Governos da
Amazônia não cruzam dados de pecuária e desmatamento para controle ambiental
A
maioria dos estados da Amazônia Legal não compartilha com as suas secretarias
de meio ambiente informações do cadastro de pecuaristas e de movimentação do
rebanho bovino – ainda que esses dados sejam gerados e gerenciados dentro dos
próprios governos estaduais, nas agências de defesa sanitária ligadas às pastas
de agricultura, pecuária e agronegócio.
A
pecuária é o principal vetor do desmatamento na Amazônia e o compartilhamento
dessas informações poderia ajudar na fiscalização ambiental e no combate à
ilegalidades. “Seria muito valioso para identificar e responsabilizar infrações
ambientais, inclusive os casos de gado com origem em áreas embargadas, terras
indígenas ou unidades de conservação”, explica Ana Paula Valdiones, do ICV
(Instituto Centro de Vida), organização da sociedade civil que atua com
transparência e governança ambiental.
A
Repórter Brasil enviou pedidos de Lei de Acesso à Informação a todos os nove
estados da Amazônia Legal e descobriu que apenas Rondônia fornece acesso
completo aos dados gerados pelo Idaron (Agência de Defesa Sanitária
Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia) à Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Ambiental (Sedam).
Lá,
um acordo judicial entre os dois órgãos estaduais e o Ministério Público de
Rondônia homologado em março de 2021 permite que a fiscalização ambiental possa
acessar o cadastro de criadores de gado – que contém nomes, CPFs, endereços e
localização das fazendas – e também as
informações contidas nas Guias de Trânsito Animal (GTAs), um documento sanitário
obrigatório que registra o deslocamentos de animais.
A
partir do acesso às informações do Idaron, a Sedam de Rondônia identificou
operações com suspeitas de ilegalidade. Porém, os resultados concretos ainda
não chegaram, já que a pasta ambiental ainda está fazendo análises para definir
elementos técnicos e jurídicos e aplicar as sanções. Contatada pela reportagem,
a assessoria de comunicação da Sedam informou que esta etapa não tem previsão
para conclusão. Veja aqui a íntegra das respostas dos órgãos.
• MT e Pará dão acesso parcial
Dono
do maior rebanho de gado do país, o Mato Grosso compartilha parcialmente dados
do Instituto de Defesa Agropecuária do estado (Indea) com a Secretaria de
Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT). O órgão utiliza a base de
propriedades rurais cadastradas no Indea, mas não possui acesso às GTAs,
documento que poderia “apoiar o monitoramento de áreas embargadas”, segundo a
secretaria. “Estamos trabalhando junto ao Indea para acessar as GTAs”, completa
a pasta.
A
situação é semelhante no Pará. A assessoria de comunicação da secretaria de
meio ambiente afirmou que “por meio da plataforma Selo Verde, possui todas as
informações necessárias para proceder com o monitoramento e fiscalização
ambientais, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados”. A Plataforma Selo
Verde, porém, também não disponibiliza acesso aos dados das GTAs. Veja aqui a
íntegra das respostas dos órgãos.
Na
falta de um sistema de rastreabilidade individual do gado, a GTA se tornou o
principal meio de verificar a origem dos animais abatidos por frigoríficos. Ela
mostra o caminho dos bois entre as fazendas e, cruzada com outras bases de
informações, pode revelar esquemas conhecidos como “lavagem de gado”, quando um
fazendeiro com propriedade irregular envia seu rebanho para outra área,
legalizada, e de lá, então para frigoríficos. É a este documento que o
Ministério Público Federal recorre para promover as auditorias anuais nos
frigoríficos signatários do TAC da Carne.
Apesar
disso, algumas agências de defesa sanitária agropecuária resistem em
compartilhar dados até mesmo com o Ministério Público Federal, observa Lisandro
Inakake, coordenador do Programa Boi na Linha, do Imaflora, que busca promover
uma cadeia da carne livre de irregularidades.
“Estes
dados são de interesse público e deveriam estar acessíveis para toda a
sociedade civil”, concorda Ana Paula Valdiones, do ICV.
• Justificativas dos estados
No
Amazonas, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) informou que
iniciou tratativas de compartilhamento das informações em 2019/2020, mas a
tentativa foi interrompida por causa da pandemia. Há pretensão de retomá-las,
mas sem previsão de prazo.
A
secretaria ambiental do Maranhão disse que ainda não houve necessidade de uso
dos dados da pecuária para fiscalização ambiental. Já o Instituto Natureza do
Tocantins (Naturatins) e o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) afirmaram
que não são responsáveis pela fiscalização e controle de gado ou pelo
gerenciamento de atividades sanitárias.
O
Fundo Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Roraima (FEMARH) e a
Secretaria de Meio Ambiente do Amapá não responderam aos contatos da
reportagem.
A
falta de acesso aos dados da pecuária não está limitada aos órgãos ambientais
estaduais. Investigação da Repórter Brasil já havia revelado que Ibama e ICMBio
só possuem acesso aos dados do Pará dentre os nove estados que compõem a
Amazônia Legal.
• Proteção de dados pessoais
Em
agosto de 2023, a Justiça Federal determinou liminarmente que as agências do
Amazonas (Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Amazonas –
Adaf), de Rondônia (Idaron) e do Acre (Instituto de Defesa Agropecuária e
Florestal do Acre – Idaf) disponibilizassem ao MPF e aos órgãos de controle
acesso facilitado e atualizado aos dados das GTAs, incluindo nomes, números de
CPF/CNPJ e dos estabelecimentos de procedência e destino dos animais.
A
decisão liminar decorre de ação ajuizada pelo MPF. De acordo com apuração da
Procuradoria, Adaf e Idaron alegam que não podem compartilhar os dados por
serem de cunho pessoal e, portanto, protegidos. Nos autos do processo, a Adaf
alegou que a publicização das GTAs colocaria em risco a segurança física e
patrimonial dos produtores, seus familiares e colaboradores e destacou que já
disponibiliza ao MPF os dados das GTAs quando solicitada. Também na ação, Idaf
e Idaron afirmaram já terem firmado acordos de cooperação técnica com o MPF,
com o objetivo de permitir acesso do MPF aos dados das GTAs.
Outras
agências apresentaram justificativas semelhantes para o não compartilhamento de
dados. Contatadas pela reportagem, as agências do Pará (Adepará) e Tocantins
(Agência de Defesa Agropecuária de Tocantins – Adapec) informaram que, quando
solicitadas, fornecem dados, de acordo com a legislação de proteção de dados
pessoais. A Agência de Defesa Agropecuária do Estado de Roraima (Aderr) alegou
que os dados são pessoais e divulgados apenas por decisão judicial..
A
alegação de que os dados não podem ser compartilhados por serem pessoais não se
justifica. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) prevê a possibilidade de
compartilhamento de dados necessários à execução de políticas públicas e
prestação de serviços públicos, desde que a própria LGPD e seus princípios
sejam respeitados. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados orienta que o
compartilhamento de dados deve ser formalizado, por exemplo, em um contrato ou
convênio, definindo o objeto e finalidade do compartilhamento.
As
agências de defesa agropecuária do Mato Grosso, Maranhão, Acre e Amapá não
responderam aos questionamentos da reportagem.
ASCEMA Nacional e INA alertam para riscos
a servidores após Ministério da Justiça suspender Operação em Terra Indígena
Servidores
da Funai, do Ibama e de outros órgãos se encontram em risco na Terra Indígena
Apyterewa. Eles relatam que estão realizando as suas tarefas de extrusão, em
cumprimento da decisão judicial, mas sem o suporte dos agentes da Força
Nacional e das Forças de Segurança. Os relatos chegaram ao sábado para as
entidades representativas dos servidores da Funai, Indigenistas Associados –
INA, e a entidade representativa dos servidores do IBAMA – ASCEMA Nacional, que
por meio desta nota externa a sua preocupação.
A
medida, alegada como estratégia para evitar excessos e o agravamento de
conflitos, tem tido efeito contrário e, na prática, tem impedido o avanço
operacional, ao passo que restringe a realização das ações positivas de
governo, justamente aquelas que podem auxiliar no apaziguamento dos ânimos e
auxílio as populações de baixa renda.
A
continuidade da ação de extrusão é necessária, visto o robusto arcabouço de
informações apresentadas pelos servidores dos distintos órgãos envolvidos na
ação, incluindo a constatação da massiva saída voluntária e retirada de
rebanhos, optando por aderir as narrativas propagadas por lideranças políticas
representativas dos invasores.
A
possível suspensão das ações pode fomentar a resistência de invasores
contrários ao cumprimento da ordem judicial, alimentando estratégias de
obstrução de justiça, acirrando ânimos, colocando em risco os próprios
invasores, e aumentando a insegurança dos indígenas Parakanã e das equipes de
servidores que estão em campo, desguarnecidas neste momento. As entidades
Ascema Nacional e Indigenistas Associados – INA, aguardam que seja prontamente
reestabelecido o suporte das forças de segurança para que haja o imediato
cumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal e a garantia da
segurança de nossos servidores e associados.
Fonte:
Reporter Brasil/INA
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