Apesar da ode,
modelo de escolas cívico-militares é comprovadamente falido desde 1990
Em
24 de outubro, foi lançada na Assembleia Legislativa de São Paulo a Frente
Parlamentar pela Implantação das Escolas Cívico-Militares, a fim de expandir a
atual rede para 50 unidades até o final de 2026.
A
frente foi criada e conta com o apoio de parlamentares do PL, partido do
ex-presidente Jair Bolsonaro, que lançou o Programa Nacional das Escolas
Cívico-Militares (Pecim) em 2019.
Já
o governo Lula pôs fim ao projeto em julho deste ano, fazendo com que
vereadores e deputados iniciassem uma verdadeira ode ao modelo educacional nas
redes sociais e no legislativo, a fim de manter ou expandir o número de
unidades de uma escola que não tem qualquer comprovação científica ou
performática que justifique o investimento.
A
reportagem do GGN entrou em contato com as secretarias de comunicação de todos
os estados para saber quais são as principais diferenças entre o modelo de
escola tradicional, a escola cívico-militar e a escola militar. Apenas Bahia,
Alagoas, Minas Gerais, Maranhão, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco
e Distrito Federal responderam aos nossos questionamentos.
Todos
eles, exceto Pernambuco, que não tem escolas militares ou cívico-militares,
afirmaram que não há diferença na grade curricular dos alunos, pois todos os
colégios seguem a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) do Ministério da Educação (MEC).
A
diferença se encontra nas atividades extracurriculares, em que os alunos
aprendem os valores militares, como disciplina e percepções de civismo. Os
militares também não interferem na parte pedagógica das escolas, apenas na
parte administrativa e disciplinar dos alunos.
• Cabide de empregos
Apesar
do questionamento, nenhuma secretaria estadual de educação revelou o custo que
o emprego de militares na educação gera nos cofres públicos.
Porém,
a nota técnica do MEC que justifica o fim do Pecim traz uma noção do preço pago
pelos munícipes pela presença de militares nos colégios.
Até
o fim do ano, prazo estipulado pelo governo federal para a transição de escolas
cívico-militares do Pecim para o modelo tradicional, o País conta com 120
unidades.
Conforme
a premissa do programa, o Ministério da Defesa disponibiliza militares reformados
(aqueles que estão, definitivamente, aposentados ou afastados do serviço) para
o desempenho de funções como assessoria à gestão educacional, assessoria à
gestão escolar e monitoria dos alunos.
Para
tais funções, os militares do Pecim recebiam um salário e benefícios conforme a
patente:
• 3º Sargento: R$ 2.657,24
• 2º Sargento: R$ 3.816,60
• 1º Sargento: R$ 3.995,68
• Subtenente: R$ 4.439,29
• 2º Tenente: R$ 4.120,10
• 1º Tenente: R$ 5.314,56
• Capitão: R$ 6.022,36
• Major: R$ 8.433,36
• Tenente Coronel: R$ 8.775
• Coronel: R$ 9.152,76
Entre
2020 e 2022, o orçamento do Pecim para a remuneração de militares reformados
passou de R$ 7 milhões para R$ 64,2 milhões. Para este ano, o orçamento
previsto pelo Ministério da Defesa para os salários dos militares foi de R$
86,5 milhões.
• Percepção equivocada
Vários
estados usam a consulta ou demanda pública junto à comunidade escolar como
justificativa para a adoção ou expansão da rede de escolas cívico-militares nos
estados.
Porém,
a militarização do ensino não começou em 2019, por iniciativa do governo
anterior. O primeiro colégio militar, de acordo com o Exército Brasileiro, foi
criado em março de 1889 e hoje é o tradicional Colégio Militar do Rio de
Janeiro.
As
escolas exclusivamente militares nasceram com o objetivo de atender os filhos
de militares, que por conta das funções do Exército, mudavam de estado com
frequência. Os colégios, então, tinham como premissa manter a qualidade do
ensino para este público de necessidades tão específicas.
As
Forças Armadas têm, atualmente, 42 instituições militares, das quais 15
pertencem ao Exército, 3 são da Aeronáutica e 24 são da Marinha. Todas estão
sob gestão do Ministério da Defesa.
Mas
os estados também decidiram investir nos próprios modelos. Na Bahia, por exemplo,
a primeira unidade do Colégio da Polícia Militar (CPM) foi fundada em 1957. Hoje o estado conta com
16 unidades e mantêm a tradição de destinar a maioria das vagas (70% na capital
e 50% no interior) para os filhos e dependentes dos policiais militares. As
demais são sorteadas para sociedade civil.
• As escolas cívico-militares
Os
colégios militares têm, segundo Cláudia Costin, presidente do Instituto
Singularidades, de fato um padrão de qualidade diferenciado, já que o salário
dos professores da rede militar é superior ao dos docentes da rede pública. Os
estudantes destas instituições, que estudam em período integral, também
costumam ser bem selecionados, já que para concorrer às vagas remanescentes, os
alunos costumam enfrentar processos seletivos bastante disputados.
“Pelo
reconhecimento das escolas militares, alguns municípios e estados quiseram
criar escolas civis militares. Primeiro,
elas não são exatamente militares. São policiais militares ou bombeiros
aposentados que criam associações e vendem esse serviço para escolas públicas.
Parece inicialmente muito atrativo, porque as famílias não vão ter problema de
disciplina, porque as escolas militares mesmo tem uma reputação de ter um
ensino de qualidade, mas não é disso que trata”, continua a presidente do
Instituto Singularidades.
Cláudia
chama atenção para que, de fato, as escolas cívico-militares incentivam a
disciplina. Porém, os professores ganham o mesmo salário dos docentes da rede
estadual, ao mesmo tempo em que a presença de militares no quadro de
funcionários torna a escola mais cara para o contribuinte.
A
excessiva padronização imposta aos alunos, que têm de usar fardamento e ter
corte de cabelo específico, também não traz grandes vantagens aos discentes,
mas sim promove uma robotização.
“A
curto prazo, elas têm um impacto no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica], porque de fato se há muita disciplina, você tende a ver melhores
condições de aprendizado, só que o problema é que esta disciplina não é a
disciplina adequada ao século XXI”, emenda Cláudia.
A
especialista cita Pernambuco, o estado que não tem modelo militar, como um
modelo ideal de ensino, pois além de oferecer um ensino integral com
protagonismo jovem, estimula os alunos a se conectarem com o que ele está
aprendendo.
• Modelo ideal
Desde
a década de 1990, alguns estados apostam nas escolas cívico-militares. Paraná é
o estado que mais concentra unidades deste modelo, com 196 colégios da PM no
total.
Mas
a presidente do Conselho Administração do Cenpec, Anna Helena Altenfelder,
ressalta que a superioridade destes colégios nunca foi comprovada.
“Não
temos nenhuma pesquisa, nenhuma evidência de que essas escolas trazem
resultados de aprendizagem. Ahn superiores ou diferentes das outras escolas,
né? É na verdade sim. Essa é uma agenda que surgiu com muita força, não no
governo Bolsonaro e no meu ponto de vista é um dimensionismo. Vamos dizer
assim, né? Era tirar o foco das questões importantes e fundamentais da educação
e prioridades que temos de apostar no modelo”, diz a presidente do Cenpec.
Do
ponto de vista pedagógico, o modelo também não traz avanços segundo a pedagoga,
já que não traz soluções para nenhum dos reais problemas da educação pública no
Brasil. A questão da disciplina e da uniformização dos alunos são questões
periféricas e que não dizem respeito à qualidade pedagógica das escolas
brasileiras.
“Muito
pelo contrário. Sabemos é fundamental um trabalho pedagógico que integra as
questões culturais, emocionais e cognitivas do aluno. Então, achar que os militares
podem tomar conta da disciplina de uma escola revela uma falta de conhecimento
do fazer da escola, do dia a dia da escola. É porque, na verdade, os
profissionais quem têm de cuidar da disciplina da escola são os formados com
conhecimento específicos para esse fim, né? Temos problemas e desafios imensos
em relação à disciplina e violência física nas escolas. Mas são questões muito
complexas e que precisam se analisadas com muito cuidado”, pondera a
especialista.
Anna
observa que a violência nas escolas deriva de uma sociedade violenta como um
todo. E não será a presença ostensiva de militares que vai melhorar este
ambiente, mas sim a melhoria do clima escolar.
Assim,
o modelo ideal de escola é composto por um clima acolhedor, em que os alunos
não abandonem os estudos, estejam na na faixa etária adequada para o
aprendizado, em que os docentes consigam garantir o aprendizado e o engajamento
dos discentes e que conte, ainda, com a participação dos pais na comunidade
escolar.
Outra
questão importante é que pesquisas da Cenpec mostram que a grande maioria dos
pais, ao contrário do que dizem os gestores públicos, sequer demandam escolas
militares: 72% dos entrevistados afirmaram que confiam mais em professores do
que em militares para atuar nas escolas; já 46,10% defendem que os maiores
problema da escola pública são a falta de investimento dos governos e os baixos
salários dos professores.
• Outra proposta sem fundamento
Uma
das justificativas para o fim do Pecim pelo governo Lula foi a abrangência: o
modelo atendia a apenas 0,1% das escolas públicas brasileiras. Mas para tal
questão, surgiu uma alternativa de escolas de contraturno que prometem preparar
crianças a partir de 5 anos para a carreira militar.
Conhecida
como Fope (Força Pré-Militar), a instituição tem ganhado popularidade nas redes
sociais pela divulgação frequente de vereadores a favor da militarização do
ensino.
A
Fope, porém, não é uma instituição de ensino regular, mas sim de contraturno,
em que as crianças e adolescentes costumam passar os sábados para aprender
atividades disciplinares, sobrevivência na selva e trato de animais selvagens.
“Não
vejo, assim a princípio, nenhum valor pedagógico para que crianças de 5 e 6
anos frequentem espaços educativos que estão formando elas por uma futura
carreira militar 20 anos depois. Até porque cada criança é uma criança, tem
seus interesses suas necessidades”, aponta Anna Helena Altenfelder.
O
GGN entrou em contato com a Fope por e-mail, a fim de saber qual é o modelo
pedagógico do curso, quais são as temáticas, mensalidades, entre outras
informações. Porém, não obteve resposta.
A
empresa também não disponibiliza no site qualquer informação sobre a
instituição, contato, carreira ou demais informações ao público que não os
meios de se inscrever em uma das unidades da franquia.
Fonte:
Jornal GGN
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