quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Vírus da dengue e zika manipulam odor para atrair mosquitos

Os vírus causadores da dengue e zika são capazes de "sequestrar" o odor corporal do hospedeiro, tornando-o mais atraente para os mosquitos. Os insetos são os principais vetores de certas doenças tropicais, ao picar um animal saudável após haver sugado o sangue de outro infectado.

Um estudo científico publicado pela revista Cell em 30 de junho mostrou que quando humanos e camundongos são infectados com os vírus da dengue ou zika, eles secretam uma substância química que os torna mais apetitosos para os mosquitos.

Uma pesquisa de 2014 já mostrara que o parasita plasmódio, causador da malária, tem a propriedade de manipular o cheiro do corpo do hospedeiro para atrair mosquitos, promovendo a própria proliferação. Então, partindo da hipótese de que os vírus das doenças tropicais desenvolveram um mecanismo semelhante, os cientistas resolveram perguntar aos próprios insetos.

Dois grupos de camundongos foram colocados em áreas cercadas: um infectado com os flavivírus causadores da zika ou dengue, o outro saudável. Quando então tiveram opção de escolher o sangue de quem preferiam sugar, dois terços mosquitos preferiram o cerco dos animais infectados.

·         "Sugue meu sangue, estou doente"

Para compreender o mecanismo por trás desse resultado, os pesquisadores também tiraram amostras do ar dentro dos cercos. Segundo o coautor Gong Cheng, foi detectado um total de 422 substâncias químicas voláteis, apenas algumas das quais diferiam entre os dois locais.

Testes subsequentes demonstraram que o que mais estimulava o olfato dos insetos predadores era a acetofenona, substância encontrada naturalmente em alimentos como maçãs, damascos, bananas, couve-flor, queijo e carne de vaca. Porém as cobaias contaminadas com vírus a produziam em quantidade dez vezes superiores ao grupo de controle.

O próximo passo foi "perfumar" com acetofenona os camundongos – e alguns voluntários humanos –, o que confirmou que os mosquitos são de fato atraídos por seu cheiro.

Cheng e colegas constataram que os níveis mais elevados do composto são causados por interações entre a microbiota epidérmica dos hospedeiros, os flavivírus e os mosquitos. As bactérias produtoras de acetofenona crescem naturalmente na pele, e em condições normais seu crescimento é gerido por uma proteína antimicrobiana secretada pelas células epidérmicas.

Nos pacientes de dengue ou zika, porém, essa proteína é menos ativa, o que eleva os níveis de acetofenona, atraindo mosquitos famintos. Ou seja: os flavivírus instrumentalizam o cheiro da substância para se proliferar.

·         Remédio de acne contra a dengue?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a cada ano 390 milhões de indivíduos são infectados com o vírus da dengue. Quase a metade da população mundial vive em áreas em que há risco de contrair a moléstia, e a má infraestrutura de tratamento pode contribuir para níveis de mortalidade desnecessariamente elevados.

Assim, estão se analisando meios para coibir a emissão de acetofenona depois que ocorre uma infecção, a fim de reduzir as picadas de mosquitos transmissores. Uma possibilidade é isotretinoína, um medicamento antiacne derivado da vitamina A, produzido comercialmente.

Em laboratório, os camundongos portadores de zika ou dengue que receberam o produto oralmente perderam atratividade olfativa para mosquitos, que passaram a encará-los como se não estivessem infectados.

"Talvez vamos desenvolver um caminho inédito para interromper a disseminação de flavivírus por mosquitos no futuro", anuncia Cheng. As pesquisas devem continuar, já que ainda não se pode excluir que os humanos secretem compostos voláteis diferentes dos das cobaias.

 

·         Mosquitos modificados podem reduzir casos de dengue

 

Mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia podem estar associados a uma queda de 97% nas infecções de dengue em três cidade do vale de Aburra, na Colômbia, segundo o resultado de um estudo realizado pelo programa sem fins lucrativos World Mosquito, que foi divulgado no final de outubro.

Pesquisadores do World Mosquito buscam diminuir a disseminação de doenças potencialmente mortais transmitidas por mosquitos, como dengue, zika e febre amarela, espalhando milhões deste tipo de inseto infectados por Wolbachia em regiões onde essas doenças são comuns.

A bactéria Wolbachia diminui significativamente a capacidade dos mosquitos Aedes aegypti – um dos maiores transmissores de doenças vetoriais em todo o mundo – de transmitirem doenças. A fêmea infectada transmite a bactéria aos filhotes, perpetuando a Wolbachia nas próximas gerações. O cruzamento natural garante a perpetuação dos mosquitos com a bactéria e não exige novas liberações depois que a população de mosquitos com a Wolbachia se estabelece.

Após uma fase inicial de testes na cidade colombiana de Bello, em 2015, os pesquisadores ampliaram a liberação destes mosquitos infectados para Medellín e Itagui. Apesar de pesquisas semelhantes ocorrerem em outras partes do mundo, esta é a maior já realizada pelo programa.

Em abril de 2022, os cientistas concluíram que cerca de 80% de todos os mosquitos em Bello e Itagui e 60% em Medellín haviam sido contaminados pela bactéria através da reprodução cruzada. Para verificar o impacto desta mudança na transmissão da dengue, foram avaliados o número de casos reportados durante a liberação dos mosquitos infectados até julho de 2022.

·         Eficácia real

Os pesquisadores concluíram que a introdução dos mosquitos infectados nas populações locais de mosquitos esteve "associada a uma redução significativa" dos casos de dengue em até 97% em cada cidade, em comparação com os dados registrados dez anos antes do início do experimento.

Também foi realizado um estudo de controle de casos em Medellín, onde foi encontrada uma associação causal entre a chegada dos mosquitos infectados e a redução dos casos de dengue. Segundo os pesquisadores, os resultados demonstraram uma diminuição de 47% na incidência de dengue nos bairros onde esses mosquitos foram liberados.

Eles afirmam que essa foi a maior liberação contínua desses insetos. Os resultados positivos "destacam a viabilidade operacional e a eficácia no mundo real da liberação em grandes contextos urbanos e a reprodutibilidade dos benefícios para a saúde pública em contextos ecológicos diferentes".

Apesar de o estudo realizado na Colômbia ser o mais amplo já concluído, os pesquisadores do programa World Mosquito realizam experimentos semelhantes em outros países. Um estudo em Yogyakarta, na Indonésia, mostrou uma redução de 77% nos casos de dengue após a aplicação deste método. No Brasil, até o momento, foi registrada uma diminuição de 38%.

"Uma vez introduzidos nas populações locais, os mosquitos com Wolbachia permanecem por lá. Não é necessário liberar mais mosquitos", explicou à DW o biólogo Rafael Maciel de Freitas, da Fundação Oswaldo Cruz e do Instituto de Medicina Tropical Bernhard Nocht.

Freitas, porém, alertou para a preocupação de que esse método possa não funcionar para sempre, dada a grande possibilidade de o patógeno da dengue encontrar um meio de se adaptar e contornar a bactéria Wolbachia. "O vírus provavelmente encontrará um caminho para superar esse efeito", observou.

"Eu não diria que a Wolbachia é a solução para a dengue, mas acho que temos uma resposta melhor para a doença através desse caminho", disse Freitas.

·         Ressalvas

Tudo isso soa como uma boa notícia, e pode até ser. Há, porém, algumas ressalvas, como o alto custo de implementação dos métodos do programa World Mosquito.

Além disso, ainda não está claro se a diminuição dos casos de dengue observada na Colômbia e em outros lugares pode ser atribuída somente a esse método. A doença ocorre em ondas, ou seja, cidades com muitos e frequentes casos no passado podem passar anos sem novos surtos.

Há também algumas regiões onde os mosquitos infectados pela Wolbachia parecem não reduzir os casos de dengue ou houve uma diminuição moderada em comparação com outros locais. Os cientistas ainda não sabem quais fatores deixam algumas regiões mais resistentes a esse método.

O programa World Mosquito quer ampliar suas operações na próxima década, já tendo anunciado os planos de construção de uma fábrica no Brasil para produzir 5 bilhões de mosquitos infectados com Wolbachia por ano.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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