica (judiciar) não me parece adequado”,
completou.
Um
levantamento feito pelo Intercept, considerando os 37 juízes e 15 ministros
ativos em setembro de 2022, e os bônus mensais solicitados pela associação, no
período de 43 meses, com adicionais de 13º, aponta que o governo deve desembolsar mais de R$ 11 milhões para pagar
os servidores ainda na ativa desde 2018 – e o número pode ser ainda maior se
considerarmos os servidores aposentados entre 2019 e 2022. Serão cerca de R$ 10
milhões para os 37 juízes e outros R$ 1,3 milhão para ministros.
• Juízes militares receberam bônus de R$ 6
mil no ano passado
Adequado
ou não, os juízes e ministros do Judiciário militar já recebem a gratificação
desde setembro de 2022. Com o bônus, eles viram seus ganhos saltarem,
respectivamente, de R$ 33 mil e R$ 37 mil para R$ 39 mil – o mesmo valor
recebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. No ano seguinte, em abril
de 2023, quando o subsídio do STF subiu para R$ 44 mil, os juízes e ministros
do STM ganharam o mesmo aumento.
Para
conquistar a gratificação, o STM redigiu e aprovou a Resolução 307. Eles
consideraram a lei que definiu os órgãos jurisdicionais: o Plenário do Superior
Tribunal Militar, ministro do Superior Tribunal Militar, Corregedoria,
juiz-corregedor auxiliar, Conselhos de Justiça, juízes federais e juízes
federais substitutos da Justiça Militar. E classificaram como acumulação de
juízo o “exercício efetivo da competência originária ou recursal, pelos
Ministros do Superior Tribunal Militar; ou o exercício simultâneo, em primeiro
grau, da jurisdição em mais de um juízo ou órgão jurisdicional da Justiça
Militar da União”.
De
acordo com a interpretação dos próprios beneficiados, com as alterações de
2018, juízes e ministros das varas militares passaram a atender aos requisitos
para levar o benefício. Os juízes porque ganharam mais poder de decisão
monocrática (ou seja, sozinhos, dentro do “órgão” juízes federais), em relação
aos civis, e, simultaneamente, nos conselhos, em casos de julgamento de
militares. Logo, trabalham em duas jurisdições – mesmo antes das alterações,
como qualquer outro juiz, eles já tomavam decisões sem a necessidade de formar
um conselho.
Já
os ministros justificaram o bônus por supostamente avaliarem processos que
nasceram no tribunal e outros que chegaram ali por meio de recurso. Em outros
tribunais, pedidos para recorrer a decisões tomadas pelos juízes anteriores,
por exemplo, migram para outras instâncias – como o Superior Tribunal de
Justiça ou o STF –, e não correm em sua vara original. Com militares nem sempre
é assim. Oficiais generais são processados diretamente no STM e, caso entrem
com um pedido de habeas corpus, por exemplo, os mesmos ministros avaliarão o
requerimento. Ainda que antes funcionasse dessa mesma forma, agora os ministros
alegam que, por julgarem também os recursos, merecem os benefícios.
A
Associação dos Juízes Federais da Justiça Militar alega que a lei referente às
bonificações militares, de 2015, usou apenas como “exemplo” o fato de o
servidor merecer gratificação se trabalhar em mais de um órgão jurisdicional.
“[A lei] o fez de forma exemplificativa, sem limitar os órgãos jurisdicionais
legalmente existentes dessa justiça, razão pela qual a acumulação de juízo não
se limitaria aos casos de atuação simultânea nas Auditorias das Circunscrições
Judiciárias Militares”, diz o documento.
A
associação ainda defende que a lei está ultrapassada, após as alterações no
Judiciário militar, em 2018. E se apoia na resolução redigida e aprovada pelo
próprio Superior Tribunal Militar, em maio de 2022, que autorizou o recebimento
do benefício.
Entramos
em contato com o Conselho Nacional de Justiça, mas não obtivemos resposta até o
fechamento desta reportagem.
Arbítrio judicial! Mãe de um jovem
assassinado foi presa ao tentar depor
Um
caso recente que viralizou nas redes sociais explica, de maneira clara, o
descrédito atual da população com o Poder Judiciário. Ambos os casos retratam,
de maneira fria e crua, como uma instituição que deveria entregar justiça aos
cidadãos tem, em vez disso, aplicado a lógica do autoritarismo e do arbítrio
que é característica dos donos do poder, ao esmagar e subjugar os fracos e os
pequenos enquanto blinda, protege e premia com a impunidade os ricos, poderosos
e criminosos.
O
primeiro caso é o vídeo de uma mãe que, durante uma audiência de instrução
sobre o assassinato de seu filho, recebe voz de prisão do juiz.
Tudo
começou quando a promotora do caso perguntou à cabeleireira Sylvia Mirian
Tolentino de Oliveira, a mãe da vítima, se ela estava confortável em prestar
depoimento na frente do réu. O homem acusado de matar o filho de Sylvia estava
a poucos metros dela e aquela era a primeira audiência 7 anos depois do crime.
A
escalada do arbítrio judicial “em nome da democracia” corrói a fé na própria
democracia e tende a produzir exatamente o que o STF afirma que pretende
evitar: governantes autoritários.
Em
resposta, a mãe da vítima demonstrou coragem e afirmou que não tinha problema.
“Por mim ele pode ficar aí, pra mim ele não é ninguém”, responde Sylvia.
Imediatamente,
o advogado do réu começou a exigir que Sylvia tivesse “respeito” pelo réu. A
promotora avisou o juiz: “Excelência, é uma vítima enlutada”. Mas o juiz, do
alto de seu altar, deu razão ao advogado do réu e pediu a Sylvia respeito, que
mantivesse a serenidade e tivesse inteligência emocional.
O
juiz, autointitulado professor de inteligência emocional, mas não se sabe bem
onde a (des)aprendeu, continuou a repreender a mãe, e a promotora protestou:
“Não, não, Excelência, eu gostaria que a vítima pudesse se manifestar. A vítima
e seus familiares têm direito à informação, ela tem direito a ser ouvida, ela
tem direito a ser acolhida pela Justiça, é só isso. Deixa ela falar, eu só
gostaria que ela falasse o que aconteceu”.
Seguiu-se
uma confusão, com o juiz aparentemente repreendendo ainda mais a mãe com um tom
exaltado de voz, em mais uma bela lição de sua suposta inteligência emocional,
a mesma que exigiu da mãe enlutada (!), enquanto a promotora continuou a
protestar.
Sylvia
então se levantou, jogou fora um plástico que segurava e disse ao réu: “Da
Justiça dos homens você escapou, mas da Justiça de Deus não escapa”.
E
foi nesse momento que o juiz deu voz de prisão à Sylvia. Isso mesmo, você leu
corretamente. Deu voz de prisão. Para a vítima. Não para o réu, que seguia sem
punição 7 anos depois do crime. Ao comentar o caso mais tarde, Sylvia explicou
como se sentiu:
“Me
senti muito humilhada e caluniada. Eu estava ali só pela justiça do meu filho.
Você chega na frente de um juiz, de uma autoridade que é estudada para isso,
para poder te defender, mas você é julgada por uma coisa que não fez. Você
recebe voz de prisão”.
Segundo
Sylvia, ela jamais imaginou que poderia sair presa da audiência de instrução do
homicida de seu filho – pelo contrário, ela achava que, na frente do juiz,
seria ouvida, acolhida e defendida.
Sylvia
acreditava que o Poder Judiciário seria um local seguro para ela se expressar e
onde poderia falar sem ser interrompida.
“Eu
espero que a justiça seja feita, porque não teve justiça de lado nenhum. Eu
espero também que o doutor juiz, que ele reconheça que ele errou. Ele errou
comigo. Eu não deveria ser presa, isso me dói muito porque eu fiquei com muita
vergonha. Eu fiquei com vergonha. Eu fiquei triste. Eu fiquei magoada. Porque
era pra ele me defender. Eu estava ali na esperança de que ele me defendesse. E
ele não me defendeu. Ele não me defendeu”, concluiu Sylvia, com a voz embargada
e lágrimas escorrendo pvvelo rosto.
A
história já é demais revoltante, mas piora e beira o inacreditável. Ao invés de
reconhecer o erro, o juiz disse que irá representar Sylvia por crime contra a
honra.
Quer
dizer, a mãe enlutada não deixou apenas de receber justiça pela morte do filho.
Em cima da injustiça praticada contra sua família por um criminoso, ainda
vieram uma segunda e uma terceira injustiças: a do Estado, pelas mãos do
próprio juiz, primeiro com a prisão e depois com uma investigação e possível
punição por crime contra a honra.
No
Brasil, o mau exemplo sempre veio de cima: abusos, arbitrariedades, corrupção e
ilegalidades. Se os ministros do STF podem, por que os demais juízes não?
Fonte:
The Intercept/Gazeta do Povo
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