O que são os 'círculos de fadas', formações em zonas áridas que ainda
intrigam cientistas
Os membros da tribo himba, da Namíbia, contam há
várias gerações que a forte respiração de um dragão deixou marcas sobre a
terra.
São marcas semicirculares, onde a vegetação nunca
mais cresceu. Ficou apenas a terra nua, cercada pelas ervas comuns dos áridos
terrenos do sudoeste africano.
Na década de 1970, o ecologista sul-africano Ken
Tinley percebeu que aqueles pedaços de terra eram parecidos com os famosos
anéis formados por cogumelos na Europa. Ele deu às formações o nome de
"círculos de fadas".
Tinley acreditava que eles pudessem ter sido
criados por cupins. Mas, até hoje, essas formações terrestres continuam sendo
um mistério. Os cientistas vêm debatendo há muitos anos e ainda não chegaram a
um acordo sobre a sua origem.
Mas uma nova pesquisa acrescentou um novo
componente à discussão. Os círculos de fadas não existem apenas no sudoeste
africano e no noroeste da Austrália, como se acreditava até agora.
"Do espaço, com a ajuda de um modelo baseado
em inteligência artificial, encontramos nas regiões áridas do mundo centenas de
lugares que nunca haviam sido descritos antes, com padrões de vegetação
idênticos aos círculos de fadas", explica à BBC News Mundo (o serviço em
espanhol da BBC) o cientista Emilio Guirado, da Universidade de Alicante, na
Espanha.
O estudo revelou que existem círculos de fadas em
pelo menos 15 países de três continentes.
Sua pesquisa não procurou desvendar a origem dessas
formações. Mas os dados apresentados podem ajudar a encontrar a resposta.
• Debate
de anos
Apesar do nome, os círculos de fadas costumam ser
formações hexagonais no solo. A vegetação não cresce no seu interior, mas no
seu entorno – pelo menos, na sua maior parte.
Depois das pesquisas de Tinley nos anos 1970, as
discussões científicas sobre as origens dos círculos de fadas avançaram em
direção a duas teorias principais.
Uma delas foi apresentada em 2013, pelo biólogo
alemão Norbert Jürgens. Depois de uma década de pesquisas, ele concluiu que os
círculos de fadas são formados pelos cupins subterrâneos.
Segundo Jürgens, esses insetos se alimentam das
raízes da vegetação que começa a crescer depois da chuva, gerando acúmulos de
água no subsolo e permitindo a sobrevivência dos cupins.
"Os cupins são insetos sociais que controlam
seu território, onde dispõem de água e comida, e as colônias defendem sua área
dos vizinhos, às vezes de forma muito agressiva", explicou Jürgens à BBC
News Mundo em 2016.
O biólogo alemão afirmou que os círculos de fadas
formam um "sistema de competição entre as colônias". Ele está
"totalmente seguro" sobre sua teoria, que, segundo ele, foi
confirmada por muitos dos seus colegas
Quase paralelamente, o ecologista alemão Stephan
Getzin e o físico israelense Ehud Meron se uniram para pesquisar os círculos de
fadas na Austrália. Eles defenderam que sua formação é explicada pela teoria da
auto-organização.
Meron explicou à BBC News Mundo, após a publicação
do seu estudo em 2016, que a natureza enfrenta a escassez de água com este
fenômeno.
Para o pesquisador, "organizando-se em
círculos, a vegetação dos arredores é beneficiada por uma fonte adicional de
água, já que a chuva nas clareiras do terreno encontra seu caminho através de
diversos mecanismos de transporte de água".
"Na Austrália, este mecanismo inclui o fluxo
de água por via terrestre, enquanto, na Namíbia, está relacionado com a difusão
da água armazenada", afirmou Meron.
Com isso, Meron e Getzin descartaram a teoria de
Jürgens, já que, segundo eles, não havia cupins nos círculos de fadas estudados
no noroeste da Austrália. Jürgens contestou a conclusão, afirmando que seus
colegas não teriam escavado o suficiente para encontrar os insetos.
• O que
diz a nova pesquisa?
A pesquisa da equipe de Emilio Guirado não procurou
encontrar as causas da formação dos círculos de fadas. Eles elaboraram um mapa
dos locais onde se encontram essas formações.
O cientista explicou que eles usaram dois modelos
de inteligência artificial e encontraram centenas de lugares com círculos de
fadas nas regiões áridas do mundo (que correspondem a 41% da superfície da
Terra).
Eles analisaram diversos fatores, como o clima, o
solo e fatores ambientais. E concluíram que, nos locais onde essas variáveis
são estáveis, existem círculos de fadas – particularmente, onde o solo é
arenoso.
"Analisamos centenas de milhares de imagens e
descobrimos centenas de padrões de vegetação idênticos aos círculos de fadas
nas zonas áridas do mundo", explica Guirado. "Este processo levou
pouco mais de um mês em um supercomputador com quatro unidades de processamento
gráfico [GPUs, na sigla em inglês]."
Com a ajuda de dois modelos de inteligência
artificial, eles pesquisaram 600 mil imagens de satélite dos serviços de
mapeamento do planeta, como o Google Earth, Bing Maps e Mapbox, em busca de
fotografias dos terrenos com maior resolução.
Com isso, eles conseguiram obter imagens mais
claras dos pontos áridos da Terra onde existe a presença dos círculos de fadas.
Como resultado, os pesquisadores encontraram
círculos de fadas em 263 pontos do planeta, localizados em 15 países da África,
Ásia e Oceania.
Entre essas regiões, estão o Sahel, na África, o
Saara Ocidental, o Chifre da África, Madagascar, o sudoeste asiático e a região
central da Austrália.
Questionado se suas pesquisas trazem alguma
explicação sobre a origem desses padrões, o cientista espanhol responde que a
incógnita permanece. Ele não descarta nem defende as hipóteses que já foram
apresentadas.
O certo é que se trata de um fenômeno das terras
áridas, já que seria quase impossível observá-las em outras regiões.
"Teoricamente, nos locais onde a precipitação
é maior, os círculos se fechariam", explica Guirado.
Fonte: BBC News Brasil
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