Futuro climático: o
desafio da busca de desenvolvimento com menor demanda de recursos
“Certamente
as gerações futuras viverão em um clima diferente daquele que as gerações
atuais cresceram. O ponto é o quão disjuntivo esse futuro será”, observa Jean
Ometto, ao comentar os desafios no enfrentamento às mudanças climáticas em
curso na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas
Unisinos – IHU.
Para
ele, a mudança climática é decorrente do aumento da demanda por recursos
naturais, que cresceu exponencialmente nos últimos 80 anos e o enfrentamento
desta situação também está associado à diminuição do uso desses recursos. “As
mudanças climáticas derivam, sobretudo, da maior demanda de recursos
energéticos e da expansão da ocupação humana sobre áreas naturais, levando, por
exemplo, ao desmatamento. Essas atividades determinam alteração na composição
da atmosfera terrestre, levando ao aumento da retenção de calor e aumentando o
chamado efeito estufa. (...) Ou seja, a trajetória futura da sociedade deve
buscar bases de desenvolvimento com menor demanda de recursos, buscando a
restauração de sistemas naturais, reciclagem e reaproveitamento de recursos, e
redução de perdas”, pontua.
A
resolução dos efeitos socioambientais gerados pela ação antrópica depende da
união de vários saberes, como o tradicional e o científico. “A complexidade dos
problemas que enfrentamos com relação às mudanças climáticas e às mudanças
ambientais no planeta não pode ser resolvida com abordagens únicas, mas sim com
a composição de diversos conhecimentos (dos saberes tradicionais à tecnologia)
e estratégias. Os desafios demandam soluções construídas com bases
multidisciplinares e envolvimento de diversos setores da sociedade”, assegura.
Jean
Ometto é graduado e mestre em Agronomia e doutor em Ciências (Energia Nuclear
na Agricultura) pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e chefe da Divisão de Projetos Estratégicos.
Leciona no PPG em Ciência do Sistema Terrestre do INPE. É vice-coordenador da
Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede CLIMA),
coordenador da Plataforma AdaptaBrasil MCTI, coordenador técnico do Projeto de
Monitoramento da Cobertura Vegetal no Cerrado, Programa de Investimento
Florestal (FIP), do Banco Mundial.
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Confira a entrevista.
• Cientificamente, o que significa falar
em eventos extremos? Como os eventos extremos têm alterado e transformado os
ecossistemas?
Jean
Ometto – Eventos extremos são fenômenos climáticos de grandes proporções, que
estatisticamente são mais intensos que o padrão médio do dado evento (por
exemplo, uma chuva extrema se caracteriza por um volume enorme de água que
precipita em um curto período).
Os
eventos extremos afetam os ecossistemas de várias formas e, claro, dependendo
da natureza do evento que estamos considerando. Por exemplo, um evento
prolongado de seca pode causar impactos severos aos processos fisiológicos das
árvores que compõem uma floresta, podendo levar à morte dos indivíduos ou à
redução na capacidade da floresta de absorver carbono.
• Quais as implicações socioambientais de
reter mais calor na atmosfera?
Jean
Ometto – A maior retenção de calor na atmosfera implica no aumento da
temperatura média do ar, levando ao aumento na intensidade e frequência dos
eventos climáticos extremos. Esse processo pode impactar fortemente comunidades
e ecossistemas.
• Por quais alterações a agricultura tem
passado em função das mudanças climáticas?
Jean
Ometto – As alterações climáticas que mais impactam a agricultura no Brasil são
os eventos de seca extrema (afetando a produtividade e a produção de diversas
culturas) e as mudanças nos padrões de precipitação (que afeta o planejamento
de plantio ou colheita, interferindo na produção).
• Nos últimos dois séculos, a demanda por
recursos naturais aumentou substancialmente. No atual contexto de mudança
climática e aumento populacional, o que se vislumbra em relação a essa demanda?
Como a busca por soluções energéticas pode favorecer um agravamento da situação
socioambiental?
Jean
Ometto – O aumento na demanda de recursos naturais foi exponencial nesses
últimos dois séculos, em particular nos últimos 70, 80 anos. O aumento na
demanda desses recursos contribui significativamente para o aumento da
população mundial, que, por sua vez, demanda mais recursos. Ou seja, a
trajetória futura da sociedade deve buscar bases de desenvolvimento com menor
demanda de recursos, procurando a restauração de sistemas naturais, reciclagem
e reaproveitamento de recursos e redução de perdas.
As
mudanças climáticas derivam, sobretudo, da maior demanda de recursos
energéticos e da expansão da ocupação humana sobre áreas naturais, levando, por
exemplo, ao desmatamento. Essas atividades determinam uma alteração na
composição da atmosfera terrestre, levando ao aumento da retenção de calor e
aumentando o chamado efeito estufa.
Outro
aspecto de alta relevância no aumento do uso de recursos naturais é o impacto
nos sistemas naturais e na biodiversidade terrestre e aquática, que inclui
sistemas aquáticos terrestres e os oceanos.
Com
relação à energia, temos que, como sociedade global, caminhar com bastante
urgência para uma matriz de produção de energia não baseada em carbono fóssil (petróleo,
carvão, gás natural etc.). A urgência dessa transição refere-se aos esforços
para que a temperatura média do planeta não passe de 1,5 ou 2 graus Celsius
(valores indicados pela comunidade científica como limites para mantermos o
planeta com condições adequadas à sociedade e para a maioria dos ecossistemas).
• O senhor disse que, para transformar o
presente, precisamos buscar soluções onde a informação é gerada, isto é, na
ciência, nos conhecimentos tradicionais e ancestrais. Pode desenvolver essa ideia?
Como a junção desses conhecimentos pode auxiliar na busca de soluções ao
enfrentamento da emergência climática? Como a ciência pode se alimentar do
conhecimento dos povos tradicionais e ancestrais e vice-versa? Quais as
potencialidades e limites dessa troca?
Jean
Ometto – O conhecimento tradicional e ancestral traz uma amplitude de saberes
sobre a relação do homem com a natureza e no uso de recursos que podem
contribuir substancialmente para a busca de soluções que a sociedade
contemporânea enfrenta. Precisamos resgatar nossa relação com a natureza, de
forma a repensarmos e redimensionarmos nossas prioridades e formas de conduzir
o dia a dia. Os necessários processos de transformação na relação do consumo e
das necessidades básicas da vida contribuirão para a redução dos impactos de
nossas atividades no planeta.
A
relação com o conhecimento tradicional pode contribuir nas estratégias de
restauração de áreas naturais degradadas, na utilização racional e ética da
biodiversidade, nas opções de consumo, entre vários outros aspectos. Esse
processo de transformação é essencial para o enfrentamento da emergência
climática, contribuindo com as estratégias de mitigação das emissões e
adaptação aos impactos determinados pelas mudanças climáticas.
A
complexidade dos problemas que enfrentamos com relação às mudanças climáticas e
às mudanças ambientais no planeta não pode ser resolvida com abordagens únicas,
mas sim com a composição de diversos conhecimentos (dos saberes tradicionais à
tecnologia) e estratégias. Os desafios demandam soluções construídas com bases
multidisciplinares e com o envolvimento de diversos setores da sociedade.
• Que tipo de transformações sociais
podemos esperar em decorrência dos eventos extremos e das mudanças climáticas?
Jean
Ometto – Bom, temos que trabalhar fortemente em ações e estratégias de
adaptação. Para isso, é importante mapear o nível de risco ao qual a sociedade
ou os sistemas naturais estão sujeitos. O nível de risco depende da
vulnerabilidade e da exposição que a sociedade ou os sistemas naturais têm com
relação ao evento climático extremo. O impacto, que pode se consolidar diante
do risco, afeta a produção de alimentos, de energia, a saúde, os recursos
hídricos etc. As ações de adaptação são muito importantes para reduzirmos os
riscos de perdas de vidas humanas, impactos na infraestrutura, na produção de
energia, perdas na produção agrícola etc.
• O senhor já declarou que diante das
mudanças climáticas não se deve passar uma mensagem de desesperança, mas de
urgência. Pode explicar essa ideia?
Jean
Ometto – Precisamos caminhar para a descarbonização das atividades produtivas,
mitigando as emissões de gases do efeito estufa, e temos que trabalhar,
paralelamente, em medidas de adaptação. Essas ações são urgentes. Não podemos
perder a esperança na capacidade de a sociedade buscar uma trajetória
sustentável de desenvolvimento, de reconectar-se com a natureza e de construir
um futuro socialmente justo e ecologicamente equilibrado para as gerações que
virão.
• Como o senhor tem refletido sobre o
futuro à luz das mudanças climáticas?
Jean
Ometto – Certamente as gerações futuras viverão em um clima diferente daquele
que as gerações atuais cresceram. O ponto é o quão disjuntivo esse futuro será.
Preocupa que ações fortes e contundentes, buscando a redução dos impactos e a
redução das emissões de carbono, não vêm sendo amplamente adotadas. Com isso
estamos em uma trajetória preocupante de emissões e de mudança de temperatura.
Da
mesma forma, é preocupante o impacto das ações humanas na biodiversidade
planetária. Estamos a caminho da perda de várias espécies por ação direta da
humanidade, ou seja, pelos efeitos das mudanças climáticas.
Por
outro lado, a capacidade da sociedade de se reinventar, de buscar alternativas,
de trazer o saber e a tecnologia em prol de ações positivas, é muito grande. O
movimento dos jovens, no mundo todo, buscando mudanças, vem crescendo. O que é
muito relevante.
Os
impactos das mudanças climáticas já estão ocorrendo e podem se agravar. Mas a
humanidade tem que buscar na resiliência as transformações em prol da
sustentabilidade e do equilíbrio ético, reduzindo as desigualdades, a
iniquidade, e buscando soluções que dialoguem com a sustentabilidade. As ações
de hoje moldam o futuro.
Na antessala do colapso climático. Por
Carlos Bocuhy
A
Organização Meteorológica Mundial (OMM) publicou na semana passada seu
relatório “Estado do Clima Global”, registrando aumento recorde de calor
oceânico. O aumento do nível do mar dobrou entre 1993 e 2002, com perda de
geleiras acima da média. Recentemente escrevi, em conjunto com o professor Luiz
Marques da Unicamp, um artigo que questiona a métrica utilizada pelos países
para calcular suas emissões líquidas de gases efeito estufa (GEE), gerando dados
que são enviados para as Nações Unidas para modelagem global.
É
evidente que a base de dados sobre emissões está subestimada, ao não considerar
outros elementos, não antropogênicos, até mesmo efeitos indiretos do
aquecimento planetário, como a liberação de metano do permafrost.
O
sexto relatório do IPCC publicado no último mês de março é resultado de oito
anos de trabalho de um corpo científico que conta com centenas de especialistas
dos mais qualificados em todo o mundo. O relatório apresenta um cenário
preocupante, elencando perdas materiais e de vidas humanas.
Apesar
de a janela do tempo estar se esgotando para agir e reverter o cenário, o
relatório se esforça para passar a necessária dose de otimismo, de modo a
estimular ações necessárias.
O
quadro global trazido pelos relatórios da OMM e IPCC, além da falta de
metodologia adequada na coleta de dados, demonstra a falta de eficácia
governamental para enfrentar este desafio civilizatório. Estão esmaecendo a
pouca segurança que nos resta para uma possível contenção das mudanças
climáticas.
A
atual ultrapassagem de aumento médio de 1,1 grau Celsius lança dúvidas sobre a
capacidade humana de manter a temperatura dentro dos níveis aceitáveis de 1,5
grau preconizados como índice mais seguro pelo Painel Intergovernamental das
Mudanças Climáticas (IPCC).
De
outro lado, o IPCC aponta que os efeitos do aquecimento registram efeitos mais
severos do que se esperava, conforme demonstra o drástico índice de chuvas
registrado em fevereiro de 2023 no litoral norte paulista. O volume recorde de
627 mm de chuva se abateu sobre o município de São Sebastião em apenas 24
horas, provocando 68 mortes, deixando 1.730 desalojados e 766 desabrigados.
Os
riscos sobre vulnerabilidade decorrentes de ocupação inadequada do solo continuam
subestimados. Dentro da maior metrópole da América do Sul, a cidade de São
Paulo continua a crescer sem planejamento ambiental, com plano diretor que não
considera de forma efetiva os componentes essenciais das mudanças climáticas.
Sem estudos de impacto ambiental sobre a extensa ocupação nas áreas
originalmente ocupadas por várzeas, a sociedade civil e especialistas vêm
promovendo contínua demanda por estudos ambientais eficazes.
A
situação é ambientalmente insustentável, derivando da velha prática da especulação
imobiliária que prossegue seu ritmo de business as usual, mesmo dentro do atual
cenário da emergência climática. A defesa do status quo é mantida à custa de
esforços jurídicos governamentais que tutelam o processo e resistem até a
última instância (STF) contra a apresentação de estudos ambientais.
Observando
os últimos dados sobre o desmatamento da Amazônia e do Cerrado, é possível
compreender quão pouco eficiente tem sido a governança ambiental do país para
conter as mudanças climáticas. No corrente mês de março o índice de
desmatamento da Amazônia registrou 344 km², um aumento de aproximadamente 180%
com relação ao mês de março do ano passado.
A
maior parte do desmatamento (76%) decorre da grilagem e ocorre em áreas
privadas, o que exige fiscalização eficiente para sua contenção. O agravante é
que está deixando as bordas do Arco de Desmatamento e caminhando para o coração
da Amazônia, margeando as estradas federais, o que ameaça ainda mais a
resiliência da floresta, próxima do ponto de inflexão.
A
Mudança do Clima provoca o colapso do ecossistema sobre os elementos bióticos
que dependiam do ecossistema original. A iminência do colapso tornou-se uma
grande dor de cabeça para o mundo dos negócios. As preocupações iniciadas por
agentes de seguro, muitos dos quais irão à bancarrota com as tragédias
climáticas, movimentam hoje grupos mundiais de investidores que representam
cerca de US$ 130 trilhões. Exigem informações dos grupos empresariais sobre a
publicização das iniciativas de cerca de 10 mil empresas com relação aos seus
procedimentos quanto às mudanças climáticas.
Enquanto
a comunidade europeia caminha para cortar emissões veiculares a partir de 2035,
o Brasil sinaliza aumento expressivo na extração de petróleo com possível
exploração da margem equatorial brasileira, na região da foz do rio Amazonas.
Nas negociações multilaterais, sinalizadas na lista das andanças internacionais
do governo Lula, não estão Comunidade Europeia, onde especialmente a Alemanha
apresenta posições mais progressistas no combate às mudanças climáticas. Na
prática, o Brasil parece perseguir outros objetivos que não a de potência
global na área ambiental.
Os
sinais de colapso climático trazem à baila o grande problema para a
sobrevivência da humanidade: a segurança hídrica, alimentar, e a prevenção das
migrações em massa. O secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, apontou as
consequências drásticas que já atingem dezenas de milhões de pessoas com
migrações em massa decorrentes das secas na África Oriental e chuvas
devastadoras no Paquistão, em um cenário marcada por intenso desequilíbrio nos
ciclos naturais, como a floração das cerejeiras do Japão, que foi a mais
precoce em 1.200 anos.
Na
antessala do colapso, é preciso montar salas de situação, voltadas à governança
ambiental e climática, nas diferentes esferas da competência administrativa:
federal, estaduais e municipais. Nesse processo de resistência humanitária,
três elementos indispensáveis para a gestão pública ambiental serão essenciais:
o uso e aperfeiçoamento dos meios legais disponíveis; o concurso da ciência
para decisões informadas; e a transparência de dados, com participação e
controle social.
Fonte:
Entrevista com Jean Ometto, para IHU OnLine/((o))eco
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