Vírus da dengue e
zika manipulam odor para atrair mosquitos
Os
vírus causadores da dengue e zika são capazes
de "sequestrar" o odor corporal do hospedeiro, tornando-o mais
atraente para os mosquitos. Os insetos são os principais vetores de certas
doenças tropicais, ao picar um animal saudável após haver sugado o sangue de
outro infectado.
Um
estudo científico publicado pela revista Cell em 30 de junho
mostrou que quando humanos e camundongos são infectados com os vírus da dengue
ou zika, eles secretam uma substância química que os torna mais apetitosos para
os mosquitos.
Uma
pesquisa de 2014 já mostrara que o parasita plasmódio, causador da malária, tem
a propriedade de manipular o cheiro do corpo do hospedeiro para atrair
mosquitos, promovendo a própria proliferação. Então, partindo da hipótese de
que os vírus das doenças tropicais desenvolveram um mecanismo semelhante, os
cientistas resolveram perguntar aos próprios insetos.
Dois
grupos de camundongos foram colocados em áreas cercadas: um infectado com os
flavivírus causadores da zika ou dengue, o outro saudável. Quando então tiveram
opção de escolher o sangue de quem preferiam sugar, dois terços mosquitos
preferiram o cerco dos animais infectados.
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"Sugue meu sangue, estou doente"
Para
compreender o mecanismo por trás desse resultado, os pesquisadores também
tiraram amostras do ar dentro dos cercos. Segundo o coautor Gong Cheng, foi
detectado um total de 422 substâncias químicas voláteis, apenas algumas das
quais diferiam entre os dois locais.
Testes
subsequentes demonstraram que o que mais estimulava o olfato dos insetos
predadores era a acetofenona, substância encontrada naturalmente em alimentos
como maçãs, damascos, bananas, couve-flor, queijo e carne de vaca. Porém as
cobaias contaminadas com vírus a produziam em quantidade dez vezes superiores
ao grupo de controle.
O
próximo passo foi "perfumar" com acetofenona os camundongos – e
alguns voluntários humanos –, o que confirmou que os mosquitos são de fato
atraídos por seu cheiro.
Cheng
e colegas constataram que os níveis mais elevados do composto são causados por
interações entre a microbiota epidérmica dos hospedeiros, os flavivírus e os
mosquitos. As bactérias produtoras de acetofenona crescem naturalmente na pele,
e em condições normais seu crescimento é gerido por uma proteína antimicrobiana
secretada pelas células epidérmicas.
Nos
pacientes de dengue ou zika, porém, essa proteína é menos ativa, o que eleva os
níveis de acetofenona, atraindo mosquitos famintos. Ou seja: os flavivírus
instrumentalizam o cheiro da substância para se proliferar.
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Remédio de acne contra a dengue?
A
Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a cada ano 390 milhões de
indivíduos são infectados com o vírus da dengue. Quase a metade da população
mundial vive em áreas em que há risco de contrair a moléstia, e a má
infraestrutura de tratamento pode contribuir para níveis de mortalidade
desnecessariamente elevados.
Assim,
estão se analisando meios para coibir a emissão de acetofenona depois que
ocorre uma infecção, a fim de reduzir as picadas de mosquitos transmissores.
Uma possibilidade é isotretinoína, um medicamento antiacne derivado da vitamina
A, produzido comercialmente.
Em
laboratório, os camundongos portadores de zika ou dengue que receberam o
produto oralmente perderam atratividade olfativa para mosquitos, que passaram a
encará-los como se não estivessem infectados.
"Talvez
vamos desenvolver um caminho inédito para interromper a disseminação de
flavivírus por mosquitos no futuro", anuncia Cheng. As pesquisas devem
continuar, já que ainda não se pode excluir que os humanos secretem compostos
voláteis diferentes dos das cobaias.
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Mosquitos
modificados podem reduzir casos de dengue
Mosquitos
infectados com a bactéria Wolbachia podem estar associados a
uma queda de 97% nas infecções de dengue em três cidade do vale de Aburra, na
Colômbia, segundo o resultado de um estudo realizado pelo programa sem fins
lucrativos World Mosquito, que foi divulgado no final de outubro.
Pesquisadores
do World Mosquito buscam diminuir a disseminação de doenças potencialmente
mortais transmitidas por mosquitos, como dengue, zika e febre amarela,
espalhando milhões deste tipo de inseto infectados por Wolbachia em
regiões onde essas doenças são comuns.
A
bactéria Wolbachia diminui significativamente a capacidade dos
mosquitos Aedes aegypti – um dos maiores transmissores
de doenças vetoriais em todo o mundo – de transmitirem doenças. A fêmea
infectada transmite a bactéria aos filhotes, perpetuando a Wolbachia nas
próximas gerações. O cruzamento natural garante a perpetuação dos mosquitos com
a bactéria e não exige novas liberações depois que a população de mosquitos com
a Wolbachia se estabelece.
Após
uma fase inicial de testes na cidade colombiana de Bello, em 2015, os
pesquisadores ampliaram a liberação destes mosquitos infectados para Medellín e
Itagui. Apesar de pesquisas semelhantes ocorrerem em outras partes do mundo,
esta é a maior já realizada pelo programa.
Em
abril de 2022, os cientistas concluíram que cerca de 80% de todos os mosquitos
em Bello e Itagui e 60% em Medellín haviam sido contaminados pela bactéria
através da reprodução cruzada. Para verificar o impacto desta mudança na
transmissão da dengue, foram avaliados o número de casos reportados durante a
liberação dos mosquitos infectados até julho de 2022.
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Eficácia real
Os
pesquisadores concluíram que a introdução dos mosquitos infectados nas
populações locais de mosquitos esteve "associada a uma redução
significativa" dos casos de dengue em até 97% em cada cidade, em
comparação com os dados registrados dez anos antes do início do experimento.
Também
foi realizado um estudo de controle de casos em Medellín, onde foi encontrada
uma associação causal entre a chegada dos mosquitos infectados e a redução dos
casos de dengue. Segundo os pesquisadores, os resultados demonstraram uma
diminuição de 47% na incidência de dengue nos bairros onde esses mosquitos
foram liberados.
Eles
afirmam que essa foi a maior liberação contínua desses insetos. Os resultados
positivos "destacam a viabilidade operacional e a eficácia no mundo real
da liberação em grandes contextos urbanos e a reprodutibilidade dos benefícios
para a saúde pública em contextos ecológicos diferentes".
Apesar
de o estudo realizado na Colômbia ser o mais amplo já concluído, os
pesquisadores do programa World Mosquito realizam experimentos semelhantes em
outros países. Um estudo em Yogyakarta, na Indonésia, mostrou uma redução de
77% nos casos de dengue após a aplicação deste método. No Brasil, até o momento, foi registrada uma
diminuição de 38%.
"Uma
vez introduzidos nas populações locais, os mosquitos com Wolbachia permanecem
por lá. Não é necessário liberar mais mosquitos", explicou à DW o biólogo
Rafael Maciel de Freitas, da Fundação Oswaldo Cruz e do Instituto de Medicina
Tropical Bernhard Nocht.
Freitas,
porém, alertou para a preocupação de que esse método possa não funcionar para
sempre, dada a grande possibilidade de o patógeno da dengue encontrar um meio
de se adaptar e contornar a bactéria Wolbachia. "O vírus
provavelmente encontrará um caminho para superar esse efeito", observou.
"Eu
não diria que a Wolbachia é a solução para a dengue, mas acho
que temos uma resposta melhor para a doença através desse caminho", disse Freitas.
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Ressalvas
Tudo
isso soa como uma boa notícia, e pode até ser. Há, porém, algumas ressalvas,
como o alto custo de implementação dos métodos do programa World Mosquito.
Além
disso, ainda não está claro se a diminuição dos casos de dengue observada na
Colômbia e em outros lugares pode ser atribuída somente a esse método. A doença
ocorre em ondas, ou seja, cidades com muitos e frequentes casos no passado
podem passar anos sem novos surtos.
Há
também algumas regiões onde os mosquitos infectados pela Wolbachia parecem
não reduzir os casos de dengue ou houve uma diminuição moderada em comparação
com outros locais. Os cientistas ainda não sabem quais fatores deixam algumas
regiões mais resistentes a esse método.
O
programa World Mosquito quer ampliar suas operações na próxima década, já tendo
anunciado os planos de construção de uma fábrica no Brasil para produzir 5
bilhões de mosquitos infectados com Wolbachia por ano.
Fonte:
Deutsche Welle
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