Juan Arias: Brasil,
em suspense por causa da Argentina
Poucas
vezes o Brasil acompanhou uma eleição presidencial na Argentina com tanta
atenção e até preocupação. A imprensa nacional, com poucas exceções, não
costuma se distinguir pelo seu interesse informativo pela América Latina. Neste
momento, porém, o Governo Lula está em suspense sobre a possibilidade de o
candidato de extrema direita, Javier Milei, apelidado de “Bolsonaro argentino”,
vencer as eleições no país irmão. Tudo isto porque, embora a extrema direita
por detrás do golpe tenha perdido no Brasil para a coligação de centro-esquerda
por poucos votos, continua viva na tentativa de regressar ao poder.
Tanto
é assim que o novo governo Lula está sendo forçado a fazer muitas concessões à
ala Bolsonaro do Congresso para governar e aprovar as suas propostas mais
avançadas. O bolsonarismo que assolou o Brasil durante quatro anos revelou-se
claramente golpista, ansioso por estabelecer uma nova ditadura militar e, como
vem aparecendo nas investigações policiais, continua a manobrar e a lutar.
A
direita e a extrema direita sabem muito bem que se é verdade que Bolsonaro e a
sua família de políticos foram queimados e afastados da Presidência, ainda não
morreram e preparam-se para regressar ao poder. Essa extrema direita também
sabe que Bolsonaro está pessoalmente esgotado e ainda pode acabar na prisão
devido à série de acusações judiciais que recaem sobre ele. Talvez por isso já
estejam em busca de um sucessor, que, mesmo nas sombras, possa se apoiar no
mito, que está ferido, mas não acabado, e que continua a ter milhões de
seguidores nostálgicos.
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Jair
Bolsonaro tem consciência disso e conta com a força dos filhos no cenário
político, que já formam uma dinastia. Três deles já atuam como seus possíveis
sucessores: Flávio, senador da República, Eduardo, deputado federal e Carlos,
vereador do Rio de Janeiro considerado o gênio das redes sociais que contribuiu
para a eleição de seu pai em 2018.
E
se não bastasse, agora seu quarto filho, Renán, de 25 anos, que nunca ocupou
cargos, está sendo lançado na política. Para começar, ele já é assessor de um
senador amigo de seu pai e está sendo treinado no jogo político para poder
concorrer a deputado nas próximas eleições. Seu pai o instrui pessoalmente,
dando-lhe aulas sobre como deve falar e se comportar em público.
O
menino parece já ter aprendido, porém, a pior arte da política, a corrupção,
uma vez que está sendo alvo de uma investigação policial já nos primeiros
treinos para aumentar seu poder. A verdade é que no Brasil a extrema direita
perdeu as eleições e está tentando se rearmar. Isto é revelado pelo facto de
Lula e o seu governo progressista estarem a obter sucessos na política externa,
mas lutam para aprovar as suas propostas de mudança no Congresso, ainda
dominado pela direita.
Daí
a sua natural preocupação com o resultado das eleições argentinas e o alívio
que recebeu com a notícia de que Milei não venceu no primeiro turno e a
possibilidade de Sergio Massa, a quem o Brasil ajudou nas sombras, ganhar a
presidência devido ao medo de uma vitória do candidato de extrema direita.
Como
escreve a colunista política Eliane Contanhede no jornal O Estado de São Paulo:
“O Governo e os empresários brasileiros vão redobrar o compromisso com Massa.
Além de não ameaçar Lula, o Mercosul ou o acordo do bloco com a União Europeia,
tem a vantagem de ser devedor de Lula. As eleições passam e a crise da
Argentina permanece. Mas com Milei pode ou poderia ser ainda pior.”
É
como diz o ditado popular, “entre o mal e o pior”. E é isso que o Governo Lula,
que acompanha passo a passo as eleições argentinas, com evidente preocupação,
espera com alguma ansiedade. E tudo isso está influenciando, curiosamente, a
mídia e o turbilhão de redes sociais que acompanham as eleições do país irmão
como poucas vezes no passado.
Aliás,
as redes estão embriagadas fazendo piadas sobre o episódio do filho de
Bolsonaro, o deputado Eduardo, o mais extremista, que foi dar uma mão na
campanha de Milei e acabou expulso de um programa de televisão na Argentina por
elogiar armas, a grande paixão de toda a família. Que no Brasil a brasa da
violência semeada pelo bolsonarismo e pela teimosia de armar a população e
incitar a polícia a matar ainda esteja viva é revelado pelo fato de que essa
violência ainda está viva.
Hoje
em dia, por exemplo, aparecem na imprensa e na televisão cenas que poderiam ser
as do conflito israelense, como o incêndio no Rio de Janeiro de 35 ônibus de
passageiros e vários vagões de trem pelas mãos de milícias, o que poderia ser
visto como um movimento claramente terrorista que tem assustado a cidade,
epicentro turístico do país.
Trata-se
de um movimento armado de ex-policiais que dominam as favelas e que, alimentado
pela extrema direita de Bolsonaro, já está infectando outras cidades do país,
obrigando Lula a usar armadura dupla por medo de um possível ataque. O presidente
chegou com a esperança do que chamou de “o Brasil volta” e com o desejo de
limpar a lousa do pesadelo dos quatro anos de ameaças golpistas e atraso
democrático, como estão revelando as comissões de investigação do Congresso, no
que parece claro que o Brasil estava prestes a retornar aos anos sombrios das
ditaduras militares.
Quando
Bolsonaro chegou ao poder, uma de suas primeiras declarações em visita aos
Estados Unidos foi que veio para “desconstruir” o país. Ele quase conseguiu.
Agora é a vez de Lula retirar esses escombros para restaurar a esperança que
parecia perdida. A Argentina pode ajudá-lo ou atrapalhá-lo em sua árdua tarefa
de afastar definitivamente os fantasmas de uma direita golpista que continua à
espreita e espera que o chamado novo Governo da esperança tropece.
Ø
'Problema
começa após a dolarização': especialistas discutem futuro da economia Argentina
Com
uma inflação acumulada de 138,3%, no período de 12 meses até setembro deste
ano, a economia é o principal ponto de contenda na corrida presidencial da
Argentina deste ano. Enquanto Massa, atual ministro da Economia, advoga pelo
crescimento das exportações, seu opositor, Javier Milei, quer desistir do peso
argentino e dolarizar a economia.
De
acordo com os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, a economia argentina
já vive uma "dolarização não-oficial", cujo governo atual luta
contra.
A
proposta de Milei, então, seria abraçar de vez o processo, extinguindo o Banco
Central da nação.
"A
dolarização é um processo que aproxima o comportamento de uma moeda nacional ao
dólar, inclusive com a eliminação da moeda nacional em caso de dolarização
total", explica Rodrigo Rodriguez, professor adjunto de economia na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
O
processo, explica Rodriguez, pode se mostrar extremamente difícil de ser
implementado na prática.
Para
que ele ocorra é preciso que o país obtenha uma quantidade de dólares grande o
suficiente em suas reservas monetárias para realizar a troca cambial.
"No
caso argentino temos que levar em consideração que ela não tem reservas em
dólares suficientes para trocar por peso", disse Johnny Silva Mendes,
professor de Economia da FAAP e economista chefe da BridgeSea Consultoria
Econômica.
"Os
custos envolvidos nesse tipo de transação são os custos de se obter esses
dólares", esclarece Mendes.
"Logo
ela teria que buscar comprar esses dólares a preço de mercado, e sem dinheiro é
muito provável que ela teria que emitir novos títulos", afirmou Mendes,
lembrando que com o juros na casa dos 130% ao ano, a emissão de títulos seria
um processo custoso até mesmo no longo prazo.
Rodriguez
estima que o custo monetário de realizar toda essa operação de dolarização está
na casa dos US$ 34 bilhões (R$ 168 bilhões), conforme as taxas de câmbio
atuais.
"Para
bancar esse custo, o Banco Central argentino teria que converter suas reservas
de metais e de outras moedas em dólares, e mesmo assim ainda teria dificuldades
para alcançar uma quantidade segura de reservas em sua economia", ressalta
Rodriguez.
·
Os
perigos de uma economia dolarizada
Mesmo
que Milei consiga ter capital político para aprovar a dolarização, algo que nem
setores da elite argentina querem, e concretizar o processo, os problemas para
a economia da Argentina podem apenas estar começando.
"O
problema real só começa após a dolarização", afirma Rodrigo Rodriguez.
Isto
porque, com uma dolarização completa, o governo do país fica limitado na
condução da política monetária e cambial do país. "O Banco Central
argentino não vai ter mais a possibilidade de imprimir papel moeda para suprir
necessidades, suprir crises e dar ajuda aos bancos em períodos de crises
sistêmicas", afirmou Johnny Mendez. Na verdade, explica, o país fica então
submetido às políticas de controle monetária norte-americanas.
"Se
a prime rate [taxa de juros americana] entra em um novo ciclo de alta, os
Estados Unidos sugam a liquidez global de dólares de volta para o seu
território, incluindo os dólares que estão na Argentina. No caso de escassez de
dólares, o que a economia argentina vai fazer, buscar mais empréstimos junto ao
FMI?", alertou Rodriguez.
Os
desafios de se entregar o controle da política monetária a outro país já podem
ser vistos hoje, aponta Mendez, com a alta da inflação nos EUA, que faz faz com
que a moeda estadunidense perca valor.
"Isso
faz com que um país como a Argentina, que está passando por dificuldades,
sofra, já que está submissa aos modelos de políticas norte-americanas e
submissa a inflação norte-americana."
·
Uma
economia dolarizada no BRICS?
Os
esforços de Milei de dolarizar a economia argentina também demonstram sua
atitude contra o BRICS, grupo de países que a Argentina está marcada para
entrar em 1º de janeiro de 2024, mas cuja entrada o candidato à presidência já
se mostrou a favor de reverter.
Nos
últimos meses, o BRICS aprimorado sua política de trocas em moedas nacionais, e
até mesmo buscando a criação de uma moeda para o bloco, uma vez que não querem
ficar expostos ao controle exercido pelos Estados Unidos no sistema financeiro.
Nesse
sentido, diz Mendez, a situação pode não ser tão complicada assim, lembrando o
caso do Reino Unido quando fazia parte da União Europeia.
Na
época, a nação britânica não adotou o euro, moeda comum do bloco econômico,
optando por continuar com a libra esterlina.
·
Relações
com a China
À
parte das suas relações com o Brasil, o outro grande parceiro comercial da
Argentina é a China, outro país que busca combater a primazia do dólar como
moeda global, e outro país que Milei diz que irá se afastar, algo que muitos
especialistas tem descrito apenas como uma bravata por parte do candidato à
presidência.
Segundo
Rodriguez, hoje a China possui mais de US$ 2 trilhões (R$ 10 trilhões) em seus
cofres, fazendo com que o país asiático veja mais sentido em estabelecer
acordos bilaterais que favoreçam o yuan, a moeda chinesa, e formem parcerias
duradouras, do que combater o dólar ao redor do planeta.
"O
governo chinês, assim como faz com o Brasil e com outros países, estabelece
negociações bilaterais com o intuito de fazer com que as trocas entre os países,
seja exportações ou importações, ocorram pelo menos em parte em yuan",
explicou Mendez.
Surpreendentemente,
a parceria com a China, ressaltam os especialistas, pode também se mostrar
fundamental na campanha de dolarização da economia argentina. "O investimento
estrangeiro da China na Argentina coopera para que a economia tenha
estabilidade, e inclusive, que esse plano de dolarização possa se
concretizar", afirmou Mendez.
"Na
prática, a dolarização oficial da Argentina só pode acontecer com o aprofundamento
das relações com a China. A Argentina costuma exportar entre meio e um bilhão
de dólares por mês para a China, parte expressiva da oferta de dólares que
entra para o país", disse Rodriguez.
·
Há
solução para a Argentina que não passe pela dolarização?
Mesmo
que a dolarização vem com uma série de desvantagens, afirma Mendez, ela traz
pelo menos uma vantagem muito clara: a estabilização dos preços. "É também
uma razão pela qual a grande maioria da população nas nações dolarizadas não
deseja um regresso a uma moeda nacional", afirmou.
"Dolarizar
a economia é, na realidade, retomar o controle, ainda que de forma
terceirizada", disse Mendez. "Tanto a economia do Panamá, El Salvador
e Equador, estavam com a economia fora de controle e a dolarização se mostrou muito
assertiva."
No
entanto, se para Mendez a dolarização é uma alternativa extremamente viável
para a crise econômica argentina, para Rodriguez há outras formas do governo
recuperar o comando da economia do país, como a reestruturação da dívida
externa.
"A
economia argentina carrega nas costas o peso do pagamento de uma dívida externa
extremamente injusta e pouco transparente", explicou Rodriguez.
"A
inflação argentina é fruto de um processo longo que tem início no crescimento
da dívida externa a partir de 1976 e que se arrasta até os dias atuais",
esclareceu Rodriguez. "Mesmo com diversas renegociações nas décadas de 80
e 90, essa dívida argentina nunca parou de crescer."
Esses
déficits imobilizam tanto o Banco Central, quanto o governo, de realizarem políticas
monetárias e fiscais que tragam a tão sonhada estabilidade econômica.
"Não
tem como pensar em um combate efetivo à inflação sem uma reestruturação da
dívida externa argentina", ressaltou.
Para
Rodriguez, a proposta de dolarização da economia, no fim, é mais um discurso de
campanha do que um objetivo factível de Milei.
"O
que, na prática, Milei está propondo é um Banco Central mais conservador e
alinhado com uma política fiscal restritiva."
Ø
Ataque
a Maradona pode destruir campanha de Milei
O
candidato de extrema direita na disputa presidencial da Argentina, Javier
Milei, enfrenta um sério revés devido a uma polêmica recente que ressurgiu. Uma
postagem de 2016 no Twitter, na qual Milei atacava o ícone do futebol
argentino, Diego Maradona, voltou à tona, causando grande comoção nas redes
sociais e na mídia.
Nessa
postagem, Milei comparou Maradona com Pelé, criticando o ex-jogador argentino
por seu histórico de consumo de drogas. O momento da ressurreição dessa
controvérsia, coincidindo com o aniversário de Maradona, parece estar afetando
negativamente a campanha do candidato, segundo o relato do Valor.
Diego
Maradona, uma figura emblemática do esporte e da cultura argentina, era
conhecido por suas inclinações políticas de esquerda, particularmente ligadas
ao kirchnerismo.
Seus
elogios a líderes latino-americanos como Hugo Chávez, Luiz Inácio Lula da Silva
e Fidel Castro o transformaram em um símbolo da esquerda na Argentina. Enquanto
isso, Milei, rotulado como candidato “libertário” ou “anarcocapitalista”,
adotou uma retórica que ataca figuras e símbolos nacionais, o que conflita com
a sensibilidade de parte do eleitorado argentino.
Sergio
Massa, o oponente peronista de Milei no segundo turno, tem explorado as
declarações controversas do candidato de extrema direita, destacando que a
Argentina não merece ser descrita de maneira depreciativa, como Milei fez
publicamente.
Além
disso, Milei enfrenta críticas de seu eleitorado mais radical por buscar o
apoio de figuras políticas tradicionais, como Patricia Bullrich e Mauricio
Macri. A combinação desses fatores coloca em dúvida a trajetória de Milei na
corrida presidencial e lança incertezas sobre suas chances de conquistar o
cargo máximo do país. A votação está agendada para o dia 19 de novembro, e a
polêmica em torno de Maradona pode ter um impacto considerável no resultado
eleitoral.
Fonte:
El País/Sputnik Brasil/Fórum
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